Mostrando postagens com marcador Art. 50 do CC. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Art. 50 do CC. Mostrar todas as postagens

2 de maio de 2021

REsp 1.766.093-SP: Desconsideração da Personalidade Jurídica - Teoria Maior

 2. Da desconsideração da personalidade jurídica 

Em suas razões recursais, as recorrentes alegam a ocorrência de violação ao art. 50 do CC/2002, que permite a desconsideração da personalidade jurídica em hipóteses de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, conforme sua redação original: 

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 

Ressalte-se, apenas para fins informativos, que a Medida Provisória 881/2019, que institui a declaração de liberdade econômica, fez uma série de alterações nesse dispositivo, com a intenção de melhor definir os requisitos necessários para a ocorrência da desconsideração, bem como traçar limites mais claros para as suas consequências, in verbis: 

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. 

§ 1º Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. 

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: 

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; 

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e 

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. 

§ 3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. 

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. 

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. 

Mesmo em sua redação original, a doutrina afirma que a art. 50 do CC/2002 adotava a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, isto é, aquela que afirma que, para atingir o patrimônio dos sócios e administradores, deve haver demonstração de abuso desta personalidade. 

No âmbito da jurisprudência do STJ, fixou-se a que o art. 50 do CC/2002 deve ser aplicado somente em hipóteses extremas, em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou a confusão patrimonial, in verbis: 

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ARTIGO 50, DO CC. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REQUISITOS. ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES OU DISSOLUÇÃO IRREGULARES DA SOCIEDADE. INSUFICIÊNCIA. DESVIO DE FINALIDADE OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. DOLO. NECESSIDADE. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. ACOLHIMENTO. 1. A criação teórica da pessoa jurídica foi avanço que permitiu o desenvolvimento da atividade econômica, ensejando a limitação dos riscos do empreendedor ao patrimônio destacado para tal fim. Abusos no uso da personalidade jurídica justificaram, em lenta evolução jurisprudencial, posteriormente incorporada ao direito positivo brasileiro, a tipificação de hipóteses em que se autoriza o levantamento do véu da personalidade jurídica para atingir o patrimônio de sócios que dela dolosamente se prevaleceram para finalidades ilícitas. Tratando-se de regra de exceção, de restrição ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a interpretação que melhor se coaduna com o art. 50 do Código Civil é a que relega sua aplicação a casos extremos, em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou a confusão patrimonial. 2. O encerramento das atividades ou dissolução, ainda que irregulares, da sociedade não são causas, por si só, para a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do Código Civil. 3. Embargos de divergência acolhidos. (EREsp 1306553/SC, Segunda Seção, DJe 12/12/2014) 

Em contraposição à teoria maior, existe a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, a qual propõe que o patrimônio de sócios e administradores pode ser atingido toda vez que a pessoa jurídica se constituir em obstáculo à satisfação do direito de crédito, a qual vem abrigada pelo art. 28, § 5º, do CDC. 

Na hipótese dos autos, verifica-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua Segunda Seção, fixou sua jurisprudência na recentíssima Súmula 602/STJ, na qual foi consolidado o entendimento de que “o CDC é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas”. 

Dessa forma, como a PAULICOOP é cooperativa do ramo habitacional – em cujo conselho fiscal participavam as recorrentes –, o acórdão recorrido, ao reconhecer a incidência do CDC, se encontra em harmonia com a jurisprudência desta Corte, não merecendo reforma no ponto. 

EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EMPREENDIMENTO HABITACIONAL. SOCIEDADE COOPERATIVA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. TEORIA MENOR. ART. 28, § 5º, DO CDC. MEMBRO DE CONSELHO FISCAL. ATOS DE GESTÃO. PRÁTICA. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA. INAPLICABILIDADE.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.766.093 - SP (2018/0234790-9) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA 

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EMPREENDIMENTO HABITACIONAL. SOCIEDADE COOPERATIVA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. TEORIA MENOR. ART. 28, § 5º, DO CDC. MEMBRO DE CONSELHO FISCAL. ATOS DE GESTÃO. PRÁTICA. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA. INAPLICABILIDADE. 

1. Para fins de aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica (art. 28, § 5º, do CDC), basta que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor ou o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados. 

2. A despeito de não se exigir prova de abuso ou fraude para fins de aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, tampouco de confusão patrimonial, o § 5º do art. 28 do CDC não dá margem para admitir a responsabilização pessoal de quem jamais atuou como gestor da empresa. 

3. A desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade cooperativa, ainda que com fundamento no art. 28, § 5º, do CDC (Teoria Menor), não pode atingir o patrimônio pessoal de membros do Conselho Fiscal sem que que haja a mínima presença de indícios de que estes contribuíram, ao menos culposamente, e com desvio de função, para a prática de atos de administração. 

4. Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Moura Ribeiro, decide a Terceira Turma, por maioria, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que lavrará o acórdão. Vencida a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Votaram com o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro. 

Brasília (DF), 12 de novembro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por IVONE JUSTINO e LUCILENE MARIA DE OLIVEIRA PEREIRA, exclusivamente com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/SP. 

Ação: exceção de pré-executividade oposta pelas recorrentes contra a decisão que as incluíram no polo passivo de uma execução. Na origem, tratava-se de ação de rescisão e restituição de valores ajuizada pela recorrida LUCIANE VENTURA FERREIRA DE SOUZA em faze de PAULICOOP – PLANEJAMENTO E ASSESSORIA A COOPERATIVAS HABITACIONAIS LTDA. e COOPERAÇÃO COOPERATIVA HABITACIONAL, em fase de cumprimento de sentença, tramitando no Juízo da 6º Vara Cível da Comarca de Barueri/SP. Em fase de execução da sentença, a recorrida LUCIANE requereu a desconsideração da personalidade jurídica da cooperativa, com a inclusão de ambas as recorrentes no polo passivo da execução, pois eram membros do conselho fiscal da entidade. 

Decisão: deferiu a desconstituição da personalidade jurídica da cooperativa e determinou a inclusão das recorrentes no polo passivo da execução promovida pela recorrida LUCIANE. 

Acórdão: no julgamento do agravo de instrumento interposto pelas recorrentes, o Tribunal de origem negou provimento ao recurso, mantendo íntegra a decisão agravada, conforme a ementa abaixo: 

Ementa: Agravo de Instrumento – Cumprimento de sentença – Insurgência contra decisão que desconsiderou a personalidade jurídica da devedora e determinou a inclusão das Agravantes no polo passivo da demanda – CDC que adota a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, bastando a comprovação de que a insolvência da devedora constitui obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor – Inteligência do art. 18, § 5º do CDC – Integrante do Conselho Fiscal que se equipara ao administrador da sociedade para todos os efeitos (art. 1.070 do CC combinado com o art. 165 da lei 6.404/76) – Precedente desta Corte – Recurso improvido. 

Recurso especial: alega violação ao art. 50 do CC/2002, alegando que, na qualidade de simples membros do conselho fiscal de cooperativa, não poderiam ser responsáveis por atos imputáveis à diretoria da entidade. 

O recurso especial foi admitido pelo Tribunal de origem. 

É o relatório. 


VOTO-VISTA VENCEDOR 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator p/ acórdão): Cinge-se a controvérsia a definir, à luz das regras aplicáveis à desconsideração da personalidade jurídica, se é possível incluir no polo passivo de ação de rescisão contratual cumulada com pedido de restituição de valores pagos, já em fase de cumprimento de sentença, membros do conselho fiscal de cooperativa habitacional. 

Nas razões do recurso especial, as recorrentes apontam violação do art. 50 do Código Civil, alegando, em síntese, que, na qualidade de simples membros do conselho fiscal da cooperativa, não poderiam ser responsáveis por atos imputáveis à diretoria da entidade. 

A ilustre Relatora, Ministra Nancy Andrighi, negou provimento ao recurso ao entendimento de que: a) o Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas (Súmula nº 602/STJ); b) em se tratando de vínculo de índole consumerista, é possível a utilização da chamada Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, a qual se contenta com o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores (art. 28, caput e § 5º, do CDC); c) na hipótese, por aplicação da Teoria Menor, estão presentes os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica das recorrentes, que poderão demonstrar em sede apropriada que não podem ser responsabilizadas pelas dívidas da entidade cooperativa. 

Para melhor compreensão da controvérsia, pedi vista dos autos. 

A aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica orienta-se pelas disposições do art. 50 do Código Civil (Teoria Maior) ou do art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor (Teoria Menor), a depender da natureza jurídica da relação estabelecida entre os litigantes. 

Para aplicação da Teoria Maior da desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do CC/2002), exige-se a comprovação de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade (ato intencional dos sócios com intuito de fraudar terceiros) ou confusão patrimonial, requisitos que não se presumem mesmo em casos de dissolução irregular ou de insolvência da sociedade empresária. 

No entanto, conforme salientado no voto da Relatora, é firme o entendimento desta Corte Superior de que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas, nos exatos termos da Súmula nº 602/STJ. 

Assim, presente a hipótese de relação consumerista, incide na espécie o art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe: 

"Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. (...) § 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores." (grifou-se) 

A Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica é mais ampla e mais benéfica ao consumidor, não se exigindo prova da fraude ou do abuso de direito. Tampouco é necessária a prova da confusão patrimonial, bastando que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor ou o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados. 

No julgamento do REsp nº 279.273/SP, envolvendo o triste episódio que vitimou diversos consumidores em explosão ocorrida no interior de um shopping center na cidade de Osasco/SP, instaurou-se acirrado debate acerca da autonomia conferida ao § 5º do dispositivo legal em comento, tendo prevalecido, naquela oportunidade, o entendimento capitaneado pela Ministra Nancy Andrighi, sintetizado na seguinte ementa: 

"Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º. - Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum. - A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). - A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. - Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. - A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. - Recursos especiais não conhecidos." (REsp 279.273/SP, TERCEIRA TURMA, julgado em 4/12/2003, DJ 29/3/2004 - grifou-se) 

No entanto, não obstante concordar com a tese de que é possível considerar o § 5º do art. 28 do CDC como hipótese autônoma e independente daquelas previstas em seu caput, na linha do que decidiu esta Corte Superior, Zelmo Denari acentua que a desconsideração da personalidade jurídica, mesmo em tal hipótese, somente pode atingir pessoas incumbidas da gestão da empresa: 

"(...) tendo presente que não se deve jamais concluir que uma norma não deva ser aplicada a nenhum caso ou, pior ainda, que carece de significado, podemos concluir que, no caso enfocado, a melhor interpretação é aquela que dá conteúdo dispositivo ao § 5º do art. 28. Assim sendo, uma releitura abrangente do texto em causa nos permite considerar que o juiz pode desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade diante das seguintes proposições alternativas: a)quando houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social; b)quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica; c)quando, de alguma forma, sua personalidade servir de obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Por todo o exposto, a partir do julgamento deste leading case [REsp nº 279.273/SP], filiamo-nos à corrente que prega a aplicabilidade do § 5º do art. 28 do CDC, por entender que nosso legislador acolheu, sem reservas, a tese do amplo espectro da desconsideração da personalidade jurídica, para aplicá-la sempre que a personalidade jurídica – de alguma forma, rectius, de qualquer modo – for obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados aos consumidores. De resto, entendemos que o instituto da desconsideração não deve ser aplicado à la diable. A pessoalização da responsabilidade deve recair sobre as pessoas incumbidas da gestão da empresa, como os sócios-gerentes das limitadas ou os administradores de sociedades por ações, bem como sobre o acionista controlador ou sócio majoritário, nos exatos termos do § 1º do art. 28, o qual, em que pese ter sido vetado, deve iluminar, como lanterna de proa, o campo visual do aplicador da norma." (Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 10. ed. revista, atualizada e reformulada, vol. I, Direito Material (arts. 1º a 80 e 105 a 108) - Rio de Janeiro: Forense, 2011, pág. 258 - grifou-se) 

Assim, a despeito de não se exigir prova de abuso ou fraude para fins de aplicação da Teoria Menor, tampouco de confusão patrimonial, o § 5º do art. 28 do CDC não dá margem para admitir a responsabilização pessoal de quem jamais atuou como gestor da empresa. 

O art. 47 da Lei nº 5.764/1971, que instituiu o regime jurídico das sociedades cooperativas, preceitua que "(...) a sociedade será administrada por uma Diretoria ou Conselho de Administração, composto exclusivamente de associados eleitos pela Assembléia Geral" (grifou-se). 

Nesse mesmo diploma legal, foi dedicado um único artigo para definir as atribuições e a forma de composição do Conselho Fiscal, o que foi feito de maneira absolutamente genérica: 

"Art. 56. A administração da sociedade será fiscalizada, assídua e minuciosamente, por um Conselho Fiscal, constituído de 3 (três) membros efetivos e 3 (três) suplentes, todos associados eleitos anualmente pela Assembléia Geral, sendo permitida apenas a reeleição de 1/3 (um terço) dos seus componentes. § 1º Não podem fazer parte do Conselho Fiscal, além dos inelegíveis enumerados no artigo 51, os parentes dos diretores até o 2º (segundo) grau, em linha reta ou colateral, bem como os parentes entre si até esse grau. § 2º O associado não pode exercer cumulativamente cargos nos órgãos de administração e de fiscalização." (grifou-se) 

No âmbito doutrinário, Nilson Reis Júnior melhor delimita os limites de atuação dos membros do Conselho Fiscal nas sociedades cooperativas: 

"(...) O conselho fiscal é o órgão de controle das atividades sociais e, portanto, o principal instrumento, conferido pela lei aos cooperados, de fiscalização da gestão da cooperativa. A atuação do conselho fiscal e dos seus membros está sujeita a limites precisos. De um lado, é mero fiscal e não pode substituir os administradores da companhia no tocante à melhor forma de conduzir os negócios sociais. Não lhe compete apreciar a economicidade das decisões da diretoria ou conselho de administração nem interferir na conveniência dos negócios realizados. Sua tarefa limita-se aos aspectos da legalidade e regularidade dos atos de gestão. De outro lado, o conselho fiscal tem atuação interna, ou seja, os destinatários de seus atos são os órgãos sociais." (Aspectos societários das cooperativas, Belo Horizonte: Mandamentos, 2006, pág. 105 - grifou-se) 

Interessante notar que os dois últimos parágrafos do preceito legal supratranscrito vedam expressamente o exercício cumulativo de cargos nos órgãos de administração e de fiscalização e que parentes de diretores até o segundo grau sejam integrantes do Conselho Fiscal, justamente para evitar que um órgão exerça indevida influência nas deliberações do outro, seja por ato omissivo ou comissivo. 

Repisa-se, ainda, consoante já salientado pela Ministra Nancy Andrighi, que a Lei das Sociedades Cooperativas equipara os componentes do Conselho Fiscal aos administradores das sociedades anônimas apenas para efeito de responsabilidade criminal (art. 53), não se aplicando o referido dispositivo, portanto, às relações de natureza civil. 

No caso em apreço, ao manter as recorrentes no polo passivo da execução, o magistrado de primeiro grau de jurisdição invocou as disposições contidas nos arts. 1.070 do Código Civil, 165 da Lei nº 6.404/1976, 56 da Lei nº 5.764/1971 e 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor (e-STJ fls. 30-34). 

De fato, o art. 1.070 do Código Civil, ao tratar da sociedade limitada, submete os membros do Conselho Fiscal, em matéria de responsabilidade, às mesmas regras aplicáveis aos administradores. No entanto, ao fazer expressa remissão ao art. 1.016 do mesmo código, condiciona a responsabilização do membro do conselho fiscal perante a sociedade e terceiros prejudicados à demonstração de culpa no desempenho de suas funções. 

Confira-se a redação dos dispositivos legais mencionados: 

"Art. 1.070. As atribuições e poderes conferidos pela lei ao conselho fiscal não podem ser outorgados a outro órgão da sociedade, e a responsabilidade de seus membros obedece à regra que define a dos administradores (art. 1.016)." (grifou-se) 

"Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções." (grifou-se) 

É semelhante o tratamento conferido pelo legislador aos membros do Conselho Fiscal nas sociedades anônimas, a teor do disposto no art. 165 da Lei nº 6.404/1976, que teve sua redação alterada pela Lei nº 10.303/2001: 

"Art. 165. Os membros do conselho fiscal têm os mesmos deveres dos administradores de que tratam os arts. 153 a 156 e respondem pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de seus deveres e de atos praticados com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do estatuto. § 1º Os membros do conselho fiscal deverão exercer suas funções no exclusivo interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o exercício da função com o fim de causar dano à companhia, ou aos seus acionistas ou administradores, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia, seus acionistas ou administradores. § 2º O membro do conselho fiscal não é responsável pelos atos ilícitos de outros membros, salvo se com eles foi conivente, ou se concorrer para a prática do ato. § 3º A responsabilidade dos membros do conselho fiscal por omissão no cumprimento de seus deveres é solidária, mas dela se exime o membro dissidente que fizer consignar sua divergência em ata da reunião do órgão e a comunicar aos órgãos da administração e à assembléia-geral." (grifou-se) 

Desse modo, parece-me temerário admitir que a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade cooperativa, ainda que com fundamento no art. 28, § 5º, do CDC (Teoria Menor), possa atingir o patrimônio pessoal de membros do Conselho Fiscal sem que haja a mínima presença de indícios de que estes contribuíram, ao menos culposamente, e com desvio de função, para a prática de atos de administração. 

Na absoluta ausência desses indícios, entende-se ser possível reconhecer a ilegitimidade passiva dos membros do Conselho Fiscal para figurar no polo passivo de execução fundada em título judicial extraído de demanda originariamente proposta contra a pessoa jurídica, mesmo na estreita via da exceção de pré-executividade. 

Ante o exposto, pedindo as mais respeitosas vênias à Relatora, Ministra Nancy Andrighi, dou provimento ao recurso especial para, acolhendo a exceção de pré-executividade oposta pelas recorrentes, determinar que elas sejam excluídas do polo passivo da execução. 

É o voto. 

VOTO-VISTA 

O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO: Adotado o relatório lançado pela eminente Ministra NANCY ANDRIGHI, passo a análise do recurso. 

Em seu voto, a eminente Ministra Relatora negou provimento ao presente recurso por entender que deve ser mantida, com base na Teoria Menor, a desconsideração da personalidade jurídica da Cooperativa Habitacional para incluir os membros do seu conselho fiscal (IVONE e LUCIENE), no polo passivo da demanda que está em fase de cumprimento de sentença. 

Após mencionado voto, o eminente Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVAS inaugurou a divergência uma vez que em seu entender seria temerário se admitir a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade cooperativa, ainda que com fundamento no art. 28, §5º, do CDC (Teoria Menor) para atingir o patrimônio pessoal de membros do Conselho Fiscal, sem a presença de indícios de que estes contribuíram, ao menos culposamente, com desvio de função, para a prática de atos de administração. 

A divergência inaugurada pelo eminente Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVAS foi acompanhada pelos eminentes Ministros PAULO DE TARSO SANSEVERINO e MARCO AURÉLIO BELLIZZE. 

Proferidos os votos, pedi vista para melhor pensar sobre o caso. 

Rendendo minhas homenagens a eminente Ministra Relatora e reconhecendo a profundidade jurídica de seu voto, ouso dela discordar no sentido de acompanhar a divergência inaugurada pelo eminente Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVAS. 

Também entendo que a desconsideração da personalidade jurídica, seja ela realizada com base na Teoria Maior ou na Teoria Menor, não pode ser decretada para admitir a responsabilização civil e pessoal de quem, além de não agir com culpa no desempenho de suas funções, não possui poder de gestão na cooperativa devedora nem dela seja controlador ou cooperado majoritário, até por se tratar de Sociedade Cooperativa que possui regramento distinto das Sociedades Limitadas e Anônimas 

Diante do todo exposto, rogando vênia a eminente Ministra NANCY ANDRIGHI, ouso dela divergir para acompanhar o bem lançado voto proferido pelo eminente Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, que foi acompanhado pelos Ministros PAULO DE TARSO SANSEVERINO e MARCO AURÉLIO BELLIZZE e também DOU PROVIMENTO ao recurso especial para acolher a exceção de preexecutividade oposta por IVONE e LUCIENE no sentido de excluí-las do polo passivo da execução. 


VOTO VENCIDO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): O propósito recursal consiste em determinar a possibilidade de responsabilizar membros do conselho fiscal de cooperativa por dívidas assumidas e não pagas desta entidade, após o incidente de desconstituição de personalidade jurídica. 

1. Da delimitação da controvérsia 

No início do ano de 1999, a recorrida LUCIANE celebrou com a PAULICOOP um contrato e compromisso de participação, a fim de adquirir uma unidade de empreendimento residencial que seria construído pela mencionada cooperativa. O prazo máximo para entrega de sua unidade era o mês de julho de 2003. 

Contudo, sua unidade não foi entregue, o que levou a recorrida a ajuizar uma ação de rescisão, cumulada com a devolução das quantias pagas. O pedido da recorrida foi julgado procedente e, após julgamento da apelação interposta pela cooperativa, transitou em julgado. 

Na fase de cumprimento de sentença, em razão do elevado número de processos judiciais em face da cooperativa e da aparente confusão patrimonial, determinou-se a desconsideração de sua personalidade jurídica. 

Nesse momento processual, as recorrentes são incluídas no polo passivo da execução, por terem sido membros do conselho fiscal da cooperativa. 

2. Da desconsideração da personalidade jurídica 

Em suas razões recursais, as recorrentes alegam a ocorrência de violação ao art. 50 do CC/2002, que permite a desconsideração da personalidade jurídica em hipóteses de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, conforme sua redação original: 

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 

Ressalte-se, apenas para fins informativos, que a Medida Provisória 881/2019, que institui a declaração de liberdade econômica, fez uma série de alterações nesse dispositivo, com a intenção de melhor definir os requisitos necessários para a ocorrência da desconsideração, bem como traçar limites mais claros para as suas consequências, in verbis: 

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. 

§ 1º Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. 

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: 

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; 

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e 

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. 

§ 3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. 

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. 

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. 

Mesmo em sua redação original, a doutrina afirma que a art. 50 do CC/2002 adotava a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, isto é, aquela que afirma que, para atingir o patrimônio dos sócios e administradores, deve haver demonstração de abuso desta personalidade. 

No âmbito da jurisprudência do STJ, fixou-se a que o art. 50 do CC/2002 deve ser aplicado somente em hipóteses extremas, em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou a confusão patrimonial, in verbis: 

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ARTIGO 50, DO CC. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REQUISITOS. ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES OU DISSOLUÇÃO IRREGULARES DA SOCIEDADE. INSUFICIÊNCIA. DESVIO DE FINALIDADE OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. DOLO. NECESSIDADE. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. ACOLHIMENTO. 1. A criação teórica da pessoa jurídica foi avanço que permitiu o desenvolvimento da atividade econômica, ensejando a limitação dos riscos do empreendedor ao patrimônio destacado para tal fim. Abusos no uso da personalidade jurídica justificaram, em lenta evolução jurisprudencial, posteriormente incorporada ao direito positivo brasileiro, a tipificação de hipóteses em que se autoriza o levantamento do véu da personalidade jurídica para atingir o patrimônio de sócios que dela dolosamente se prevaleceram para finalidades ilícitas. Tratando-se de regra de exceção, de restrição ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a interpretação que melhor se coaduna com o art. 50 do Código Civil é a que relega sua aplicação a casos extremos, em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou a confusão patrimonial. 2. O encerramento das atividades ou dissolução, ainda que irregulares, da sociedade não são causas, por si só, para a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do Código Civil. 3. Embargos de divergência acolhidos. (EREsp 1306553/SC, Segunda Seção, DJe 12/12/2014) 

Em contraposição à teoria maior, existe a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, a qual propõe que o patrimônio de sócios e administradores pode ser atingido toda vez que a pessoa jurídica se constituir em obstáculo à satisfação do direito de crédito, a qual vem abrigada pelo art. 28, § 5º, do CDC. 

Na hipótese dos autos, verifica-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua Segunda Seção, fixou sua jurisprudência na recentíssima Súmula 602/STJ, na qual foi consolidado o entendimento de que “o CDC é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas”. 

Dessa forma, como a PAULICOOP é cooperativa do ramo habitacional – em cujo conselho fiscal participavam as recorrentes –, o acórdão recorrido, ao reconhecer a incidência do CDC, se encontra em harmonia com a jurisprudência desta Corte, não merecendo reforma no ponto. 

3. Da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica 

No campo doutrinário e acadêmico, várias teorias foram desenvolvidas com a finalidade de estabelecer os requisitos que devem ser preenchidos para que seja deferida a desconsideração da personalidade jurídica. De acordo com a Teoria Menor da Desconsideração, que tem aplicação restrita a situações excepcionais em que se mostra necessário proteger bens jurídicos de patente relevo social e inequívoco interesse público – como o Direito Ambiental e o Direito do Consumidor –, a incidência da desconsideração se justificaria: a) pela comprovação da insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, somada à má administração da empresa (art. 28, caput, do CDC); ou b) pelo mero fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, nos termos do § 5º do art. 28 do CDC. De fato, nos termos da jurisprudência desta Corte, “o parágrafo 5º do art. 28 do CDC, que adota a teoria menor, [...] exclui a necessidade de preenchimento dos requisitos previstos no caput do art. 28 do CDC permitindo a desconsideração da personalidade jurídica, por exemplo, pelo simples inadimplemento ou pela ausência de bens suficientes para a satisfação do débito” (REsp 1658648/SP, Terceira Turma, DJe 20/11/2017). 

A teoria menor tratada no § 5º do art. 28 do CDC tem substrato na circunstância de que o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo consumidor que contratou com a pessoa jurídica, mas sim por seus sócios administradores, ainda que demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios administradores da pessoa jurídica. Assim, “é possível, em linha de princípio, em se tratando de vínculo de índole consumerista, a utilização da chamada Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, a qual se contenta com [...] o fato de a personalidade jurídica representar um 'obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores' (art. 28 e seu § 5º, do Código de Defesa do Consumidor)” (REsp 1111153/RJ, Quarta Turma, DJe 04/02/2013). 

4. Da possibilidade de inclusão dos membros de conselho fiscal 

Na hipótese dos autos, a alegação das recorrentes, segundo a qual os membros do conselho fiscal não poderiam ser incluídos no polo passivo da execução por não deterem qualquer poder de ingerência na administração da cooperativa, não pode prosperar em função das peculiaridades do recurso em julgamento. 

Veja-se que a legislação de regência das cooperativas equipara os membros do conselho fiscal aos administradores. Contudo, essa equiparação ocorre apenas para fins de responsabilidade criminal, conforme o teor do art. 53 da Lei 5.764/71: 

Art. 53. Os componentes da Administração e do Conselho fiscal, bem como os liquidantes, equiparam-se aos administradores das sociedades anônimas para efeito de responsabilidade criminal. 

De fato, ao se debruçar sobre uma hipótese de possível responsabilidade de membros de conselho fiscal de entidade de previdência complementar, a Segunda Turma do STJ afirmou que a responsabilidade solidária desses membros deveria pressupor o descumprimento de normas aplicáveis a sua conduta: 

2. O bloqueio de bens do recorrido, membro do Conselho Fiscal de entidade de previdência complementar, foi feito com base no respectivo decreto de intervenção. Finalizados os trabalhos da Comissão de Inquérito, manteve-se a constrição, apesar do reconhecimento de que estavam ausentes indícios de irregularidades a ele atribuíveis. 3. A responsabilidade solidária pressupõe a constatação de descumprimento, por parte dos gestores e/ou dos membros dos conselhos administrativo e fiscal, das normas aplicáveis à espécie. Injustificável, portanto, a permanência do bloqueio do patrimônio do recorrido. (REsp 890.334/RJ, Segunda Turma, DJe 25/08/2009) 

Ademais, mesmo invocado pelo Tribunal de origem para afirmar a possibilidade de responsabilização de membros do conselho fiscal, o art. 165 da Lei 6.404/64 (Lei das Sociedades Anônimas) é expresso em afirmar que os membros do conselho fiscal são responsáveis pelos danos causados por omissão no cumprimento de seus deveres ou de atos praticados com dolo e culpa: 

Art. 165. Os membros do conselho fiscal têm os mesmos deveres dos administradores de que tratam os arts. 153 a 156 e respondem pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de seus deveres e de atos praticados com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do estatuto. 

No entanto, como concluído acima, neste julgamento tem-se a incidência da legislação consumerista, a qual não prevê, como requisito da desconstituição da personalidade, a atuação dolosa ou culposa. Além disso, nos termos do art. 28, caput e parágrafos, do CDC, sequer estabelece limitações internas para a decretação da desconsideração, sempre com a finalidade de melhor resguardar os interesses dos consumidores eventualmente lesados em determinada situação. Isso pode ser verificado da redação do já mencionado art. 28 do CDC: 

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. 

§ 1° (Vetado). 

§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. 

§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. 

§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa. 

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. 

Assim, por estar fundamentada no CDC, a pretensão em debate na hipótese tem o condão, sim, de incluir os membros do conselho fiscal de cooperativas no polo passivo da execução, os quais, como mencionado no acórdão recorrido, poderão demonstrar, em sede apropriada, que não podem ser responsabilizados pelas dívidas da entidade cooperativa. 

Na hipótese em julgamento, portanto, como afirmado no acórdão recorrido, encontram-se presentes os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica da recorrente, por aplicação da teoria menor, prevista no art. 28, § 5º, do CDC. 

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO, com fundamento no art. 255, § 4º, II, do RISTJ. 

Por fim, deixa-se de aplicar o disposto no art. 85, § 11, do CPC/2015, em razão da ausência de prévia fixação de honorários sucumbenciais na hipótese em julgamento.