Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1010-stf.pdf
DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR - Convocação de concludentes do curso de Medicina e que haviam sido dispensados do serviço
militar obrigatório por excesso de contingente: não há repercussão geral por ausência de
questão constitucional
Não alcança envergadura constitucional a controvérsia relativa à convocação para o serviço
militar obrigatório de estudante de Medicina — após a conclusão do curso —, anteriormente
dispensado por excesso de contingente.
STF. Plenário. RE 754276/RS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 20/3/2021 (Info 1010).
Imagine a seguinte situação adaptada:
Lucas, quando completou 18 anos, apresentou-se para o alistamento do serviço militar obrigatório. Ocorre
que ele foi dispensado do serviço por excesso de contingente.
Logo após concluir a faculdade de Medicina, Lucas foi convocado para servir no Exército como médico.
Ele impetrou mandado de segurança e conseguiu obter sentença favorável sob o argumento de que já
havia sido dispensado anos antes, não podendo, agora, ser novamente convocado.
A União interpôs apelação, mas a sentença foi mantida pelo TRF.
Ainda inconformada, a União interpôs recurso extraordinário.
Ausência de repercussão geral
A repercussão geral é um pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário previsto no art. 102,
§ 3º da CF/88:
Art. 102 (...)
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões
constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão
do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
De acordo com o disposto no art. 1.035, § 1º, do CPC:
Art. 1.035 (...)
§ 1º Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes
do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos
do processo.
No caso concreto, o STF não conheceu do recurso extraordinário por considerar que não havia matéria
constitucional sendo discutida no presente caso.
A CF/88 trata sobre o serviço militar obrigatório de forma muito ampla, afirmando que o assunto será
disciplinado pela lei:
Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.
Desse modo, a presente controvérsia envolve essencialmente a interpretação da legislação
infraconstitucional, não havendo, portanto, questão constitucional a ser dirimida pelo STF. O que se
discute, no presente caso, é se a lei impõe, ou não, a obrigatoriedade do serviço militar nesse caso
específico. Logo, não há dispositivos constitucionais sendo invocados ou debatidos.
Em suma:
Não alcança envergadura constitucional a controvérsia relativa à convocação para o serviço militar
obrigatório de estudante de Medicina — após a conclusão do curso —, anteriormente dispensado por
excesso de contingente.
STF. Plenário. RE 754276/RS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 20/3/2021 (Info 1010).
O STF não examinou, portanto, o mérito do recurso. No entanto, irei aplacar a curiosidade que poderá
ter surgido em alguns leitores: é possível essa nova convocação para o serviço militar obrigatório depois
que o indivíduo concluiu a faculdade de Medicina?
Como o tema é infraconstitucional, a intepretação final incumbe ao STJ. Este Tribunal decidiu o seguinte:
Estudantes de Medicina, Farmácia, Odontologia e Veterinária dispensados por excesso de contingente e
que se formaram antes da entrada em vigor da Lei nº 12.336/2010, NÃO ESTÃO sujeitos à prestação do
serviço militar obrigatório após o término do curso.
Se a pessoa foi dispensada por excesso de contingente antes da Lei nº 12.336/2010, mas concluiu o curso
após esta nova Lei, ela poderá ser convocada para o serviço militar obrigatório.
STJ. 1ª Seção. EDcl no REsp 1186513/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em
12/12/2012.
A Primeira Seção desta Corte, no julgamento dos embargos de declaração no REsp 1.186.513/RS, realizado
sob a sistemática dos recursos repetitivos, pacificou o entendimento de que os estudantes de Medicina,
Farmácia, Odontologia e Veterinária-MFDV, dispensados por excesso de contingente, estão sujeitos à
prestação do serviço militar obrigatório após a conclusão do curso, se a convocação tiver ocorrido após a
edição da Lei n. 12.336/2010.
STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1428717/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 01/03/2021.
Se quiser aprofundar um pouco mais, veja a explicação abaixo.
A Lei nº 5.292/67 dispõe sobre a prestação do Serviço Militar pelos estudantes de Medicina, Farmácia,
Odontologia e Veterinária e pelos Médicos, Farmacêuticos, Dentistas e Veterinários.
Estas pessoas são chamadas pela Lei de “MFDV”, sigla formada pela inicial das profissões.
O estudo deste tema precisa ser dividido em antes e depois da Lei nº 12.336/2010, que modificou diversos
dispositivos da Lei nº 5.292/67.
ANTES da Lei nº 12.336/2010
Se o homem fosse convocado pelo serviço militar obrigatório e estivesse cursando medicina, farmácia,
odontologia ou veterinária, poderia adiar sua incorporação até o término do curso. Nesse caso, os MFDV
prestariam o serviço militar inicial obrigatório no ano seguinte ao fim do curso.
O STJ, interpretando a Lei, possui entendimento pacífico de que os estudantes de MFDV, dispensados por
excesso de contingente, antes da Lei nº 12.336/2010, não precisam se submeter ao serviço militar
obrigatório após concluírem a faculdade.
Assim, os estudantes de MFDV somente seriam obrigados a prestar serviço militar obrigatório após a
faculdade se eles foram dispensados pelo simples fato de serem estudantes de tais cursos (o que é
chamado de “adiamento de incorporação”).
Resumindo – estudantes de MFDV – antes da Lei nº 12.336/2010:
• Dispensados por serem estudantes de MFDV (“adiamento de incorporação”): no primeiro ano após
terminarem a faculdade deverão prestar o serviço militar obrigatório;
• Dispensados por excesso de contingente (“dispensa de incorporação”): não precisarão prestar o serviço
militar obrigatório após concluírem o curso.
Obs: as dispensas ocorridas antes da Lei nº 12.336/2010 seguem esta disciplina.
Vejamos agora como ficou o tema com a edição da Lei nº 12.336/2010.
DEPOIS da Lei nº 12.336/2010
Com a alteração ocorrida no art. 4º da Lei nº 5.292/67, além dos que adiaram a incorporação, também os
que foram dispensados por excesso de contingente deverão prestar o serviço militar ao término da
conclusão do curso ou da realização de programa de residência médica.
O objetivo do Governo foi o de conseguir a convocação dos MFDV dispensados por excesso de
contingente.
Veja como é a nova redação do art. 4º:
Art. 4º Os concluintes dos cursos nos IEs destinados à formação de médicos, farmacêuticos,
dentistas e veterinários que não tenham prestado o serviço militar inicial obrigatório no momento
da convocação de sua classe, por adiamento ou dispensa de incorporação, deverão prestar o
serviço militar no ano seguinte ao da conclusão do respectivo curso ou após a realização de
programa de residência médica ou pós-graduação, na forma estabelecida pelo caput e pela alínea
‘a’ do parágrafo único do art. 3º, obedecidas as demais condições fixadas nesta Lei e em sua
regulamentação. (Redação dada pela Lei nº 12.336/10)
Desse modo, o estudante de MFDV dispensado por excesso de contingente do serviço militar obrigatório
após a Lei nº 12.336/2010 poderá ser chamado a prestar o serviço militar após concluir a faculdade.
Resumindo – estudantes de MFDV – após da Lei nº 12.336/2010:
• Dispensados por serem estudantes de MFDV (“adiamento de incorporação”): no primeiro ano após
terminarem a faculdade deverão prestar o serviço militar obrigatório;
• Dispensados por excesso de contingente (“dispensa de incorporação”): no primeiro ano após
terminarem a faculdade também deverão prestar o serviço militar obrigatório.
A Lei nº 12.336/2010 entrou em vigor no dia 27 de outubro de 2010.
Aplicabilidade da Lei nº 12.336/2010 no tempo
Se a pessoa foi dispensada por excesso de contingente antes da Lei nº 12.336/2010, mas concluiu o curso
após esta nova Lei, ela poderá ser convocada para o serviço militar obrigatório?
SIM. O STJ decidiu, em recurso especial representativo de controvérsia, que a Lei nº 12.336/2010 deve ser
aplicada às pessoas que concluíram o curso de medicina, farmácia, odontologia e veterinária após a sua
vigência (27/10/2010) mesmo que já tivessem sido dispensados anteriormente por excesso de
contingente (dispensa de incorporação). Nesse sentido: EDcl no REsp 1186513/RS, Rel. Min. Herman
Benjamin, Primeira Seção, julgado em 12/12/2012.
Em suma, o que define a aplicação ou não das regras da Lei nº 12.336/2010 é a data da colação de grau.
Se esta acontecer após a novidade legislativa, será regida pela nova Lei.