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18 de agosto de 2021

Filigrana doutrinária: Tutela dos direitos - Daniel Mitidiero

 "Muitos escritores definem o processo civil como um meio voltado apenas para resolver conflitos no início de seus livros. Quando posteriormente se deparam com a necessidade de justificar o papel das Cortes Supremas e a força vinculante dos seus precedentes, porém, acabam tendo dificuldades em ligar os pontos. (...) Quando se toma a dupla dimensão da tutela dos direitos como ponto de partida, nenhuma ponta fica solta. Esse é o denominador comum das normas que estruturam a nossa Justiça Civil".


MITIDIERO, Daniel. Processo Civil. São Paulo: Thomson Reuters, 2021, p. 39.


15 de maio de 2021

Argumentos favoráveis ao sistema de vinculação (precedentes): Isonomia e Efetividade

Argumentos contrários ao sistema de vinculação (precedentes): Engessamento e liberdade judicial

Distinção entre precedente, jurisprudência, súmula e ementa

Artigo 926, CPC: Uniformização, Estabilidade, Coerência e Integridade

Constitucionalidade do sistema de vinculação

Alcance da Vinculação: Análise do termo "observarão" constante do artigo 927 do CPC

Interpretação do artigo 927 do CPC e os pronunciamentos judiciais vinculatórios

Artigo 926, CPC: Uniformização, Estabilidade, Coerência e Integridade

Requisitos de Validade do sistema de vinculação: publicidade, contraditório e fundamentação ampliado

11 de maio de 2021

Entender Direito: ministros discutem precedentes qualificados em novo programa do STJ no YouTube

 Os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo de Tarso Sanseverino e Rogerio Schietti Cruz são os convidados da estreia do novo programa produzido pela Coordenadoria de TV e Rádio do STJ: o Entender Direito. O programa de entrevistas, antes produzido apenas no formato de podcast, ganhou novo formato e também terá transmissão em vídeo no canal do STJ no YouTube e na grade da TV Justiça.

Na entrevista, conduzida pelos jornalistas Thiago Gomide e Samanta Peçanha, os magistrados respondem a perguntas relativas ao papel do STJ na uniformização da jurisprudência infraconstitucional e à importância da gestão de precedentes qualificados.

Os institutos previstos no Código de Processo Civil para o julgamento de litigâncias repetitivas, a sistemática do julgamento dos recursos repetitivos e a importância do engajamento dos tribunais brasileiros na aplicação dos precedentes qualificados também são alguns dos assuntos abordados na conversa.

Para conferir o programa, basta acessar o canal do STJ no YouTube. Na TV Justiça, o programa tem veiculação toda quarta-feira, às 10h, com reprises aos sábados, às 14h, e às terças-feiras, às 22h.

9 de maio de 2021

SUSPENSÃO DO PROCESSO EM 1º GRAU EM RAZÃO DE INSTAURAÇÃO DE IRDR. PROCEDIMENTO DE DISTINÇÃO (DISTINGUISHING) DO ART. 1.037, §§9º A 13, DO NOVO CPC. APLICABILIDADE AO IRDR. MICROSSISTEMA DE JULGAMENTO DE QUESTÕES REPETITIVAS. INTEGRAÇÃO, QUANDO POSSÍVEL, ENTRE AS TÉCNICAS DE FORMAÇÃO DE PRECEDENTES VINCULANTES.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.846.109 - SP (2019/0216474-5) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. SUSPENSÃO DO PROCESSO EM 1º GRAU EM RAZÃO DE INSTAURAÇÃO DE IRDR. DISPOSITIVOS LEGAIS NÃO ENFRENTADOS E IMPERTINENTES. SÚMULA 211/STJ. SÚMULA 284/STF. PROCEDIMENTO DE DISTINÇÃO (DISTINGUISHING) DO ART. 1.037, §§9º A 13, DO NOVO. APLICABILIDADE AO IRDR. POSSIBILIDADE. RECURSOS REPETITIVOS E IRDR. MICROSSISTEMA DE JULGAMENTO DE QUESTÕES REPETITIVAS. INTEGRAÇÃO, QUANDO POSSÍVEL, ENTRE AS TÉCNICAS DE FORMAÇÃO DE PRECEDENTES VINCULANTES. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA NO CPC E INEXISTÊNCIA DE OFENSA A ELEMENTO ESSENCIAL DA TÉCNICA. PROCEDIMENTO DE DISTINÇÃO. AUSÊNCIA DE DIFERENÇA ONTOLÓGICA OU JUSTIFICATIVA TEÓRICA QUE JUSTIFIQUE TRATAMENTO ASSIMÉTRICO ENTRE RECURSOS REPETITIVOS E IRDR. REQUERIMENTOS FORMULADOS APÓS ORDEM DE SUSPENSÃO. OBJETIVO IDÊNTICO, QUE É DEMONSTRAR A DISTINÇÃO ENTRE A QUESTÃO DEBATIDA NO PROCESSO E AQUELA SUBMETIDA AO JULGAMENTO PADRONIZADO. EQUALIZAÇÃO DA TENSÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, SEGURANÇA JURÍDICA, CELERIDADE, ECONOMIA PROCESSUAL E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE RESOLVE O PEDIDO DE DISTINÇÃO EM IRDR. AGRAVO DE INSTRUMENTO CABÍVEL (ART. 1.037, §13, I, DO NOVO CPC), SOB PENA DE CRIAÇÃO DE DECISÃO IRRECORRÍVEL SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL OU DE TORNAR ABSOLUTAMENTE INÚTIL O DEBATE ACERCA DA CORREÇÃO DA DECISÃO SUSPENSIVA APENAS EM APELAÇÃO OU EM CONTRARRAZÕES. IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. TEMA REPETITIVO 988. PROCEDIMENTO ESPECÍFICO E DETALHADO PARA REQUERIMENTO DE DISTINÇÃO. CINCO ETAPAS SUCESSIVAS. INTIMAÇÃO DA DECISÃO DE SUSPENSÃO. REQUERIMENTO DA PARTE, DEMONSTRANDO A DISTINÇÃO, ENDEREÇADA AO JUIZ EM 1º GRAU. CONTRADITÓRIO. PROLAÇÃO DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA RESOLVENDO O REQUERIMENTO. RECORRIBILIDADE. PROCEDIMENTO NÃO OBSERVADO PELA PARTE QUE INTERPÔS AGRAVO DA DECISÃO DE SUSPENSÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO INADMISSÍVEL. PROCEDIMENTO DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. DENSIFICAÇÃO DO CONTRADITÓRIO EM 1º GRAU. IMPEDIMENTO A INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS PREMATUROS. NECESSIDADE DE PROLAÇÃO DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA A SER IMPUGNADA, QUE RESOLVE A ALEGAÇÃO DE DISTINÇÃO. VIOLAÇÃO AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 

1- Ação ajuizada em 26/09/2016. Recurso especial interposto em 21/06/2018 e atribuído à Relatora em 18/10/2019. 

2- O propósito recursal é definir se a decisão que suspende o processo em 1º grau em virtude da instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR – no Tribunal é imediatamente recorrível por agravo de instrumento ao fundamento de distinção ou se, a exemplo do procedimento instituído para a hipótese de recursos especial e extraordinário repetitivos, é preciso provocar previamente o contraditório em 1º grau e pronunciamento judicial específico acerca da distinção antes da interposição do respectivo recurso. 

3- Não se conhece do recurso especial quando os dispositivos legais tidos por violados, além de não terem sido objeto de efetivo enfrentamento pelo acórdão recorrido, dizem respeito a questões distintas daquela que foi objeto da decisão impugnada. Incidência da Súmula 211/STJ e Súmula 284/STF. 

4- O procedimento de alegação de distinção (distinguishing) entre a questão debatida no processo e a questão submetida ao julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, previsto no art. 1.037, §§9º a 13, do novo CPC, aplica-se também ao incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR. 

5- Embora situados em espaços topologicamente distintos e de ter havido previsão específica do procedimento de distinção em IRDR no PLC 8.046/2010, posteriormente retirada no Senado Federal, os recursos especiais e extraordinários repetitivos e o IRDR compõem, na forma do art. 928, I e II, do novo CPC, um microssistema de julgamento de questões repetitivas, devendo o intérprete promover, sempre que possível, a integração entre os dois mecanismos que pertencem ao mesmo sistema de formação de precedentes vinculantes. 

6- Os vetores interpretativos que permitirão colmatar as lacunas existentes em cada um desses mecanismos e promover a integração dessas técnicas no microssistema são a inexistência de vedação expressa no texto do novo CPC que inviabilize a integração entre os instrumentos e a inexistência de ofensa a um elemento essencial do respectivo instituto. 

7- Na hipótese, não há diferença ontológica e nem tampouco justificativa teórica para tratamento assimétrico entre a alegação de distinção formulada em virtude de afetação para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos e em razão de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, pois ambos os requerimentos são formulados após a ordem de suspensão emanada pelo Tribunal, tem por finalidade a retirada da ordem de suspensão de processo que verse sobre questão distinta daquela submetida ao julgamento padronizado e pretendem equalizar a tensão entre os princípios da isonomia e da segurança jurídica, de um lado, e dos princípios da celeridade, economia processual e razoável duração do processo, de outro lado. 

8- Considerando que a decisão interlocutória que resolve o pedido de distinção em relação a matéria submetida ao rito dos recursos repetitivos é impugnável imediatamente por agravo de instrumento (art. 1.037, §13, I, do novo CPC), é igualmente cabível o referido recurso contra a decisão interlocutória que resolve o pedido de distinção em relação a matéria objeto de IRDR. 

9- O sistema recursal instituído pelo novo CPC prevê que, em regra, todas as decisões interlocutórias serão impugnáveis, seja imediatamente por agravo de instrumento, seja posteriormente por apelação ou contrarrazões, sendo certo que o Código estabeleceu que determinadas interlocutórias seriam irrecorríveis somente em seis específicas hipóteses, textualmente identificadas em lei. 

10- A decisão interlocutória que versa sobre a distinção entre a questão debatida no processo e a questão submetida ao IRDR é impugnável imediatamente também porque, se indeferido o requerimento de distinção e mantida a suspensão do processo, essa questão jamais poderia ser submetida ao Tribunal se devolvida apenas em apelação ou em contrarrazões quando já escoado o prazo de suspensão. 

11- É inviável na hipótese a impetração de mandado de segurança contra a decisão que resolve o requerimento de distinção, tendo em vista que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do tema repetitivo 988, além de fixar a tese da taxatividade mitigada, expressamente vedou o uso do mandado de segurança contra ato judicial, em especial contra decisões interlocutórias. 

12- Examinado detalhadamente o procedimento de distinção previsto no art. 1.037, §§9º a 13, constata-se que o legislador estabeleceu detalhado procedimento para essa finalidade, dividido em cinco etapas: (i) intimação da decisão de suspensão; (ii) requerimento da parte, demonstrando a distinção entre a questão debatida no processo e àquela submetida ao julgamento repetitivo, endereçada ao juiz em 1º grau; (iii) abertura de contraditório, a fim de que a parte adversa se manifeste sobre a matéria em 05 dias; (iv) prolação de decisão interlocutória resolvendo o requerimento; (v) cabimento do agravo de instrumento em face da decisão que resolve o requerimento. 

13- Hipótese em que parte, ao interpor agravo de instrumento diretamente em face da decisão de suspensão, saltou quatro das cinco etapas acima descritas, sem observar todas as demais prescrições legais. 

14- O detalhado rito instituído pelo novo CPC não pode ser reputado como mera e irrelevante formalidade, mas, sim, é procedimento de observância obrigatória, na medida em que visa, a um só tempo, densificar o contraditório em 1º grau acerca do requerimento de distinção, evitar a interposição de recursos prematuros e gerar a decisão interlocutória a ser impugnada (a que resolve a alegação de distinção), sob pena de violação ao duplo grau de jurisdição e supressão de instância. 

15- Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 10 de dezembro de 2019(Data do Julgamento)

8 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Jurisprudência / Precedentes como fonte do Direito Processual - Cândido Rangel Dinamarco

 Na medida em que a jurisprudência possa ser considerada uma fonte de direito, acentua-se a necessidade de repetir a retroprojeção da eficácia expansiva dos julgados dos tribunais, para atingir situações já consumadas na vigência da jurisprudência antiga. Em tese as alterações jurisprudenciais, legítimas e até comuns na vida da experiência pretoriana, significariam somente que o tribunal modificou sua interpretação dada a determinada lei, repudiando as interpretações correntes no passado porque não corresponderiam com fidelidade ao que nela se contém. A lei aplicada seria sempre a mesma, apenas com a alteração de sua interpretação porque a interpretação anterior estaria errada - e isso afastaria qualquer limitação à possibilidade de impor a jurisprudência nova a situações conformes com a antiga. Quando porém os precedentes dos tribunais passam a ser considerados fontes do direito, devendo os juízes e tribunais em geral observar a interpretação neles contida (CPC, art. 927), na medida dessa obrigatoriedade a imposição da jurisprudência nova teria o mesmo efeito perverso de transgredir situações já consumadas, tanto quanto a retroação dos efeitos de uma lei nova. A fragilização da segurança jurídica trazida pela aplicação da nova jurisprudência seria a mesma. Os jurisdicionados estariam expostos a verdadeiras armadilhas montadas pelos tribunais em sua jurisprudência. 


DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil: vol. 1. 8ª ed., rev. e atual. segundo o novo código de processo civil. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 192

7 de maio de 2021

DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 489, §1º, VI, DO CPC/15. INOBSERVÂNCIA DE SÚMULA, JURISPRUDÊNCIA OU PRECEDENTE CONDICIONADA À DEMONSTRAÇÃO DE DISTINÇÃO OU SUPERAÇÃO. APLICABILIDADES ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES VINCULANTES, MAS NÃO ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES PERSUASIVOS.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.698.774 - RS (2017/0173928-2) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO E PARTILHA DE BENS. DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 489, §1º, VI, DO CPC/15. INOBSERVÂNCIA DE SÚMULA, JURISPRUDÊNCIA OU PRECEDENTE CONDICIONADA À DEMONSTRAÇÃO DE DISTINÇÃO OU SUPERAÇÃO. APLICABILIDADES ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES VINCULANTES, MAS NÃO ÀS SÚMULAS E PRECEDENTES PERSUASIVOS. PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA. REGIME MARCADO PELA LIBERDADE DO INVESTIDOR. CONTRIBUIÇÃO, DEPÓSITOS, APORTES E RESGATES FLEXÍVEIS. NATUREZA JURÍDICA MULTIFACETADA. SEGURO PREVIDENCIÁRIO. INVESTIMENTO OU APLICAÇÃO FINANCEIRA. DESSEMELHANÇAS ENTRE OS PLANOS DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA E FECHADA, ESTE ÚLTIMO INSUSCETÍVEL DE PARTILHA. NATUREZA SECURITÁRIA E PREVIDENCIÁRIA DOS PLANOS PRIVADOS ABERTOS VERIFICADA APÓS O RECEBIMENTO DOS VALORES ACUMULADOS, FUTURAMENTE E EM PRESTAÇÕES, COMO COMPLEMENTAÇÃO DE RENDA. NATUREZA JURÍDICA DE INVESTIMENTO E APLICAÇÃO FINANCEIRA ANTES DA CONVERSÃO EM RENDA E PENSIONAMENTO AO TITULAR. PARTILHA POR OCASIÃO DO VÍNCULO CONJUGAL. NECESSIDADE. ART. 1.659, VII, DO CC/2002 INAPLICÁVEL À HIPÓTESE. PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES EQUIVOCADAS E JUNTADA DE DOCUMENTOS DE DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA FALSEADAS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DA MATÉRIA. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO APENAS PELO DISSENSO JURISPRUDENCIAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 284/STF. 

1- Ação ajuizada em 28/09/2007. Recurso especial interposto em 13/02/2017 e atribuído à Relatora em 09/08/2017. 

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o dever de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, previsto no art. 489, §1º, VI, do CPC/15, abrange também o dever de seguir julgado proferido por Tribunal de 2º grau distinto daquele a que o julgador está vinculado; (ii) se o valor existente em previdência complementar privada aberta na modalidade VGBL deve ser partilhado por ocasião da dissolução do vínculo conjugal; (iii) se a apresentação de declaração de imposto de renda com informação incorreta tipifica litigância de má-fé; (iv) se é possível partilhar valor existente em conta bancária alegadamente em nome de terceiro. 

3- A regra do art. 489, §1º, VI, do CPC/15, segundo a qual o juiz, para deixar de aplicar enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, deve demonstrar a existência de distinção ou de superação, somente se aplica às súmulas ou precedentes vinculantes, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos, como, por exemplo, os acórdãos proferidos por Tribunais de 2º grau distintos daquele a que o julgador está vinculado. 

4- Os planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela SUSEP, podem ser objeto de contratação por qualquer pessoa física e jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, razão pela qual a sua natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira. 

5- Considerando que os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada, a eles não se aplicam os óbices à partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal apontados em precedente da 3ª Turma desta Corte (REsp 1.477.937/MG). 

6- Embora, de acordo com a SUSEP, o PGBL seja um plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência e o VGBL seja um plano de seguro de pessoa com cobertura por e sobrevivência, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida. 

7- Todavia, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002. 

8- Definido, pelo acórdão recorrido, que a prestação de informações equivocadas e a sucessiva juntada de diferentes declarações de imposto de renda se deu com o propósito específico de ocultar informações relacionadas ao patrimônio e, consequentemente, influenciar no desfecho da partilha de bens, disso resultando a condenação da parte em litigância de má-fé, é inviável a modificação do julgado para exclusão da penalidade em razão do óbice da Súmula 7/STJ. 

9- É imprescindível a indicação no recurso especial do dispositivo legal sobre o qual se baseia a divergência jurisprudencial, não sendo cognoscível o recurso interposto apenas com base na alínea “c” do permissivo constitucional em razão do óbice da Súmula 284/STF. 

10- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nestar parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 1º de setembro de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por I L E, com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/RS que, por unanimidade, deu parcialmente provimento ao recurso de apelação que havia sido por ela interposto. 

Recurso especial interposto e m: 13/02/2017. Atribuído ao gabinete e m: 09/08/2017. 

Ação: de divórcio cumulada com partilha de bens, ajuizada pela recorrente em face de W E, recorrido. 

Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos, para decretar o divórcio, afastar o recorrido do lar conjugal e partilhar, igualitariamente, a relação de bens que enumera (fls. 324/329, e-STJ). 

Acórdão: por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso de apelação da recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO. SEPARAÇÃO DE FATO. MANUTENÇÃO DA DELIMITAÇÃO PROCEDIDA NA SENTENÇA. PARTILHA DO PRODUTO DA VENDA DE BENS ALIENADOS DEPOIS DA RUPTURA. ADEQUAÇÃO. EXCLUSÃO DO VEÍCULO ADQUIRIDO DEPOIS DO DESENLACE. CABIMENTO. COMUNICABILIDADE DO SALDO DEPOSITADO JUNTO AO PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. NÃO COMPROVAÇÃO DE QUE OS VALORES DEPOSITADOS EM CONTA BANCÁRIA PERTENCIAM A TERCEIROS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONFIGURAÇÃO. CONDENAÇÃO, DE OFÍCIO. REDISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. DESCABIMENTO. 1. Corretamente reconhecida na origem a ocorrência da separação de fato do casal na data do ajuizamento da ação de separação judicial pelo apelado (em apenso), ainda que o pedido liminar de seu afastamento do lar conjugal tenha sido deferido um mês depois. 2. Integra a partilha o produto da venda do veículo GM/Blazer e da motocicleta Honda/Biz, uma vez que a alienação de tais bens ocorreu posteriormente ao desenlace, sem comprovação de posterior repasse da meação em favor do apelado. 3. Tendo em vista que o veículo Ford/Fiesta foi objeto de arrendamento mercantil contratado pela recorrente depois do desenlace, merece acolhimento seu pedido de exclusão do acervo partilhável. Sentença reformada, no ponto. 4. São partilháveis os valores empregados no curso da relação em previdência privada em nome do recorrente, pois tais valores, a exemplo do que ocorre com aqueles recolhidos na conta vinculada do FGTS durante o relacionamento, são comunicáveis. 5. Não se desincumbiu a recorrente de comprovar sua tradução de que os valores depositados em sua conta bancária pertenciam de fato a seus genitores, mas que, em razão da idade avançada, eram por si administrados, com o que deve ser mantida a determinação de partilha desses valores. 6. Caso em que resta configurado o agir de má-fé da recorrente, que apresentou ao feito, após a prolação da sentença, documento adulterado e contendo informações falsas, com a intenção de comprovar suas alegações. Caracterização das hipóteses previstas nos incisos II e V do art. 80 do NCPC. Condenação, de ofício, ao pagamento de multa, conforme art. 81 do NCPC. 7. Não há falar em decaimento mínimo experimentado pela recorrente, sendo ajustada a redistribuição da sucumbência estabelecida na sentença. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. CONDENAÇÃO, DE OFÍCIO, POR LITIGÃNCIA DE MÁ-FÉ. (fls. 479/493, e-STJ). 

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados por unanimidade (fls. 519/531, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se: (i) violação ao art. 489, §1º, VI, do CPC/15, ao fundamento de que teriam sido colacionados diversos julgados de Tribunais de Justiça, que deveriam ser observados pelo acórdão recorrido, salvo na hipótese de distinção ou de superação de entendimento; (ii) violação ao art. 1.659, VII, do CC/2002, ao fundamento de que o valor existente em previdência complementar privada aberta possuiria natureza personalíssima e não poderia ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal; (iii) violação aos arts. 80, II e V, e 81, ambos do CPC/15, ao fundamento de que a apresentação de declaração de imposto de renda com informação incorreta seria mero equívoco e não tipificaria a litigância de má-fé; (iv) dissídio jurisprudencial quanto à possibilidade ou não de partilha de valor existente em conta bancária alegadamente em nome de terceiro (fls. 537/564, e-STJ). 

Ministério Público Federal: opinou pelo desprovimento do recurso especial (fls. 652/658, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o dever de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, previsto no art. 489, §1º, VI, do CPC/15, abrange também o dever de seguir julgado proferido por Tribunal de 2º grau distinto daquele a que o julgador está vinculado; (ii) se o valor existente em previdência complementar privada aberta na modalidade VGBL deve ser partilhado por ocasião da dissolução do vínculo conjugal; (iii) se a apresentação de declaração de imposto de renda com informação incorreta tipifica litigância de má-fé; (iv) se é possível partilhar valor existente em conta bancária alegadamente em nome de terceiro. 

DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO E DE OBSERVÂNCIA DE SÚMULA, JURISPRUDÊNCIA OU PRECEDENTE. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 489, §1º, VI, DO CPC/15. 

01) Nas razões de seu recurso especial, alega a recorrente que teria invocado, na apelação, uma série de julgados abonadores de sua tese de impossibilidade de partilha da previdência complementar privada aberta, proferidos pelo TJ/SP e pelo TJ/DFT, que não teriam sido observados pelo TJ/RS por ocasião do julgamento do referido recurso. 

02) Argumenta a recorrente, em razão disso, que teria ocorrido violação ao art. 489, §1º, VI, do CPC/15, na medida em que somente seria lícito ao TJ/RS afastar-se do entendimento contido nos julgados do TJ/SP e do TJ/DFT se houvesse fundamentação relacionada à distinção em relação à hipótese em exame ou à superação do entendimento materializado naqueles julgados. 

03) O dispositivo legal alegadamente violado possui o seguinte conteúdo: 

Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (...) §1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: (...) VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. 

04) Examinando-se o conteúdo do referido dispositivo legal, verifica-se que a nova lei processual exige do juiz um ônus argumentativo diferenciado na hipótese em que pretenda ele se afastar da orientação firmada em determinadas espécies de julgados, a saber, que demonstre a existência de distinção entre a hipótese que lhe fora submetida e o paradigma invocado ou de superação do entendimento firmado no paradigma invocado. 

05) Denota-se, pois, que o art. 489, §1º, VI, do CPC/15, possui, em sua essência, uma indissociável relação com o sistema de precedentes tonificado pela nova legislação processual, razão pela qual a interpretação sobre o conteúdo e a abrangência daquele dispositivo deve levar em consideração que o dever de fundamentação analítica do julgador, no que se refere à obrigatoriedade de demonstrar a existência de distinção ou de superação, limita-se às súmulas e aos precedentes de natureza vinculante, mas não às súmulas e aos precedentes apenas persuasivos. 

06) Quanto ao ponto, anote-se a precisa lição de Daniel Amorim Assumpção Neves: 

No inciso VI do §1º do art. 489 do CPC, há previsão de que não se considera fundamentada decisão que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou de superação do entendimento. Lamenta-se a utilização do termo jurisprudência ao lado de súmula e precedente, não se devendo misturar a abstração e generalidade da jurisprudência com o caráter objetivo e individualizado da súmula e do precedente. De qualquer forma, como a aplicabilidade do dispositivo legal é limitada à eficácia vinculante do julgamento ou da súmula, a remissão à jurisprudência perde o sentido e torna-se inaplicável. Diferentemente do que ocorre com o inciso antecedente, o inciso VI do §1º do art. 489 do CPC não se aplica a súmulas e precedentes meramente persuasivos (Enunciado 11 da ENFAM: “Os precedentes a que se referem os incisos V e VI do §1º do art. 489 do CPC/2015 são apenas os mencionados no art. 927 e no inciso IV do art. 332”), porque, nesse caso, o juiz pode simplesmente deixar de aplicá-los por discordar de seu conteúdo, não cabendo exigir-se qualquer distinção ou superação que justifique a sua decisão. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. 4ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 883/884). 

07) Na hipótese em exame, dado que a recorrente invocou, para o julgamento da apelação perante o TJ/RS, apenas julgados proferidos pelo TJ/SP e pelo TJ/DFT no mesmo sentido de sua tese recursal de impossibilidade de partilha da previdência complementar privada aberta, o acórdão recorrido não estava obrigado a considerá-los por ocasião do julgamento da apelação e, por via de consequência, também não estava obrigado a estabelecer qualquer distinção ou superação do entendimento firmado pelo TJ/SP e pelo TJ/DFT, razão pela qual não há que se falar em violação ao art. 489, §1º, VI, do CPC/15. 

PARTILHA DE VALOR EXISTENTE EM PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR PRIVADA ABERTA NA MODALIDADE VGBL POR OCASIÃO DO DIVÓRCIO. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.659, VII, DO CC/2002. 

08) Em seu recurso especial, a recorrente alega que o valor de R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais) que possuía em previdência complementar privada aberta na modalidade VGBL por ocasião do divórcio não seria suscetível de partilha, na medida em que se trataria de verba de natureza alimentar e personalíssima, originada de seu esforço pessoal e para a qual não teria havido contribuição alguma do recorrido, tratando-se de valor incomunicável porque seria apenas destinada a garantir a sua renda após determinada idade. 

09) Ao enfrentar o tema, o acórdão recorrido assim se posicionou: 

Com relação ao valor depositado ao tempo da separação junto ao Banco do Brasil oriundo de plano de previdência privada, com a devida vênia, tenho que não assiste razão à recorrente ao postular sua exclusão da partilha, uma vez que, a exemplo do que ocorre com aqueles valores recolhidos na conta vinculada do FGTS durante o relacionamento, são comunicáveis.No ponto, é aplicável, por analogia, a orientação consolidada em recente precedente da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, referente ao julgamento do Recurso Especial nº. 1.399.199/RS, em que se reconheceu o direito à meação sobre os valores aplicados em conta do FGTS auferidos durante a constância da relação, ainda que o saque não tenha sido realizado imediatamente à separação do casal, ou seja, ainda que não tenham sido levantados pelo titular da conta vinculada antes da ruptura: (...) Sendo assim, e considerando que, no caso, o plano de previdência foi contratado durante o casamento (em 25.07.2006, fI. 275; saldo de R$ 105.000,00 em 31.12.2006, fl. 289), incide, portanto, a presunção de esforço comum do casal para a realização dos depósitos mensais, de modo que a manutenção do reconhecimento judicial da comunicabilidade do valor existente ao tempo da separação é medida imperativa. 

10) O dispositivo alegadamente violado possui o seguinte teor: 

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: (...) VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. 

11) De início, anote-se que a hipótese em exame versa sobre previdência privada aberta, tratando-se de situação distinta da previdência privada fechada que foi objeto de recente exame por esta Corte, oportunidade em que se concluiu se tratar de bem incomunicável e insuscetível de partilha. 

12) Com efeito, por ocasião do julgamento do REsp 1.477.937/MG, 3ª Turma, DJe 20/06/2017, concluiu-se que a previdência privada fechada é fonte de renda semelhante às pensões, meio-soldos e montepios (art. 1.659, VII, do CC/2002), de natureza personalíssima e equiparável, por analogia, à pensão mensal decorrente de seguro por invalidez, adotando-se, naquela oportunidade, as seguintes razões de decidir: 

O Brasil, mercê de adotar um sistema misto, priorizou o sistema estatal, o conhecido Regime Geral de Previdência Social, a cargo do INSS, de caráter público e compulsório, que prevê benefícios limitados a um teto legal máximo, aptos a permitir a manutenção dos meios necessários à sobrevivência do trabalhador, sem, contudo, garantir idêntico padrão de vida que gozava o trabalhador na ativa. Ao lado da previdência pública há o chamado Regime Complementar, privado e facultativo, gerido por entidades abertas e fechadas de previdência, visando atender a pretensão daqueles que almejam uma renda maior na inatividade. Daí a importância da previdência complementar, qual seja, de atender o interesse daqueles que almejam gozar de uma velhice com maior conforto a partir de um patamar econômico similar ao desfrutado na ativa, por meio da percepção de valores superiores ao limite imposto pela previdência social obrigatória, manifestamente insuficiente para manter determinado padrão de vida almejado. A previdência privada possibilita, portanto, a constituição de reservas de contingências futuras e incertas da vida por meio de entidades organizadas de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, sem fins lucrativos. (...) O sistema previdenciário privado é previsto tanto constitucionalmente (art. 202 da CF/1988), com destaque para a EC nº 20/1998, como infraconstitucionalmente, por meio da edição da Lei Complementar nº 109/2001. As entidades fechadas de previdência complementar, diferentemente das abertas (tema alheio aos autos), disponibilizam os planos de benefícios de natureza previdenciária apenas aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas aos quais os empregados estão atrelados, sem se confundir, contudo, com relação laboral. Nos fundos de previdência privada fechada ou fundos de pensão, a rentabilidade e o superávit revertem integralmente ao plano de previdência (§ 1º art. 35 Lei Complementar nº 109/2001) oferecidos por empresas públicas ou privadas, e fiscalizados pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC, autarquia vinculada ao Ministério da Previdência Social. Sua contratação é facultativa, visando a constituição de reservas que garantam benefício de caráter previdenciário (art. 2º da LC 109/2001), consoante previsto em estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades previdenciárias. Como se percebe, o aporte é desvinculado do contrato de trabalho do participante (REsp nº 1.207.071/RJ, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em DJe 8/8/2012), e por tal motivo não integra a remuneração do participante (art. 202, § 2º, da CF/1988). Consigne-se que a Lei nº 10.243/2001 incluiu o inciso VI no § 2º do art. 458 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que afasta do conceito de salário o instituto da previdência privada. (...) Por sua vez, não faria sentido possibilitar a partilha do benefício, visto que o princípio nuclear da previdência complementar fechada é justamente o equilíbrio financeiro e atuarial. Aliás, ressalta-se que tal verba não pode sequer ser levantada ou resgatada ao bel prazer do participante, que deve perder o vínculo empregatício com a patrocinadora ou completar os requisitos para tanto, sob pena de violação de normas previdenciárias e estatutárias. E, apenas a título de argumentação, admitir a possibilidade de resgate antecipado de renda capitalizada, em desfavor de uma massa de participantes e beneficiários de um fundo, significaria lesionar terceiros de boa-fé que assinaram previamente o contrato sem tal previsão. Ademais, não se pode negar que o equilíbrio atuarial, preceito elementar e inerente ao sistema previdenciário, é permeado de cálculos extremamente complexos, que consideram para a saúde financeira da entidade, inúmeras variáveis, tais como a expectativa de vida, o número de participantes, o nível de remuneração atual e o percentual de substituição do benefício complementar. Acrescer o regime de casamento ao cálculo desequilibraria o sistema como um todo, criando a exigência de que os regulamentos e estatutos das entidades previdenciárias passassem a considerar o regime de bens de união estável ou casamento dos participantes no cálculo atuarial, o que não faz o menor sentido por não se estar tratando de uma verba tipicamente trabalhista, mas, sim, de pensão, cuja natureza é distinta. Por outro lado, eventuais mudanças na forma de cálculo que possam comprometer o equilíbrio financeiro e atuarial devem ser evitadas por desafiar ampla comprovação da sua indispensabilidade, à luz do ato jurídico perfeito e da segurança jurídica, os quais impõem cautela e discernimento em tais alterações. 

13) O regime de previdência privada aberta, entretanto, é substancialmente distinto da previdência privada fechada que foi objeto de exame no referido precedente. 

14) Com efeito, a previdência privada aberta, que é operada por seguradoras autorizadas pela SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, pode ser objeto de contratação por qualquer pessoa física ou jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida. 

15) Diante dessas feições muito próprias, a comunicabilidade e partilha de valor aportado em previdência privada aberta, cuja natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira, é objeto de profunda divergência doutrinária. 

16) De um lado, há quem sustente a incomunicabilidade e consequente exclusão dos referidos valores da partilha decorrente da dissolução do vínculo conjugal. Nesse sentido, leciona Rolf Madaleno: 

Os fundos de pensão privada correspondem à aposentadoria ou benefício a ser pago diante da incapacidade, ou em decorrência da morte do contribuinte e por isso são classificados como tendo natureza pessoal e incomunicável, por se tratar de um direito inerente à pessoa, embora o contribuinte possa indicar quem ele quer que seja(m) seu(s) beneficiário(s), servindo como eficiente instrumento para gerar valores ao beneficiário indicado, que não passam pelo inventário do instituidor. Por sua natureza a previdência privada estaria excluída do patrimônio comum no regime da comunhão parcial (CC, art. 1.659, VII) e na comunhão universal de bens (CC, art. 1.668, V), comunicando-se, no entanto, no regime da participação final nos aquestos, que não previu sua exclusão e tampouco atribuiu caráter personalíssimo ao benefício advindo da previdência privada, observando João Andrades Carvalho, em comentário feito ainda ao tempo de vigência do Código Civil de 1916, que “a lei exclui do condomínio todo bem que tiver origem na individualidade, isto é, que seja marcado fundamentalmente pela pessoalidade ou que tenha destino nessa mesma direção”. Há quem defenda a comunicação da previdência privada por haver sido adquirida com valores provenientes do esforço comum durante a união, constituindo-se, portanto, em típico ativo financeiro, devendo por isso ser partilhado no divórcio, ou na dissolução da união estável como um bem patrimonial. Mas, se for considerado um bem patrimonial a ser dividido no divórcio ou na dissolução da convivência, ocorrendo o óbito do titular da previdência, ela também poderia ser reclamada como bem sucessível do espólio, para sua divisão entre todos os coerdeiros. Contudo, este raciocínio não é aplicado porque uma das maiores vantagens da previdência privada reside na liberalidade conferida na indicação do beneficiário. Na ausência de apontamento do beneficiário alguns entendimentos jurisprudenciais aplicam o artigo 792 do Código Civil, pagando metade do pecúlio ao cônjuge não separado e o restante aos herdeiros do participante, conforme a ordem da vocação hereditária. Pertinente destacar ser a previdência privada uma extensão da previdência social, cujo principal propósito é manter o padrão de vida das pessoas em situação de necessidade. Tem a natureza jurídica de um seguro, não sendo visto como uma extensão do direito sucessório, pois basta perguntar se eventual renúncia de herdeiro ao direito sucessório também atingiria o plano de previdência privada. (MADALENO, Rolf. Planejamento sucessório in Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, n. 1, jan./fev. 2014, p. 24/25). 

17) Em sentido oposto, propondo a comunicabilidade e consequente inclusão dos referidos valores da partilha decorrente da dissolução do vínculo conjugal, ensina Flávio Tartuce: O presente autor continua seguindo o entendimento segundo o qual os fundos de previdência privada constituem aplicações financeiras, devendo ocorrer sua comunicação finda a união, tese que sempre foi defendida por José Fernando Simão. Conforme apontado pelo coautor em edições anteriores desta obra, “antes de se atingir a idade estabelecida no plano, a previdência privada não passa de aplicação financeira como qualquer outra. Não há pensão antes desse momento e, portanto, não há incomunicabilidade. Isso porque, sequer há certeza de que, ao fim do plano, efetivamente os valores se converterão em renda ou serão sacados pelo titular. Trata-se de opção dos cônjuges o investimento em previdência privada, em fundos de ações ou de renda fixa. Assim, as decisões transcritas permitem a fraude ao regime, bastando que, para tanto, em vez de um dos cônjuges adquirir um imóvel ou investir em fundos (bens partilháveis ao fim do casamento), invista na previdência privada para se ver livre da partilha. Quando há a conversão da aplicação em renda e o titular passa a receber o benefício, este sim será incomunicável por ter caráter de pensão”. (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Vol. 5: direito de família. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 187/188). 

18) Como se percebe, os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada e que foram apontados no precedente desta 3ª Turma (REsp 1.477.937/MG) como óbices à partilha, pois, na previdência privada aberta, há ampla flexibilidade do investidor, que, repise-se, poderá escolher livremente como e quando receber, aumentar ou reduzir contribuições, realizar aportes adicionais, resgates antecipados ou parcelados a partir da data que porventura indicar. 

19) De outro lado, conquanto o PGBL seja classificado como “plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência” (Circular SUSEP nº 338/2007) e o VGBL seja tipificado como “plano de seguro de pessoa com cobertura por e sobrevivência” (Circular SUSEP nº 339/2007), não se pode olvidar que tais contratos assumiram funções substancialmente distintas daquelas para as quais foram concebidos. 

20) Com efeito, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é evidentemente marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida. 

21) Entretanto, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, semelhantemente ao que ocorreria se os valores das contribuições e dos aportes fossem investidos em fundos de renda fixa ou na aquisição de ações e que seriam objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão. 

22) Sublinhe-se que o hipotético tratamento diferenciado entre os investimentos realizados em previdência privada complementar aberta (incomunicáveis) e os demais investimentos (comunicáveis) possuiria uma significativa aptidão para gerar profundas distorções no regime de bens do casamento e também na sucessão, uma vez que bastaria ao investidor direcionar seus aportes para essa modalidade para frustrar a meação dos cônjuges ou a legítima dos herdeiros. 

23) A esse respeito, anote-se a lição de Ana Luiza Maia Nevares: 

Já em relação ao VGBL e ao PGBL, há muitos debates sobre a natureza de tais investimentos. Segundo boa parte da doutrina e da jurisprudência, é indiscutível o caráter securitário do VGBL e do PGBL, o que significa dizer que tais planos são tidos como espécie de seguro, sendo, inclusive, regulados pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP. Por tal razão, argumenta-se que não incide imposto de transmissão causa mortis sobre o capital segurado, não ingressando este no inventário. No entanto, em alguns Estados, como o Rio de Janeiro, há lei estadual que expressamente institui a incidência do imposto de transmissão causa mortis sobre tais recursos (Lei Estadual do Rio de Janeiro, n. 7174/15, art. 23). A questão, de fato, é tormentosa, uma vez que o VGBL e o PGBL, embora tenham natureza securitária, constituem capital de titularidade do segurado, que o administra da maneira que lhe convém, podendo sacá-lo a qualquer tempo. Enquanto tal capital não resta convertido em renda periódica, a previdência privada é um investimento como outro qualquer, razão pela qual não só devem ser tributados, como também devem ser contabilizados para fim de colação ou de partilha decorrente do regime de bens. Realmente, de outra maneira, seria fácil burlar a legítima, bastando que o autor da herança aplicasse todos os seus recursos financeiros em um VGBL, por exemplo, destinando-o a apenas um dos herdeiros necessários em caso de falecimento, ou mesmo burlar o regime de bens, na hipótese em que um cônjuge aplicasse os recursos do casal em investimento como o ora mencionado, nomeando um terceiro como beneficiado. (NEVARES, Ana Luiza Maia. Perspectivas para o planejamento sucessório in Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, n. 18, nov./dez. 2016, p. 19/20). 

24) Diante desse cenário, é correto afirmar que os valores aportados em planos de previdência privada aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possuem natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal por não estarem abrangidos pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002. 

DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA COM INFORMAÇÃO INCORRETA E LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 80, II E V, E 81, AMBOS DO CPC/15. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO. SÚMULA 7/STJ. 

25) Alega o recorrente, ademais, que a simples informação errônea de determinados dados em declaração de imposto de renda seria mero equívoco e não configuraria litigância de má-fé, razão pela qual o acórdão recorrido teria violado os arts. 80, II e V, e 81, ambos do CPC/15, transcritos adiante in verbis: 

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: (...) II – alterar a verdade dos fatos; (...) V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; (...) Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. 

26) Ocorre que, examinando-se a fundamentação adotada pelo acórdão recorrido, constata-se que o TJ/RS identificou que a prestação de informações equivocadas e a sucessiva juntada de diferentes declarações de imposto de renda se deu com o propósito específico de ocultar informações relacionadas ao patrimônio e, consequentemente, influenciar no desfecho da partilha de bens. 

27) A esse respeito, confiram-se as razões de decidir expendidas no acórdão recorrido: 

A duas, porque, com a intenção de confortar sua alegação de que tais valores não integram seu patrimônio pessoal, não sendo por si declarados ao Fisco, a recorrente acostou ao feito, após a prolação da sentença (ou seja, de forma extemporânea), uma cópia da declaração de renda apresentada no exercício 2007, que foi recebida pelo agente receptor em 29.04.2007, com indicação de não se tratar de retificadora (fls. 285/291), na qual não há discriminação da importância ora questionada. Contudo, enquanto a “declaração de bens e direitos” deveria constar da “página 4 de 6”, o fato é que a discriminação dos bens constou da “página 1 de 1” (fl. 289), ocorrência que revela ter havido posterior manipulação dos dados informativos, situação que se confirma diante do desalinho constatado entre a evolução patrimonial indicada na “página 6 de 6” (R$ 837.189,94 em 31.12.2005 e R$ 906.672,91 em 31.12.2006, fl. 290) e a situação dos bens informada na aludida “página 1 de 1” (R$ 321.555,24 em 31.12.2005 e R$ 348.588,64 em 31.12.2006, fl. 289). Observo, por oportuno, que, relativamente ao exercício 2007, foi apresentada ao feito uma terceira cópia da declaração de renda da recorrente, juntamente com sua peça inicial, esta classificada como retificadora e recebida pelo agente receptor SERPRO em 24.09.2007 (fl. 29), ou seja, depois do desenlace. No tópico atinente à “declaração de bens e direitos”, constante da “página 4 de 6”, não há referência à importância ora questionada, impressionando, no entanto, que a informação respeitante à totalidade dos bens e à evolução patrimonial (R$ 271.555,24 em 31.12.2005 e R$ 258.588,64, fI. 33) tampouco corresponde àquela constante da declaração que foi acostada ao feito pela recorrente após a prolação da sentença (R$ 321.555,24 em 31.12.2005 e R$ 348.588,64 em 31.12.2006, fI. 289), extraindo-se desse contexto o seu inequívoco agir de má-fé, por alterar a verdade dos fatos, industriando um documento com informação falsa, e por proceder de modo temerário (incisos II e V do art. 80 do NCPC), comportamento processual pelo qual deve ser responsabilizada. 

28) A partir do exame da prova produzida nos autos, pois, o acórdão recorrido concluiu ter havido adulteração dolosa de informações em declaração de imposto de renda com a finalidade de influenciar o resultado da partilha, tratando-se de circunstância fática insuscetível de reexame no âmbito do recurso especial em razão do óbice da Súmula 7/STJ. 

DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL SOBRE PARTILHA DE VALOR EM CONTA BANCÁRIA ALEGADAMENTE DE TERCEIRO. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO. SÚMULA 284/STF E SÚMULA 7/STJ. 

29) Finalmente, a recorrente também alega que teria havido a indevida partilha de valor existente em conta bancária alegadamente em nome de terceiro, sendo que o recurso especial, quanto ao ponto, está assentado somente na alínea “c” do permissivo constitucional, ao fundamento de que esse entendimento destoaria de julgado proferido pelo TJ/BA supostamente sobre a mesma matéria. 

30) Ocorre que a jurisprudência desta Corte se consolidou no sentido de que é imprescindível a indicação no recurso especial do dispositivo legal sobre o qual se baseia a divergência jurisprudencial, não sendo cognoscível o recurso interposto apenas com base na alínea “c” do permissivo constitucional em razão do óbice da Súmula 284/STF. A esse respeito: AgRg no REsp 1.346.588/DF, Corte Especial, DJe 17/03/2014 e EDcl no AREsp 806.419/SP, 3ª Turma, DJe 22/2/2016). 

31) De outro lado, não se pode olvidar que o acórdão recorrido, ao apreciar a questão, assim decidiu: 

A uma, porque prova documental alguma foi produzida na instrução pela insurgente a fim de comprovar sua tradução de que esses valores pertenciam, de fato, aos seus genitores, mas que, em razão da idade avançada deles, eram por si administrados, motivo por que figuraria como titular secundária da conta bancária, a qual sequer especificou (número e agência) em suas manifestações, não apresentando nenhum registro bancário nesse sentido. 

32) Como se verifica, o acórdão recorrido concluiu ser partilhável o valor porque não houve prova de que a conta seria de titularidade de terceiros (genitores da recorrida), tratando-se de matéria insuscetível de reexame no âmbito do recurso especial em virtude do óbice da Súmula 7/STJ. 

CONCLUSÃO 

33) Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e, nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO, deixando de majorar os honorários por se tratar de sentença proferida na vigência do CPC/73 (EAREsp 1.255.986/PR, Corte Especial, DJe 06/05/2019). 

1 de maio de 2021

Filigrana Doutrinária: Pronunciamento vinculante

"(...) Para os colegas brasileiros, que cogitam na atual reforma para a uniformização do Direito e celeridade processual um incidente de resolução de demandas repetitivas, talvez seja interessante analisar o sucesso desse processo alemão. Ele não é muito animador. Se se pretende garantir, nos processos-modelo, o contraditório de todas as partes que tiverem suas ações individuais suspensas, eles se tornarão muito lentos e complicados. Se tais processos forem acolhidos apenas para a elaboração de enunciados jurídicos não vinculantes, sempre haverá espaço para o distinguishing, além de seus efeitos uniformizadores e de celeridade serem também questionáveis. A ratio dos tribunais, por meio da aplicação de uma jurisprudência consolidada, não pode substituir a legislação". 

STÜRNER, Rolf. Sobre as reformas recentes no direito alemão e alguns pontos em comum com o projeto brasileiro para um novo código de processo civil. Revista de Processo, vol. 193/2011, págs. 355-372, Mar/2011.

19 de abril de 2021

IRDR - O procedimento de distinção (distinguishing) previsto no art. 1.037, §§ 9º a 13, do CPC/2015, aplica-se também ao incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2020/02/info-662-stj-1.pdf


IRDR - O procedimento de distinção (distinguishing) previsto no art. 1.037, §§ 9º a 13, do CPC/2015, aplica-se também ao incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDR 

O procedimento de alegação de distinção (distinguishing) entre a questão debatida no processo e a questão submetida ao julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, previsto no art. 1.037, §§9º a 13, do CPC, aplica-se também ao IRDR. Exemplo: o TJ/SP está recebendo milhares de apelações discutindo se os bancos podem ou não cobrar a tarifa bancária “X”. É instaurado um IRDR no TJ/SP para decidir o tema. O Desembargador Relator determina a suspensão de todos processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado de São Paulo envolvendo a cobrança da tarifa bancária “X”. Antes da instauração do IRDR, Pedro havia ajuizado, na comarca de Santos (SP), ação contra o Banco Itaú questionando a cobrança da tarifa “X”. O processo estava tramitando normalmente, mas o Juiz foi informado de que o TJ/SP determinou o sobrestamento de todos os processos que tratem sobre o tema. Diante disso, o magistrado proferiu decisão determinando a suspensão do processo envolvendo Pedro e o Banco Itaú. Pedro, contudo, não concorda com essa suspensão. Isso porque a matéria discutida na ação por ele proposta envolve a constitucionalidade da tarifa “X” (e não a sua legalidade). Logo, seria, em seu ponto de vista, um caso diferente daquele que será julgado pelo TJ/SP no IRDR. Pedro poderá interpor, imediatamente, um agravo de instrumento contra esta decisão do Juiz? Não. Antes de interpor o agravo de instrumento, Pedro deverá adotar o procedimento de distinção previsto no art. 1.037, §§ 9º a 13, do CPC. Mas esse procedimento foi previsto para os recursos repetitivos. Mesmo assim, ele se aplica também para o IRDR? Sim. Tanto os recursos especiais e extraordinários repetitivos como o IRDR compõem um microssistema de julgamento de questões repetitivas, devendo o intérprete promover, sempre que possível, a integração entre os dois mecanismos que pertencem ao mesmo sistema de formação de precedentes vinculantes. Não há diferença ontológica nem tampouco justificativa teórica para um tratamento assimétrico (diferente). STJ. 3ª Turma. REsp 1.846.109-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/12/2019 (Info 662). 

Para entender esse julgado é necessário: 

1) aprender ou relembrar em que consiste o procedimento de distinção (distinguishing) previsto no art. 1.037, §§ 9º e 13, do CPC/2015 para os recursos especiais repetitivos; 

2) verificar como funciona o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR); 

3) analisar se esse procedimento de distinção se aplica também para o IRDR. 

Vamos, então, por partes. 

PROCEDIMENTO DE DISTINÇÃO PREVISTO NO ART. 1.037, §§ 9º E 13, DO CPC PARA OS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS 

Multiplicidade de recursos extraordinários tratando sobre o mesmo tema 

O legislador percebeu que havia no STF e no STJ milhares de recursos que tratavam sobre os mesmos temas jurídicos. Diante disso, a fim de otimizar a análise desses recursos, a Lei nº 11.672/2008 acrescentou os arts. 543-B e 543-C ao CPC 1973, prevendo uma espécie de “julgamento por amostragem” dos recursos extraordinários e recursos especiais que tiverem sido interpostos com fundamento em idêntica controvérsia ou questão de direito. O CPC/2015, em linhas gerais, manteve uma regulamentação bem parecida, sendo o tema agora tratado nos arts. 1.036 a 1.041. 

Procedimento de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos 

Em primeiro lugar, o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal de origem (TJ ou TRF) irá identificar e separar todos os recursos interpostos que tratem sobre o mesmo assunto. Exemplo: reunir os recursos especiais nos quais se discuta se o prazo prescricional das ações contra a Fazenda Pública é de três ou cinco anos. 

Remessa de dois ou mais para o STJ ou STF 

Desses recursos, o Presidente do tribunal selecionará 2 ou mais que representem bem a controvérsia discutida e os encaminhará ao STJ ou STF (conforme seja Resp ou RE). Serão escolhidos os que contiverem maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso especial. Nesse sentido: 

Art. 1.036 (...) § 1º O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso. 

Demais recursos ficam sobrestados na origem 

Os demais recursos especiais e extraordinários que tratem sobre a mesma matéria e que não foram remetidos como paradigma (modelo) ficarão suspensos no tribunal de origem até que o STJ/STF se pronuncie sobre o tema central. 

Ministro do STJ ou STF poderá escolher outros recursos representativos diferentes daqueles enviados pelo TJ/TRF 

A escolha feita pelo presidente ou vice-presidente do TJ ou TRF não vinculará o relator no tribunal superior, que poderá selecionar outros recursos representativos da controvérsia (art. 1.036, § 4º). O Ministro relator do STJ ou STF também poderá selecionar 2 ou mais recursos representativos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem. 

Afetação 

Se o Ministro do STJ ou do STF, ao receber o recurso representativo de controvérsia, perceber que a matéria nele tratada realmente possui um interesse geral e se repete em inúmeros outros casos, ele irá proferir decisão determinando a afetação daquele tema para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos. Veja o que diz o caput do art. 1.037 do CPC/2015: 

Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça. (...) 

Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação (...). 

Confira também a previsão do Regimento Interno do STJ: 

Art. 256-I. O recurso especial representativo da controvérsia apto, bem como o recurso especial distribuído cuja multiplicidade de processos com idêntica questão de direito seja reconhecida pelo relator, nos termos do art. 1.037 do Código de Processo Civil, será submetido pela Seção ou pela Corte Especial, conforme o caso, ao rito dos recursos repetitivos para julgamento, observadas as regras previstas no Capítulo II-B do Título IX da Parte I do Regimento Interno. 

Suspensão dos processos que tratem sobre o tema 

Nesta decisão de afetação, o Ministro irá determinar “a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional” (art. 1.037, II). Ex: o Ministro Relator no STJ recebe um recurso repetitivo discutindo qual a norma aplicável para fins de cálculo da renda mensal inicial na previdência complementar. Ele percebe que esse mesmo tema está sendo discutido em centenas de outros processos que já estão no STJ e nos Tribunais de Justiça. Diante disso, ele irá: 

• proferir uma decisão determinando a afetação desse tema (o que significa isso: vamos discutir com profundidade o assunto e definir uma tese); 

• determinar que, enquanto não se define esse tema afetado, os demais processos deverão ficar sobrestados (suspensos). 

Por que é necessária essa suspensão? 

Porque seria improdutivo que tais processos continuassem tramitando antes de uma definição segura sobre o tema. Depois que o STJ/STF julgar o recurso especial/extraordinário afetado, a tese que for definida irá ser aplicada a todos os recursos que ficaram suspensos. Logo, é mais produtivo aguardar com o processo suspenso e já aplicar no processo a tese fixada. 

Imagine agora a seguinte situação hipotética: 

O STJ está recebendo milhares de recursos especiais discutindo se os bancos podem ou não cobrar a tarifa bancária “X”. Diante disso, o Ministro do STJ, percebendo que essa matéria possui interesse geral e se repete em inúmeros outros casos, proferiu decisão determinando a afetação do tema para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos. Além disso, o Ministro determinou o sobrestamento de todos os processos pendentes que tratem sobre a legalidade da tarifa bancária “X”: 

Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação, na qual: I - identificará com precisão a questão a ser submetida a julgamento; II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional; (...) 

Suspensão de um processo individual que estava em 1ª instância 

João ajuizou ação contra o Banco BV questionando a cobrança da tarifa “X”. O processo estava tramitando normalmente. Ocorre que o Juiz foi informado de que o Ministro do STJ determinou o sobrestamento de todos os processos que tratem sobre o tema. Diante disso, o magistrado proferiu decisão determinando a suspensão do processo envolvendo João e o Banco BV. João, contudo, não concordou e ingressou com um pedido de reconsideração dirigido ao Juiz afirmando que a matéria discutida neste processo envolve a constitucionalidade da tarifa “X” (e não a sua legalidade). Logo, seria, em seu ponto de vista, um caso diferente daquele a ser julgado pelo STJ. Assim, para João haveria um distinguishing (uma distinção) e, portanto, o processo não deveria ficar suspenso. 

Existe previsão legal para esse pedido formulado pela parte? 

SIM. Esse requerimento está previsto no § 9º do art. 1.037 do CPC/2015: 

Art. 1.037 (...) § 8º As partes deverão ser intimadas da decisão de suspensão de seu processo, a ser proferida pelo respectivo juiz ou relator quando informado da decisão a que se refere o inciso II do caput. § 9º Demonstrando distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado, a parte poderá requerer o prosseguimento do seu processo. 

A quem é dirigido esse requerimento? 

• Se o processo sobrestado estiver em primeiro grau: ao juiz; 

• Se o processo sobrestado estiver no tribunal de origem: ao relator. 

• Se for sobrestado recurso especial ou recurso extraordinário no tribunal de origem (TJ/TRF): ao relator do acórdão recorrido (Desembargador Relator no TJ/TRF); 

• Se for sobrestado um recurso especial ou recurso extraordinário que já está no STF/STJ: o pedido será dirigido ao Ministro Relator no STF ou STJ. 

Logo, em nosso exemplo, o pedido de João foi corretamente dirigido ao juiz da causa. 

Oitiva da outra parte 

A outra parte deverá ser ouvida sobre o requerimento, no prazo de 5 dias. Assim, o juiz deverá intimar o Banco para se manifestar sobre o requerimento do autor. 

Se for reconhecido o distinguishing: 

Se ficar reconhecido que existe, de fato, essa distinção, ou seja, essa diferença entre as situações, o próprio juiz ou relator dará prosseguimento ao processo. Se o recurso especial ou extraordinário estiver sobrestado na origem (no TJ ou TRF), o Desembargador Relator deverá comunicar a decisão ao Presidente ou ao Vice-presidente que houver determinado o sobrestamento, para que o recurso especial ou o recurso extraordinário seja encaminhado ao respectivo STF ou STJ. 

Se NÃO for reconhecido o distinguishing: O processo continua sobrestado. 

Cabe algum recurso contra a decisão que reconhece ou que não reconhece a distinção? SIM. Caberá: 

• agravo de instrumento: se a decisão for do juiz de 1ª instância; 

• agravo interno: se a decisão for do relator. 

É o que prevê o § 13 do art. 1.037 do CPC/2015: 

Art. 1.037 (...) § 13. Da decisão que resolver o requerimento a que se refere o § 9º caberá: I - agravo de instrumento, se o processo estiver em primeiro grau; II - agravo interno, se a decisão for de relator. 

Em nosso exemplo, se João ou o Banco não concordarem com a decisão do juiz, poderá ser interposto agravo de instrumento: 

Cabe agravo de instrumento contra decisão do juízo de primeiro grau que resolve o requerimento de distinção de processos sobrestados em razão de recursos repetitivos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.717.387-PB, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 08/10/2019 (Info 658). 

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) 

Ideia geral do IRDR 

É muito comum, na prática, que um determinado tema jurídico esteja sendo discutido simultaneamente em centenas ou milhares de processos. No passado, esses processos eram julgados individualmente, o que gerava enormes custos e o risco de decisões diferentes para uma mesma controvérsia jurídica. Pensando nisso, o CPC/2015 criou o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). Assim, quando o juiz, o relator no Tribunal, o Ministério Público, a Defensoria Pública ou qualquer das partes perceber que uma determinada controvérsia jurídica que está sendo discutida em um processo também se repete em inúmeros outros, será possível pedir a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas. Isso significa que todos os processos que tratam sobre aquele assunto ficarão suspensos até que o Tribunal defina a tese jurídica e, em seguida, ela será aplicada para todos esses feitos que se encontravam sobrestados. Isso gera eficiência e minimiza o risco de decisões diferentes para situações semelhantes. 

Essa sistemática já não era prevista para os casos de recursos especial e extraordinário repetitivos (que vimos acima)? 

Os arts. 543-B e 543-C do CPC/1973 previam uma espécie de “julgamento por amostragem” dos recursos extraordinários e recursos especiais que tivessem sido interpostos com fundamento em idêntica controvérsia ou questão de direito. O CPC/2015, em linhas gerais, manteve uma regulamentação bem parecida, sendo o tema agora tratado nos arts. 1.036 a 1.041 (vimos isso acima). Desse modo, o IRDR é parecido sim com a sistemática do julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos. No entanto, no caso dos recursos repetitivos, exige-se que a questão já tenha chegado ao STJ ou STF por meio de recurso especial ou recurso extraordinário. O IRDR, por sua vez, pode ser instaurado antes de o tema chegar aos Tribunais Superiores. Conforme se extrai da exposição de motivos do CPC/2015, o novo instituto (IRDR) – que é inspirado no direito alemão – foi pensado para dotar os tribunais estaduais e tribunais regionais federais de um mecanismo semelhante àquele já existente nas cortes superiores relativamente aos recursos repetitivos. 

Requisitos para a instauração de IRDR (art. 976) 

É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente: 

1) efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; e 

2) risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. 

Há ainda um pressuposto negativo previsto no § 4º do art. 976, que é a inexistência de afetação de recurso repetitivo pelos tribunais superiores no âmbito de sua respectiva competência para a definição de tese sobre a questão de direito objeto do IRDR: 

§ 4º É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva. 

Legitimidade para requerer a instauração (art. 977) 

O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal: 

I - pelo juiz ou relator, por meio de ofício; 

II - pelas partes, por petição; 

III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição. 

O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente. 

Competência 

Em regra, o IRDR será julgado pelo Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal Regional Federal. É possível, no entanto, que seja instaurado um IRDR diretamente no STJ nos casos de: 

• competência recursal ordinária (art. 105, II, da CF/88); e de 

• competência originária (art. 105, I, da CF/88). 

Foi o que decidiu a Corte Especial do STJ: 

O novo Código de Processo Civil instituiu microssistema para o julgamento de demandas repetitivas - nele incluído o IRDR, instituto, em regra, afeto à competência dos tribunais estaduais ou regionais federal -, a fim de assegurar o tratamento isonômico das questões comuns e, assim, conferir maior estabilidade à jurisprudência e efetividade e celeridade à prestação jurisdicional. A instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas diretamente no Superior Tribunal de Justiça é cabível apenas nos casos de competência recursal ordinária e de competência originária e desde que preenchidos os requisitos do art. 976 do CPC. STJ. Corte Especial. AgInt na Pet 11.838/MS, Rel. Min. Laurita Vaz, Rel. p/ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 07/08/2019. 

Logo, não cabe IRDR no STJ caso este Tribunal esteja apreciando um recurso especial (art. 105, III, da CF/88). Isso porque, neste caso, já existe um outro mecanismo que cumpre essa função, qual seja, o recurso especial repetitivo (art. 976, § 4º do CPC). Falando agora da competência interna, o IRDR será julgado pelo órgão do Tribunal que for responsável pela uniformização de jurisprudência, segundo as regras do regimento interno. Ex: no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a competência para julgar o IRDR é da Câmara de Uniformização (art. 18, I, do RITJDFT). Esse órgão colegiado incumbido de julgar o IRDR e fixar a tese jurídica será também competente para julgar o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente. 

Incidente deverá ser bem divulgado para permitir participação de interessados (art. 979) 

A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça. Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao CNJ para inclusão no cadastro. Para possibilitar a identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente, o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados. 

Incabível o incidente se o STF ou STJ já tiver afetado o tema para julgamento como recurso especial ou extraordinário repetitivo 

É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva. 

Procedimento 

1) Pedido de instauração 

Se o juiz, o relator, o Ministério Público, a Defensoria Pública ou qualquer das partes perceber que uma determinada controvérsia jurídica que está sendo discutida em um processo que está em 1ª ou 2ª instâncias também se repete em inúmeros outros processos, ele poderá pedir ao Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas. 

2) Juízo de admissibilidade (art. 981) 

Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade considerando a presença dos pressupostos do art. 976: 

• efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; e 

• risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. 

3) Se o incidente não for admitido 

Se o IRDR não foi admitido por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade, isso não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado. 

4) Se o incidente for admitido (art. 982) 

Se o Tribunal admitir o processamento do IRDR, o relator: 

I - suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso; 

II - poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 dias; 

III - intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 dias. 

A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes. Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso. Cessa a suspensão se o incidente for julgado e, contra essa decisão, não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário. 

5) Possibilidade de suspensão nacional dos processos 

Visando à garantia da segurança jurídica, a parte, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá requerer, ao STF ou ao STJ, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado. Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer essa suspensão nacional. 

6) Desistência ou abandono do processo 

Depois que o IRDR for suscitado, ainda que a parte desista ou abandone o processo que deu causa ao incidente, este IRDR terá o seu mérito apreciado. Para isso, o Ministério Público deverá assumir a titularidade em caso de desistência ou de abandono. 

7) Oitiva de partes, interessados e do MP (art. 983) 

O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia que, no prazo comum de 15 dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida. Em seguida, deverá ser ouvido o Ministério Público, também no prazo de 15 dias. Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente. 

8) Audiência pública 

Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria.

 9) Data para julgamento 

Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente. 

10) Prazo para julgamento 

O incidente será julgado no prazo de 1 ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus (art. 980). Se o IRDR não for julgado neste prazo, cessa a suspensão dos processos, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário. 

11) Ordem no julgamento (art. 984) 

No julgamento do incidente, deverá ser observada a seguinte ordem: 

I - o relator fará a exposição do objeto do incidente; 

II - poderão sustentar suas razões, sucessivamente: 

a) o autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo de 30 minutos; 

b) os demais interessados, no prazo de 30 minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com 2 dias de antecedência. 

Obs.: considerando o número de inscritos, o prazo poderá ser ampliado. 

Necessidade de análise de todos os argumentos: segundo o § 2º do art. 984, o conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários. 

12) Custas 

Não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas. 

Tese jurídica (art. 985) 

Julgado o incidente, será definida uma tese jurídica, que será aplicada: 

I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; 

II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal. 

Tese jurídica envolvendo serviço concedido, permitido ou autorizado 

Se o incidente tiver por objeto questão relativa à prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada (art. 985, § 2º). 

Descumprimento da tese jurídica 

Não observada a tese fixada no IRDR, caberá reclamação (985, § 1º). 

Revisão da tese jurídica fixada (art. 986) 

É possível a revisão da tese jurídica firmada no incidente. Essa revisão deverá ser feita pelo mesmo tribunal que fixou a tese, de ofício ou mediante requerimento do MP ou da Defensoria Pública. 

Recurso contra o julgamento do IRDR (art. 987) 

Do julgamento do mérito do incidente, caberá recurso extraordinário ou especial, conforme seja caso de matéria constitucional ou infraconstitucional. Atenção: o recurso tem efeito suspensivo. No caso de recurso extraordinário interposto contra o acórdão que julgou o IRDR, fica presumida a repercussão geral da questão constitucional. 

Decisão do STF ou STJ que julgou o recurso contra o julgamento do IRDR 

Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo STF ou pelo STJ será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito. 

O PROCEDIMENTO DE DISTINÇÃO (ART. 1.037, §§ 9º E 13, DO CPC) SE APLICA TAMBÉM PARA O IRDR 

Vamos imaginar o mesmo exemplo dado acima para o recurso especial repetitivo, mas agora envolvendo IRDR: 

O TJ/SP está recebendo milhares de apelações discutindo se os bancos podem ou não cobrar a tarifa bancária “X”. Diante disso, é instaurado um IRDR no TJ/SP para decidir o tema. O Desembargador Relator determina a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado de São Paulo envolvendo a cobrança da tarifa bancária “X”. 

Suspensão de um processo individual que estava em 1ª instância 

Antes da instauração do IRDR, Pedro havia ajuizado, na comarca de Santos (SP), ação contra o Banco Itaú questionando a cobrança da tarifa “X”. O processo estava tramitando normalmente na 6ª Vara de Santos. Ocorre que o Juiz da 6ª Vara foi informado de que o Desembargador do TJ/SP determinou o sobrestamento de todos os processos que tratem sobre o tema. Diante disso, o magistrado proferiu decisão determinando a suspensão do processo envolvendo Pedro e o Banco Itaú. Pedro, contudo, não concorda com essa suspensão. Isso porque a matéria discutida na ação por ele proposta envolve a constitucionalidade da tarifa “X” (e não a sua legalidade). Logo, seria, em seu ponto de vista, um caso diferente daquele que será julgado pelo TJ/SP no IRDR. 

Diante disso, indaga-se: Pedro poderá interpor, imediatamente, um agravo de instrumento contra esta decisão do Juiz da 6ª Vara? 

NÃO. Antes de interpor o agravo de instrumento, Pedro deverá adotar o procedimento de distinção previsto no art. 1.037, §§ 9º a 13, do CPC. Assim, Pedro terá que ingressar com um pedido de reconsideração dirigido ao Juiz afirmando que a matéria discutida neste processo envolve a constitucionalidade da tarifa “X” (e não a sua legalidade). Em outras palavras, Pedro terá que alegar e demonstrar que existe um distinguishing (uma distinção) e que, portanto, o processo não deveria ficar suspenso. 

Oitiva da outra parte 

A outra parte deverá ser ouvida sobre o requerimento, no prazo de 5 dias. Assim, o juiz deverá intimar o Banco Itaú para se manifestar sobre o requerimento do autor. 

Decisão do Juiz 

O Juiz, após analisar os argumentos do autor e do réu, poderá: 

1) reconhecer que existe distinguishing: se ficar reconhecido que há, de fato, essa distinção, ou seja, essa diferença entre as situações, o Juiz dará prosseguimento ao processo. 

2) entender que não existe distinguishing: neste caso, o processo continua sobrestado. 

Cabe algum recurso contra a decisão que reconhece ou que não reconhece a distinção? 

SIM. Caberá agravo de instrumento, nos termos do art. 1.037, § 13, I, do CPC: 

Art. 1.037 (...) § 13. Da decisão que resolver o requerimento a que se refere o § 9º caberá: I - agravo de instrumento, se o processo estiver em primeiro grau; (...) 

Em nosso exemplo, se Pedro ou o Banco Itaú não concordarem com a decisão do juiz, poderá ser interposto agravo de instrumento. 

Resumo das etapas do procedimento de distinção: 

O procedimento de distinção previsto no art. 1.037, §§9º a 13, do CPC pode ser dividido em cinco etapas: 

a) intimação da decisão de suspensão (as partes são intimadas de que o processo em que litigam ficará suspenso aguardando o julgamento do repetitivo ou do IRDR); 

b) parte que não concorda com a suspensão formula requerimento ao juízo de 1º grau demonstrando que existe distinção (distinguishing) entre a questão debatida no seu processo e aquela submetida ao julgamento repetitivo ou ao IRDR; 

c) abertura de contraditório, a fim de que a parte adversa se manifeste sobre a matéria em 5 dias; 

d) prolação de decisão interlocutória resolvendo o requerimento; 

e) cabimento do agravo de instrumento em face da decisão que resolve o requerimento. 

A parte que não concordou com a decisão poderia impetrar mandado de segurança? 

NÃO. Não é possível, neste caso, a impetração de mandado de segurança contra a decisão que resolve o requerimento de distinção, tendo em vista que a Corte Especial do STJ por ocasião do julgamento do tema repetitivo 988, vedou expressamente o uso do mandado de segurança contra decisões interlocutórias. 

Logo depois que a parte é intimada de que o processo em que litiga foi suspenso, ela já poderá, imediatamente, interpor o agravo de instrumento? 

NÃO. Já respondi isso acima, mas fiz questão de repetir aqui para que não houvesse dúvidas. Se a parte interpõe agravo de instrumento diretamente em face da decisão de suspensão, ela salta quatro das cinco etapas acima descritas, sem observar todas as demais prescrições legais, ou seja, sem permitir que a outra parte se manifeste e que o Juiz enfrente essa alegação. O detalhado rito instituído pelo CPC no art. 1.037, §§ 9º a 13 não pode ser considerado como mera e irrelevante formalidade. Trata-se de procedimento de observância obrigatória, na medida em que visa, a um só tempo: 

• materializar o contraditório em 1º grau acerca do requerimento de distinção; 

• evitar a interposição de recursos prematuros e 

• gerar a decisão interlocutória a ser impugnada (a que resolve a alegação de distinção), sob pena de violação ao duplo grau de jurisdição e supressão de instância. 

Resumindo: 

A decisão que suspende o processo em 1º grau em virtude da instauração de IRDR no Tribunal não é imediatamente recorrível por agravo de instrumento ao fundamento de distinção. É necessário que, antes disso, seja instaurado o procedimento de distinção (distinguishing) tratado no art. 1.037, §§9º a 13 do CPC/2015, procedimento esse que foi previsto para os recursos especial e extraordinário repetitivos, mas que também se aplica para o IRDR. Assim, o procedimento de alegação de distinção (distinguishing) entre a questão debatida no processo e a questão submetida ao julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, previsto no art. 1.037, §§9º a 13, do CPC, aplica-se também ao IRDR. Tanto os recursos especiais e extraordinários repetitivos como o IRDR compõem, na forma do art. 928, I e II, do CPC, um microssistema de julgamento de questões repetitivas, devendo o intérprete promover, sempre que possível, a integração entre os dois mecanismos que pertencem ao mesmo sistema de formação de precedentes vinculantes. Não há diferença ontológica nem tampouco justificativa teórica para um tratamento assimétrico (diferente) entre a alegação de distinção formulada em virtude de afetação para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos e em razão de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, pois ambos os requerimentos são formulados após a ordem de suspensão emanada pelo Tribunal, tem por finalidade a retirada da ordem de suspensão de processo que verse sobre questão distinta daquela submetida ao julgamento padronizado e pretendem equalizar a tensão entre os princípios da isonomia e da segurança jurídica, de um lado, e dos princípios da celeridade, economia processual e razoável duração do processo, de outro lado. STJ. 3ª Turma. REsp 1.846.109-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/12/2019 (Info 662).

15 de abril de 2021

Filigrana Doutrinária: Superação de precedentes e modulação de efeitos - Ravi Peixoto

No caso da superação de precedentes, a quebra da estabilidade é gerada pelo próprio Poder Judiciário, ao modificar, de forma surpreendente, um posicionamento consolidado, podendo surgir, nessa situação, a necessidade da utilização da modulação de efeitos. Tanto a segurança jurídica como a confiança legítima exigem uma tutela adequada, quando violadas e, uma de suas formas, estudada nesse trabalho, é a modulação de efeitos, sendo um dever do referido órgão jurisdicional ao menos conhecer da matéria. (grifou-se) 

PEIXOTO, Ravi. In: FLUMIGNAN, Silvano José Gomes; KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino; PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura (Coords.). Enunciados das Jornadas de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal - CJF: organizados por assunto, anotados e comentados. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 398-399. 

10 de abril de 2021

Ementismo tecnológico, o problema da construção do dataset

 Fonte: ConJur

Referência: https://www.conjur.com.br/2021-abr-10/luis-vale-ementismo-tecnologico-construcao-dataset

A cultura do ementismo está enraizada há tempos no Brasil. Nos mais variados quadrantes de aplicação do Direito, costuma-se tomar ementa por precedente, como se a falta de apuro conceitual não tivesse reverberações de ordem prática. Basta compulsar algumas petições e decisões para verificar que a busca pela aplicação de um padrão decisório vinculante se traduz na evocação de resumos dos julgados, os quais, na maioria dos casos, não refletem os fundamentos determinantes.

Com a edição do Código de Processo Civil de 2015, houve um aprofundamento teórico e prático da temática dos precedentes judiciais, chegando-se a propalar a ideia da existência de um verdadeiro sistema precedental. Afinal de contas, o legislador não só ampliou o espectro de padrões decisórios cogentes (artigo 927, do CPC), mas também se preocupou em delimitar os parâmetros construtivos (exemplo: determina-se, no âmbito do incidente de resolução de demandas repetitivas, que sejam levados em consideração todos os argumentos favoráveis e contrários à tese jurídica discutida — artigo 984, §2º, do CPC) e aplicativos das decisões paradigmas (exemplo: não se considera fundamentada a decisão que deixa de seguir precedente, sem demonstrar a existência de distinção ou superação do entendimento).

Ressalte-se a peculiaridade no trato dos precedentes judiciais, in terrae brasilis, na medida em que as decisões são consideradas padrões decisórios vinculantes, a priori, pelo legislador, diferentemente do que ocorre em países outros como Estados Unidos e Inglaterra, nos quais um pronunciamento jurisdicional torna-se paradigmático, quando o juiz do caso futuro vislumbra em manifestação passada um verdadeiro arquétipo decisório hábil a orientar o julgamento de situação análoga.

Malgrado o burilamento sistêmico empreendido na análise dos precedentes judiciais, ainda subsiste a clássica confusão entre ementa e precedente, demonstrando que continuamos a enxergar o novo com a lente embaçada da antiga práxis reducionista.

Portanto, é importante destacar que o precedente judicial é a decisão proferida em determinado caso, que ganha foro paradigmático, na medida em que pode se tornar elemento de referência para decisões futuras, haja vista que nela se encontra inserida uma tese jurídica passível de ser universalizável, no bojo de circunstâncias fáticas que embasam a controvérsia [1].

Assim, o precedente judicial é composto pela ratio decidendi/holding (fundamentos determinantes), pelo substrato fático e pelos argumentos obiter dictum (ditos de passagem ou de forma lateral). Convém destacar, por oportuno, que a parte vinculante do precedente é a que se denomina ratio decidendi/holding.

Lado outro, a ementa constitui apenas um resumo do julgado e, diante de sua concisão, nem sempre traduz a ratio decidendi, de tal sorte que tomar ementa por precedente é correr o risco de aplicar entendimento completamente avesso ao que foi pronunciado pela corte (nos termos do que dispõe o artigo 943, §1º, do CPC, todo acórdão conterá ementa).

Resta evidente, em uníssono com as considerações pretéritas, que a aplicação escorreita do precedente obrigatório depende da leitura adequada dos seus fundamentos determinantes, ou seja, é necessário depurar, nos contornos da motivação, aquilo pode ser considerado holding.

Ocorre que, como se disse, há uma tendência simplificadora, no Direito brasileiro, de tal sorte que é imprescindível uma mudança de cultura jurídica, com o escopo de tornar efetivo o sistema de precedentes judiciais.

Não bastasse a extrema dificuldade relatada, tem-se implementado, no âmbito dos tribunais, uma teoria tecnológica dos precedentes judiciais.

É certo que vivenciamos um movimento de franca expansão do uso de novas tecnologias, principalmente a inteligência artificial, a fim de promover, em certa medida, uma otimização do trabalho dos profissionais da área jurídica. De acordo com pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Brasil, já existem 64 projetos de inteligência artificial espalhados por 47 tribunais [2].

Ocorre que a maioria desses projetos é voltada à aplicação de precedentes judiciais, tais como os sistemas Victor, do Supremo Tribunal Federal, Athos e Sócrates, do Superior Tribunal de Justiça.

No entanto, deve-se ficar claro que a aplicação do padrão decisório vinculante não se faz de forma automática ou mecanicista, na medida em que se destaca como um ato hermenêutico que envolve a compreensão, como se disse, dos lineamentos da holding e de sua possível incidência em determinado caso, consideradas as circunstâncias fáticas que o envolvem.

Fica evidente, portanto, que as reduções aplicativas dos precedentes judiciais, através de ferramentas de inteligência artificial, ignoram, por vezes, o natural caminho discursivo para a constitucional incidência da decisão-quadro.

Um dos principais problemas relacionados à aplicação tecnológica dos precedentes judiciais e que tem passado despercebido de boa parte das análises doutrinárias, diz respeito à construção do dataset (dataset é a base de dados utilizada para o adequado treinamento da ferramenta de inteligência artificial). Afinal de contas, se o referencial adotado para o uso do sistema computacional são as ementas, corre-se o risco da implementação de um verdadeiro ementismo tecnológico.

Nesse sentido, veja-se a transcrição das funcionalidades do sistema Athos do STJ [3]"Atualmente, o STJ conta com uma plataforma de inteligência artificial, Athos, que foi treinada com a leitura de aproximadamente 329 mil ementas de acórdãos do STJ entre 2015 e 2017 e indexou mais de 2 milhões de processos com 8 milhões de peças, possibilitando o agrupamento automático por similares, a busca por similares, o monitoramento de grupos e a pesquisa textual".

Com efeito, fica claro que a busca desenfreada pela eficiência jurisdicional tem desembocado em reducionismos que podem vir a malferir direitos e garantias processuais fundamentais. Tomar ementa por precedente, em escala tecnológica, pode implicar na incidência de padrões decisórios a casos díspares e no seu afastamento em situações que exigiriam a sua aplicação.

Desse modo, é fundamental que possamos implementar uma curadoria do dataset atenta às exigências do sistema de precedentes, principalmente no que tange à definição dos exatos limites dos fundamentos determinantes.

 

[1] VALE, Luís Manoel Borges do. Precedentes vinculantes no processo civil e a razoável duração do processo. Rio de Janeiro: GZ, 2019, p. 13.