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16 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: pronunciamentos judiciais cíveis vinculantes, Discricionariedade, Coerência, Integridade e Art. 926 do CPC

"Os precedentes judiciais previstos no CPC vigente, a despeito de suas diferenças com os precedentes judiciais genuínos do common law, consistem em mais uma tentativa de conter a discricionariedade criadora de voluntarismos judiciais, e otimizar a segurança jurídica, há tempos perdida no horizonte brasileiro, em especial diante dos deveres de coerência e integridade, que compõem elementos da igualdade e segurança jurídica, em consonância com o art. 926, CPC".


Ferreira, Olavo Augusto Vianna Alves; Nunes, Gustavo Henrique Schneider. Ativismo judicial, indisponibilidade de bens e ação de improbidade administrativa. Revista de Processo. vol. 315. ano 46. p. 231-250. São Paulo: Ed. RT, maio 2021. 

Filigrana doutrinária: Ativismo judicial, Discricionariedade e Democracia

"O ativismo trata-se de um problema de ordem eminentemente hermenêutica, que gera um outro problema, que é o da ausência de legitimidade democrática e, nessa dimensão, o julgador não pode adquirir 'uma faceta messiânica como intérprete do futuro da sociedade, o ‘escolhido (vanguarda iluminista)’ para guiar a sociedade na direção do caminho correto' [NERY JR., Nelson; ABBOUD, Georges. Direito constitucional brasileiro. São Paulo: Ed. RT, 2017. p. 597]. A autocontenção deve guiar o juiz para que atue apenas dentro dos limites oferecidos pelo ordenamento jurídico".


 Ferreira, Olavo Augusto Vianna Alves; Nunes, Gustavo Henrique Schneider. Ativismo judicial, indisponibilidade de bens e ação de improbidade administrativa. Revista de Processo. vol. 315. ano 46. p. 231-250. São Paulo: Ed. RT, maio 2021. 

Filigrana doutrinária: Discricionariedade - Ronald Dworkin

“O conceito de poder discricionário só está perfeitamente à vontade em apenas um tipo de contexto: quando alguém é em geral encarregado de tomar decisões de acordo com padrões estabelecidos por uma determinada autoridade”, e, diante disso, “tal como o espaço vazio no centro de uma rosca, o poder discricionário não existe a não ser como um pedaço vazio, circundado por uma faixa de restrições”

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 50-51.

18 de abril de 2021

Condenação de 10 anos atrás não pode impedir posse de servidor, diz TJ-SP

 A discricionariedade da administração deve ser exercida dentro das balizas legais, não se podendo burlar vedação expressamente prevista na norma para considerar um fato extinto em todos os seus efeitos sob a óptica legal, sob fundamento diverso, como “boa conduta”.

O entendimento é do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao anular ato da presidência da Corte que havia negado a posse de um candidato aprovado em concurso público para o cargo de assistente social judiciário por não possuir "boa conduta".

Isso porque o servidor foi demitido do cargo de assistente social pelo município de Guarda-Mor, em Minas Gerais, por conduta desidiosa apurada em processo administrativo disciplinar. Um inquérito policial contra o trabalhador também embasou a decisão de negar sua posse no TJ-SP. Ele impetrou mandado de segurança, que foi concedido pelo Órgão Especial, por maioria de votos. 

Para o relator do acórdão, desembargador Márcio Bartoli, há ilegalidade no ato de recusar a posse do servidor diante do princípio constitucional da presunção da inocência e da regra do artigo 307, parágrafo único, da Lei Estadual 10.261/68, "preceitos de obrigatória observância pela administração em seus atos, inafastáveis sob o aduzido argumento da discricionariedade do administrador".

Bartoli destacou que os fatos apurados em Guarda-Mor ocorreram há mais de dez anos e superaram o prazo para desconsideração previsto na Lei Estadual 10.261/68, cujo objetivo é evitar a perpetuação de punições, "criando-se lapsos depuradores após os quais nem a prévia infração disciplinar, nem a demissão possam interferir na vida funcional do servidor, ou gerar ao candidato a cargo público incompatibilidade com o exercício da função".

Ainda conforme o magistrado, a perpetuação de sanções fere a dignidade da pessoa humana, assegurada pela Constituição Federal e, por isso, o legislador previu prazos para os efeitos sancionatórios, seja na seara penal, seja na esfera administrativa. Assim, Bartoli concluiu pelo direito líquido e certo do autor à desconsideração de seu histórico funcional pretérito.

Ele concedeu a segurança para anular o ato impugnado e determinar a posse do servidor no cargo para o qual foi aprovado. Houve divergência no julgamento. A relatora sorteada, desembargadora Cristina Zucchi, ficou vencida. Para ela, tratando-se de poder discricionário, é inadmissível a interferência do Judiciário no ato decisório da administração pública, salvo se caracterizada ilegalidade ou teratologia.

"A análise do requisito da 'boa conduta' é parte obrigatória da investigação social no concurso público, momento em que a administração reúne informações sobre o candidato, a fim de atestar a sua idoneidade moral para o exercício de cargo público e a compatibilidade do seu perfil com o exercício do cargo pretendido", afirmou a magistrada.

Processo 2213702-97.2020.8.26.0000

26 de outubro de 2017

VINCULAÇÃO À DISCRICIONARIEDADE; Revista de Direito Privado, vol. 82, p. 15 - 37, Out / 2017

VINCULAÇÃO À DISCRICIONARIEDADE

Binding to discretion
Revista de Direito Privado | vol. 82/2017 | p. 15 - 37 | Out / 2017
DTR\2017\6344
_____________________________________________________________________________________
Cantídio Aranega de Araújo Miranda
Mestrando pela Faculdade Autônoma de Direito – FADISP. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Advogado. cantidio@uol.com.br

Área do Direito: Processual

Resumo: O objetivo do presente artigo é demonstrar como a aplicação da lei e dos provimentos vinculantes elencados no art. 927 do CPC/2015 ocorre de forma completamente distinta. No momento de aplicar a lei é amplamente aceito que o julgador utilize um conceito semântico de norma cujo âmbito de interpretação é alargado por valores muitas vezes subjetivos, travestidos de princípios, ao passo que se utiliza de um conceito sintático de norma observado no período do positivismo exegético e da jurisprudência dos conceitos alemã quando da aplicação dos provimentos vinculantes. Confere-se, assim, aos ministros atividade semelhante a do “fazedor de nomes” da obra Crátilo, repristinando, sob nova roupagem, a já supostamente superada crença no “mito do dado” e a aposta no computador juiz cuja maior qualidade é ser um reprodutor acrítico de entendimentos.

 Palavras-chave:  Positivismo - Discricionariedade - Provimento vinculante.

Abstract: The objective of the study is to show how the application of rules and of binding provisions listed in the article 927 of the CPC/2015 occur by means fully different. At the time of application of the rules, it is widely accepted that the judge uses a semantic concept of norm whose scope of interpretation is extended by values ​​often subjective, transgressed of principles, while it’s used a syntactic concept of norm observed in the period of the Exegetical positivism and German jurisprudence of concepts when applying the binding provisions. Thus giving the ministers an activity similar to that of the “maker of names” of the work Cratylus, reprising, under new clothing, the supposedly surpassed belief in the “myth of the given” and betting on the computer judge whose highest quality is to be an uncritical reproducer of understandings.

 Keywords:  Positivism - Discretion - Binding provisions.

Sumário:  
1Introdução - 2Do positivismo exegético, da escola do direito livre, da jurisprudência dos valores e do positivismo normativista - 3Da forma como se busca a aplicação do direito no Brasil - 4Conclusão - 5Bibliografia


1 Introdução

Consoante aponta Luigi Ferrajoli,1 os países latino-americanos, após o término do período ditatorial, entraram na terceira fase do constitucionalismo2, nesse contexto foi introduzido no País um amplo catálogo de direitos sociais, entre os quais aqueles de última geração; o duplo controle de constitucionalidade3; o controle de constitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º)4, o mandado de injunção (art. 5º, LXXI);5 e a vinculação do orçamento com despesas sociais. Acrescentamos ainda as referências do autor ao conteúdo do art. 3º da Carta Magna.
Houve assim uma expansão da atividade do Poder Judiciário, afinal “as normas de direitos fundamentais têm aplicação imediata” (art. 5º, § 1º) e “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV), podendo referida lesão ser omissiva ou comissiva.
O tardio ingresso do Brasil nesse período denominado por alguns de neoconstitucionalista, aliado à má compreensão do que seria o neoconstitucionalismo6, bem como das teorias que o utilizam dentro do paradigma positivista, trouxeram consequências sérias para a forma de aplicação do direito no Brasil.
Segundo Streck, esse belo epíteto acabou por incentivar/institucionalizar uma recepção acrítica da jurisprudência dos valores, da teoria da argumentação de Robert Alexy e do ativismo judicial norte-americano.7
Essa recepção acabou por provocar aquilo que o autor denominou de Estado de natureza hermenêutico, Estado no qual, sobre o pretexto de não serem mais os juízes a boca da lei, abriu-se aos juízes a possibilidade de decidirem conforme sua consciência, por meio da abertura criada pelos “princípios”.8
Esse quadro, apesar de não ser a causa, certamente contribuiu para o aumento do número de processos, haja vista que a incerteza da resposta judicial sem dúvida estimula aqueles que não estão certos de seu direito a procurar o auxílio judicial e verificar se o processo será decidido por julgadores que pensem de forma diversa da maioria; afinal, tendo em vista os baixos custos dos processos, torna-se tentadora a aposta na jurisprudência lotérica.
Nesse momento no qual se ampliavam as críticas a alta discricionariedade na aplicação do direito no país, mas acreditava-se estar superado no Brasil, assim como no mundo, o positivismo exegético ou legalista; afinal, parecia ter se tornado uma obviedade que Direito e lei não mais se confundiam, se não por uma diferença ontológica, como nos ensina Streck, mas por uma cisão semântica como observou Kelsen.
Buscou-se, com o objetivo de solucionar o problema da discricionariedade, um retorno a um positivismo exegético por meio da fixação de enunciados vinculantes pelos tribunais.9
Criando-se teratologia descomunal, como ensina Streck, na qual aparentemente a lei possui menos poder de vinculação que os enunciados criados pelos tribunais.10
Além disso, essa aposta traz consigo, como será tratado no tópico 3.2, uma série de problemas, principalmente quando se observa que para a formação dos entendimentos que se tornarão “verdadeiramente vinculantes” utiliza-se de enorme abertura discricionária, assim como no enquadramento dos casos concretos a esses entendimentos.
Como salienta Lenio Streck, sempre estivemos envolvidos com esse tipo complicado de sincretismo que procura conciliar diversos pensamentos e métodos jurídicos que, no mais das vezes, apresentam características conflituosas entre si.11
Este é o objeto do presente artigo: demonstrar que de certo modo reavivamos aqui a figura que o Sócrates platônico na obra Crátilo12 denomina “fazedor de nomes” (onomaturgo) ou sábio legislador13; afinal, do mesmo modo que estes são capazes de observar a essência das coisas e por diferentes sílabas igualmente corretas construir as palavras aptas a nomeá-las, os julgadores dos tribunais superiores podem por diferentes meios produzir decisões distintas. Ocorre que diferentemente destes, cujas palavras teriam a adequação examinada pelos usuários,14 as decisões devem ser ao menos ab initio acriticamente reproduzidas.

2 Do positivismo exegético, da escola do direito livre, da jurisprudência dos valores e do positivismo normativista

Tendo em vista as limitações do que se pretende expor no presente estudo, iniciamos este expondo de forma mais que sucinta as linhas gerais dos conceitos que serão utilizados na elaboração da discussão principal e da conclusão do estudo.

2.1 Do positivismo exegético ou legalista15

Conforme afirma Riccardo Guastini, “é notório que, na história do pensamento jurídico moderno, a locução ‘positivismo jurídico’ foi e é usada para designar uma multiplicidade de concepções”.16
Tendo em vista o objetivo deste estudo, não é possível tratar de forma detalhada sobre o assunto, limitamo-nos a destacar que a principal característica comum dessas concepções, qual seja, a oposição ao jusnaturalismo17, assim como expor em linhas gerais, como se verá, as principais características das concepções de que se entende possuir maior influência no Brasil atualmente, iniciando-se o estudo pelo positivismo exegético.
A principal característica do modelo exegético ou legalista, como bem salienta a doutrina, é a equiparação do direito à lei, sendo considerada uma teoria jurídico-sintática18, haja vista ser o direito conhecido e analisado apenas a partir dos conceitos que compõem a legislação.19 Consegue-se atingir uma melhor compreensão do estilo metodológico utilizado por essa escola ao se observar sua origem, qual seja, o Golpe de Estado de 18 de Brumário20, ou seja, surge da necessidade de um rompimento brusco com o modelo jurídico antigo.21
No quadro que surgiu após a revolução, os juízes e eruditos eram vistos com desconfiança pela burguesia que ascendia ao poder por serem ligados à nobreza, nenhum tipo de complementação judicial era admitida, a aplicação do conteúdo dos códigos seria realizada a partir da pura subsunção.22
Essa escola ficou conhecida pelo lema le juge est la bouche de la loi23 (o juiz é a boca da lei), haja vista que o juiz deveria aplicar a lei sem maiores considerações seja quanto à sua forma, seja quanto ao seu conteúdo.24
“Lei” e “Direito” foram reduzidos a uma só coisa, e ao julgador caberia apenas verificar, no contexto fático que lhe era apresentado, qual dispositivo legal seria aplicável. Todo esforço hermenêutico teria sido feito, pelo Legislador, e o Código seria um texto onipotente, basicamente livre de lacunas.25
Acrescente-se, sem extrapolar os limites deste estudo, que a Alemanha, segundo José Lamego,26 conviveu com escola semelhante à denominada “jurisprudência dos conceitos”, na qual, assim como no período na exegese francesa, a atividade do juiz não comportaria interpretação, quanto à origem da legislação; no entanto, a jurisprudência dos conceitos em muito se distancia da escola da exegese, haja vista a origem aqui advir da atividade dos eruditos, ao passo que na escola da exegese era legislativa, sendo os eruditos vistos com desconfiança.27
Continuam os autores afirmando que os problemas interpretativos não são considerados em análises exclusivamente sintáticas,28 o direito se distancia dos fatos sociais. Conforme aponta Georges Abboud, essa concepção ocorre em dois equívocos, a ideia de que o texto normativo é unívoco, tendo caráter anistórico e atemporal, e a crença de que a atividade interpretativa era um mero processo de extração de significados,29 sendo, por este motivo, criticada pelo movimento do direito livre e pela jurisprudência dos interesses.

2.2 Da escola do direito livre

O breve movimento do direito livre, que teve seu ápice entre os anos de 1905 e 191430, internacionalizou-se rapidamente, disseminando-se por diversas partes do mundo com o final da primeira guerra mundial.31
Buscava esse movimento libertar o direito do rigor formal empregado pelas Pandectas alemãs e pelos exegetas franceses por meio de uma abordagem sociológica, defendendo que ao lado do direito formal, emanado pelo legislador, existe um direito livre, afinal já se havia percebido que o legislador não pode prever todas as situações da vida, existindo assim a necessidade de complementação por parte dos juízes.
Kantorowicz, um dos principais expoentes desse movimento, ia além, afirmando que em alguns casos os juízes estariam livres para decidir inclusive contra legem; conforme observa Nelson Nery, para esse autor, “o juiz é livre para julgar, não se vinculando apenas ao direito positivo, mas também às demandas da sociedade, podendo, inclusive, decidir contra Constitutionem e contra legem”,32 ainda que Kantorowicz posteriormente tenha tentado restringir os efeitos de sua declaração.33
Cite-se aqui, apenas com o objetivo de facilitar o entendimento da jurisprudência dos valores que, na Alemanha, nasce de uma secessão desse movimento – secessão esta que se dá justamente em razão da discordância com relação ao problema da possibilidade de decisão contra legem –, a proposta de uma jurisprudência dos interesses.34
Afirmava Philipp Heck, um de seus principais representantes, que era preciso suprir as insuficiências do pensamento lógico-dedutivo puro, com elementos intuitivos que o jurista perceberia na realidade social concreta, sendo necessário o método da ponderação para apontar qual dos interesses em conflito deveria prevalecer.35 Nesse diapasão, a tarefa do intérprete é de reconstrução dos argumentos e ponderação dos interesses que levaram à edição do diploma legislativo.36

2.3 Da jurisprudência dos valores

Conforme leciona Lenio Streck, esse movimento surgiu de um considerável esforço do Bundesverfassungsgericht para conferir legitimidade a uma Constituição que não tinha sido constituída pela ampla participação do povo alemão e, por isso, a invocação de argumentos que permitissem ao Tribunal recorrer a critérios decisórios que se encontravam fora da estrutura rígida da legalidade.37
Diferentemente do corte sociológico apresentado pelos movimentos expostos no subtópico anterior, a proposta dessa escola possui um acentuado corte filosófico.38
Observa-se, nesse período, não apenas na Alemanha mas em diversos países, um novo papel desempenhado pelas Constituições e pelo direito público em face da força normativa dos direitos fundamentais39, assim como um aumento do poder dos juízes com a finalidade de assegurar a força das constituições e dos direitos fundamentais.40
Nesse quadro em que existe um aumento do poder dos julgadores o polo da discussão é deslocado para a atividade jurisdicional e o principal problema a ser enfrentado é a fundamentação da decisão final.41
Acrescente-se, ademais, com base nas lições de Nelson Nery,42 que esse movimento iniciado pela escola do direito livre e contrário ao rigor conceitual da escola da exegese e da jurisprudência dos conceitos segue até chegarmos, no início do século XX, à escola do gourverment des juges (governo dos juízes), onde é lícito aos juízes elaborar textos normativos abstratos e de caráter geral (obrigatório), algo semelhante ao que ocorre atualmente no Brasil com a súmula vinculante, as orientações e os “precedentes”.
Por fim, salienta o ilustre autor que “a evolução da escola do governo dos juízes culminou, na Alemanha, com o não prestigiado Richterrecht (direito dos juízes) e, no common law, com o ativismo judicial (judicial activism), matizes atualizadas da escola do governo dos juízes”.43

2.4 Do positivismo normativista e do positivismo fático

Conforme salientado no tópico 2.1 deste estudo, na história do pensamento jurídico moderno, a locução “positivismo jurídico” foi e ainda é usada para designar uma multiplicidade de concepções entre si.
Duas dessas concepções, cujo tratamento em linhas gerais é necessário para o presente estudo, são neste tópico expostas em linhas gerais. A opção de tratá-las em tópico único se deu por compartilharem uma característica específica, característica esta que nos permite diferenciá-las do positivismo exegético, qual seja, operarem uma análise semântico-sintática do direito, problematizando a relação desses conceitos com os objetos que compõem o “mundo jurídico”, não se excluindo, dessa forma, a possibilidade de os juízes decidirem de mais de uma maneira44.
Destaque-se, ademais, que dentro das limitações do estudo não se pretende aprofundar a análise de cada uma destas. A exposição objetivará expor apenas as linhas mais gerais e conexas com o objetivo deste.
O normativismo enquanto teoria do direito é um conjunto de normas promulgadas por uma autoridade normativa, ao passo que enquanto teoria da ciência jurídica sustenta que o objeto da ciência jurídica são as normas e sua tarefa é descrevê-las.45 Nesse sentido é a obra de Hans Kelsen46.
O positivismo fático,47 por sua vez, entende ser o direito um conjunto de comportamentos dos legisladores, dos órgãos de aplicação e dos intérpretes, e não de normas; enquanto ciência jurídica é uma ciência que versa sobre comportamentos cuja tarefa é descrever os atos de linguagem do legislador, as decisões dos juízes, as doutrinas elaboradas pelos juristas, e assim por diante.48 Para esta corrente o direito se extrai das sentenças e por meio disto é possível prever o que os juízes farão no futuro. Nesse sentido a obra de Alf Ross49.
Assemelha-se a essa postura a adotada pelo realismo jurídico e cite-se, ademais, o positivismo moderado, conforme é descrito por Dworkin e Hebert Hart, cujo objeto é o conceito de regra, a ideia de textura aberta do direito e sua conceituação da denominada zona cinzenta, como o espaço de discricionariedade para os juízes na solução dos chamados Hard Cases.50

2.5 Decisionismo

Conforme a lição de Ronaldo Porto Macedo Jr.:
Para um jurista do tipo decisionista não é o comando enquanto comando, mas a autoridade ou soberania de uma decisão última, dada com o comando, que constitui a fonte de todo e qualquer “direito”, isto é, de todas as normas e ordenamentos seguintes.51
Para seu grande corifeu, Carl Schmitt, a Constituição é uma decisão, sendo o único com atribuição de lhe guardar o chefe do Poder Executivo, haja vista ser este um poder político. Sendo assim, é aquele o único apto para interpretar a Constituição e definir o que é ou não constitucional por meio do controle de constitucionalidade.52 Critica o autor ainda um sistema puro de direito por entender que os magistrados se tornariam a mera “boca da lei”.53
In fine, importante destacar que a teoria de referidos autores (tópicos 2.4 e 2.5) observa a discricionariedade como uma fatalidade, ao contrário de teorias posteriores, que acreditam tê-la superado pela aposta quase cega na discricionariedade e no protagonismo judicial54.

3 Da forma como se busca a aplicação do direito no Brasil

Dentro desse diapasão, ainda que exposto de forma demasiado sucinta, torna-se possível observar que o pensamento jurídico dominante no Brasil se encontra preso ao paradigma positivista, mas para a aplicação da lei opera-se por meio de um paradigma que se aproxima das vertentes mais discricionárias da escola do direito livre, da jurisprudência dos valores, e em alguma medida do realismo jurídico (espécie do positivismo fático) e do decisionismo, ao passo que, ao se decidir com uma súmula ou com outra das espécies citadas no art. 927 do CPC (LGL\2015\1656)/ 2015, busca-se utilizar um paradigma que se aproxima mais do positivismo exegético. Fica assim em ambos os pontos aquém do positivismo normativista, seja por apostar na discricionariedade judicial no momento de interpretação da lei55, seja por deixar de reconhecer o caráter não unívoco da linguagem no momento da interpretação dos provimentos vinculantes.56

3.1 Da crítica à forma discricionária da aplicação da lei no Brasil

Após a promulgação da Constituição de 1988 houve no Brasil uma mudança na forma de tratamento da Constituição, mudança esta semelhante à vislumbrada nos países europeus no final da segunda guerra, destacamos neste estudo a mudança ocorrida na Alemanha no período da Jurisprudência dos valores (apesar de esse período ter se iniciado anteriormente).
Ocorre que a doutrina brasileira, conforme a crítica de Lenio Streck, sem se ater as peculiaridades que levaram ao surgimento desse movimento, acaba utilizando desses mecanismos como autorizadores para a discricionariedade judicial.57
Adverte o autor acerca da “tendência” contemporânea (brasileira) de apostar no protagonismo judicial como uma das formas de concretizar direitos58; aponta, ademais, que isso se deve a uma equivocada recepção daquilo que na Alemanha se convencionou chamar de Jurisprudência dos Valores.
Criamos um quadro em que diuturnamente princípios são criados pelos juízes e tribunais; sem o menor rigor, utilizam os julgadores princípios por eles elaborados, assim como aproveitam aqueles criados pelos demais para fundamentar decisões até mesmo contrárias à lei.
Critica Ferrajoli o papel, no Judiciário do Brasil, das doutrinas neoconstitucionalistas e principalistas,59 afirmando que, devido à ideia de que os direitos constitucionais seriam princípios, objetos de ponderação ao contrário das regras, objetos de aplicação, promove um ativismo judicial que arrisca resultar em uma profunda distorção da jurisdição.60
Conforme leciona Georges Abboud, trata-se o neoconstitucionalismo de expressão oriunda do direito constitucional espanhol que importamos como um novo paradigma científico para estudarmos o direito constitucional61, sendo certo que autores como Robert Alexy, no entanto, no Brasil apelidados de neoconstitucionalistas, assentam sua doutrina, em verdade, no paradigma positivista, pois mantêm a utilização de um conceito sintático-semântico de norma.62
As denominadas teorias argumentativas do direito63 foram objeto de recepção equivocada, calcada no método da ponderação, em um paradigma em que, em linhas gerais, os casos “fáceis” se resolvem por meio da subsunção do caso à regra jurídica, ao passo que os casos “difíceis” são resolvidos mediante pelo método da ponderação dos princípios aparentemente em conflito, cujo resultado é uma regra a ser aplicada por subsunção ao caso concreto.64
Referidos autores, porém, ao contrário daquilo que foi exposto no tópico acerca do positivismo normativista/fático, não veem a discricionariedade como uma fatalidade, mas apostam nesta como forma de solucionar os problemas da aplicação do direito.65
Necessário frisar, porém, que se busca neste estudo fazer uma crítica não da própria teoria de Alexy, a qual, conforme expõe Streck, foi a que mais avançou entre as teorias semânticas66, mas sim da forma como referida teoria é utilizada no Brasil. Segue o autor afirmando que, apesar de haver menção a Alexy em diversos jugados, estes não seguem as etapas da teoria de colisão por ele proposta67, ou seja, sendo a resposta correta em Alexy resultado da aplicação do método, a citação a sua obra acompanhada do desrespeito ao método é no mínimo leviana e seu nome é apenas utilizado como justificativa para a discricionariedade.
Adiciona-se a esse quadro, ademais, com base na lição de Georges Abboud, a recepção equivocada no Brasil do ativismo judicial americano. Conforme expõe o autor, no Brasil o ativismo é visto como o simples desapego à legalidade vigente, podendo isso ser observado em diversas manifestações não apenas doutrinárias mas também forenses.68 O autor coloca em sua obra exemplos disso, julgamentos em que é admitida a possibilidade de decisões contra Constitutionem (Rcl 4335; ADIn 4277) e contra legem (RE 363889).

3.2 Da equivocada aposta em um retorno ao positivismo exegético como forma de controle da discricionariedade judicial

Consoante se pode perceber, o objetivo do positivismo exegético era acabar com a discricionariedade do monarca e da nobreza ao vincular as decisões judiciais a uma estrita legalidade, e o do constitucionalismo era acabar com a discricionariedade do legislador ao permitir que os juízes suprissem suas omissões, assim como aferissem a legalidade de seus atos (controle de constitucionalidade); nos tempos atuais o objetivo é limitar a discricionariedade dos juízes.69
Com esse objetivo, no Brasil foram sendo realizadas reformas no Código de Processo Civil visando a vincular os juízes principalmente às decisões dos Tribunais Superiores. Nesse sentido, interessante observar a redação do art. 927 do Código de Processo Civil.
Ocorre que, em verdade, ao revés de buscarmos um avanço teórico para a solução do problema do atual altíssimo nível de discricionariedade, proveniente de uma enorme mistura de teorias, e da ausência de preocupação com aquilo que Eros Grau denomina como o calcanhar de Aquiles da teoria normativista, a ausência de preocupação com o momento de aplicação da norma, apostamos no positivismo para solucionar os problemas positivistas.70
Trata-se, como leciona Streck, do fruto de uma evolução darwiniana do positivismo, na qual haverá a criação de verbetes, enunciados e súmulas que almejam abarcar todas as hipóteses de aplicação de cada texto jurídico71. Incorremos, porém, ao adotar essa solução em alguns erros crassos.
O primeiro desses equívocos é que, com a finalidade de impedir a discricionariedade na aplicação dos provimentos vinculantes, cria-se um aparato legal de forma a induzir aos juízes a aplicá-los da mesma maneira que se entendia que as leis deveriam ser aplicadas no período da escola da exegese e da jurisprudência dos conceitos. Transformamos le juge bouche de la loi (o juiz boca da lei) en le juge bouche des tribunaux (no juiz boca dos tribunais).72
Ignoramos mais de um século de críticas feitas por diversos movimentos a esse modelo, conforme nos ensina Nelson Nery Júnior73, assim como não é possível a aplicação mecânica da lei, haja vista o fato de ser necessário ao juiz interpretá-la no momento da aplicação, analisados os fins a que ela se destina, formando assim a norma jurídica que faz lei entre as partes, também não é possível a aplicação mecânica do entendimento dos tribunais.
Caso referidos artigos sejam interpretados sem o devido cuidado, e os comandos vinculantes, sejam vistos como a resposta pronta para casos futuros, incorreremos no grave erro de conferir aos juízes carta branca para substituir sua fundamentação pela menção a provimentos, ou seja, possuirão os juízes autorização para proferir decisões ilegítimas.74
Assim como as normas legislativas, os precedentes deverão ser interpretados, discutidos em cada processo, podendo as partes, por intermédio de seus advogados, destacar os aspectos que mais lhes interessam.75 Corrobora com esse entendimento o art. 489, § 1º, do NCPC.
Ademais, conforme leciona Luigi Ferrajoli, observar sentenças como fonte do direito contradiz o princípio da legalidade e da separação dos poderes, em suma, a própria substância do estado de direito da forma que se estruturou nos ordenamentos de civil law, equivalendo à tese segundo a qual a doutrina seria fonte, implicando no retorno a um direito pré-moderno.76
O segundo é que não tomamos o mesmo cuidado com a forma como os entendimentos dos tribunais são fixados. É certo que importantes conceitos foram incluídos no texto legal na redação do art. 926 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), assim como são louváveis a repetição do art. 93, IX, da CF (LGL\1988\3) no art. 11 do CPC/2015 (LGL\2015\1656) e a fixação de requisitos mínimos de fundamentação no § 1º do art. 489 do CPC/2015 (LGL\2015\1656).
Ocorre que não se aguardou para observar-se a eficácia disso no atual estado de natureza hermenêutico, conforme expressão de Lenio Streck, com o qual convivemos. Assim como se objetiva a aplicação acrítica dos entendimentos sumulados anteriormente à reforma, destacando-se que existem súmulas até mesmo contraditórias.
Nesse sentido leciona Júlio César Rossi ao afirmar que estamos fincados no paradigma do positivismo, em que a discricionariedade é altíssima, a ausência de fundamentação das decisões beira ao absurdo, quadro que nos impede de formar um entendimento coerente e íntegro, sendo certo que cotidianamente o entendimento anterior tomado há dias ou meses é considerado superado; sendo assim inviável a solução por subsunção de ementas.77
Cite-se, ademais, o perigo de engessamento do sistema, visto que as decisões oriundas dos provimentos vinculantes almejam constituir-se como a regra decisória do caso concreto, ou seja, a decisão já acabada.78
Ignora-se a individualidade do caso concreto, bem como, outrossim, impede-se a reavaliação da decisão tomada e assim a necessária oxigenação, ou seja, a possível mudança de entendimento dos tribunais devido às mudanças sociais.79
Por fim, destaque-se também aqui que esse suposto objetivismo na aplicação não foge ao subjetivismo que visa a enfrentar, nesse sentido a lição de Tércio Sampaio:
o objetivismo – que, novamente no plano hermenêutico, pode ser entendido como subjetivismo, porque o sentido depende da subjetividade do intérprete, que irá “definir” o sentido originário do produto do legislador –, levado também ao extremo, favorece um certo niilismo, pois estabelece o predomínio de uma equidade duvidosa dos intérpretes sobre a própria norma ou, pelo menos, desloca a responsabilidade do legislador para os intérpretes, chegando-se a afirmar, como fazem alguns realistas americanos, que direito é “o que decidem os tribunais.80
Deixamos livre um gap hermenêutico, um espaço aberto e fictício, que o julgador poderá preencher atribuindo o sentido que preferir ao texto, como ensina Leonard Schmitz.81

4 Conclusão

Consoante o exposto neste estudo, a aplicação e o estudo do direito no Brasil estão conectados a um paradigma filosófico positivista. Confere-se à interpretação legal grande margem de liberdade, ao passo que parte da doutrina, bem como dos julgadores, entende que os provimentos vinculantes devem ser aplicados a partir da escola da exegese, forma esta que mascara a discricionariedade por meio da crença no mito do dado.
Atualmente se não tomarmos o devido cuidado com a reforma do sistema processual, criaremos um quadro em que o resultado do julgamento de um caso isolado, independentemente de ter este respeitado o sistema legal vigente ou não, pode ser aplicado a diversos outros casos, casos que ainda nem sugiram, casos que podem ou não possuir particularidades82.
Há, assim, necessidade mais do que nunca de trabalhar-se em uma teoria da decisão que não apenas impeça a fixação de um entendimento inadequado, mas também impeça que casos diferentes sejam tratados de forma idêntica, assim como que propicie uma adequada interpretação e aplicação dos entendimentos, afinal, estes, uma vez fixados, são textos83 que necessitam de interpretação da mesma forma que o texto legal.
Como afirma Streck, o grande dilema contemporâneo será, assim, o de construir as condições para evitar que a justiça constitucional (ou o poder dos juízes) se sobreponha ao próprio direito.84 No entanto, inserida no imaginário positivista – em seus vários matizes –, parcela considerável de juristas não percebeu que o direito, (mal) compreendido como conjunto de regras, contenta-se em “abarcar” a realidade de forma ôntica (logos apofântico), a partir da aplicação de raciocínios subsuntivos-dedutivos.85
Nesse quadro deve-se entender que, além de consultar o texto da lei, o julgador deve observar o texto do “precedente” para solucionar o caso concreto. Trabalhar com mais material interpretativo, mais texto com uma maior gama de possibilidades hermenêuticas.
Conclui-se assim o presente estudo fazendo coro com Leonard Schmitz e Lenio Streck afirmando que essa maior gama de possibilidades não significa que a resposta poderá advir da subjetividade do intérprete alheia ao caso sob exame, nas suas especificidades. A interpretação deve ser ex parte princípio, e não ex parte príncipe,86 sendo certo que aplicar uma decisão anterior depende de uma contextualização, impondo-se necessária redobrada exposição concreta de raciocínio jurídico em uma fundamentação baseada em “outra fundamentação”.87

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1 FERRAJOLI, Luigi; TRINDADE, Andre Karam; STRECK, Lenio Luiz (Org.). Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 324 e ss.

2 Sendo a primeira fase a das constituições flexíveis, nos séculos XVIII e XIX, e a segunda fase com as constituições rígidas do segundo pós-guerra, como a italiana, a alemã e a espanhola, vem a terceira fase, marcada por constituições longas, com base no modelo da Constituição portuguesa e que preveem sistemas de garantias e de instituições de garantias bem mais complexos e articulados (Ibidem, p. 323).

3 Aquele concentrado, mediante anulação das leis inválidas pelo Supremo Tribunal Federal (art. 102 da CF (LGL\1988\3)), e o difuso, por meio do qual juízes singulares e tribunais (desde que respeitada a reserva de plenário – art. 97da CF (LGL\1988\3)) podem deixar de aplicar normas inconstitucionais ao caso concreto.

4 Onde, quando constatada a falta de lei que permita o exercício de direito constitucionalmente assegurado, o Tribunal recomendará aos poderes competentes colmatá-la.

5 Conforme leciona Nelson Nery, “o mandado de injunção se presta a fazer com que, na prática, possa ser exercido direito previsto na CF (LGL\1988\3), cuja forma de exercício não se encontra regulamentada por lei infraconstitucional (...). Cabe ao juiz determinar o modus faciendi a fim de que o impetrante não fique privado de seu direito constitucionalmente garantido, a pretexto de que não há ainda norma inferior que o regulamente” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 245).

6 Trata-se de expressão oriunda do direito constitucional espanhol que importamos como um novo paradigma científico para estudarmos o direito constitucional. Essas novas Constituições não se limitam mais a apenas estabelecer a separação de poderes e delimitar competências do Poder Público, visto que passam a positivar diversas garantias fundamentais, estabelecendo, assim, novos limites para a atuação do Poder Público (ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 57).

7 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 35.

8 “As consequências todos conhecemos: sob o pretexto de os juízes não mais serem a boca da lei, os princípios passaram a ser a “era da abertura interpretativa”, a “era da criação judiciária” (...). Em decorrência, estabeleceu-se um verdadeiro “estado de natureza hermenêutico”” (STRECK, Lenio Luiz, O que é isto: decido conforme minha consciência? 4. ed. São Paulo: Livraria do Advogado, 2013. p. 104-105).

9 Fato que também não passa despercebido por Lenio Streck: “Em decorrência, estabeleceu-se um verdadeiro “estado de natureza hermenêutico”, que redundou em uma fortíssima e dura reação do establishment jurídico-dogmático: mudanças legislativas introduzindo, cada vez com mais força, mecanismos vinculatórios. Em outras palavras, o establishment jurídico-dogmático procedeu a uma adaptação darwiniana” (Idem).

10 “Os juízes podem contrariar as leis; se o fizerem caberá recurso. O que os juízes não podem fazer é ousar contrariar súmulas. Nesse caso, conforme a emenda à Constituição aprovada, não caberá recurso e sim, reclamação (...), ou seja, em “terrae brasilis a lei não vincula; a súmula, sim, mesmo que seja contrária à lei e à Constituição”” (STRECK, Lenio Luiz. O efeito vinculante das súmulas e o mito da efetividade: uma crítica hermenêutica. In: Bonavides, Paulo; LIMA, Francisco Gerson Marques de; BEDÉ, Faya Silveira (Org.). Constituição e democracia: estudos em homenagem ao Prof. J. J. Gomes Canotilho. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. p. 407. Apud ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 375).

11 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 28 e ss.

12 PLATÃO. Diálogos: Teeteto e Crátilo. Trad. Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Pará: EFPA, 2001.

13 Sócrates afirma que: “não é de todo homem instituir um nome, mas de um certo artesão de nome, e este é, como é provável, o legislador, que dentre os artesãos vem a ser o mais raro dos homens” (...) é preciso que o legislador também saiba produzir, a partir dos sons das sílabas, o nome concebido por natureza para cada coisa[e] e, contemplando aquilo que é o nome em si, faça e estabeleça todos os nomes, se há de ser soberano criador de nomes? E se cada legislador não emprega as mesmas sílabas, nem isso é preciso ignorar, pois nem todo forjador cria com o mesmo ferro, produzindo o mesmo instrumento para o mesmo fim; mas, apesar disso, uma vez que transmite a mesma ideia, [390a] mesmo que por outro ferro, o instrumento igualmente correto, quer alguém o faça aqui, quer dentre os bárbaros. Ou não?” (Ibidem, p. 110-111).

14 Afirma Sócrates: “E quanto à obra do legislador, quem seria aquele que melhor supervisionaria o trabalho e julgaria, uma vez acabado, tanto aqui quanto entre os bárbaros? Não é precisamente aquele que se utilizará dele?” (Ibidem, p. 112).

15 Também denominado de positivismo primevo ou primitivo por Lenio Streck (STRECK, Lenio Luiz. Lições de crítica Hermenêutica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 21.

16 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 348.

17 Guastini demonstra essa relação de oposição destacando três teses conexas que afirma constituí-la: “para o jusnaturalismo, A) Em primeiro lugar, as normas jurídicas não são simples fatos, mas valores, de modo que tomar conhecimento de uma norma jurídica é, ao mesmo tempo, aprová-la, aceitá-la como guia do comportamento. Em outras palavras, às normas jurídicas deve-se obediência. B) Em segundo lugar, as normas jurídicas não dependem de atos concretos de vontade (ou de linguagem) realizados pelos homens. As normas jurídicas já estão dadas na “natureza” (na natureza do homem, na natureza das coisas), como valores antecedentes a todo ato normativo humano e independentes deste. C) Em terceiro lugar, conhecer a “natureza” é conhecer não só fatos, como também normas, ou seja, valores. Há portanto normas que podem ser extraídas do simples conhecimento, e às quais se deve obediência. Ora, por oposição, o cerne de todas as versões do positivismo é constituído pelas ideias seguintes: A) Em primeiro lugar, as normas jurídicas são simples fatos e não valores. Os fatos, evidentemente, não exigem obediência. Pode-se tomar conhecimento de uma norma jurídica sem, por isso mesmo, aprová-la, aceitá-la como guia do comportamento. Às normas jurídicas deve-se obediência se – e somente se – forem aceitas. B) Em segundo lugar, não há normas já dadas, na natureza. As normas jurídicas são entidades language-dependent, isto é, dependentes do uso da linguagem. As normas jurídicas são entidades que podem ser produzidas somente por atos linguísticos normativos ou, se assim se preferir expressá-lo, por atos de vontade. “Kein Imperativ ohne Imperator”: não há comandos sem algum que ordene. C) Em terceiro lugar, conhecer a natureza é conhecer fatos não valores. Não é possível extrair normas do conhecimento” (Ibidem, p. 350-352).

18 A semiótica divide a análise da linguagem em três níveis: sintática, semântica e pragmática. No nível da sintaxe, a linguagem é considerada a partir de sua estrutura dos signos e a análise obedece a uma lógica de relação signo-signo. Não se considera, aqui, para efeitos de análise, a relação do signo com o objeto ao qual ele faz referência. Por outro lado, a semântica opera uma análise da linguagem na perspectiva de determinar o sentido do signo a partir de sua relação com o objeto. Já a pragmática considera a linguagem na perspectiva do uso (prático) que dela fazem aqueles que com ela operam (ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Introdução à teoria e à filosofia do direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 254).

19 Ibidem, p. 254 e 388.No mesmo sentido a lição Luiz Alberto Warat “que a primeira etapa (do positivismo jurídico) compreende a época da conceitualização dos textos legais. Esta se baseia no pressuposto de que não há mais direito que o ordenamento jurídico estabelecido através das leis validamente ditadas e vigentes” (WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris. 1995. p. 17. v. II).


20 A ruptura institucional da revolução gerou uma desconfiança profunda do Poder Legislativo – agora e pela primeira vez detentor de força sobre as decisões do Estado – em relação ao Judiciário. A magistratura da época era vista como a “nobreza de toga”, além de ser reconhecida por vender decisões e funções públicas em troca de favorecimentos reais. Como consequência disso, houve um choque entre a forte ideologia liberal da revolução e uma magistratura umbilicalmente ligada ao Ancien Régime; enquanto os juízes tendiam sempre a apoiar a aristocracia, os burgueses tomavam o poder de forma rápida e crescente. Dessa forma, no ímpeto de edificar uma nação francesa única e forte, a solução encontrada pelo Legislativo foi a idealização de um ordenamento jurídico que se propunha tão completo, tão perfeito, que sequer careceria de interpretação ou atividade volitiva por parte de quem julgasse um caso concreto (SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 54).

21 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Op. cit., p. 388.

22 CAENEGEM, R. C. V. Uma introdução histórica ao direito privado. Trad. Carlos Eduardo Lima Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 207 e ss.

23 O Barão de Montesquieu definiu o juiz como “a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor” (Montesquieu, Charles-Louis de Secondat. O espírito das leis. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 180).

24 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1836.

25 SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Op. cit., p. 54.

26 LAMEGO, José. Hermenêutica e jurisprudência: análise de uma recepção. Lisboa: Fragmentos, 1990. p. 30.

27 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Op. cit., p. 389.

28 Ibidem, p. 254.

29 ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 65.

30 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Op. cit., p. 398.

31 Ibidem, p. 398.

32 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Op. cit., p. 1836.

33 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Op. cit., p. 399.

34 LOSANO, Mario Giuseppe. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. v. II. p. 164.

35 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Op. cit., p. 399.

36 ABBOUD, Georges; Carnio, Henrique Garbellini; Oliveira, Rafael Tomaz. Op. Cit., p. 399.

37 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto, cit., p. 19-20.

38 ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Op. cit., p. 402.

39 Esse fenômeno é o ponto de partida para as considerações feitas no item 1.

40 O Tribunal Constitucional Federal alemão, em diversas oportunidades, firmou a concepção de que a Lei Fundamental se assenta em uma ordem plural de valores guarnecidos pelos princípios constitucionais. Tais valores, por serem plurais, no mais das vezes, encontram-se em rota de colisão. Isto é, as circunstâncias concretas sob as quais se assenta o caso a ser decidido podem fazer com que dois valores, igualmente amparados por princípios constitucionais, estejam agindo como forças opostas para solução do caso. Assim, é necessário que haja um procedimento para apurar qual deles possui mais força para reger a relação estabelecida naquele dado caso. Esse procedimento é a chamada ponderação que o tribunal afere segundo critérios de proporcionalidade. Esse tipo de solução acabou se espalhando por todos os ramos do direito visto que esse novo fenômeno constitucional provocou algo que é chamado por diversos autores de constitucionalização do direito. O mencionado fenômeno nada mais quer significar do que a invasão das disposições constitucionais – mormente aquelas guarnecedoras de direitos fundamentais – em todos os ramos do direito, inclusive no âmbito do direito privado que, classicamente, se colocava como um “feudo” inviolável (ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Op. cit., p. 405).

41 Ibidem, p. 401.

42 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Op. cit., p. 1836.

43 Ibidem, p. 1836.

44 O positivismo pode ser traduzido pelos seguintes aspectos (suas teses centrais): (a) a existência (vigência e validade) do direito em uma dada sociedade depende das práticas dos membros dessa sociedade; são, pois, as fontes sociais do direito; (b) a validade de uma norma independe de sua validade moral; trata-se, pois, da separação entre direito e moral (secularização); (c) as normas jurídicas de um ordenamento não cobrem todas as hipóteses de aplicação; isso quer dizer que haverá casos difíceis que não serão solucionáveis pelas normas jurídicas existentes; daí o recurso à discricionariedade, poder delegado aos juízes (é neste ponto que o positivismo se liga umbilicalmente ao sujeito solipsista – Selbstsüchtiger – da modernidade). Tais questões, de um modo ou de outro, estão presentes em Kelsen e Hart, que constituem, assim, o “ovo da serpente do positivismo contemporâneo”, embora realistas jurídicos, como Alf Ross, tenham, sob outro viés, parcela significativa de responsabilidade nesse affair. Kelsen desiste de enfrentar o problema dos casos difíceis (embora deles não fale, na especificidade), deixando a cargo dos juízes tal solução, a partir de um “ato de vontade” (daí se falar do “decisionismo kelseniano”). Já Hart confia plenamente nos juízes para a resolução dos casos difíceis, desde que tal “escolha” se dê no interior da zona de penumbra da norma. Ao transferir o problema da normatividade kelseniana para a decisão judicial, Ross conforma aquilo que se pode denominar de positivismo fático (o sentido da norma se dá na decisão). Mas em todos eles está presente a indissociabilidade entre “discricionariedade/arbitrariedade e o sujeito do esquema sujeito-objeto” (STRECK, Lenio. Súmulas vinculantes em terrae brasilis: necessitámos de uma “teoria para a elaboração de precedentes”? Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 78, maio-jun. 2009. 312). Nesse sentido a lição de Hans Kelsen: “A questão de saber qual é, de entre as possibilidades que se apresentam nos quadros do Direito a aplicar, a ‘correta’, não é sequer – segundo o próprio pressuposto de que se parte – uma questão de conhecimento dirigido ao Direito positivo, não é um problema de teoria do Direito, mas um problema de política do Direito. Assim como da Constituição, através de interpretação, não podemos extrair as únicas leis corretas, tampouco podemos, a partir da lei, por interpretação, obter as únicas sentenças corretas” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 393).


45 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 354.

46 KELSEN, Hans. Op. cit., passim.

47 Para essa corrente o direito nada mais seria do que a previsão do que farão os tribunais. Entretanto, essa previsibilidade/tendência não parte de uma ordem ideal prévia, mais, sim, daquilo que os juízes, concretamente, nas decisões, dizem sobre o que venha a ser o direito. “Para esta corrente, o direito se extrai das sentenças. Graças a essa análise pode-se razoavelmente (não mais, assim, racionalmente!) estabelecer como se comportarão os juízes no futuro. ‘What I mean by the law’, afirma Holmes, são ‘the prophecies of what the courts will do in fact’” (LOSANO, Mario Giuseppe. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. v. II. p. 144).

48 GUASTINI, Riccardo. Op. cit., p. 354-355.

49 ROSS, Alf. Direito e justiça. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2000. passim.

50 HART, Herbert. Conceito de direito. 5. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2007. Nesse sentido a lição de Streck: “No fundo, há sempre um retorno às teorias decisionistas de cariz kelseniano: nele, não há espaço para princípios. No positivismo-normativista kelseniano não há espaço para o “caso concreto” (o “caso” ele “deixa” a cargo dos juízes, para os quais não há métodos ou critérios que “segurem” a interpretação – conforme o célebre capítulo oitavo da TPD). Até mesmo um positivista considerado moderado como Hart – este epíteto lhe foi dado por Dworkin –, ao tratar da textura aberta, procura resolver os casos difíceis (hard cases) através da interpretação das zonas de penumbra (textura aberta) da norma. Também ali não há lugar para os princípios (volta-se sempre para a contraposição “discursos de fundamentação-discursos de aplicação”). Abre-se, assim, a possibilidade da discricionariedade do intérprete. Afinal, se a tese hartiana da zona da penumbra (vagueza e ambiguidade da norma) é atrativa, também é verdade que ela não se resolverá na aplicação, mas, sim, no campo da conceitualização. Só que isso deixa a interpretação do direito insulado na velha razão teórica” (STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência?, Op. cit., p. 75-76).

51 MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Carl Schmitt e a fundamentação do direito. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 179.

52 SCHMITT, Carl. O guardião da Constituição. Trad. Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 105 e ss.

53 MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Op. cit., p. 17.

54 Na verdade, todo positivismo conceitual está fadado ao fracasso porque desconhece dois elementos profundos que marcam a experiência jurídica: em primeiro lugar, o caráter radicalmente interpretativo do direito (não existe direito imune à interpretação); por outro lado, e em consequência desse primeiro “esquecimento”, o excessivo apego aos critérios empíricos de justificação (STRECK, Lenio Luiz. Lições de crítica hermenêutica do direito, cit., p. 25.

55 Kelsen apostou na discricionariedade do intérprete – no nível da aplicação do direito – como sendo uma fatalidade, exatamente para salvar a pureza metódica, que assim permanecia “a salvo” da subjetividade, da axiologia, da ideologia etc. (Ibidem, p. 29).

56 Forma-se, desse modo, um círculo vicioso: primeiro, admitem-se discricionarismos e arbitrariedades em nome da “ideologia do caso concreto”, circunstância que, pela multiplicidade de respostas, acarreta um sistema desgovernado, fragmentado; na sequência, para controlar esse caos, busca-se construir conceitos abstratos com pretensões de universalização, como se fosse possível uma norma jurídica abarcar todas as hipóteses (futuras) de aplicação (Ibidem, p. 147).

57 Afinal, no modo como a ponderação vem sendo convocada (e “aplicada”) em terrae brasilis, tudo está a indicar que não passa daquilo que Philipp Heck chamava, na Jurisprudência dos Interesses, de Abwägung, que quer dizer “sopesamento”, “balanceamento” ou “ponderação” (Ibidem, p. 147).

58 STRECK, Lenio Luiz. O que é isto, cit., p. 19-20.

59 Aponta o autor ter o denominado constitucionalismo principalista nascido nos Estados Unidos baseado sobre precedentes como fontes, ou seja, conferindo à jurisprudência caráter criativo que ultrapassa as barreiras do commom law (FERRAJOLI, Luigi; TRINDADE, Andre Karam; STRECK, Lenio Luiz (Org.). Op. cit., p. 234 e ss).

60 Idem.

61 ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 56-57.

62 Nesse sentido também assevera Lenio Streck: “Já de início devemos atentar para a seguinte questão: o termo ‘neoconstitucionalismo’ pode nos ter levado a equívocos. Em linhas gerais, é possível afirmar que, na trilha desse neoconstitucionalismo, percorremos um caminho que nos leva à jurisprudência da valoração e suas derivações axiologistas, temperada por elementos provenientes da ponderação alexyana” (STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso, cit., p. 35).

63 Entre elas a de Robert Alexy (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. Passim).

64 ROSSI, Júlio César. Precedentes à brasileira, a jurisprudência vinculante no CPC (LGL\2015\1656) e no novo CPC (LGL\2015\1656). São Paulo: Atlas, 2015. p. 254-255.

65 Mais ainda, se Kelsen teve o cuidado de construir o seu próprio objeto de conhecimento – e, por isso, é um autêntico positivista –, a teoria pós-kelseniana que não compreendeu a amplitude e profundidade do neopositivismo lógico acabou por fazer essa mixagem dos dois níveis (metalinguagem e linguagem-objeto). A partir dessa má compreensão, os juristas pensaram que o juiz seria o sujeito pelo qual, no momento da aplicação do direito (em Kelsen, o juiz faz um ato de vontade e não de conhecimento), passa(ria) a fazer a “cura dos males do direito”. O que em Kelsen era uma fatalidade (e não uma solução), para as correntes semanticistas, passou a ser a salvação para as “insuficiências” ônticas do direito (STRECK, Lenio Luiz. Lições de crítica hermenêutica do direito, cit., p. 31).

66 No campo jurídico, o “maior avanço” parece – e apenas parece – ter sido dado por Alexy, que de algum modo pretende conciliar o método analítico da Jurisprudência dos Conceitos com o axiologismo da Jurisprudência dos Valores. Com efeito, procurando racionalizar o uso da moral corretiva (p. ex., por meio da Jurisprudência dos Valores, que ele buscou “controlar” racionalmente), Alexy contenta-se em dizer, em um primeiro momento, que os casos simples se resolvem por subsunção, o que quer dizer que ele acredita na suficiência ôntica da lei naqueles casos em que haja “clareza” no enunciado legal e na rede conceitual que o compõem. Ou seja, Alexy, em parte, continua apostando no exegetismo, ao menos para a resolução dos casos no âmbito das regras. Para além dessa “suficiência ôntico-exegética”, quando estiver em face de um caso difícil, apela para o outro nível da semiótica: a pragmática. Mas a palavra final será do sujeito e sua subjetividade. A ponderação alexiana, feita para resolver o problema de colisão de princípios, dependerá, ao fim e ao cabo, da discricionariedade (Ibidem, p. 51).

67 A jurisprudência do STF faz constantes referências ao termo ponderação, mas é extremamente difícil dizer quando é que estamos diante de um acórdão em que realmente foram percorridas todas as fases do procedimento da ponderação. Há frequentes menções a princípios constitucionais em conflito, mas, em regra, não se encontra um voto no qual todas as fases da ponderação – estabelecidas por Alexy – tenham sido ao menos sugeridas pelos Ministros. Idem, Ibidem, p. 56

68 ABBOUD, Georges. Op. cit., p. 720.

69 LIMA, Danilo Pereira. Discricionariedade judicial e resposta correta: a teoria da decisão em termos de pós-positivismo, Revista dos Tribunais, v. 938, dez. 2013. p. 365-369.

70 Penso que o ponto fundamental é que o positivismo nunca se preocupou em responder ao problema central do direito, por considerar a discricionariedade judicial como uma fatalidade. A razão prática – que o positivismo chama de discricionariedade – não poderia ser controlada pelos mecanismos teóricos da ciência do direito. A solução, portanto, era simples: deixemos de lado a razão prática (discricionariedade) e façamos apenas epistemologia (ou, quando esta não dá conta, deixe-se ao alvedrio do juiz – eis o ovo da serpente gestado desde a modernidade) (STRECK, Lenio Luiz. Lições de crítica hermenêutica do direito, cit., p. 128).

71 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso, cit., p. 437-438.

72 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Comentários ao Código de processo civil, cit., p. 1836.

73 Idem.

74 Cabe aqui menção à crítica feita por Maurício Ramires ao julgamento por ementas, que apesar de se referir a problema diverso se encaixa perfeitamente nesta problemática: “O problema reside na elaboração de ementas já com a pretensão de que elas venham a se diretamente transcritas em textos jurídicos a serem produzidos futuramente, como se uma resposta a um problema jurídico pudesse abranger, em si mesma, outras hipóteses de sua aplicação, para casos ainda sequer nascidos (...) Os personagens dos eventos da vida real deixam de ser pessoas de carne e osso, como na casuística anglo-americana (onde têm nome e sobrenome), e passam a ser estereótipos” (RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 50-51).“Basta amarrar o particular em um desses universais e se tem a aparência de uma conclusão científica: cria-se o “método jurisprudencial”. E, se a menção isolada de texto de lei é uma fundamentação deficiente, pouco há a dizer da decisão que simplesmente se ancora em um ou mais verbetes jurisprudenciais, citando-os como se trouxessem a solução invencível do caso jurídico presente” (ibidem, p. 45).


75 LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo brasileiro contemporâneo. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 115-116.

76 FERRAJOLI, Luigi; TRINDADE, Andre Karam; STRECK, Lenio Luiz (Org.). Op. cit., p. 238.

77 ROSSI, Júlio César. Op. cit., p. 260.

78 ABBOUD, Georges; STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: o precedente judicial e as súmulas vinculantes. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 113.

79 Cite-se, com base na obra de Abboud e Lenio, o caso da prisão do depositário infiel (Ibidem, p. 113).

80 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 1989. p. 242.

81 Recordando o que foi dito no primeiro capítulo do trabalho: se for possibilitado ao julgador valer-se de decisões “precedentes” como algo já interpretado, apostaremos em uma “tensão” entre direito e realidade, entre teses e fatos, e será deixado livre um gap hermenêutico, um espaço aberto e fictício, que o julgador poderá preencher atribuindo o sentido que preferir ao texto. Em resumo, o risco que a utilização estratégica dos enunciados sumulares pode assumir é a criação de um superargumento de autoridade (mormente quando se fala de súmulas editadas pelos tribunais superiores) que poderá ser sempre manipulado a favor do seu aplicador-intérprete (SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Op. cit., p. 332).

82 Nesse sentido a lição de Streck: “O domínio dos pré-juízos forjados no senso comum dos juristas, pelo qual a ‘realidade social’ (o mundo prático) é deixada de lado na análise da regra (não esqueçamos que o positivismo busca construir conceitos prévios para serem aplicados independentemente da ‘coisa’), impede o acontecer da singularidade do caso” (STRECK, Lenio Luiz. Lições de crítica hermenêutica do direito, cit., p. 94).

83 Os precedentes que já nascem como tais são “como qualquer texto normativo, não mais que um texto, que disponibiliza sempre um informalizável horizonte de possibilidades de determinação do sentido, que somente pode ser determinado diante do caso concreto” (SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Op. cit., p. 334).

84 STRECK, Lenio Luiz. Lições de crítica hermenêutica do direito, cit., p. 47.

85 Ibidem, p. 78.

86 STRECK, Lenio Luiz. Lições de crítica hermenêutica do direito, cit., p. 91-93.

87 SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 340.