VINCULAÇÃO À DISCRICIONARIEDADE
Binding to discretion
Revista de Direito Privado | vol. 82/2017 | p. 15 - 37 | Out /
2017
DTR\2017\6344
_____________________________________________________________________________________
Cantídio
Aranega de Araújo Miranda
Mestrando pela
Faculdade Autônoma de Direito – FADISP. Bacharel em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Advogado. cantidio@uol.com.br
Área
do Direito: Processual
Resumo:
O objetivo do presente artigo é
demonstrar como a aplicação da lei e dos provimentos vinculantes elencados no
art. 927 do CPC/2015 ocorre de forma completamente distinta. No momento de
aplicar a lei é amplamente aceito que o julgador utilize um conceito semântico
de norma cujo âmbito de interpretação é alargado por valores muitas vezes
subjetivos, travestidos de princípios, ao passo que se utiliza de um conceito
sintático de norma observado no período do positivismo exegético e da
jurisprudência dos conceitos alemã quando da aplicação dos provimentos
vinculantes. Confere-se, assim, aos ministros atividade semelhante a do
“fazedor de nomes” da obra Crátilo, repristinando, sob nova roupagem, a já
supostamente superada crença no “mito do dado” e a aposta no computador juiz
cuja maior qualidade é ser um reprodutor acrítico de entendimentos.
Palavras-chave:
Positivismo - Discricionariedade - Provimento vinculante.
Abstract:
The objective of the study is to show
how the application of rules and of binding provisions listed in the article
927 of the CPC/2015 occur by means fully different. At the time of application
of the rules, it is widely accepted that the judge uses a semantic concept of
norm whose scope of interpretation is extended by values often
subjective, transgressed of principles, while it’s used a syntactic concept of
norm observed in the period of the Exegetical positivism and German
jurisprudence of concepts when applying the binding provisions. Thus giving the
ministers an activity similar to that of the “maker of names” of the work
Cratylus, reprising, under new clothing, the supposedly surpassed belief in the
“myth of the given” and betting on the computer judge whose highest quality is
to be an uncritical reproducer of understandings.
Keywords:
Positivism - Discretion - Binding provisions.
Sumário:
1Introdução -
2Do positivismo exegético, da escola do direito livre, da jurisprudência dos
valores e do positivismo normativista - 3Da forma como se busca a aplicação do
direito no Brasil - 4Conclusão - 5Bibliografia
1
Introdução
Consoante
aponta Luigi Ferrajoli,1 os países latino-americanos, após o término
do período ditatorial, entraram na terceira fase do constitucionalismo2,
nesse contexto foi introduzido no País um amplo catálogo de direitos sociais,
entre os quais aqueles de última geração; o duplo controle de
constitucionalidade3; o controle de constitucionalidade por omissão
(art. 103, § 2º)4, o mandado de injunção (art. 5º, LXXI);5
e a vinculação do orçamento com despesas sociais. Acrescentamos ainda as
referências do autor ao conteúdo do art. 3º da Carta Magna.
Houve assim
uma expansão da atividade do Poder Judiciário, afinal “as normas de direitos
fundamentais têm aplicação imediata” (art. 5º, § 1º) e “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV),
podendo referida lesão ser omissiva ou comissiva.
O tardio
ingresso do Brasil nesse período denominado por alguns de
neoconstitucionalista, aliado à má compreensão do que seria o
neoconstitucionalismo6, bem como das teorias que o utilizam dentro
do paradigma positivista, trouxeram consequências sérias para a forma de
aplicação do direito no Brasil.
Segundo
Streck, esse belo epíteto acabou por incentivar/institucionalizar uma recepção
acrítica da jurisprudência dos valores, da teoria da argumentação de Robert
Alexy e do ativismo judicial norte-americano.7
Essa recepção
acabou por provocar aquilo que o autor denominou de Estado de natureza
hermenêutico, Estado no qual, sobre o pretexto de não serem mais os juízes a
boca da lei, abriu-se aos juízes a possibilidade de decidirem conforme sua
consciência, por meio da abertura criada pelos “princípios”.8
Esse quadro,
apesar de não ser a causa, certamente contribuiu para o aumento do número de
processos, haja vista que a incerteza da resposta judicial sem dúvida estimula
aqueles que não estão certos de seu direito a procurar o auxílio judicial e
verificar se o processo será decidido por julgadores que pensem de forma
diversa da maioria; afinal, tendo em vista os baixos custos dos processos,
torna-se tentadora a aposta na jurisprudência lotérica.
Nesse momento
no qual se ampliavam as críticas a alta discricionariedade na aplicação do
direito no país, mas acreditava-se estar superado no Brasil, assim como no
mundo, o positivismo exegético ou legalista; afinal, parecia ter se tornado uma
obviedade que Direito e lei não mais se confundiam, se não por uma diferença
ontológica, como nos ensina Streck, mas por uma cisão semântica como observou
Kelsen.
Buscou-se, com
o objetivo de solucionar o problema da discricionariedade, um retorno a um
positivismo exegético por meio da fixação de enunciados vinculantes pelos
tribunais.9
Criando-se
teratologia descomunal, como ensina Streck, na qual aparentemente a lei possui
menos poder de vinculação que os enunciados criados pelos tribunais.10
Além disso,
essa aposta traz consigo, como será tratado no tópico 3.2, uma série de
problemas, principalmente quando se observa que para a formação dos
entendimentos que se tornarão “verdadeiramente vinculantes” utiliza-se de
enorme abertura discricionária, assim como no enquadramento dos casos concretos
a esses entendimentos.
Como salienta
Lenio Streck, sempre estivemos envolvidos com esse tipo complicado de
sincretismo que procura conciliar diversos pensamentos e métodos jurídicos que,
no mais das vezes, apresentam características conflituosas entre si.11
Este é o
objeto do presente artigo: demonstrar que de certo modo reavivamos aqui a
figura que o Sócrates platônico na obra Crátilo12 denomina
“fazedor de nomes” (onomaturgo) ou sábio legislador13; afinal, do
mesmo modo que estes são capazes de observar a essência das coisas e por
diferentes sílabas igualmente corretas construir as palavras aptas a nomeá-las,
os julgadores dos tribunais superiores podem por diferentes meios produzir
decisões distintas. Ocorre que diferentemente destes, cujas palavras teriam a adequação
examinada pelos usuários,14 as decisões devem ser ao menos ab
initio acriticamente reproduzidas.
2
Do positivismo exegético, da escola do direito livre, da jurisprudência dos
valores e do positivismo normativista
Tendo em vista
as limitações do que se pretende expor no presente estudo, iniciamos este
expondo de forma mais que sucinta as linhas gerais dos conceitos que serão
utilizados na elaboração da discussão principal e da conclusão do estudo.
2.1
Do positivismo exegético ou legalista15
Conforme
afirma Riccardo Guastini, “é notório que, na história do pensamento jurídico
moderno, a locução ‘positivismo jurídico’ foi e é usada para designar uma
multiplicidade de concepções”.16
Tendo em vista
o objetivo deste estudo, não é possível tratar de forma detalhada sobre o
assunto, limitamo-nos a destacar que a principal característica comum dessas
concepções, qual seja, a oposição ao jusnaturalismo17, assim como
expor em linhas gerais, como se verá, as principais características das
concepções de que se entende possuir maior influência no Brasil atualmente,
iniciando-se o estudo pelo positivismo exegético.
A principal
característica do modelo exegético ou legalista, como bem salienta a doutrina,
é a equiparação do direito à lei, sendo considerada uma teoria
jurídico-sintática18, haja vista ser o direito conhecido e analisado
apenas a partir dos conceitos que compõem a legislação.19
Consegue-se atingir uma melhor compreensão do estilo metodológico utilizado por
essa escola ao se observar sua origem, qual seja, o Golpe de Estado de 18 de
Brumário20, ou seja, surge da necessidade de um rompimento brusco
com o modelo jurídico antigo.21
No quadro que
surgiu após a revolução, os juízes e eruditos eram vistos com desconfiança pela
burguesia que ascendia ao poder por serem ligados à nobreza, nenhum tipo de
complementação judicial era admitida, a aplicação do conteúdo dos códigos seria
realizada a partir da pura subsunção.22
Essa escola
ficou conhecida pelo lema le juge est la bouche de la loi23
(o juiz é a boca da lei), haja vista que o juiz deveria aplicar a lei sem
maiores considerações seja quanto à sua forma, seja quanto ao seu conteúdo.24
“Lei” e
“Direito” foram reduzidos a uma só coisa, e ao julgador caberia apenas
verificar, no contexto fático que lhe era apresentado, qual dispositivo legal
seria aplicável. Todo esforço hermenêutico teria sido feito, pelo Legislador, e
o Código seria um texto onipotente, basicamente livre de lacunas.25
Acrescente-se,
sem extrapolar os limites deste estudo, que a Alemanha, segundo José Lamego,26
conviveu com escola semelhante à denominada “jurisprudência dos conceitos”, na
qual, assim como no período na exegese francesa, a atividade do juiz não
comportaria interpretação, quanto à origem da legislação; no entanto, a
jurisprudência dos conceitos em muito se distancia da escola da exegese, haja
vista a origem aqui advir da atividade dos eruditos, ao passo que na escola da
exegese era legislativa, sendo os eruditos vistos com desconfiança.27
Continuam os
autores afirmando que os problemas interpretativos não são considerados em
análises exclusivamente sintáticas,28 o direito se distancia dos
fatos sociais. Conforme aponta Georges Abboud, essa concepção ocorre em dois
equívocos, a ideia de que o texto normativo é unívoco, tendo caráter anistórico
e atemporal, e a crença de que a atividade interpretativa era um mero processo
de extração de significados,29 sendo, por este motivo, criticada
pelo movimento do direito livre e pela jurisprudência dos interesses.
2.2
Da escola do direito livre
O breve
movimento do direito livre, que teve seu ápice entre os anos de 1905 e 191430,
internacionalizou-se rapidamente, disseminando-se por diversas partes do mundo
com o final da primeira guerra mundial.31
Buscava esse
movimento libertar o direito do rigor formal empregado pelas Pandectas alemãs e
pelos exegetas franceses por meio de uma abordagem sociológica, defendendo que
ao lado do direito formal, emanado pelo legislador, existe um direito livre,
afinal já se havia percebido que o legislador não pode prever todas as
situações da vida, existindo assim a necessidade de complementação por parte
dos juízes.
Kantorowicz,
um dos principais expoentes desse movimento, ia além, afirmando que em alguns
casos os juízes estariam livres para decidir inclusive contra legem;
conforme observa Nelson Nery, para esse autor, “o juiz é livre para julgar, não
se vinculando apenas ao direito positivo, mas também às demandas da sociedade,
podendo, inclusive, decidir contra Constitutionem e contra legem”,32
ainda que Kantorowicz posteriormente tenha tentado restringir os efeitos de sua
declaração.33
Cite-se aqui,
apenas com o objetivo de facilitar o entendimento da jurisprudência dos valores
que, na Alemanha, nasce de uma secessão desse movimento – secessão esta que se
dá justamente em razão da discordância com relação ao problema da possibilidade
de decisão contra legem –, a proposta de uma jurisprudência dos
interesses.34
Afirmava
Philipp Heck, um de seus principais representantes, que era preciso suprir as
insuficiências do pensamento lógico-dedutivo puro, com elementos intuitivos que
o jurista perceberia na realidade social concreta, sendo necessário o método da
ponderação para apontar qual dos interesses em conflito deveria prevalecer.35
Nesse diapasão, a tarefa do intérprete é de reconstrução dos argumentos e
ponderação dos interesses que levaram à edição do diploma legislativo.36
2.3
Da jurisprudência dos valores
Conforme
leciona Lenio Streck, esse movimento surgiu de um considerável esforço do
Bundesverfassungsgericht para conferir legitimidade a uma Constituição que não
tinha sido constituída pela ampla participação do povo alemão e, por isso, a
invocação de argumentos que permitissem ao Tribunal recorrer a critérios
decisórios que se encontravam fora da estrutura rígida da legalidade.37
Diferentemente
do corte sociológico apresentado pelos movimentos expostos no subtópico
anterior, a proposta dessa escola possui um acentuado corte filosófico.38
Observa-se,
nesse período, não apenas na Alemanha mas em diversos países, um novo papel
desempenhado pelas Constituições e pelo direito público em face da força
normativa dos direitos fundamentais39, assim como um aumento do
poder dos juízes com a finalidade de assegurar a força das constituições e dos
direitos fundamentais.40
Nesse quadro
em que existe um aumento do poder dos julgadores o polo da discussão é
deslocado para a atividade jurisdicional e o principal problema a ser
enfrentado é a fundamentação da decisão final.41
Acrescente-se,
ademais, com base nas lições de Nelson Nery,42 que esse movimento
iniciado pela escola do direito livre e contrário ao rigor conceitual da escola
da exegese e da jurisprudência dos conceitos segue até chegarmos, no início do
século XX, à escola do gourverment des juges (governo dos juízes), onde
é lícito aos juízes elaborar textos normativos abstratos e de caráter geral
(obrigatório), algo semelhante ao que ocorre atualmente no Brasil com a súmula
vinculante, as orientações e os “precedentes”.
Por fim,
salienta o ilustre autor que “a evolução da escola do governo dos juízes
culminou, na Alemanha, com o não prestigiado Richterrecht (direito dos
juízes) e, no common law, com o ativismo judicial (judicial activism),
matizes atualizadas da escola do governo dos juízes”.43
2.4
Do positivismo normativista e do positivismo fático
Conforme
salientado no tópico 2.1 deste estudo, na história do pensamento jurídico
moderno, a locução “positivismo jurídico” foi e ainda é usada para designar uma
multiplicidade de concepções entre si.
Duas dessas
concepções, cujo tratamento em linhas gerais é necessário para o presente
estudo, são neste tópico expostas em linhas gerais. A opção de tratá-las em
tópico único se deu por compartilharem uma característica específica,
característica esta que nos permite diferenciá-las do positivismo exegético,
qual seja, operarem uma análise semântico-sintática do direito, problematizando
a relação desses conceitos com os objetos que compõem o “mundo jurídico”, não
se excluindo, dessa forma, a possibilidade de os juízes decidirem de mais de
uma maneira44.
Destaque-se,
ademais, que dentro das limitações do estudo não se pretende aprofundar a
análise de cada uma destas. A exposição objetivará expor apenas as linhas mais
gerais e conexas com o objetivo deste.
O normativismo
enquanto teoria do direito é um conjunto de normas promulgadas por uma
autoridade normativa, ao passo que enquanto teoria da ciência jurídica sustenta
que o objeto da ciência jurídica são as normas e sua tarefa é descrevê-las.45
Nesse sentido é a obra de Hans Kelsen46.
O positivismo
fático,47 por sua vez, entende ser o direito um conjunto de
comportamentos dos legisladores, dos órgãos de aplicação e dos intérpretes, e
não de normas; enquanto ciência jurídica é uma ciência que versa sobre
comportamentos cuja tarefa é descrever os atos de linguagem do legislador, as
decisões dos juízes, as doutrinas elaboradas pelos juristas, e assim por diante.48
Para esta corrente o direito se extrai das sentenças e por meio disto é
possível prever o que os juízes farão no futuro. Nesse sentido a obra de Alf
Ross49.
Assemelha-se a
essa postura a adotada pelo realismo jurídico e cite-se, ademais, o positivismo
moderado, conforme é descrito por Dworkin e Hebert Hart, cujo objeto é o
conceito de regra, a ideia de textura aberta do direito e sua conceituação da
denominada zona cinzenta, como o espaço de discricionariedade para os juízes na
solução dos chamados Hard Cases.50
2.5
Decisionismo
Conforme a
lição de Ronaldo Porto Macedo Jr.:
Para um
jurista do tipo decisionista não é o comando enquanto comando, mas a autoridade
ou soberania de uma decisão última, dada com o comando, que constitui a fonte
de todo e qualquer “direito”, isto é, de todas as normas e ordenamentos
seguintes.51
Para seu
grande corifeu, Carl Schmitt, a Constituição é uma decisão, sendo o único com
atribuição de lhe guardar o chefe do Poder Executivo, haja vista ser este um
poder político. Sendo assim, é aquele o único apto para interpretar a
Constituição e definir o que é ou não constitucional por meio do controle de
constitucionalidade.52 Critica o autor ainda um sistema puro de
direito por entender que os magistrados se tornariam a mera “boca da lei”.53
In
fine, importante destacar que a teoria de
referidos autores (tópicos 2.4 e 2.5) observa a discricionariedade como uma
fatalidade, ao contrário de teorias posteriores, que acreditam tê-la superado
pela aposta quase cega na discricionariedade e no protagonismo judicial54.
3
Da forma como se busca a aplicação do direito no Brasil
Dentro desse
diapasão, ainda que exposto de forma demasiado sucinta, torna-se possível
observar que o pensamento jurídico dominante no Brasil se encontra preso ao paradigma
positivista, mas para a aplicação da lei opera-se por meio de um paradigma que
se aproxima das vertentes mais discricionárias da escola do direito livre, da
jurisprudência dos valores, e em alguma medida do realismo jurídico (espécie do
positivismo fático) e do decisionismo, ao passo que, ao se decidir com uma
súmula ou com outra das espécies citadas no art. 927 do CPC (LGL\2015\1656)/
2015, busca-se utilizar um paradigma que se aproxima mais do positivismo
exegético. Fica assim em ambos os pontos aquém do positivismo normativista,
seja por apostar na discricionariedade judicial no momento de interpretação da
lei55, seja por deixar de reconhecer o caráter não unívoco da
linguagem no momento da interpretação dos provimentos vinculantes.56
3.1
Da crítica à forma discricionária da aplicação da lei no Brasil
Após a
promulgação da Constituição de 1988 houve no Brasil uma mudança na forma de
tratamento da Constituição, mudança esta semelhante à vislumbrada nos países
europeus no final da segunda guerra, destacamos neste estudo a mudança ocorrida
na Alemanha no período da Jurisprudência dos valores (apesar de esse período
ter se iniciado anteriormente).
Ocorre que a
doutrina brasileira, conforme a crítica de Lenio Streck, sem se ater as
peculiaridades que levaram ao surgimento desse movimento, acaba utilizando
desses mecanismos como autorizadores para a discricionariedade judicial.57
Adverte o
autor acerca da “tendência” contemporânea (brasileira) de apostar no
protagonismo judicial como uma das formas de concretizar direitos58;
aponta, ademais, que isso se deve a uma equivocada recepção daquilo que na
Alemanha se convencionou chamar de Jurisprudência dos Valores.
Criamos um
quadro em que diuturnamente princípios são criados pelos juízes e tribunais;
sem o menor rigor, utilizam os julgadores princípios por eles elaborados, assim
como aproveitam aqueles criados pelos demais para fundamentar decisões até
mesmo contrárias à lei.
Critica
Ferrajoli o papel, no Judiciário do Brasil, das doutrinas
neoconstitucionalistas e principalistas,59 afirmando que, devido à
ideia de que os direitos constitucionais seriam princípios, objetos de
ponderação ao contrário das regras, objetos de aplicação, promove um ativismo
judicial que arrisca resultar em uma profunda distorção da jurisdição.60
Conforme
leciona Georges Abboud, trata-se o neoconstitucionalismo de expressão oriunda
do direito constitucional espanhol que importamos como um novo paradigma
científico para estudarmos o direito constitucional61, sendo certo
que autores como Robert Alexy, no entanto, no Brasil apelidados de
neoconstitucionalistas, assentam sua doutrina, em verdade, no paradigma
positivista, pois mantêm a utilização de um conceito sintático-semântico de
norma.62
As denominadas
teorias argumentativas do direito63 foram objeto de recepção
equivocada, calcada no método da ponderação, em um paradigma em que, em linhas
gerais, os casos “fáceis” se resolvem por meio da subsunção do caso à regra
jurídica, ao passo que os casos “difíceis” são resolvidos mediante pelo método
da ponderação dos princípios aparentemente em conflito, cujo resultado é uma
regra a ser aplicada por subsunção ao caso concreto.64
Referidos
autores, porém, ao contrário daquilo que foi exposto no tópico acerca do positivismo
normativista/fático, não veem a discricionariedade como uma fatalidade, mas
apostam nesta como forma de solucionar os problemas da aplicação do direito.65
Necessário
frisar, porém, que se busca neste estudo fazer uma crítica não da própria
teoria de Alexy, a qual, conforme expõe Streck, foi a que mais avançou entre as
teorias semânticas66, mas sim da forma como referida teoria é
utilizada no Brasil. Segue o autor afirmando que, apesar de haver menção a
Alexy em diversos jugados, estes não seguem as etapas da teoria de colisão por
ele proposta67, ou seja, sendo a resposta correta em Alexy resultado
da aplicação do método, a citação a sua obra acompanhada do desrespeito ao
método é no mínimo leviana e seu nome é apenas utilizado como justificativa para
a discricionariedade.
Adiciona-se a
esse quadro, ademais, com base na lição de Georges Abboud, a recepção
equivocada no Brasil do ativismo judicial americano. Conforme expõe o autor, no
Brasil o ativismo é visto como o simples desapego à legalidade vigente, podendo
isso ser observado em diversas manifestações não apenas doutrinárias mas também
forenses.68 O autor coloca em sua obra exemplos disso, julgamentos
em que é admitida a possibilidade de decisões contra Constitutionem (Rcl
4335; ADIn 4277) e contra legem (RE 363889).
3.2
Da equivocada aposta em um retorno ao positivismo exegético como forma de
controle da discricionariedade judicial
Consoante se
pode perceber, o objetivo do positivismo exegético era acabar com a
discricionariedade do monarca e da nobreza ao vincular as decisões judiciais a
uma estrita legalidade, e o do constitucionalismo era acabar com a
discricionariedade do legislador ao permitir que os juízes suprissem suas
omissões, assim como aferissem a legalidade de seus atos (controle de
constitucionalidade); nos tempos atuais o objetivo é limitar a
discricionariedade dos juízes.69
Com esse
objetivo, no Brasil foram sendo realizadas reformas no Código de Processo Civil
visando a vincular os juízes principalmente às decisões dos Tribunais Superiores.
Nesse sentido, interessante observar a redação do art. 927 do Código de
Processo Civil.
Ocorre que, em
verdade, ao revés de buscarmos um avanço teórico para a solução do problema do
atual altíssimo nível de discricionariedade, proveniente de uma enorme mistura
de teorias, e da ausência de preocupação com aquilo que Eros Grau denomina como
o calcanhar de Aquiles da teoria normativista, a ausência de preocupação com o
momento de aplicação da norma, apostamos no positivismo para solucionar os problemas
positivistas.70
Trata-se, como
leciona Streck, do fruto de uma evolução darwiniana do positivismo, na qual
haverá a criação de verbetes, enunciados e súmulas que almejam abarcar todas as
hipóteses de aplicação de cada texto jurídico71. Incorremos, porém,
ao adotar essa solução em alguns erros crassos.
O primeiro
desses equívocos é que, com a finalidade de impedir a discricionariedade na
aplicação dos provimentos vinculantes, cria-se um aparato legal de forma a
induzir aos juízes a aplicá-los da mesma maneira que se entendia que as leis
deveriam ser aplicadas no período da escola da exegese e da jurisprudência dos
conceitos. Transformamos le juge bouche de la loi (o juiz boca da lei) en
le juge bouche des tribunaux (no juiz boca dos tribunais).72
Ignoramos mais
de um século de críticas feitas por diversos movimentos a esse modelo, conforme
nos ensina Nelson Nery Júnior73, assim como não é possível a
aplicação mecânica da lei, haja vista o fato de ser necessário ao juiz
interpretá-la no momento da aplicação, analisados os fins a que ela se destina,
formando assim a norma jurídica que faz lei entre as partes, também não é
possível a aplicação mecânica do entendimento dos tribunais.
Caso referidos
artigos sejam interpretados sem o devido cuidado, e os comandos vinculantes,
sejam vistos como a resposta pronta para casos futuros, incorreremos no grave
erro de conferir aos juízes carta branca para substituir sua fundamentação pela
menção a provimentos, ou seja, possuirão os juízes autorização para proferir
decisões ilegítimas.74
Assim como as
normas legislativas, os precedentes deverão ser interpretados, discutidos em
cada processo, podendo as partes, por intermédio de seus advogados, destacar os
aspectos que mais lhes interessam.75 Corrobora com esse entendimento
o art. 489, § 1º, do NCPC.
Ademais,
conforme leciona Luigi Ferrajoli, observar sentenças como fonte do direito
contradiz o princípio da legalidade e da separação dos poderes, em suma, a
própria substância do estado de direito da forma que se estruturou nos
ordenamentos de civil law, equivalendo à tese segundo a qual a doutrina
seria fonte, implicando no retorno a um direito pré-moderno.76
O segundo é
que não tomamos o mesmo cuidado com a forma como os entendimentos dos tribunais
são fixados. É certo que importantes conceitos foram incluídos no texto legal
na redação do art. 926 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), assim como são louváveis a
repetição do art. 93, IX, da CF (LGL\1988\3) no art. 11 do CPC/2015
(LGL\2015\1656) e a fixação de requisitos mínimos de fundamentação no § 1º do
art. 489 do CPC/2015 (LGL\2015\1656).
Ocorre que não
se aguardou para observar-se a eficácia disso no atual estado de natureza
hermenêutico, conforme expressão de Lenio Streck, com o qual convivemos. Assim
como se objetiva a aplicação acrítica dos entendimentos sumulados anteriormente
à reforma, destacando-se que existem súmulas até mesmo contraditórias.
Nesse sentido
leciona Júlio César Rossi ao afirmar que estamos fincados no paradigma do
positivismo, em que a discricionariedade é altíssima, a ausência de
fundamentação das decisões beira ao absurdo, quadro que nos impede de formar um
entendimento coerente e íntegro, sendo certo que cotidianamente o entendimento
anterior tomado há dias ou meses é considerado superado; sendo assim inviável a
solução por subsunção de ementas.77
Cite-se,
ademais, o perigo de engessamento do sistema, visto que as decisões oriundas
dos provimentos vinculantes almejam constituir-se como a regra decisória do
caso concreto, ou seja, a decisão já acabada.78
Ignora-se a
individualidade do caso concreto, bem como, outrossim, impede-se a reavaliação
da decisão tomada e assim a necessária oxigenação, ou seja, a possível mudança
de entendimento dos tribunais devido às mudanças sociais.79
Por fim,
destaque-se também aqui que esse suposto objetivismo na aplicação não foge ao
subjetivismo que visa a enfrentar, nesse sentido a lição de Tércio Sampaio:
o objetivismo
– que, novamente no plano hermenêutico, pode ser entendido como subjetivismo,
porque o sentido depende da subjetividade do intérprete, que irá “definir” o
sentido originário do produto do legislador –, levado também ao extremo,
favorece um certo niilismo, pois estabelece o predomínio de uma equidade
duvidosa dos intérpretes sobre a própria norma ou, pelo menos, desloca a
responsabilidade do legislador para os intérpretes, chegando-se a afirmar, como
fazem alguns realistas americanos, que direito é “o que decidem os tribunais.80
Deixamos livre
um gap hermenêutico, um espaço aberto e fictício, que o julgador poderá
preencher atribuindo o sentido que preferir ao texto, como ensina Leonard
Schmitz.81
4
Conclusão
Consoante o
exposto neste estudo, a aplicação e o estudo do direito no Brasil estão
conectados a um paradigma filosófico positivista. Confere-se à interpretação
legal grande margem de liberdade, ao passo que parte da doutrina, bem como dos
julgadores, entende que os provimentos vinculantes devem ser aplicados a partir
da escola da exegese, forma esta que mascara a discricionariedade por meio da
crença no mito do dado.
Atualmente se
não tomarmos o devido cuidado com a reforma do sistema processual, criaremos um
quadro em que o resultado do julgamento de um caso isolado, independentemente
de ter este respeitado o sistema legal vigente ou não, pode ser aplicado a diversos
outros casos, casos que ainda nem sugiram, casos que podem ou não possuir
particularidades82.
Há, assim,
necessidade mais do que nunca de trabalhar-se em uma teoria da decisão que não
apenas impeça a fixação de um entendimento inadequado, mas também impeça que
casos diferentes sejam tratados de forma idêntica, assim como que propicie uma
adequada interpretação e aplicação dos entendimentos, afinal, estes, uma vez
fixados, são textos83 que necessitam de interpretação da mesma forma
que o texto legal.
Como afirma
Streck, o grande dilema contemporâneo será, assim, o de construir as condições
para evitar que a justiça constitucional (ou o poder dos juízes) se sobreponha
ao próprio direito.84 No entanto, inserida no imaginário positivista
– em seus vários matizes –, parcela considerável de juristas não percebeu que o
direito, (mal) compreendido como conjunto de regras, contenta-se em “abarcar” a
realidade de forma ôntica (logos apofântico), a partir da aplicação de
raciocínios subsuntivos-dedutivos.85
Nesse quadro
deve-se entender que, além de consultar o texto da lei, o julgador deve
observar o texto do “precedente” para solucionar o caso concreto. Trabalhar com
mais material interpretativo, mais texto com uma maior gama de possibilidades
hermenêuticas.
Conclui-se
assim o presente estudo fazendo coro com Leonard Schmitz e Lenio Streck
afirmando que essa maior gama de possibilidades não significa que a resposta
poderá advir da subjetividade do intérprete alheia ao caso sob exame, nas suas
especificidades. A interpretação deve ser ex parte princípio, e não ex
parte príncipe,86 sendo certo que aplicar uma decisão anterior
depende de uma contextualização, impondo-se necessária redobrada exposição
concreta de raciocínio jurídico em uma fundamentação baseada em “outra
fundamentação”.87
5
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1 FERRAJOLI,
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e (neo)constitucionalismo: um debate com Luigi Ferrajoli. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2012. p. 324 e ss.
2 Sendo a
primeira fase a das constituições flexíveis, nos séculos XVIII e XIX, e a
segunda fase com as constituições rígidas do segundo pós-guerra, como a
italiana, a alemã e a espanhola, vem a terceira fase, marcada por constituições
longas, com base no modelo da Constituição portuguesa e que preveem sistemas de
garantias e de instituições de garantias bem mais complexos e articulados
(Ibidem, p. 323).
3 Aquele
concentrado, mediante anulação das leis inválidas pelo Supremo Tribunal Federal
(art. 102 da CF (LGL\1988\3)), e o difuso, por meio do qual juízes singulares e
tribunais (desde que respeitada a reserva de plenário – art. 97da CF
(LGL\1988\3)) podem deixar de aplicar normas inconstitucionais ao caso
concreto.
4 Onde, quando
constatada a falta de lei que permita o exercício de direito
constitucionalmente assegurado, o Tribunal recomendará aos poderes competentes
colmatá-la.
5 Conforme
leciona Nelson Nery, “o mandado de injunção se presta a fazer com que, na
prática, possa ser exercido direito previsto na CF (LGL\1988\3), cuja forma de
exercício não se encontra regulamentada por lei infraconstitucional (...). Cabe
ao juiz determinar o modus faciendi a fim de que o impetrante não fique
privado de seu direito constitucionalmente garantido, a pretexto de que não há
ainda norma inferior que o regulamente” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria
Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2015. p. 245).
6 Trata-se de
expressão oriunda do direito constitucional espanhol que importamos como um
novo paradigma científico para estudarmos o direito constitucional. Essas novas
Constituições não se limitam mais a apenas estabelecer a separação de poderes e
delimitar competências do Poder Público, visto que passam a positivar diversas
garantias fundamentais, estabelecendo, assim, novos limites para a atuação do
Poder Público (ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 57).
7 STRECK,
Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias
discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 4.
ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 35.
8 “As
consequências todos conhecemos: sob o pretexto de os juízes não mais serem a
boca da lei, os princípios passaram a ser a “era da abertura interpretativa”, a
“era da criação judiciária” (...). Em decorrência, estabeleceu-se um verdadeiro
“estado de natureza hermenêutico”” (STRECK, Lenio Luiz, O que é isto:
decido conforme minha consciência? 4. ed. São Paulo: Livraria do Advogado,
2013. p. 104-105).
9 Fato que
também não passa despercebido por Lenio Streck: “Em decorrência, estabeleceu-se
um verdadeiro “estado de natureza hermenêutico”, que redundou em uma fortíssima
e dura reação do establishment jurídico-dogmático: mudanças legislativas
introduzindo, cada vez com mais força, mecanismos vinculatórios. Em outras
palavras, o establishment jurídico-dogmático procedeu a uma adaptação
darwiniana” (Idem).
10 “Os juízes
podem contrariar as leis; se o fizerem caberá recurso. O que os juízes não
podem fazer é ousar contrariar súmulas. Nesse caso, conforme a emenda à
Constituição aprovada, não caberá recurso e sim, reclamação (...), ou seja, em
“terrae brasilis a lei não vincula; a súmula, sim, mesmo que seja
contrária à lei e à Constituição”” (STRECK, Lenio Luiz. O efeito vinculante das
súmulas e o mito da efetividade: uma crítica hermenêutica. In: Bonavides,
Paulo; LIMA, Francisco Gerson Marques de; BEDÉ, Faya Silveira (Org.). Constituição
e democracia: estudos em homenagem ao Prof. J. J. Gomes Canotilho. São
Paulo: Malheiros Editores, 2006. p. 407. Apud ABBOUD, Georges. Jurisdição
constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p. 375).
11 STRECK,
Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias
discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 4.
ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 28 e ss.
12 PLATÃO. Diálogos:
Teeteto e Crátilo. Trad. Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Pará: EFPA, 2001.
13 Sócrates
afirma que: “não é de todo homem instituir um nome, mas de um certo artesão de
nome, e este é, como é provável, o legislador, que dentre os artesãos vem a ser
o mais raro dos homens” (...) é preciso que o legislador também saiba produzir,
a partir dos sons das sílabas, o nome concebido por natureza para cada coisa[e]
e, contemplando aquilo que é o nome em si, faça e estabeleça todos os nomes, se
há de ser soberano criador de nomes? E se cada legislador não emprega as mesmas
sílabas, nem isso é preciso ignorar, pois nem todo forjador cria com o mesmo
ferro, produzindo o mesmo instrumento para o mesmo fim; mas, apesar disso, uma
vez que transmite a mesma ideia, [390a] mesmo que por outro ferro, o
instrumento igualmente correto, quer alguém o faça aqui, quer dentre os
bárbaros. Ou não?” (Ibidem, p. 110-111).
14 Afirma
Sócrates: “E quanto à obra do legislador, quem seria aquele que melhor
supervisionaria o trabalho e julgaria, uma vez acabado, tanto aqui quanto entre
os bárbaros? Não é precisamente aquele que se utilizará dele?” (Ibidem, p.
112).
15 Também
denominado de positivismo primevo ou primitivo por Lenio Streck (STRECK, Lenio
Luiz. Lições de crítica Hermenêutica do direito. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2014. p. 21.
16 GUASTINI,
Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier
Latin, 2005. p. 348.
17 Guastini
demonstra essa relação de oposição destacando três teses conexas que afirma
constituí-la: “para o jusnaturalismo, A) Em primeiro lugar, as normas jurídicas
não são simples fatos, mas valores, de modo que tomar conhecimento de uma norma
jurídica é, ao mesmo tempo, aprová-la, aceitá-la como guia do comportamento. Em
outras palavras, às normas jurídicas deve-se obediência. B) Em segundo lugar,
as normas jurídicas não dependem de atos concretos de vontade (ou de linguagem)
realizados pelos homens. As normas jurídicas já estão dadas na “natureza” (na
natureza do homem, na natureza das coisas), como valores antecedentes a todo
ato normativo humano e independentes deste. C) Em terceiro lugar, conhecer a
“natureza” é conhecer não só fatos, como também normas, ou seja, valores. Há
portanto normas que podem ser extraídas do simples conhecimento, e às quais se
deve obediência. Ora, por oposição, o cerne de todas as versões do positivismo
é constituído pelas ideias seguintes: A) Em primeiro lugar, as normas jurídicas
são simples fatos e não valores. Os fatos, evidentemente, não exigem
obediência. Pode-se tomar conhecimento de uma norma jurídica sem, por isso
mesmo, aprová-la, aceitá-la como guia do comportamento. Às normas jurídicas
deve-se obediência se – e somente se – forem aceitas. B) Em segundo lugar, não
há normas já dadas, na natureza. As normas jurídicas são entidades language-dependent,
isto é, dependentes do uso da linguagem. As normas jurídicas são entidades que
podem ser produzidas somente por atos linguísticos normativos ou, se assim se
preferir expressá-lo, por atos de vontade. “Kein Imperativ ohne Imperator”: não
há comandos sem algum que ordene. C) Em terceiro lugar, conhecer a natureza é
conhecer fatos não valores. Não é possível extrair normas do conhecimento”
(Ibidem, p. 350-352).
18 A semiótica
divide a análise da linguagem em três níveis: sintática, semântica e
pragmática. No nível da sintaxe, a linguagem é considerada a partir de sua
estrutura dos signos e a análise obedece a uma lógica de relação signo-signo.
Não se considera, aqui, para efeitos de análise, a relação do signo com o
objeto ao qual ele faz referência. Por outro lado, a semântica opera uma
análise da linguagem na perspectiva de determinar o sentido do signo a partir
de sua relação com o objeto. Já a pragmática considera a linguagem na
perspectiva do uso (prático) que dela fazem aqueles que com ela operam (ABBOUD,
Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Introdução à
teoria e à filosofia do direito. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015. p. 254).
19 Ibidem, p.
254 e 388.No mesmo sentido a lição Luiz Alberto Warat “que a primeira etapa (do
positivismo jurídico) compreende a época da conceitualização dos textos legais.
Esta se baseia no pressuposto de que não há mais direito que o ordenamento jurídico
estabelecido através das leis validamente ditadas e vigentes” (WARAT, Luis
Alberto. Introdução geral ao direito. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris. 1995. p. 17. v. II).
20 A ruptura
institucional da revolução gerou uma desconfiança profunda do Poder Legislativo
– agora e pela primeira vez detentor de força sobre as decisões do Estado – em
relação ao Judiciário. A magistratura da época era vista como a “nobreza de
toga”, além de ser reconhecida por vender decisões e funções públicas em troca
de favorecimentos reais. Como consequência disso, houve um choque entre a forte
ideologia liberal da revolução e uma magistratura umbilicalmente ligada ao Ancien
Régime; enquanto os juízes tendiam sempre a apoiar a aristocracia, os
burgueses tomavam o poder de forma rápida e crescente. Dessa forma, no ímpeto
de edificar uma nação francesa única e forte, a solução encontrada pelo
Legislativo foi a idealização de um ordenamento jurídico que se propunha tão
completo, tão perfeito, que sequer careceria de interpretação ou atividade
volitiva por parte de quem julgasse um caso concreto (SCHMITZ, Leonard
Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na construção de
respostas no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 54).
21 ABBOUD,
Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Op. cit., p. 388.
22 CAENEGEM,
R. C. V. Uma introdução histórica ao direito privado. Trad. Carlos Eduardo Lima Machado.
São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 207 e ss.
23 O Barão de
Montesquieu definiu o juiz como “a boca que pronuncia as sentenças da lei,
seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor”
(Montesquieu, Charles-Louis de Secondat. O espírito das leis. São Paulo:
Saraiva, 2004. p. 180).
24 NERY
JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Comentários ao Código de Processo
Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1836.
25 SCHMITZ,
Leonard Ziesemer. Op. cit., p. 54.
26 LAMEGO,
José. Hermenêutica e jurisprudência: análise de uma recepção. Lisboa:
Fragmentos, 1990. p. 30.
27 ABBOUD,
Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Op. cit., p. 389.
28 Ibidem, p.
254.
29 ABBOUD,
Georges. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011. p. 65.
30 ABBOUD,
Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Op. cit., p. 398.
31 Ibidem, p.
398.
32 NERY
JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Op. cit., p. 1836.
33 ABBOUD,
Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Op. cit., p. 399.
34 LOSANO,
Mario Giuseppe. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins
Fontes, 2010. v. II. p. 164.
35 ABBOUD,
Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Op. cit., p. 399.
36 ABBOUD,
Georges; Carnio, Henrique Garbellini; Oliveira, Rafael Tomaz. Op. Cit.,
p. 399.
37 STRECK,
Lenio Luiz. O que é isto, cit., p. 19-20.
38 ABBOUD,
Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Op. cit., p. 402.
39 Esse
fenômeno é o ponto de partida para as considerações feitas no item 1.
40 O Tribunal
Constitucional Federal alemão, em diversas oportunidades, firmou a concepção de
que a Lei Fundamental se assenta em uma ordem plural de valores guarnecidos
pelos princípios constitucionais. Tais valores, por serem plurais, no mais das
vezes, encontram-se em rota de colisão. Isto é, as circunstâncias concretas sob
as quais se assenta o caso a ser decidido podem fazer com que dois valores,
igualmente amparados por princípios constitucionais, estejam agindo como forças
opostas para solução do caso. Assim, é necessário que haja um procedimento para
apurar qual deles possui mais força para reger a relação estabelecida naquele
dado caso. Esse procedimento é a chamada ponderação que o tribunal afere
segundo critérios de proporcionalidade. Esse tipo de solução acabou se
espalhando por todos os ramos do direito visto que esse novo fenômeno
constitucional provocou algo que é chamado por diversos autores de
constitucionalização do direito. O mencionado fenômeno nada mais quer
significar do que a invasão das disposições constitucionais – mormente aquelas
guarnecedoras de direitos fundamentais – em todos os ramos do direito,
inclusive no âmbito do direito privado que, classicamente, se colocava como um
“feudo” inviolável (ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA,
Rafael Tomaz. Op. cit., p. 405).
41 Ibidem, p.
401.
42 NERY
JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Op. cit., p. 1836.
43 Ibidem, p.
1836.
44 O
positivismo pode ser traduzido pelos seguintes aspectos (suas teses centrais):
(a) a existência (vigência e validade) do direito em uma dada sociedade depende
das práticas dos membros dessa sociedade; são, pois, as fontes sociais do
direito; (b) a validade de uma norma independe de sua validade moral; trata-se,
pois, da separação entre direito e moral (secularização); (c) as normas
jurídicas de um ordenamento não cobrem todas as hipóteses de aplicação; isso
quer dizer que haverá casos difíceis que não serão solucionáveis pelas normas
jurídicas existentes; daí o recurso à discricionariedade, poder delegado aos
juízes (é neste ponto que o positivismo se liga umbilicalmente ao sujeito
solipsista – Selbstsüchtiger – da modernidade). Tais questões, de um modo ou de
outro, estão presentes em Kelsen e Hart, que constituem, assim, o “ovo da
serpente do positivismo contemporâneo”, embora realistas jurídicos, como Alf
Ross, tenham, sob outro viés, parcela significativa de responsabilidade nesse affair.
Kelsen desiste de enfrentar o problema dos casos difíceis (embora deles não
fale, na especificidade), deixando a cargo dos juízes tal solução, a partir de
um “ato de vontade” (daí se falar do “decisionismo kelseniano”). Já Hart confia
plenamente nos juízes para a resolução dos casos difíceis, desde que tal
“escolha” se dê no interior da zona de penumbra da norma. Ao transferir o
problema da normatividade kelseniana para a decisão judicial, Ross conforma
aquilo que se pode denominar de positivismo fático (o sentido da norma se dá na
decisão). Mas em todos eles está presente a indissociabilidade entre
“discricionariedade/arbitrariedade e o sujeito do esquema sujeito-objeto”
(STRECK, Lenio. Súmulas vinculantes em terrae brasilis: necessitámos de
uma “teoria para a elaboração de precedentes”? Revista Brasileira de
Ciências Criminais, v. 78, maio-jun. 2009. 312). Nesse sentido a lição de
Hans Kelsen: “A questão de saber qual é, de entre as possibilidades que se
apresentam nos quadros do Direito a aplicar, a ‘correta’, não é sequer –
segundo o próprio pressuposto de que se parte – uma questão de conhecimento
dirigido ao Direito positivo, não é um problema de teoria do Direito, mas um
problema de política do Direito. Assim como da Constituição, através de
interpretação, não podemos extrair as únicas leis corretas, tampouco podemos, a
partir da lei, por interpretação, obter as únicas sentenças corretas” (KELSEN,
Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo:
Martins Fontes, 1998. p. 393).
45 GUASTINI,
Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier
Latin, 2005. p. 354.
46 KELSEN,
Hans. Op. cit., passim.
47 Para essa
corrente o direito nada mais seria do que a previsão do que farão os tribunais.
Entretanto, essa previsibilidade/tendência não parte de uma ordem ideal prévia,
mais, sim, daquilo que os juízes, concretamente, nas decisões, dizem sobre o
que venha a ser o direito. “Para esta corrente, o direito se extrai das
sentenças. Graças a essa análise pode-se razoavelmente (não mais, assim,
racionalmente!) estabelecer como se comportarão os juízes no futuro. ‘What I
mean by the law’, afirma Holmes, são ‘the prophecies of what the courts will do
in fact’” (LOSANO, Mario Giuseppe. Sistema e estrutura no direito. São
Paulo: Martins Fontes, 2010. v. II. p. 144).
48 GUASTINI,
Riccardo. Op. cit., p. 354-355.
49 ROSS, Alf. Direito
e justiça. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2000. passim.
50 HART,
Herbert. Conceito de direito. 5. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2007.
Nesse sentido a lição de Streck: “No fundo, há sempre um retorno às teorias
decisionistas de cariz kelseniano: nele, não há espaço para princípios. No
positivismo-normativista kelseniano não há espaço para o “caso concreto” (o
“caso” ele “deixa” a cargo dos juízes, para os quais não há métodos ou
critérios que “segurem” a interpretação – conforme o célebre capítulo oitavo da
TPD). Até mesmo um positivista considerado moderado como Hart – este epíteto
lhe foi dado por Dworkin –, ao tratar da textura aberta, procura resolver os
casos difíceis (hard cases) através da interpretação das zonas de
penumbra (textura aberta) da norma. Também ali não há lugar para os princípios
(volta-se sempre para a contraposição “discursos de fundamentação-discursos de
aplicação”). Abre-se, assim, a possibilidade da discricionariedade do
intérprete. Afinal, se a tese hartiana da zona da penumbra (vagueza e
ambiguidade da norma) é atrativa, também é verdade que ela não se resolverá na
aplicação, mas, sim, no campo da conceitualização. Só que isso deixa a
interpretação do direito insulado na velha razão teórica” (STRECK, Lenio Luiz. O
que é isto: decido conforme minha consciência?, Op. cit., p. 75-76).
51 MACEDO
JÚNIOR, Ronaldo Porto. Carl Schmitt e a fundamentação do direito. São
Paulo: Max Limonad, 2001. p. 179.
52 SCHMITT,
Carl. O guardião da Constituição. Trad. Geraldo de Carvalho. Belo
Horizonte: Del Rey, 2007. p. 105 e ss.
53 MACEDO
JÚNIOR, Ronaldo Porto. Op. cit., p. 17.
54 Na verdade,
todo positivismo conceitual está fadado ao fracasso porque desconhece dois
elementos profundos que marcam a experiência jurídica: em primeiro lugar, o
caráter radicalmente interpretativo do direito (não existe direito imune à
interpretação); por outro lado, e em consequência desse primeiro “esquecimento”,
o excessivo apego aos critérios empíricos de justificação (STRECK, Lenio Luiz. Lições
de crítica hermenêutica do direito, cit., p. 25.
55 Kelsen
apostou na discricionariedade do intérprete – no nível da aplicação do direito
– como sendo uma fatalidade, exatamente para salvar a pureza metódica, que
assim permanecia “a salvo” da subjetividade, da axiologia, da ideologia etc.
(Ibidem, p. 29).
56 Forma-se,
desse modo, um círculo vicioso: primeiro, admitem-se discricionarismos e arbitrariedades
em nome da “ideologia do caso concreto”, circunstância que, pela multiplicidade
de respostas, acarreta um sistema desgovernado, fragmentado; na sequência, para
controlar esse caos, busca-se construir conceitos abstratos com pretensões de universalização,
como se fosse possível uma norma jurídica abarcar todas as hipóteses (futuras)
de aplicação (Ibidem, p. 147).
57 Afinal, no
modo como a ponderação vem sendo convocada (e “aplicada”) em terrae brasilis,
tudo está a indicar que não passa daquilo que Philipp Heck chamava, na
Jurisprudência dos Interesses, de Abwägung, que quer dizer
“sopesamento”, “balanceamento” ou “ponderação” (Ibidem, p. 147).
58 STRECK,
Lenio Luiz. O que é isto, cit., p. 19-20.
59 Aponta o
autor ter o denominado constitucionalismo principalista nascido nos Estados
Unidos baseado sobre precedentes como fontes, ou seja, conferindo à
jurisprudência caráter criativo que ultrapassa as barreiras do commom law
(FERRAJOLI, Luigi; TRINDADE, Andre Karam; STRECK, Lenio Luiz (Org.). Op. cit.,
p. 234 e ss).
60 Idem.
61 ABBOUD,
Georges. Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 56-57.
62 Nesse
sentido também assevera Lenio Streck: “Já de início devemos atentar para a
seguinte questão: o termo ‘neoconstitucionalismo’ pode nos ter levado a
equívocos. Em linhas gerais, é possível afirmar que, na trilha desse
neoconstitucionalismo, percorremos um caminho que nos leva à jurisprudência da
valoração e suas derivações axiologistas, temperada por elementos provenientes
da ponderação alexyana” (STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso, cit.,
p. 35).
63 Entre elas
a de Robert Alexy (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais.
Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. Passim).
64 ROSSI,
Júlio César. Precedentes à brasileira, a jurisprudência vinculante no CPC
(LGL\2015\1656) e no novo CPC (LGL\2015\1656). São Paulo: Atlas, 2015. p.
254-255.
65 Mais ainda,
se Kelsen teve o cuidado de construir o seu próprio objeto de conhecimento – e,
por isso, é um autêntico positivista –, a teoria pós-kelseniana que não
compreendeu a amplitude e profundidade do neopositivismo lógico acabou por
fazer essa mixagem dos dois níveis (metalinguagem e linguagem-objeto). A partir
dessa má compreensão, os juristas pensaram que o juiz seria o sujeito pelo
qual, no momento da aplicação do direito (em Kelsen, o juiz faz um ato de
vontade e não de conhecimento), passa(ria) a fazer a “cura dos males do
direito”. O que em Kelsen era uma fatalidade (e não uma solução), para as
correntes semanticistas, passou a ser a salvação para as “insuficiências”
ônticas do direito (STRECK, Lenio Luiz. Lições de crítica hermenêutica do
direito, cit., p. 31).
66 No campo
jurídico, o “maior avanço” parece – e apenas parece – ter sido dado por Alexy,
que de algum modo pretende conciliar o método analítico da Jurisprudência dos
Conceitos com o axiologismo da Jurisprudência dos Valores. Com efeito,
procurando racionalizar o uso da moral corretiva (p. ex., por meio da Jurisprudência
dos Valores, que ele buscou “controlar” racionalmente), Alexy contenta-se em
dizer, em um primeiro momento, que os casos simples se resolvem por subsunção,
o que quer dizer que ele acredita na suficiência ôntica da lei naqueles casos
em que haja “clareza” no enunciado legal e na rede conceitual que o compõem. Ou
seja, Alexy, em parte, continua apostando no exegetismo, ao menos para a
resolução dos casos no âmbito das regras. Para além dessa “suficiência
ôntico-exegética”, quando estiver em face de um caso difícil, apela para o
outro nível da semiótica: a pragmática. Mas a palavra final será do sujeito e
sua subjetividade. A ponderação alexiana, feita para resolver o problema de
colisão de princípios, dependerá, ao fim e ao cabo, da discricionariedade
(Ibidem, p. 51).
67 A
jurisprudência do STF faz constantes referências ao termo ponderação, mas é
extremamente difícil dizer quando é que estamos diante de um acórdão em que
realmente foram percorridas todas as fases do procedimento da ponderação. Há
frequentes menções a princípios constitucionais em conflito, mas, em regra, não
se encontra um voto no qual todas as fases da ponderação – estabelecidas por
Alexy – tenham sido ao menos sugeridas pelos Ministros. Idem, Ibidem, p. 56
68 ABBOUD,
Georges. Op. cit., p. 720.
69 LIMA,
Danilo Pereira. Discricionariedade judicial e resposta correta: a teoria da
decisão em termos de pós-positivismo, Revista dos Tribunais, v. 938,
dez. 2013. p. 365-369.
70 Penso que o
ponto fundamental é que o positivismo nunca se preocupou em responder ao
problema central do direito, por considerar a discricionariedade judicial como
uma fatalidade. A razão prática – que o positivismo chama de discricionariedade
– não poderia ser controlada pelos mecanismos teóricos da ciência do direito. A
solução, portanto, era simples: deixemos de lado a razão prática
(discricionariedade) e façamos apenas epistemologia (ou, quando esta não dá
conta, deixe-se ao alvedrio do juiz – eis o ovo da serpente gestado desde a modernidade)
(STRECK, Lenio Luiz. Lições de crítica hermenêutica do direito, cit., p.
128).
71 STRECK,
Lenio Luiz. Verdade e consenso, cit., p. 437-438.
72 NERY
JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Comentários ao Código de processo
civil, cit., p. 1836.
73 Idem.
74 Cabe aqui
menção à crítica feita por Maurício Ramires ao julgamento por ementas, que
apesar de se referir a problema diverso se encaixa perfeitamente nesta
problemática: “O problema reside na elaboração de ementas já com a pretensão de
que elas venham a se diretamente transcritas em textos jurídicos a serem
produzidos futuramente, como se uma resposta a um problema jurídico pudesse
abranger, em si mesma, outras hipóteses de sua aplicação, para casos ainda
sequer nascidos (...) Os personagens dos eventos da vida real deixam de ser
pessoas de carne e osso, como na casuística anglo-americana (onde têm nome e
sobrenome), e passam a ser estereótipos” (RAMIRES, Maurício. Crítica à
aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010. p. 50-51).“Basta amarrar o particular em um desses universais e
se tem a aparência de uma conclusão científica: cria-se o “método
jurisprudencial”. E, se a menção isolada de texto de lei é uma fundamentação
deficiente, pouco há a dizer da decisão que simplesmente se ancora em um ou
mais verbetes jurisprudenciais, citando-os como se trouxessem a solução
invencível do caso jurídico presente” (ibidem, p. 45).
75 LOPES
FILHO, Juraci Mourão. Os precedentes judiciais no constitucionalismo
brasileiro contemporâneo. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 115-116.
76 FERRAJOLI,
Luigi; TRINDADE, Andre Karam; STRECK, Lenio Luiz (Org.). Op. cit., p. 238.
77 ROSSI,
Júlio César. Op. cit., p. 260.
78 ABBOUD,
Georges; STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: o precedente judicial e as
súmulas vinculantes. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 113.
79 Cite-se,
com base na obra de Abboud e Lenio, o caso da prisão do depositário infiel
(Ibidem, p. 113).
80 FERRAZ JR.,
Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 1989.
p. 242.
81 Recordando
o que foi dito no primeiro capítulo do trabalho: se for possibilitado ao
julgador valer-se de decisões “precedentes” como algo já interpretado,
apostaremos em uma “tensão” entre direito e realidade, entre teses e fatos, e
será deixado livre um gap hermenêutico, um espaço aberto e fictício, que
o julgador poderá preencher atribuindo o sentido que preferir ao texto. Em
resumo, o risco que a utilização estratégica dos enunciados sumulares pode
assumir é a criação de um superargumento de autoridade (mormente quando se fala
de súmulas editadas pelos tribunais superiores) que poderá ser sempre
manipulado a favor do seu aplicador-intérprete (SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Op.
cit., p. 332).
82 Nesse
sentido a lição de Streck: “O domínio dos pré-juízos forjados no senso comum
dos juristas, pelo qual a ‘realidade social’ (o mundo prático) é deixada de
lado na análise da regra (não esqueçamos que o positivismo busca construir
conceitos prévios para serem aplicados independentemente da ‘coisa’), impede o
acontecer da singularidade do caso” (STRECK, Lenio Luiz. Lições de crítica
hermenêutica do direito, cit., p. 94).
83 Os
precedentes que já nascem como tais são “como qualquer texto normativo, não
mais que um texto, que disponibiliza sempre um informalizável horizonte de
possibilidades de determinação do sentido, que somente pode ser determinado
diante do caso concreto” (SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Op. cit., p. 334).
84 STRECK,
Lenio Luiz. Lições de crítica hermenêutica do direito, cit., p. 47.
85 Ibidem, p.
78.
86 STRECK,
Lenio Luiz. Lições de crítica hermenêutica do direito, cit., p. 91-93.
87 SCHMITZ,
Leonard Ziesemer. Fundamentação das decisões judiciais: a crise na
construção de respostas no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015. p. 340.