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8 de maio de 2021

TEMPESTIVIDADE. FERIADO LOCAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DOCUMENTAL DA DILAÇÃO DO PRAZO NO ATO DE INTERPOSIÇÃO. SIMPLES MENÇÃO OU REFERÊNCIA NAS RAZÕES RECURSAIS. IMPOSSIBILIDADE.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.763.167 - GO (2017/0292113-8) 

RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO 

R.P/ACÓRDÃO : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. FERIADO LOCAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DOCUMENTAL DA DILAÇÃO DO PRAZO NO ATO DE INTERPOSIÇÃO. SIMPLES MENÇÃO OU REFERÊNCIA NAS RAZÕES RECURSAIS. IMPOSSIBILIDADE. PREVISÃO EM REGIMENTO INTERNO OU EM CÓDIGO DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. IRRELEVÂNCIA. NORMATIVO LOCAL IDÊNTICO ÀS DEMAIS ESPÉCIES NORMATIVAS. DIREITO ESTADUAL. PROVA CONDICIONADA À DETERMINAÇÃO JUDICIAL. REGRA DE TEORIA GERAL DA PROVA DESTINADA À ATIVIDADE INSTRUTÓRIA DA CAUSA. INAPLICABILIDADE À ADMISSIBILIDADE RECURSAL, INCLUSIVE EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE REGRA ESPECIAL. 

1- O propósito recursal consiste em definir se a simples menção acerca da existência de feriado local alegadamente previsto em Regimento Interno e em Código de Organização Judiciária é suficiente para a comprovação de tempestividade do recurso especial nos moldes do art. 1.003, §6º, do novo CPC. 

2- . A comprovação da existência de feriado local que dilate o prazo para interposição de recursos dirigidos ao STJ deverá ser realizada por meio de documentação idônea, não sendo suficiente a simples menção ou referência nas razões recursais. Precedentes. 

3- Para fins de incidência da regra do art. 1.003, §6º, do novo CPC, é irrelevante que o alegado feriado local tenha previsão em Regimento Interno ou em Código de Organização Judiciária do Estado, pois esses normativos, juntamente com os provimentos, os informativos, as portarias, os atos normativos e afins, são apenas espécies do gênero normativo local expressamente abrangido pela regra processual. 

4- A regra do art. 376 do novo CPC (antigo art. 337 do CPC/73), segundo a qual a parte que alega direito local somente lhe provará teor, vigência e conteúdo se houver determinação judicial, situa-se no âmbito da teoria geral da prova e serve às instâncias ordinárias na atividade instrutória da causa, não se aplicando, todavia, ao juízo de admissibilidade de recurso dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, que possui regra específica. Precedente. 

5- Recurso especial não conhecido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, quanto à preliminar, a Terceira Turma, por maioria, não conheceu do recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, que lavrará o acórdão. Vencido o Sr. Ministro Moura Ribeiro. Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Dr(a). MAURO PEDROSO GONÇALVES, pela parte RECORRENTE: HSBC BANK BRASIL SA. Dr(a). ANDRÉ WERNECK, pela parte RECORRIDA: BANCO SISTEMA SA. 

Brasília (DF), 18 de fevereiro de 2020(Data do Julgamento)

6 de maio de 2021

AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. RECONVENÇÃO. PEDIDO DE NULIDADE DE OUTROS REGISTROS DE MARCA SOB O MESMO FUNDAMENTO DA DEFESA. 1. POSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO SUBJETIVA EM RECONVENÇÃO. EFICIÊNCIA DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. MAIOR PACIFICAÇÃO SOCIAL COM MENOR CUSTO. 2. POSIÇÃO PROCESSUAL DO INPI. LITISCONSÓRCIO SUI GENERIS. LEGITIMIDADE RECURSAL

RECURSO ESPECIAL Nº 1.775.812 - RJ (2017/0283304-6) 

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. RECONVENÇÃO. PEDIDO DE NULIDADE DE OUTROS REGISTROS DE MARCA SOB O MESMO FUNDAMENTO DA DEFESA. 1. POSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO SUBJETIVA EM RECONVENÇÃO. EFICIÊNCIA DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. MAIOR PACIFICAÇÃO SOCIAL COM MENOR CUSTO. 2. POSIÇÃO PROCESSUAL DO INPI. LITISCONSÓRCIO SUI GENERIS. LEGITIMIDADE RECURSAL QUE DEVE SER AFERIDA PARA CADA ATO. 3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 

1. O recurso especial debate acerca da legitimidade recursal do INPI para recorrer de decisão que extinguiu, sem resolução de mérito, reconvenção apresentada por litisconsorte passivo, na qual se veiculou pedido de nulidade de registro de marca. 

2. A reconvenção é técnica por meio da qual se objetiva a otimização da eficiência processual, potencializando o resultado de pacificação social, ao agregar a um mesmo processo uma segunda demanda proposta pelo réu contra o autor, ainda que não exclusivamente essas partes, e fora dos limites da ação original. 

3. Entre a demanda principal e a reconvenção deve haver conexão, seja em decorrência do pedido ou casa de pedir da ação principal, seja em decorrência da vinculação existente com os argumentos de defesa deduzidos em contestação, o que, por si só, recomendaria o julgamento conjunto das causas, mesmo que deduzidas em processos autônomos. 

4. Diante da nítida relação de conexão entre a ação principal e a reconvenção, seria contraproducente a inadmissão do instituto tão somente pela necessidade concreta de ampliação ou restrição subjetiva. 

5. A legitimidade processual do INPI tem caráter sui generis, uma vez que sua atuação é obrigatória em demandas de nulidade de marca e tem por finalidade a proteção da concorrência e dos consumidores, e não a defesa de interesse individual da instituição. 

6. A análise da legitimidade do INPI em cada demanda deve tomar em consideração a conduta processual inicialmente adotada pelo Instituto, para além da tradicional avaliação in status assertionis. 

7. A reconvenção apresentada, no caso concreto, pela litisconsorte passiva da ação principal contra a autora (ré-reconvinte) agregou pedido de nulidade de marca, ação na qual o INPI deve obrigatoriamente intervir, cuja causa de pedir se harmoniza com a tese de defesa da contestação ofertada pela própria autarquia e sobre a qual (ação de nulidade de marca) o Instituto se posicionou favoravelmente à procedência. Diante dessas circunstâncias fáticas, ressai a legitimidade recursal do INPI para impugnar a sentença que extinguiu, sem julgamento de mérito, a reconvenção oportunamente apresentada pela litisconsorte passiva da ação principal. 

8. Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 19 de março de 2019 (data do julgamento). 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE: Cuida-se de recurso especial interposto por Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, fundamentado na alínea a do permissivo constitucional. 

Na origem, M2 Ltda. ajuizou ação de nulidade de registro contra Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI e Pasianot & Zanatto Ltda., buscando, em suma, o restabelecimento do direito à marca CAFÉ NO BULE, registrada sob n. 821.609.904. 

O Juízo singular julgou improcedente o pedido e extinguiu a reconvenção apresentada por Pasianot & Zanatto Ltda., na qual pleiteava a anulação dos atos administrativos que concederam à autora as marcas CAFÉ NO BULE, CAFÉ NO BULE PURO DA FAZENDA e CAFÉ NO BULE PURO DO CAMPO, processos n. 824991516, 825984688 e 825984718, por ausência de conexão com a ação principal. 

Inconformado, o INPI apresentou apelação (e-STJ, fls. 343-347), da qual o Tribunal de origem não conheceu, em acórdão assim ementado (e-STJ, fls. 474-483): 

APELAÇÃO. PROPRIEDADE INTELECTUAL. CONFLITO ENTRE AS MARCAS 'CAFÉ NO BULE', 'CAFÉ NO BULE PURO DA FAZENDA' E 'CAFÉ NO BULE PURO DO CAMPO' (IMPUGNADAS) E A MARCA MISTA IMPEDITIVA 'CAFÉ NO BULE'. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DO INPI. ACOLHIDA. AUTARQUIA RÉ NA DEMANDA PRINCIPAL NÃO PODE FIGURAR COMO RÉ NA DEMANDA RECONVENCIONAL. RECURSO DO INPI NÃO CONHECIDO. I. Apenas pode figurar como réu na demanda reconvencional aquele que for autor na demanda principal. II. No caso vertente, o INPI é réu na demanda principal, não podendo, em consequência, sê-lo também na demanda reconvencional. Igualmente, como a autarquia marcária não ofereceu reconvenção contra a ora 1ª apelada, também não pode figurar como autora naquela demanda. III. Recurso do INPI não conhecido. 

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ, fls. 497-500). 

Nas razões do recurso especial, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI alegou violação dos arts. 14 e 175 da Lei n. 9.279/1996, sob o argumento de que, "mesmo não sendo Autora no pedido de reconvenção, a Autarquia deve, por força de lei, intervir no feito em que se discuta a nulidade de registro marcário", por figurar "necessariamente como interveniente no feito" (e-STJ, fl. 511). 

Contrarrazões apresentadas às fls. 517-523 (e-STJ). 

O Vice-Presidente do TRF da 2ª Região inadmitiu o processamento do apelo especial em razão da incidência da Súmula n. 7/STJ, dando azo à interposição do AREsp n. 1.197.495-RJ. 

Contraminuta juntada às fls. 546-555 (e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR): Cinge-se a controvérsia a definir a posição processual do Instituto Nacional da Propriedade Industrial e a extensão e limites de sua atuação em demandas judiciais, cujo objeto é o registro de marcas, especialmente, no que tange à oposição de reconvenção. 

1. A ampliação subjetiva da demanda por meio de reconvenção 

A reconvenção é uma das técnicas pelas quais se almeja a otimização da eficiência do processo, potencializando o resultado de pacificação social. Por meio dela, agrega-se ao processo judicial uma segunda demanda, proposta pelo réu contra o autor, fora dos limites da ação original. Como bem sintetiza Cândido Rangel Dinamarco "[a reconvenção] e a demanda inicial reúnem-se em um processo só, cujo objeto se alarga em virtude do pedido do réu, sem que se forme um novo processo" (Instituições de direito processual civil, v. 3, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 514). 

O cabimento da reconvenção, à época de seu oferecimento nestes autos (28/3/2014, e-STJ, fls. 166-174), era disciplinado no art. 315 do CPC/1973, segundo o qual se exigia tão somente a conexão entre a demanda reconvinda e a ação principal ou o fundamento de defesa, além da presença de autor e réu em polos processuais invertidos. É o que se depreende do texto legal: 

Art. 315. O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa. Parágrafo único. Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem. 

É verdade que a redação do referido artigo por diversas vezes foi interpretada de forma restritiva pela doutrina, no sentido de que não era suficiente que as partes da demanda principal fossem partes da ação reconvinda, mas, mais que isso, que somente elas poderiam figurar nos polos da demanda agregada. Em síntese, reconheceu-se a impossibilidade de uma reconvenção subjetivamente ampliativa. 

Nesse sentido, esta Terceira Turma manteve a inadmissibilidade de reconvenção manejada no bojo de ação de investigação de paternidade, cujo pedido se referia à nulidade absoluta de uma terceira demanda – ação de sonegados. O acórdão ficou assim ementado (sem destaques no original): 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE, CUMULADA INICIALMENTE COM ANULAÇÃO DE PARTILHA. DESISTÊNCIA DO PEDIDO ANULATÓRIO ANTES DA CITAÇÃO DO RÉU. DEMANDA RECONVENCIONAL COM PRETENSÃO DE NULIDADE DE AÇÃO DE SONEGADOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO RÉU NA AÇÃO PRINCIPAL RECONHECIDA. RECONVENÇÃO AUTOMATICAMENTE INADMITIDA PELO MESMO FUNDAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.MANUTENÇÃO DA EXTINÇÃO DA DEMANDA RECONVENCIONAL POR FUNDAMENTOS DISTINTOS. IMPOSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO SUBJETIVA DA LIDE E AUSÊNCIA DE CONEXÃO COM O PEDIDO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. NULIDADE DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE E DE INTERESSE RECURSAL DO RÉU EXCLUÍDO POR ILEGITIMIDADE DE PARTE. VÍCIO INEXISTENTE, ADEMAIS, PORQUE O PRONUNCIADO DIREITO À HERANÇA É MERO CONSECTÁRIO LÓGICO DO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE. SENTENÇA HÍGIDA. 1- Ação distribuída em 27/06/2005. Recurso especial interposto em 18/07/2014 e atribuído à Relatora em 25/08/2016. 2- Os propósitos recursais consistem em definir se é admissível a reconvenção na hipótese em que houve o superveniente reconhecimento da ilegitimidade passiva do reconvinte na ação principal e se a sentença, ao reconhecer o direito à herança da parte que pretendia somente o reconhecimento da paternidade, teria decidido questão além do pedido. 3- O fato de ter sido reconhecida a ilegitimidade passiva do réu-reconvinte na ação principal após a propositura da reconvenção não implica, necessariamente, em inadmissibilidade da demanda reconvencional, uma vez que, no momento do ajuizamento, havia direito de reconvir. Inteligência do art. 317 do CPC/73. Precedentes. 4- Na hipótese em exame, todavia, a reconvenção deve ser extinta sem resolução do mérito por fundamentos distintos, seja porque a pretensão reconvencional foi direcionada à pessoa distinta do autor-reconvindo - sendo inadmissível, na vigência do CPC/73, a ampliação subjetiva da lide a partir da reconvenção -, seja porque inexiste conexão entre a ação investigatória de paternidade post mortem e a ação de nulidade de ação de sonegados que envolveu partes e relações jurídicas distintas, especialmente na hipótese em que houve a desistência, pelo autor-reconvindo, do pedido de anulação da partilha que havia sido inicialmente cumulado. 5- Acolhida a tese de ilegitimidade passiva do réu para responder à ação investigatória de paternidade, não tem ele legitimidade e interesse para questionar a validade da sentença que reconhece o direito à herança do autor, pronunciado como consectário lógico do acolhimento do pedido de reconhecimento da paternidade, sobretudo quando a sentença não se pronuncia sobre nenhuma questão afeta ao direito sucessório. 6- Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 1490073/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 28/5/2018) 

Todavia, a avaliação da condição de parte na demanda reconvencional adstrita àquelas partes originárias rigorosamente invertidas, além de não ser extraída diretamente do texto legal, contraria o intuito de máxima efetividade do processo, que é, afinal, a razão de ser do próprio instituto. Assim, nem a lei nem a teleologia do instituto impedem que a reconvenção seja movida em litisconsórcio passivo ou ativo, ou ainda em relação a apenas um dos indivíduos que compõem o polo da ação originária, quando nesta há litisconsórcio ativo ou passivo – reconvenção subjetivamente restritiva (DINAMARCO, Cândido Rangel. (Instituições de direito processual civil, v. 3, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 527-529). 

Aliás, não se deve perder de vista que, por consistirem em ações conexas a ação principal e a reconvenção, seria contraproducente a inadmissão do instituto tão somente pela necessária ampliação ou restrição subjetiva. Isso porque será sempre possível o manejo da ação autônoma e, em razão da conexão, elas tramitarão em conjunto para julgamento simultâneo (DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil, v. 1, 14ª ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 528). Desse modo, o critério para definir a extensão subjetiva da reconvenção deve tomar em consideração a correlação existente entre os pedidos e causa de pedir da ação principal e da demanda reconvencional, desde que compatíveis os procedimentos das duas demandas agregadas. 

2. Posição processual do INPI e seus efeitos quanto à reconvenção 

Dentro desse contexto teórico, se insere o debate dos autos, centrado na legitimidade recursal do INPI. Com efeito, para além da existência de conexão entre a demanda principal e a reconvenção, o caso dos autos nos desafia a compatibilizar a atuação do INPI nas duas demandas agregadas nos autos. 

No caso concreto, é certo que a ação principal foi proposta pela recorrida M2 Ltda. para impugnar ato administrativo do recorrente que culminou na anulação de registro de marca de sua titularidade, qual seja, CAFÉ NO BULE para nomear pó de café. A referida anulação foi fundamentada pelo INPI na reprodução do elemento característico de marca alheia registrada anteriormente em segmento afim – CAFÉ NO BULE para serviços de cafeteria –, razão pela qual se dirigiu a ação também contra a empresa titular da marca semelhante, Pasianot & Zanatto Ltda. Esta segunda requerida contestou a demanda, defendendo a manutenção do ato anulatório sob o mesmo fundamento de que houve reprodução do elemento central de sua marca – mesma conduta adotada pelo INPI –, e ainda ofereceu reconvenção para que outras marcas assemelhadas da mesma recorrida fossem igualmente anuladas – CAFÉ NO BULE (824991516), na classe 30, para identificar café, capuccino, balas de café; CAFÉ NO BULE PURO DA FAZENDA (825984688), na classe 30, para identificar: café, bolacha, biscoito, massa para bolo, goiabada, doces em geral; e CAFÉ NO BULE PURO DO CAMPO (825984718), na classe 30, para identificar: café, capuccino, balas de café (e-STJ, fl. 167). 

Nota-se, portanto, que, de um lado, a ação principal impugna diretamente ato praticado pelo INPI, que contestou a demanda defendendo a correção do ato anulatório. De outro lado, a reconvenção agrega ao processo pedido de declaração de nulidade de registro de outras marcas, em razão do mesmo fundamento de defesa deduzido pela autora-reconvinte em sua contestação à ação principal. 

Sem adentrar no mérito quanto à possibilidade de manejo da reconvenção no que tange à conexão entre as demandas, uma vez que esta era a matéria da apelação interposta na origem e que não alcançou sequer o conhecimento pelo Tribunal a quo, não se pode olvidar que a reconvenção trouxe a juízo típica ação anulatória de registro de marca. 

Nos termos do art. 175, caput, da Lei n. 9.279/1996, o INPI deve intervir nas demandas dessa espécie: 

Art. 175. A ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da justiça federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito. [grifado] 

A participação do INPI, entretanto, não lhe impõe a defesa do ato concessivo do registro por ele praticado. Ao contrário, o interesse jurídico do INPI se distingue do interesse individual de ambas as partes, tendo por objetivo último a proteção da concorrência e do consumidor, direitos essencialmente transindividuais, o que atrai certo temperamento das regras processuais tradicionais da defesa de direitos individuais. Por essa razão, a legitimidade ad causam do INPI, bem como todas as demais situações processuais, dependerá de exame casuístico e particularizado, não se resolvendo por meio da simples aplicação de conceitos consolidados. 

A doutrina moderna vem ressaltando que a apreciação da legitimidade, embora não se tenha libertado da avaliação inicial in status assertionis, deve também levar em consideração as "zonas de interesse" dos sujeitos litigantes, que ora se contrapõem, ora se coincidem e ora se complementam pela atuação baseada sobretudo num interesse social ou público (CABRAL, Antonio. Interesse ad agire e zone di interesse. In Revista de Processo Comparado, n. 2/2015, p. 29-56, Jul-Dez, 2015). Desse modo, para além de uma legitimidade ad causam, verificável ab initio, há que se reconhecer uma legitimidade móvel refletida na prática dos atos processuais adequados e necessários à defesa de sua "zona de interesse". 

A Terceira Turma do STJ já se posicionou no sentido de que o INPI desempenha função própria, mediante intervenção sui generis, nos processos de anulação de registro de marca. Em face disso, nem sempre se comportará como litisconsorte passivo, devendo a sua legitimidade e os consectários da sua atuação processual tomarem em consideração a função efetivamente exercida no caso concreto. 

Nesse sentido: 

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA. TÍTULO DE ESTABELECIMENTO. UTILIZAÇÃO SIMULTÂNEA. IRREGISTRABILIDADE RECONHECIDA. ANULAÇÃO PROCEDENTE. ATUAÇÃO DO INPI. POSIÇÃO PROCESSUAL. INTERVENÇÃO SUI GENERIS. OBRIGATORIEDADE. DEFESA DE INTERESSE SOCIAL. CONDENAÇÃO DO INPI. SUCUMBÊNCIA. AFASTAMENTO NO CASO CONCRETO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A imposição prevista no art. 175 da Lei n. 9.279/96 para que o INPI intervenha em todas as demandas judiciais de anulação de registro marcário encerra hipótese de intervenção atípica ou sui generis a qual não se confunde com aquelas definidas ordinariamente no CPC, em especial, por tratar-se de intervenção obrigatória. 2. A análise da legitimidade passiva, conquanto não afastada automaticamente pelo referido dispositivo, deve tomar em consideração a conduta processual inicialmente adotada pelo Instituto, para além da tradicional avaliação in status assertionis. 3. Na hipótese dos autos, não houve indicação, em petição inicial, de conduta específica do recorrente, mas tão somente sua indicação como requerido em razão da concessão do registro de termo coincidente com título de estabelecimento explorado previamente - fato que não foi oposto oportunamente na via administrativa. 4. Inexistindo resistência direta à pretensão e não sendo imputável ao Instituto a causa da propositura da demanda, sua atuação processual lateral afasta a legitimação passiva e, por consequência, sua condenação sucumbencial. 5. Recurso especial provido. (REsp n. 1.378.699/PR, desta relatoria, Terceira Turma, DJe 10/6/2016) 

DIREITO MARCÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA. 1. MARCAS SEMELHANTES. DUPLICIDADE DE REGISTRO. CLASSES DISTINTAS. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. ATUAÇÃO NO MESMO SEGUIMENTO MERCADOLÓGICO. CONFUSÃO CONCRETA. 2. ATUAÇÃO DO INPI. POSIÇÃO PROCESSUAL. INTERVENÇÃO SUI GENERIS. OBRIGATORIEDADE. DEFESA DE INTERESSE SOCIAL. AFASTAMENTO NO CASO CONCRETO. 3. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. 4. CUSTAS PROCESSUAIS. TAXA JUDICIÁRIA. NATUREZA JURÍDICA TRIBUTÁRIA. ISENÇÃO. FAZENDA PÚBLICA. RESPONSABILIDADE PELO REEMBOLSO DE VALORES ADIANTADOS. 1. Na esteira dos precedentes do STJ, o registro de marcas semelhantes, ainda que em classe distintas, porém destinadas a identificar produtos ou serviços que guardem relação de afinidade, inseridos no mesmo segmento mercadológico, devem ser obstados. 2. O princípio da especialidade não se restringe à Classificação Internacional de Produtos e Serviços, devendo levar em consideração o potencial concreto de se gerar dúvida no consumidor e desvirtuar a concorrência. Precedentes. 3. A imposição prevista no art. 175 da Lei n. 9.279/96 para que o INPI intervenha em todas as demandas judiciais de anulação de registro marcário encerra hipótese de intervenção atípica ou sui generis a qual não se confunde com aquelas definidas ordinariamente no CPC, em especial, por tratar-se de intervenção obrigatória. 4. O referido dispositivo legal, todavia, não impede a propositura da demanda endereçada contra a autarquia federal, mormente, quando a causa de pedir declina ato de sua exclusiva responsabilidade. 5. Na hipótese dos autos, alegou-se a inércia do INPI em relação ao processamento de pleito administrativo, pelo qual se pretendia a nulidade do registro marcário; inércia esta que resultou na judicialização da demanda. 6. Tendo dado causa a propositura da demanda, o INPI foi corretamente arrolado como réu, e o seu pronto reconhecimento do pedido impõe que arque com os honorários sucumbenciais, nos termos do art. 26 do CPC. 7. A Fazenda Pública é isenta de custas processuais, porém esta isenção não afasta sua responsabilidade quanto ao reembolso das quantias adiantadas pelo vencedor da demanda. 8. Recurso especial de Angel Móveis Ltda. conhecido e desprovido. Recurso especial do Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI conhecido e parcialmente provido, apenas para isentá-lo do pagamento de custas processuais. (REsp n. 1.258.662/PR, desta relatoria, Terceira Turma, DJe 5/2/2016) 

Esse dinamismo da intervenção do INPI, albergado pelos precedentes desta Turma, fundamenta-se na mobilidade da atuação do Estado, que já é realidade expressa no microssistema processual coletivo e impõe o redesenho e a adaptação das regras processuais gerais (MAZZOLA, Marcelo; e RIBEIRO, Nathalia. Ressignificação da posição processual do INPI nas ações de nulidade: um litisconsórcio dinâmico: necessidade de afetação do tema pelo STJ. In Revista da ABPI, n. 153, p. 31-41, Mar-Abr, 2018; MAZZEI, Rodrigo. A intervenção móvel da pessoa jurídica na ação popular e improbidade administrativa: arts. 6º, § 3º, da LAP e 17, § 3º, da LIA. In Revista Forense, n. 400, p. 227-254, Nov-Dez, 2008). Com efeito, já não é possível compreender o processo civil hermeticamente em si mesmo, sendo imprescindível a relação de funcionalidade entre cada ato processual e o resultado material buscado. 

Daí se extrai que, sobrevindo ação anulatória de registro, mesmo que o ente estatal não fosse parte na demanda originária, seria impositiva sua participação, podendo, após sua integração no polo passivo da demanda, reposicionar-se em qualquer um dos polos da reconvenção. Essa imposição de intervenção, além de não inviabilizar, por si só, a utilização do instituto da reconvenção, legitima o INPI a impugnar a sentença que a extingue, com ou sem resolução de mérito, e qualquer que tenha sido o resultado do julgamento, devendo o interesse recursal ser avaliado sob a perspectiva da atuação concreta do INPI ao longo da tramitação da reconvenção. 

Nesse contexto, verifica-se que, na hipótese, o recorrente já integrava a lide em litisconsórcio passivo. Ressalta-se também que, mesmo não tendo sido autor do pedido de anulação dos demais registros de marca objeto da reconvenção, a causa de pedir declinada pelo autor-reconvinte ajustava-se à tese de defesa deduzida pelo recorrente em sua contestação, além de ser a atuação do INPI obrigatória, nos termos da lei. Sobrevindo, portanto, decisão que extinguiu a reconvenção sem resolução de mérito, coaduna-se com sua atuação in concreto o pleno exercício do direito de recorrer na condição de litisconsorte do autor-reconvinte, posição processual esta que exerceu em plena conformidade com a atuação sui generis reconhecida pelo legislador (art. 175 da Lei n. 8.279/1996). 

Com esses fundamentos, dou provimento ao recurso especial, a fim de reconhecer a legitimidade recursal do recorrente e determinar o retorno dos autos para que o Tribunal de origem julgue o recurso de apelação como entender de direito. 

É como voto. 

1 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: direito de recorrer - Oliveira, Pedro Miranda de; Bonemer, Bruno Angeli. A (in)eficácia do negócio processual de irrecorribilidade de sentença. Revista de Processo. vol. 315. ano 46. p. 55-74. São Paulo: Ed. RT, maio 2021.

Nesse contexto, destaca-se o direito de recorrer contra ato decisório estatal que pareça injusto ou antijurídico sob o prisma avaliativo da parte lesada. É da essência do homem a não conformação com o não, e desde os tempos imemoriais as partes se socorrem de permissivos procedimentais para buscar a reforma de decisões que não acolhem seus anseios.


O direito de recorrer, portanto, está atrelado a uma ideia de confirmação da lisura e higidez do ato decisório estatal, bem como de democratização da formação dessa decisão – e, sobre o “parecer vinculante e com eficácia decisória” que caracteriza uma sentença judicial, pode o advogado, na condição de “primeiro juiz da causa”, criticar o mérito das considerações exaradas monocraticamente pelo juiz e apresentar um projeto de voto/decisão a ser submetido a um colegiado de magistrados. 


Oliveira, Pedro Miranda de; Bonemer, Bruno Angeli. A (in)eficácia do negócio processual de irrecorribilidade de sentença. Revista de Processo. vol. 315. ano 46. p. 55-74. São Paulo: Ed. RT, maio 2021.



24 de abril de 2021

RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL - O prazo para a interposição de recurso ordinário em habeas corpus contra decisão do TJ que nega liberdade para devedor de alimentos é de 5 dias (não é 15 dias)

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2019/07/info-646-stj.pdf


RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL - O prazo para a interposição de recurso ordinário em habeas corpus contra decisão do TJ que nega liberdade para devedor de alimentos é de 5 dias (não é 15 dias) 

O prazo para interposição de recurso ordinário em habeas corpus, ainda que se trate de matéria não criminal, continua sendo de 5 dias, nos termos do art. 30 da Lei nº 8.038/90, não se aplicando à hipótese os arts. 1.003, §5º, e 994, V, do CPC/2015. Ex: recurso ordinário contra decisão do TJ que negou habeas corpus a indivíduo que se encontra preso em razão de dívida de alimentos. STJ. 3ª Turma. RHC 109.330-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/04/2019 (Info 646). 

Imagine a seguinte situação hipotética: O juiz da vara de família decretou a prisão civil de João em virtude de atraso no pagamento da pensão alimentícia. Contra essa decisão, João impetrou habeas corpus junto ao Tribunal de Justiça que, no entanto, denegou a ordem. 

Qual é o recurso que João poderá interpor contra o acórdão do TJ? 

Recurso ordinário constitucional (ROC), dirigido ao STJ, conforme prevê o art. 105, II, “a”, da CF/88: 

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (...) II - julgar, em recurso ordinário: a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória; 

Qual é prazo desse recurso? Havia duas posições sobre o tema: 

Prazo do recurso ordinário contra decisão denegatória de habeas corpus 

15 dias Fundamento: art. 1.003, § 5º, do CPC 

Art. 1003 (...) § 5º Excetuados os embargos de declaração, o prazo para interpor os recursos e para responder-lhes é de 15 (quinze) dias. 

Art. 994. São cabíveis os seguintes recursos: V - recurso ordinário;

5 dias Fundamento: art. 30 da Lei nº 8.030/90 

Art. 30. O recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça, das decisões denegatórias de Habeas Corpus, proferidas pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal, será interposto no prazo de cinco dias, com as razões do pedido de reforma. 

Qual foi a posição adotada pelo STJ? A 2ª corrente. O prazo é de 5 dias. O recurso ordinário constitucional (ROC) é um recurso que somente é julgado pelo STJ ou pelo STF e nas seguintes hipóteses: 

ROC a ser julgado pelo STJ 

I - Caberá ROC para o STJ se qualquer TRF ou TJ denegar (ou seja, julgar contra o autor de): • Habeas corpus • Mandado de segurança

II - Caberá ROC para o STJ se qualquer juiz federal julgar uma causa que envolva: • Estado estrangeiro X Município brasileiro • Estado estrangeiro X pessoa residente ou domiciliada no país • Organismo internacional X Município brasileiro • Organismo internacional X pessoa residente ou domiciliada no país 

Exemplos de organismo internacional: ONU, Unesco, Cruz Vermelha. 

Obs: as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País são julgadas pelo juiz federal (art. 109, II, CF). Neste caso, o recurso contra a decisão do juiz federal nessas causas é o ROC, interposto diretamente no STJ (a questão não passará pelo TRF). 

ROC a ser julgado pelo STF  

I - Caberá ROC para o STF se qualquer Tribunal Superior denegar (ou seja, julgar contra o autor de): • Habeas corpus • Mandado de segurança • Mandado de injunção • Habeas data 

II - Caberá ROC para o STF em caso de qualquer juiz federal julgar crime político. Os crimes políticos são julgados por juiz federal (art. 109, IV, CF). Neste caso, o recurso contra a decisão do juiz federal é o ROC, interposto diretamente no STF (a questão não passará pelo TRF). 

CPC/2015 não disciplina o ROC contra acórdão que denegar habeas corpus 

O art. 1.027, do CPC/2015 delimita as hipóteses em que o recurso ordinário constitucional se submeterá, do ponto de vista procedimental, ao regime recursal instituído pelo CPC/2015. 

Ao se analisar este dispositivo, percebe-se que o CPC/2015 excluiu de sua regência o recurso ordinário em habeas corpus, não tendo o legislador sequer realizado a ressalva de que o CPC/2015 se aplicaria, por exemplo, aos recursos ordinários em habeas corpus de matéria não criminal (prisões decorrentes de obrigações alimentares, acolhimentos institucionais, etc.), o que poderia demonstrar o eventual desejo consciente de tratar, de modo distinto, os recursos ordinários em habeas corpus cíveis e criminais. Contribui para esse entendimento, ademais, o fato de que o legislador, quando quis, expressamente revogou dispositivos existentes na Lei nº 8.078/90. O art. 30, contudo, foi mantido. 

Em suma: O prazo para interposição de recurso ordinário em habeas corpus, ainda que se trate de matéria não criminal, continua sendo de 5 dias, nos termos do art. 30 da Lei nº 8.038/90, não se aplicando à hipótese os arts. 1.003, §5º, e 994, V, do CPC/2015. Ex: recurso ordinário contra decisão do TJ que negou habeas corpus a indivíduo que se encontra preso em razão de dívida de alimentos. STJ. 3ª Turma. RHC 109.330-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/04/2019 (Info 646)

Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2019/01/info-636-stj.pdf


RECURSOS EM GERAL - Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido 

É inaplicável a contagem do prazo recursal em dobro quando apenas um dos litisconsortes com procuradores distintos sucumbe. Nesse sentido existe, inclusive, uma súmula do STF, cujo entendimento continua válido com o CPC/2015: Súmula 641-STF: Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido. Ex: ação de cobrança proposta contra Pedro e Tiago. Na sentença, o juiz julga procedente quanto a Pedro e improcedente no que tange a Tiago. Pedro, única parte sucumbente, não terá direito a prazo em dobro. STJ. 3ª Turma. REsp 1.709.562-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/10/2018 (Info 636). 

BENEFÍCIO DO PRAZO EM DOBRO 

Em que consiste o chamado benefício do prazo em dobro? 

Quando houver litisconsórcio, seja ele ativo (dois ou mais autores) ou passivo (dois ou mais réus), caso os litisconsortes tenham advogados diferentes, de escritórios diferentes, os seus prazos serão contados em dobro. É o que determina o art. 229 do CPC/2015: 

Art. 229. Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento. 

Chamo a atenção para essas partes acima grifadas porque elas são cobradas em provas objetivas. Veja: (PGE/AP 2018 FCC) Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, desde que requeiram o benefício tempestivamente. (errado) 

 Por que existe esse benefício? 

Essa regra justifica-se pela dificuldade maior que os advogados dos litisconsortes encontram em cumprir os prazos processuais e, principalmente, em consultar os autos do processo (STJ AgRg no Ag 963.283/MG). Em outras palavras, havendo mais de uma parte e, sendo estas representadas por advogados diferentes, fica mais difícil para os advogados prepararem as peças processuais, já que eles não poderão, em tese, retirar os autos do cartório, considerando que a outra parte pode também querer vê-los. 

Se os advogados dos litisconsortes forem diferentes, mas pertencerem ao mesmo escritório de advocacia, ainda assim eles terão direito ao prazo em dobro? 

NÃO. O art. 229 do CPC exige, expressamente, para a concessão do prazo em dobro, que os advogados sejam de escritórios diferentes. Assim, se os litisconsortes tiverem advogados diferentes, mas estes fizerem parte do mesmo escritório, o prazo será simples (não em dobro). Trata-se de uma novidade do CPC/2015. 

Persiste o prazo em dobro mesmo na hipótese de os litisconsortes serem marido e mulher? 

SIM, considerando que a Lei não faz qualquer ressalva quanto a isso, exigindo apenas que tenham diferentes procuradores (STJ REsp 973.465-SP). 

Esse prazo em dobro vale apenas na 1ª instância? 

NÃO. O benefício abrange também as instâncias recursais. 

Imagine que são dois réus em litisconsórcio (João e Pedro), representados por advogados diferentes, de escritórios distintos. Ocorre que apenas um deles (João) apresentou defesa, sendo Pedro revel. João continuará tendo prazo em dobro para as demais manifestações nos autos? 

NÃO. Cessa a contagem do prazo em dobro se, havendo apenas 2 réus, é oferecida defesa por apenas um deles (art. 229, § 1º do CPC 2015). 

O benefício do prazo em dobro para os litisconsortes vale para processos eletrônicos? 

NÃO. O § 2º do art. 229 do CPC/2015 determina, expressamente, que não se aplica o prazo em dobro para litisconsortes diferentes se o processo for em autos eletrônicos. Trata-se de novidade do CPC/2015: O art. 229 do CPC de 2015, aprimorando a norma disposta no artigo 191 do código revogado, determina que, apenas nos processos físicos, os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento. STJ. 4ª Turma. REsp 1693784/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/11/2017. 

COMO FICA O PRAZO RECURSAL SE APENAS UM DOS LITISCONSORTES SUCUMBE 

Imagine a seguinte situação hipotética 

João ajuizou ação contra Pedro e Tiago. Vale ressaltar que Pedro e Tiago possuíam advogados distintos, de escritórios de advocacia diferentes. Importante também esclarecer que os autos eram físicos (processo físico). Durante a tramitação, o juiz reconheceu que Pedro e Tiago tinham prazo em dobro, nos termos do art. 229 do CPC/2015. Na sentença, o juiz julgou o pedido procedente quanto a Pedro, condenando-o a pagar determinada quantia ao autor. Por outro lado, o magistrado julgado a demanda improcedente quanto a Tiago. Desse modo, dos dois litisconsortes passivos, apenas um foi sucumbente. Tiago, obviamente, ficou satisfeito e não recorreu. Pedro interpôs apelação. Ocorre que o advogado de Pedro já estava acostumado a ter prazo em dobro e, por isso, imaginou que o prazo da apelação seria também em dobro (ou seja, 30 dias = 15 + 15). Diante disso, o recurso foi interposto no 20º dia do prazo. 

Agiu corretamente o advogado de Pedro? Esta apelação será conhecida? Continua existindo prazo em dobro quando apenas um dos litisconsortes sucumbe? NÃO. 

É inaplicável a contagem do prazo recursal em dobro quando apenas um dos litisconsortes com procuradores distintos sucumbe. STJ. 3ª Turma. REsp 1.709.562-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/10/2018 (Info 636). 

Nesse sentido existe, inclusive, uma súmula do STF, cujo entendimento continua válido com o CPC/2015: 

Súmula 641-STF: Não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido. 

É o que também ensina André Roque: 

“Para que exista direito ao prazo em dobro, há que se observarem dois requisitos cumulativos: existência de litisconsórcio e de prazo comum para os litisconsortes praticarem o ato processual. (...) Por esse motivo, se na sentença, por exemplo, apenas um dos litisconsortes sucumbir, o prazo será contado de forma simples para a apelação, nos termos da Súmula nº 641 do STF”. (ROQUE, André. et al. Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC de 2015. Parte Geral. São Paulo: Forense, 2015. p. 709). 

A norma que prevê o prazo em dobro existe para garantir a paridade de armas no processo, considerando a inevitável dificuldade de acesso aos autos físicos para o pleno exercício do direito de defesa, quando existe mais de um litisconsorte com diferentes escritórios de advocacia. Se apenas um dos litisconsortes é prejudicado e tem interesse de recorrer, não há motivo para se garantir o prazo em dobro.

17 de abril de 2021

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. ART. 1.013. APELAÇÃO. EFEITO DEVOLUTIVO. EXTENSÃO DA DEVOLUTIVIDADE DETERMINADA PELO PEDIDO RECURSAL. CAPÍTULO NÃO IMPUGNADO. TRÂNSITO EM JULGADO. PROIBIÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS. CONTRADITÓRIO. INDISPENSABILIDADE. NÃO ACEITAÇÃO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO DA "DECISÃO-SURPRESA".

RECURSO ESPECIAL Nº 1.909.451 - SP (2019/0356294-1) 

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. ART. 1.013. APELAÇÃO. EFEITO DEVOLUTIVO. EXTENSÃO DA DEVOLUTIVIDADE DETERMINADA PELO PEDIDO RECURSAL. CAPÍTULO NÃO IMPUGNADO. TRÂNSITO EM JULGADO. PROIBIÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS. CONTRADITÓRIO. INDISPENSABILIDADE. NÃO ACEITAÇÃO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO DA "DECISÃO-SURPRESA". 

1. A apelação é interposta contra sentença, podendo compreender todos ou apenas alguns capítulos da decisão judicial recorrida, a depender da delimitação apresentada pelo recorrente em sua petição, que vincula a atuação do órgão ad quem na solução do mérito recursal. 

2. O efeito devolutivo da apelação define o que deverá ser analisado pelo órgão recursal. O "tamanho" dessa devolução se definirá por duas variáveis: sua extensão e sua profundidade. A extensão do efeito devolutivo é exatamente a medida daquilo que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem. 

3. No âmbito da devolução, o tribunal poderá apreciar todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas pela sentença recorrida, mas a extensão do que será analisado é definida pelo pedido do recorrente. Em seu julgamento, o acórdão deverá limitar-se a acolher ou rejeitar o que lhe for requerido pelo apelante, para que não haja ofensa aos princípios da disponibilidade da tutela jurisdicional e o da adstrição do julgamento ao pedido. 

4. O diploma processual civil de 2015 é suficientemente claro ao estabelecer que "a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada", cabendo ao órgão ad quem apreciar e julgar "todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado" (§ 1º do art. 1.013 do CPC/2015). 

5. Sobre o capítulo não impugnado pelo adversário do apelante, podendo a reforma eventualmente significar prejuízo ao recorrente, incide a coisa julgada. Assim, não há pensar-se em reformatio in pejus, já que qualquer providência dessa natureza esbarraria na res iudicata. 

6. Ao tribunal será permitido julgar o recurso, decidindo, desde logo, o mérito da causa, sem necessidade de requisitar ao juízo de primeiro grau manifestação acerca das questões. Considera-se o processo em condições de imediato julgamento apenas se ambas as partes tiveram oportunidade adequada de debater a questão de mérito que será analisada pelo tribunal. 

7. A utilização pelo juiz de elementos estranhos ao que se debateu no processo produz o que a doutrina e os tribunais, especialmente os europeus, chamam de "decisão-surpresa", considerada inadmissível, tendo em conta a compreensão atual do contraditório. 

8. Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi. Sustentou oralmente o Dr. EMANUEL ZINSLY SAMPAIO CAMARGO, pela parte RECORRENTE: GUSTAVO AUGUSTO KEUSCH ALBANO NOGUEIRA E OUTROS. 

Brasília (DF), 23 de março de 2021(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO: 

1. CONDOMÍNIO EDIFÍCIO GARAGEM IMERI ajuizou ação de cobrança em face de JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA para o recebimento das despesas e contribuições condominiais, no valor de R$ 23.940,86 (vinte e três mil, novecentos e quarenta reais e oitenta e seis centavos), referentes a um box de garagem de propriedade dos réus. Em razão do falecimento do primeiro demandado (fl. 99), o Espólio de José Percival Albano Nogueira foi incluído no polo passivo da demanda (fl. 107), assim como seus herdeiros. 

Ao julgar o pedido, o sentenciante de piso reconheceu, por primeiro, a ilegitimidade passiva dos herdeiros, filhos do falecido, "posto que conforme às fls. 44/45, o Box n. 142-A foi transmitido por usufruto a JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA" (fl. 224), sua viúva. Outrossim, assinalou que apenas o ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA seriam partes legítimas para a ação de cobrança. Julgou parcialmente procedente o pedido, observando a prescrição das parcelas da dívida vencidas antes de 16.3.2007. 

JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA JUNIOR, VERA CECÍLIA PRADO ALBANO NOGUEIRA PERRONI, GUSTAVO AUGUSTO KEUSCH ALBANO NOGUEIRA, PRISCILA HELENA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA FILETTI e GUILHERME PERCIVAL KEUSCH ALBANO NOGUEIRA, herdeiros do ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO, interpuseram apelação (fls. 255-262) pretendendo a fixação de honorários em desfavor do Condomínio autor da ação. Na mesma oportunidade impugnaram a condenação do ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA, ao argumento, em síntese, de não haver responsabilidade pelo débito condominial, uma vez que José Percival e Norma Lidia nunca fizeram uso do imóvel. Concluíram pela caracterização do abandono do imóvel, nos termos do art. 1275 do CC, o que, por sua vez, teria acarretado a perda da propriedade do Box de Garagem. Alegaram que Norma Lidia Keusch Albano Nogueira faleceu em meados de 1990 e, portanto, os Espólios não poderiam ser condenados ao pagamento de débitos posteriores ao falecimento dos titulares do usufruto do bem, já que a morte dos usufrutuários tem o condão de extinguir o usufruto. 

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou os recursos (fls. 342-350) em acórdão cuja ementa se reproduz abaixo: 

"- Cobrança de despesas condominiais - Se o apelante, intimado a realizar o recolhimento do preparo, não o faz, no prazo de cinco dias, aplica-se a pena de deserção. - Condenação do espólio de José Percival Albano Nogueira e do de Norma Lidia Keusch Albano Nogueira ao pagamento das despesas condominiais em atraso - Inadmissibilidade - Anterior substituição processual do espólio pela viúva e herdeiros filhos, bem como ausência de citação de Norma ou de seu espólio - Sentença anulada - Julgamento nos termos do § 3º do art. 1013 do CPC. - Tem responsabilidade, pelo débito, o proprietário do imóvel sobre o qual incidem as despesas condominiais, diante do caráter propter rem da obrigação - Corréus falecidos eram meros usufrutuários do bem - Responsabilidade apenas dos detentores da nua propriedade - Extinção do processo, sem exame do mérito, em relação a Norma, bem como à viúva e aos demais herdeiros filhos de José Percival. - Recurso do corréu Rodrigo não conhecido e, de ofício, anulada a sentença e, nos termos do inciso II, § 3º, do art. 1.013 do CPC, julgado extinto o processo, sem exame do mérito, em relação aos corréus Maria Helena, José Percival, Vera, Rodrigo e Norma, bem como julgado parcialmente procedente o pedido quanto aos corréus Gustavo, Guilherme e Priscila". 

Opostos embargos de declaração por GUSTAVO ALBANO NOGUEIRA, PRISCILA HELENA ALBANO NOGUEIRA FILETTI e GUILHERME PERCIVAL NOGUEIRA, foram rejeitados (fls. 364-368). Os recorrentes foram os herdeiros, cuja responsabilidade pelo débito condominial fora reconhecida pelo acórdão que julgou a apelação. 

Os embargantes interpuseram recurso especial com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, alegando violação dos arts. 1.275, III, 1.276 e 1.403, I, todos do CC e arts. 86 e 1013, caput do CPC. 

Asseveram que o acórdão recorrido, ao promover o julgamento de mérito da causa, após a anulação da sentença, acabou por prejudicar a situação dos ora recorrentes, violando o disposto pelo art. 1.013, caput, do CPC, caracterizando reformatio in pejus. 

Argumentam que o art. 1.013, caput, do CPC disciplina que a apelação devolve o conhecimento de toda a matéria “impugnada" e, consequentemente, o que não houver sido impugnado não será devolvido à análise e julgamento pelo Tribunal recursal. 

Asseveram que a sentença extinguiu o feito em relação aos recorrentes e demais corréus, condenando exclusivamente os Espólios de JOSE PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA e que o recurso de apelação interposto objetivava o afastamento da responsabilidade apenas dos Espólios, porque os reflexos desfavoráveis da decisão apelada repercutiriam sobre seus interesses, tendo em vista a qualidade de herdeiros que possuem. 

Salientam que, pela sentença, haviam sido excluídos do feito, por ilegitimidade passiva, e, após o julgamento da apelação, mesmo sem a interposição de recurso pelo Condomínio, passaram a ser os integrais responsáveis pelo pagamento do débito discutido, matéria que nem sequer teria sido tratada na apelação por eles interposta. 

Defendem, ademais, a impossibilidade de serem responsabilizados pelas despesas condominiais do box de garagem, em razão do evidente “abandono” e falta de interesse no imóvel por parte dos ora recorrentes. 

Alegam que, como nu-proprietários, nunca tiveram conhecimento nem exerceram posse, disposição ou qualquer outro direito sobre aquele bem e que o abandono, nos termos do art. 1.275 do CC, é hipótese de extinção do direito de propriedade, afastando, por consequência, a responsabilidade pelo custeio dos débitos propter rem, na hipótese, das despesas condominiais. 

Contrarrazões apresentadas às fls. 390-392. 

Após a decisão de inadmissão do recurso especial (fls. 394-395), os ora recorrentes interpuseram agravo em recurso especial (fls. 407-417). 

Em sessão de julgamento realizada em 1º.12.2020, esta colenda Turma, por unanimidade, acolheu os embargos de declaração opostos pelos ora recorrentes (fls. 490-495), para converter o agravo em recurso especial (fls. 510-511). 

É o relatório.

VOTO 

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator): 

2. A principal controvérsia deste recurso consiste na definição da extensão do efeito devolutivo da apelação, na sistemática inaugurada pelo Código de Processo Civil de 2015, com base na interpretação do art. 1.013 daquele diploma legal. 

Para melhor visualização do debate, transcrevo abaixo o dispositivo mencionado: 

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. 

§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado. 

§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais. 

§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: 

I - reformar sentença fundada no art. 485; 

II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir; 

III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo; 

IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação. 

§ 4º Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal, se possível, julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau. 

§ 5º O capítulo da sentença que confirma, concede ou revoga a tutela provisória é impugnável na apelação. 

Na hipótese, os recorrentes alegam que o acórdão recorrido, após anular a sentença e promover o julgamento de mérito da causa, acabou por prejudicá-los, violando o disposto no art. 1.013, caput, do CPC, proferindo decisão que caracterizou evidente reformatio in pejus. 

Argumentam que o dispositivo disciplina que a apelação devolve ao órgão ad quem o conhecimento de toda a matéria "impugnada" e, consequentemente, o que não houver sido impugnado não será devolvido à análise e julgamento pelo Tribunal recursal. 

Esclarecem que, em relação aos recorrentes, houve extinção do feito pela sentença, sendo os espólios de JOSE PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA os únicos condenados ao pagamento da dívida objeto da ação de cobrança originária. Acrescentam que interpuseram o recurso de apelação apenas para que fosse afastada a responsabilidade dos espólios, porque a decisão que os condenou ao pagamento da dívida repercutiria sobre seus interesses, tendo em vista a qualidade de herdeiros que possuem. 

Nessa linha, reiteraram que, pela sentença, haviam sido excluídos do feito, por ilegitimidade passiva, e, após o julgamento da apelação, mesmo sem a interposição de recurso pelo Condomínio, ora recorrido, passaram a ser os integrais responsáveis pelo pagamento do débito discutido, matéria que nem sequer teria sido tratada na apelação por eles interposta. 

No que respeita à ilegitimidade passiva dos ora recorrentes, manifestou-se o juiz sentenciante (fls. 224-226): 

"Sendo a questão de fato e de direito e as provas produzidas suficientes ao seu desate, a lide comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 355, I do Código de Processo Civil. Primeiramente, reconheço a ilegitimidade passiva dos réus JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA JÚNIOR, MARIA HELENA TOVIANSKAS ALBANO NOGUEIRA, VERA CECÍLIA PRADO ALBANO NOGUEIRA PERRONI, GUSTAVO KEUSCH ALBANO NOGUEIRA, PRISCILA HELENA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA FILETTI e GUILHERME PERCIVAL KEUSCH ALBANO NOGUEIRA e RODRIGO OTÁVIO HONORATO NOGUEIRA, posto que conforme às fls. 44/45 o Box n° 142-A foi transmitido por usufruto a JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA. Portanto, somente o ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA são partes legítimas na presente ação. No mérito, a ação é parcialmente procedente. É bem sabido que para a majoritária jurisprudência, as quotas condominiais são dívida propter rem, de modo que o titular de direito real sobre o bem deve por elas responder, na exata medida de seu direito. No entanto, no caso de haver usufrutuário, este é responsável pelas despesas ordinárias. (...) Assim, tratando-se de despesas condominiais ordinárias, compete aos usufrutuários arcarem com seu pagamento. No caso, ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA. (...) Em face do exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO em face dos réus JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA JÚNIOR, MARIA HELENA TOVIANSKAS ALBANO NOGUEIRA, VERA CECÍLIA PRADO ALBANO NOGUEIRA PERRONI, GUSTAVO KEUSCH ALBANO NOGUEIRA, PRISCILA HELENA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA FILETTI e GUILHERME PERCIVAL KEUSCH ALBANO NOGUEIRA e RODRIGO OTÁVIO HONORATO NOGUEIRA, JULGO EXTINTO O PROCESSO com fundamento no artigo 485, VI, do Código de Processo Civil. Ainda, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE esta ação de cobrança para o fim de condenar os réus ESPÓLIO DE JOSÉ PERCIVAL ALBANO NOGUEIRA e NORMA LIDIA KEUSCH ALBANO NOGUEIRA a pagar ao autor os valores das parcelas condominiais e encargos vencidos e não pagos desde março de 2007 até o ajuizamento desta ação, devem ser acrescidos ainda de correção monetária pela Tabela Prática do E. TJSP e de juros de mora de 1% ao mês, em ambos os casos desde o ajuizamento da ação". 

No julgamento da apelação interposta pelos ora recorrentes, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reformou a sentença, estabelecendo conforme abaixo se transcreve (fls. 345-348): 

"2) A ação de cobrança foi proposta em março de 2012, contra José Percival Albano Nogueira e Norma Lidia Keusch Albano Nogueira, que constam como usufrutuários na matrícula do imóvel que deu origem ao débito (fls. 44145), pretendendo o autor fossem eles condenados ao pagamento das despesas condominiais compreendidas entre setembro de 2003 e dezembro de 2011, bem como das parcelas vencidas no curso da demanda. (...) Pois bem. O encerramento do inventário, com a homologação da partilha, em outubro de 2014 (fl. 183), implicou extinção do espólio de José Percival Albano Nogueira, razão de ter sido determinada a adequação do polo passivo, a fim de nele serem incluídos os herdeiros, o que foi feito, ocorrendo a substituição processual, de forma que só os herdeiros, não mais o espólio, integravam o polo passivo do processo. Além disso, nunca houve citação do espólio de Norma Lidia Keusch Albano Nogueira, que, consoante foi informado pelos apelantes, falecera em meados de 1990. Apesar de o espólio de José Percival não mais integrar o processo e do de Norma nunca o ter integrado nem ter sido citado, a sentença os condenou ao pagamento das despesas inadimplidas, de forma que ela tem de ser anulada, sem necessidade, porém, de retorno dos autos à origem, porque o processo está em condições de imediato julgamento, o que passo a fazer, nos termos do artigo 1.013, § 3º, II, do atual CPC, uma vez que as questões suscitadas tratam apenas de matéria de direito, bem como por já ter sido atendido plenamente o contraditório. (...) José Percival Albano Nogueira e Norma Lidia Keusch Albano Nogueira não eram proprietários, mas usufrutuários do bem gerador das despesas condominiais, conforme consta da matrícula do imóvel (fls. 44145), cuja certidão instruiu a inicial da ação. Detentores da nua propriedade do box de garagem, consoante R.2 da matrícula n° 51.570, do 5° CRI de São Paulo, eram apenas Gustavo Augusto Keusch Albano Nogueira, Guilherme Percival Keusch Albano Nogueira e Priscila Helena Keusch Albano Nogueira (fls. 44vº), que, em razão da morte dos usufrutuários, receberam a integralidade da propriedade. Assim sendo e também porque o imóvel nunca integrou o patrimônio do espólio de José Percival, já que, repito, com sua morte os nus proprietários do bem - Gustavo, Guilherme e Priscila - passaram a ter sua propriedade integral, é induvidosa a ilegitimidade passiva da viúva Maria Helena Tovianskas Albano Nogueira e dos herdeiros filhos José Percival Albano Nogueira Júnior, Vera Cecília Prado Albano Nogueira Perroni e Rodrigo Otávio Honorato Nogueira, não sendo eles responsáveis pelo pagamento de nenhuma das despesas condominiais cobradas no processo, porque nunca foram nem são proprietários do imóvel que lhes deu origem. Dessa forma, reconheço a ilegitimidade passiva dos corréus Maria Helena Tovianskas Albano Nogueira, José Percival Albano Nogueira Júnior, Vera Cecília Prado Albano Nogueira Perroni e Rodrigo Otávio Honorato Nogueira – a quem o apelo aproveita –, assim como em relação a Norma Lidia Keusch Albano Nogueira, e, quanto a eles, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, na forma do art. 485, inc. VI, do CPC. Não custa repetir, a propósito, que o espólio de José Percival Albano Nogueira não mais integrava o processo, porque tinha sido substituído pela viúva e herdeiros filhos, sendo impertinente, portanto, a extinção do feito em relação a ele. 3) Por outro lado, os réus Gustavo, Priscila e Guilherme, únicos proprietários do bem, respondem com exclusividade pelas despesas condominiais em atraso, excetuadas aquelas atingidas pela prescrição, ou seja, as que se venceram até 15.3.2007, porque prescreve em cinco anos a ação de cobrança de cotas condominiais, conforme definiu a Colenda Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 18.8.11. (...) Diante disso, julgo parcialmente procedente o pedido inicial, e o faço para condenar os corréus Gustavo Augusto Keusch Albano Nogueira, Guilherme Percival Keusch Albano Nogueira e Priscila Helena Keusch Albano Nogueira Filetti, solidariamente, ao pagamento das despesas condominiais vencidas a partir de 16.3.2007, mais as que se vencerem no curso do processo até o cumprimento integral da obrigação, acrescidas de juros de mora à taxa legal de 1% ao mês, correção monetária e multa de 2%, desde os -- vencimentos de cada parcela, além das custas, despesas processuais e honorários advocatícios ao patrono do autor, que fixo em 10% sobre o valor total da condenação. Diante do exposto: (...) iii) julgo extinto o processo, sem exame do mérito, em relação aos corréus José Percival Albano Nogueira Júnior, Maria Helena Tovianskas Albano Nogueira, Vera Cecília Prado Albano Nogueira Perroni, Rodrigo Otávio Honorato Nogueira e Norma Lidia Keusch Albano Nogueira, nos termos do art. 485, VI, do CPC; iv) julgo parcialmente procedente o pedido quanto aos corréus Gustavo Keusch Albano Nogueira, Priscila Helena Keusch Albano Nogueira Filetti e Guilherme Percival Keusch Albano Nogueira, nos termos acima fixados"

3. Com efeito, convém logo anotar que foram significativas as alterações de institutos do Direito Processual Civil pelo Código de 2015, assim como a introdução de institutos novos, por isso reclamam interpretação, nos moldes realizados por esta Corte Superior, para a adaptação ao cotidiano doutrinário e judicial. 

Quanto à hipótese em debate, identifica-se, de pronto, a necessidade de "revisitar" o recurso de apelação e, principalmente, analisar os efeitos por ele produzidos, para compreender sua disciplina no novo ordenamento processual. 

Como de conhecimento, a apelação visa à obtenção de novo pronunciamento sobre a causa, com reforma total ou parcial da sentença do juiz de primeiro grau. Nessa extensão, “as questões de fato e de direito tratadas no processo, sejam de natureza substancial ou processual, voltam a ser conhecidas e examinadas pelo tribunal”. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Execução forçada, processo nos tribunais, recursos e direito intertemporal. v. III. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 595). 

Nesse rumo, importa ressaltar que a proeminência deste recurso se revela nas inúmeras possibilidades de discussões que ele proporciona, de natureza processual, fática ou jurídica, devolvendo-as, quando impugnadas, para reapreciação do Tribunal. 

A apelação é tirada contra sentença (art. 1.009, caput, CPC/2015), sendo que sua interposição pode compreender todos, ou apenas alguns, itens ou capítulos da decisão judicial recorrida, a depender da delimitação apresentada pelo recorrente na interposição do apelo, limitando, assim, a atuação do órgão ad quem na solução do mérito recursal. 

Acerca da teoria da sentença e de sua estrutura, Cândido Rangel Dinamarco, que se dedicou a obra específica sobre o tema, conceitua capítulos da decisão judicial como uma unidade elementar autônoma, no sentido de que cada um deles expressa uma deliberação específica; cada uma dessas deliberações é distinta das contidas nos demais capítulos e resulta da verificação de pressupostos próprios, que não se confundem com os pressupostos das outras. (Capítulos da sentença. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 34). 

Nessa linha, o professor Tauã Lima Rangel, Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense, destaca como base fundamental da teoria dos capítulos da sentença o reconhecimento de que, embora formalmente una, a decisão judicial pode abrigar diversos fragmentos decisórios quando analisada sob o aspecto material, tese, diga-se de passagem, cuja relevância não se restringe à academia, tendo em vista sua irrefutável contribuição para otimização da tramitação do processo judicial: "o que a teoria propõe é, indene de dúvidas, a operabilidade como caminho para se atingir eficiência na gestão do instrumental da jurisdição, e, nesse ponto, vai ao encontro de axiomas relevantíssimos à estruturação do ordenamento jurídico brasileiro" (A teoria dos capítulos de sentença no novo CPC: algumas reflexões sobre a temática. Revista Âmbito Jurídico. N. 164. ano XX. Set./2017). 

Destarte, tendo como norte a promoção de uma jurisdição efetiva, o Código novo assumiu o papel de instrumento viabilizador de uma justiça real, veículo de efetivação de direitos materiais, a qual ocorre quando da solução do conflito com enfrentamento do mérito e em tempo razoável. 

É bem verdade que o anunciado pela referida teoria não é obra do Código de Processo de 2015. No entanto, o novo diploma inovou ao conferir cientificidade àquela doutrina, mormente ao positivar o instituto do julgamento antecipado parcial do mérito, prevendo a pulverização de decisões ao longo do iter processual, que, antes, deveriam compor um único decisório (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016). 

A sistematização da sentença em capítulos guarda íntima relação com o estudo de um dos efeitos produzidos pela apelação, o denominado efeito devolutivo. 

Aliás, a meu ver, mais do que intimamente ligados, o fracionamento ideológico da decisão judicial constitui-se como premissa e, ao mesmo tempo, fundamento da extensão a que cumpre ao efeito devolutivo delimitar. 

Nesse rumo, da mesma forma que a propositura da demanda propicia a delimitação da res in iudicium deducta, é pela interposição do recurso, na produção de seu efeito devolutivo, que se dá a autorização ao tribunal para o exercício de seu poder jurisdicional. 

Por essa perspectiva é que se afirma que o efeito devolutivo causa "a restauração do poder jurisdicional já exercido na decisão e a sua consequente investidura no órgão competente" para julgar o recurso interposto (GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 53). E concluiu Enrico Liebman, em precisa lição, referenciado por Lucas Macêdo, que o efeito devolutivo é a passagem da causa, decidida pelo juiz inferior, à plena cognição do juiz superior (Efeito devolutivo e limites objetivos do juízo recursal: da irrelevância da causa de pedir recursal. Revista de Processo. v. 292. ano 44. São Paulo: Ed. RT, junho 2019, pp. 215-250). 

Na ordem dessas ideias, é mesmo o efeito devolutivo que define o que deverá ser analisado pelo órgão competente no julgamento do recurso. O "tamanho" dessa devolução se definirá por duas medidas: sua extensão e sua profundidade. Sobre essas "medidas" que dão forma ao efeito devolutivo, esclarece José Carlos Barbosa Moreira, com seu estilo inconfundível, que "delimitar a extensão do efeito devolutivo é precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem; medir-lhe a profundidade é determinar com que material há de trabalhar o órgão ad quem para julgar" (Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 429). 

Na lição de Humberto Theodoro Júnior, em consonância com o dispositivo processual que trata da matéria dentro do âmbito da devolução, o tribunal poderá apreciar todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas pela sentença recorrida. Adverte, todavia, que a extensão do que será analisado pelo órgão recursal será definida "pelo pedido do recorrente, visto que nenhum juiz ou órgão judicial pode prestar a tutela jurisdicional senão quando requerida pela parte". "Por isso, o art. 1.013 afirma que a apelação devolverá ao tribunal a 'matéria impugnada', o que quer dizer que, em seu julgamento, o acórdão deverá se limitar a acolher ou rejeitar o que lhe for requerido pelo apelante (...)". Assim, "é preciso estar atento, para não ofender o princípio da disponibilidade da tutela jurisdicional e o da adstrição do julgamento ao pedido (princípio da congruência)" (Op. cit. pp. 1.016-1.017). 

Acerca da questão, Pontes de Miranda já orientava que o pedido recursal é manifestação de vontade e, no campo dos recursos cíveis, "recorrer significa comunicar vontade de que o feito, ou parte do feito, continue conhecido, não se tendo, portanto, como definitiva a cognição incompleta, ou completa, que se operara" (Comentários ao Código de Processo Civil. T. VII. Rio de Janeiro: Forense, 1975. p. 4). 

4. Há de ser ressaltada, entretanto, a existência de parcela da doutrina que admite a superação dos limites impostos pela extensão do pedido recursal, permitindo-se, assim, a análise e julgamento pelo órgão ad quem de questões não impugnadas, com a possibilidade de serem reformadas ou anuladas, quando se tratar de matéria de ordem pública. 

O fundamento principal de que se valem os defensores da viabilidade de desconsiderar-se a delimitação operada pelo pedido do recorrente é o dever de pronunciar a nulidade de questões que devam ser conhecidas de ofício. 

Consoante exemplifica Nelson Nery, adepto desse entendimento: "é o caso em que é interposto recurso para a reforma de uma condenação e o tribunal anula toda a sentença por reconhecer a incompetência absoluta do juízo prolator do decisum" (Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 485). 

Não obstante, conforme pondera José Roberto dos Santos Bedaque, a posição dessa segunda linha de pensamento, se já parecia ser uma opção interpretativa incorreta, agora se tornou insustentável, diante da expressa limitação da extensão do efeito devolutivo disposta no caput e no § 1º do art. 1.013 do CPC/2015 (Apelação: questões sobre admissibilidade e efeitos. In: NERY JUNIOR, Nelson; ALVIM, Teresa Arruda (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT, 2003, v. 7, pp. 464-465). 

De fato, basta a leitura do dispositivo equivalente no CPC de 1973 para perceber a alteração sensível que se realizou na nova redação: 

Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. 

§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. 

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Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. 

§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado. 

Deveras, o diploma processual civil em vigor, a meu ver, é suficientemente claro ao estabelecer que "a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada", cabendo ao órgão ad quem apreciar e julgar "todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado". 

Na linha desse raciocínio, Rodrigo Barioni esclarece, ainda quando vigente o antigo dispositivo, que o texto legal possibilita o conhecimento pelo órgão ad quem de todo o material que estava à disposição do órgão judicante no momento de proferir a sentença (Efeito devolutivo da apelação. São Paulo: RT, 2007, p. 150). 

Elaborado o pedido recursal, tem-se a delimitação da questão ou capítulo que será objeto de análise e julgamento. Em relação ao que foi impugnado estará o tribunal autorizado a valer-se de razões ou argumentos que não foram necessariamente elencados na impugnação do recorrente, desde que se refiram e sejam relevantes ao julgamento da questão recorrida. 

No mesmo rumo do entendimento apresentado, o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), em seu enunciado n. 100, há muito destacou: 

100. (art. 1.013, § 1º, parte final) Não é dado ao tribunal conhecer de matérias vinculadas ao pedido transitado em julgado pela ausência de impugnação. (Grupo: Ordem dos Processos no Tribunal, Teoria Geral dos Recursos, Apelação e Agravo) 

5. De outra parte, importante enfatizar que, mesmo entre aqueles que admitem a apreciação e julgamento de questões de ordem pública, ainda que não tenham sido devolvidas ao órgão ad quem, é consenso, porque derivada de lição fundamental, a impossibilidade da reforma da decisão recorrida que prejudique a situação do recorrente, quando o recurso for apenas da parte que será prejudicada, salvo situações excepcionais previstas em lei (caso da majoração dos honorários sucumbenciais recursais, previsto no art. 85, § 11, CPC/2015). 

Destarte, conforme enfatiza Rogério Tucci, embora omisso o Código, a reformatio in pejus não é admitida, não se podendo perder de vista que "tanto quanto o juiz de primeira instância, o órgão colegiado de segundo grau, apesar de investido dos mesmos poderes para conhecer do processo e da lide, não pode manifestar-se sobre o que não constituía objeto do pedido (...), e já não pode mais subsistir qualquer dúvida sobre a vedação da reforma para pior" (Curso de direito processual – Processo civil de conhecimento – II. São Paulo: J. Bushastsky, 1976, p. 247). 

Na mesma toada, arremata Humberto Theodoro Júnior: 

Sobre a parte da sentença que não foi objeto de recurso pelo adversário do apelante, e que eventualmente poderia ser alterada em prejuízo deste, incidiu a coisa julgada, diante de inércia daquele a que a reforma da sentença favoreceria. Assim, não há se pensar em reformatio in pejus, já que qualquer providência dessa natureza esbarraria na res iudicata. (Op. cit. p. 1019). 

A propósito, este o entendimento desta Casa: 

PROCESSO CIVIL. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO É DADO AO TRIBUNAL, NO JULGAMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELO AUTOR, EXTINGUIR O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MERITO, EM FACE DA PROIBIÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS, QUE ABRANGE A PROVISÃO JURISDICIONAL DE OFICIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (REsp 65.376/MG, Rel. MIN. COSTA LEITE, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/08/1995, DJ 18/09/1995) 

RECURSO. Reformatio in pejus. Carência da ação. Julgamento de ofício. Embargos à arrematação. - O Tribunal não pode, de ofício, reconhecer a carência da ação de embargos e extinguir o processo, no recurso de agravo interposto pelo embargante para ampliar o efeito suspensivo concedido aos embargos. - Recurso conhecido e provido. (REsp 172.263/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/06/1999, DJ 29/05/2000)

CAUTELAR. MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA PARCIALMENTE. AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELOS REQUERENTES, VISANDO A AMPLIAR OS EFEITOS DA TUTELA ANTECIPATIVA. ACÓRDÃO QUE, DE OFÍCIO, DECRETA A EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM O CONHECIMENTO DO MÉRITO, EM RELAÇÃO A SEIS DELES. INADMISSIBILIDADE. 1. Interesse processual dos requerentes excluídos existente, dado que a Anapec fora afastada do polo ativo da demanda ajuizada anteriormente. 2. Ao Tribunal não é dado, de ofício, reconhecer a carência de ação e extinguir o processo sem o conhecimento do mérito, no recurso de agravo de instrumento manifestado pelos requerentes, visando a ampliar os efeitos da tutela antecipatória. Precedentes do STJ. 3. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 363.529/DF, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 17/02/2005, DJ 28/03/2005)

PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. EFEITO TRANSLATIVO. REFORMATIO IN PEJUS. IMPOSSIBILIDADE. RITO SUMÁRIO. ADOÇÃO. NULIDADE. PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA. INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. 1 - O efeito translativo do art. 515, §§ 1º e 2º, do CPC não autoriza reformatio in pejus, vale dizer, que o Tribunal, ao conhecer e negar provimento à única apelação do processo, ou seja, a do vencido até então na demanda, promova um agravamento da sua situação, conforme ocorre no caso presente, com a extinção do processo, sem julgamento de mérito, em face da impropriedade do rito processual. Precedentes do STJ. 2 - Ademais, afigura-se desarrazoado sepultar um processo iniciado há duas décadas porque adotado o rito sumaríssimo, hoje sumário, em lugar do ordinário, dando prevalência à forma em detrimento dos fins por ela colimados. Tem inteira aplicação o Princípio da Instrumentalidade das Formas se, como no caso presente, não se divisa a ocorrência de prejuízos para as partes, que puderam produzir provas em audiências fracionadas, dispensar a produção de outras e ainda apresentar razões finais escritas. 3 - Recurso especial conhecido em parte (letra "c") e, nesta extensão, provido para, reformando o acórdão recorrido, determinar a volta dos autos ao Tribunal de origem, para que julgue a apelação conforme entender de direito. (REsp 640.860/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2005, DJ 05/09/2005) 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO FLORESTAL CUMULADA COM CONDENAÇÃO EM PERDAS E DANOS. EFEITO TRANSLATIVO. INSTÂNCIA ESPECIAL. INAPLICABILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. EFEITO TRANSLATIVO DA APELAÇÃO. PRINCÍPIO DISPOSITIVO. CONEXÃO RECONHECIDA. INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE JULGAMENTO CONJUNTO. ART. 283 DO CPC. DOCUMENTO INDISPENSÁVEL À PROPOSITURA DA AÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ALEGAÇÃO DE EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO. NÃO COMPROVAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ. SENTENÇA CONDENATÓRIA. HONORÁRIOS. PERCENTUAL SOBRE A CONDENAÇÃO. LIMITES MÍNIMO E MÁXIMO. ART. 20, § 3º, DO CPC. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. PARÁGRAFOS 3º E 4º DO CPC. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. NÃO INFRINGÊNCIA. SUCUMBÊNCIA. REDISTRIBUIÇÃO. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. (...) 4. O efeito translativo da apelação, insculpido no artigo 515, § 1º, do CPC, aplicável geralmente às questões de ordem pública, não autoriza o conhecimento pelo julgador de matérias que deveriam ter sido suscitadas pelas partes no momento processual oportuno por força do princípio dispositivo do qual decorre o efeito devolutivo da apelação que limita a atuação do Tribunal às matérias efetivamente impugnadas. (...0 18. Recurso especial conhecido em parte e, na parte conhecida, não provido. (REsp 1484162/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/02/2015, DJe 13/03/2015) 

6. Outro ponto relevante, que impõe seja considerado e que toca diretamente ao caso concreto, diz respeito à bilateralidade do juízo, inerente à ideia de processo e à garantia constitucional do contraditório e do direito de defesa. 

Por certo, se, de um lado, não há dúvidas de que o juízo pode decidir a norma aplicável, mesmo sem provocação das partes e contra eventual interesse delas, definindo o correto enquadramento da controvérsia, de outro lado, parece mesmo irrefutável o compromisso com a promoção de princípios fundamentais que são parte indissociável do processo. 

Ora, é intuitivo concluir que a solução de questão estranha ao que fora estabelecido pelo recorrente – mesmo que exclusivamente referente à matéria de ordem pública –, ao ensejo de decidir o processo ou algum incidente no seu curso, comprometerá a efetividade do contraditório. 

É que o entendimento contemporâneo do contraditório o define como prerrogativa de "participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questão de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa", uma vez que "o escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento do processo" (FREITAS, José Lebre de. Introdução ao Processo Civil. Conceito e princípios gerais. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, pp. 96-97). 

No caso dos autos, ainda que se considere como capítulo da sentença a legitimidade passiva da causa, analisada de forma geral, independentemente do réu em relação ao qual se estaria atribuindo essa condição, penso que o julgamento proferido pelo tribunal paulista estaria, ainda assim, maculado pela desobediência à realização do contraditório. 

Noutros termos, mesmo considerando que o fato de os apelantes terem impugnado a legitimidade passiva do ESPÓLIO tenha sido suficiente para devolver ao tribunal a análise da questão "legitimidade passiva", haveria de se reconhecer a nulidade do julgamento por não ter sido dada oportunidade aos recorrentes de manifestarem-se a respeito de matéria cujo julgamento poderia ser-lhes prejudicial. 

7. Cumpre acrescentar, por oportuno, outro viés impeditivo do julgamento pelo órgão ad quem fora dos limites apresentados pelo autor do recurso, sem que haja respeito ao contraditório. É que, ainda que se pretenda valer-se da teoria da causa madura, prestigiada de modo explícito no § 3º do art. 1.013 do CPC, para fundamentar o julgamento da apelação na extensão proposta pelo tribunal paulista, a falta do contraditório acerca da questão decidida se apresentaria, agora, como barreira ao próprio cumprimento daquela teoria. 

Confira-se, uma vez mais, o teor do dispositivo referenciado: 

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. (...) 

§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: 

I - reformar sentença fundada no art. 485 

II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir; 

III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo; 

IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação. 

Efetivamente, conforme se percebe da simples leitura do dispositivo, nas situações descritas nos seus incisos, ao tribunal será permitido julgar o recurso, decidindo, desde logo, o mérito da causa, sem necessidade de requisitar ao juízo de primeiro grau manifestação acerca daquelas questões, providência já permitida, diga-se de passagem, na sistemática processual regida pelo diploma de 1973 (§ 3º, art. 515). 

Todavia, conforme nos ensina, uma vez mais, Humberto Theodoro Júnior, para considerar-se madura a causa, não basta, por exemplo, que a questão de mérito a ser decidida seja apenas de direito. "Mesmo que não haja prova a ser produzida, não poderá o Tribunal enfrentá-la no julgamento da apelação formulada contra a sentença terminativa, se uma das partes ainda não teve oportunidade processual adequada de debater a questão de mérito. Estar o processo em condições de imediato julgamento significa, em outras palavras, não apenas envolver o mérito da causa questão só de direito que se deve levar em conta, mas também a necessidade de cumprir o contraditório" (Curso de direito processual civil - excecução forçada, processos nos tribunais, recursos e direito intertemporal. v. III. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1.020). 

No rumo desse raciocínio, considerando-se indispensável o contraditório para configuração da causa madura, já acenava o entendimento desta Corte: 

PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DE VIZINHANÇA. RECURSO ESPECIAL. USO DE ÁGUA DE NASCENTE DE OUTRO PRÉDIO. APRECIAÇÃO DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. ARTIGO 515, § 3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO DO MÉRITO DA CAUSA PELO TRIBUNAL, CASO TENHA SIDO PROPICIADO O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA, COM REGULAR E COMPLETA INSTRUÇÃO DO PROCESSO. POSSIBILIDADE. ACORDO, HOMOLOGADO EM JUÍZO PARA SOLUCIONAR CONFLITO, PREVENDO O USO DA ÁGUA DE PRÉDIO DE VIZINHO, NOS MOLDES DO DISPOSTO NO CÓDIGO DE ÁGUAS. DESCONSTITUIÇÃO DO ACORDO, TENDO EM VISTA O ULTERIOR FORNECIMENTO DE ÁGUA NA LOCALIDADE POR CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE PROPRIEDADE PELO EXERCÍCIO DE DIREITO DE VIZINHANÇA DE CARÁTER PRECÁRIO. USUCAPIÃO. DESCABIMENTO. 1. Embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição Federal, para que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional. 2. A interpretação do artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil deve ser realizada de forma sistemática, tomando em consideração o artigo 330, I, do mesmo Diploma. Com efeito, o Tribunal, caso propiciado o contraditório e a ampla defesa, com regular e completa instrução do processo, deve julgar o mérito da causa, mesmo que para tanto seja necessária apreciação do acervo probatório. (...) 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, não provido. (REsp 1179450/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 28/05/2012) 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. DESPESAS DE MANUTENÇÃO DE CONDOMÍNIO DE FATO. SENTENÇA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO DE APELAÇÃO. TEORIA DA CAUSA MADURA. INAPLICABILIDADE. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. 1. Cuida-se, na origem, de ação de cobrança de despesas de manutenção de condomínio de fato (irregular). 2. Segundo a jurisprudência deste Tribunal, o julgamento da lide, na forma do art. 515, § 3º, do CPC/73, é admitido quando, reformada a sentença de extinção do processo sem resolução do mérito, a causa versar sobre questão de direito, ou de direito e fato, e estiver madura para imediata apreciação. 3. Entende-se, entrementes, que a demanda se encontra pronta para julgamento "quando instaurada a relação processual e encerrada a necessária instrução do processo, assegurado às partes o amplo direito de deduzir alegações, de requerer a produção das provas que entender necessárias para demonstrar o próprio direito material e de impugnar as teses e as provas apresentadas pela parte contrária" (REsp 1.340.800/CE, 4ª Turma, DJe de 04/12/2017). 4. Hipótese em que a demanda versa sobre questões de fato e de direito, porém não houve prévia dilação probatória a autorizar o imediato julgamento da lide pelo Tribunal, caracterizando-se, destarte, o cerceamento de defesa em desfavor da parte ré. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 751.507/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/03/2019, DJe 27/03/2019) 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. OMISSÕES, OBSCURIDADES E CONTRADIÇÕES INEXISTENTES. TEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS. SÚMULA N. 7 DO STJ. TEORIA DA CAUSA MADURA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. (...) 4. A teoria da causa madura, disciplinada no art. 515, § 3º, do CPC/1973, não pode ser aplicada quando ausente a citação do réu, ao qual nem mesmo foi deferido prazo para contestar a ação. A simples apresentação de contrarrazões à apelação do autor, sem produzir provas, afirmando tão somente a intempestividade dos embargos de terceiro, a ilegitimidade ativa e a litigância de má-fé da embargante não viabiliza a utilização da referida teoria, pena de cercear o direito à ampla defesa. (...) 7. Recurso especial conhecido em parte e provido também parcialmente. (REsp 1340800/CE, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 04/12/2017) 

8. Por fim, mas não menos relevante, deve ser salientado que há no Código Processual de 2015 uma regra geral, positivada em seu art. 10, no sentido da indispensável observância da participação qualificada das partes na formação do juízo decisório. Confira-se: 

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. 

Na linha desse entendimento, Estévão Mallet assevera que não se permite ao juiz decidir mediante fundamento ainda não submetido à manifestação das partes, ainda que a questão tenha sido debatida amplamente. Na sequência, pondera o autor: 

Se as partes não puderem discutir e debater potencial enquadramento jurídico da controvérsia, a ser feito de ofício pelo juízo, ou a aplicação de uma norma, cuja incidência no caso nunca foi aventada no processo, ou, ainda, determinada questão considerada de ordem pública, em termos práticos sofrerão sensível limitação ao contraditório. Ficam privadas, ao fim e ao cabo, da efetiva possibilidade influir no convencimento do juízo, inclusive alterando o encaminhamento que se pretende dar ao processo ou o seu desfecho. (...) A utilização pelo juiz, apenas quando do julgamento, de elementos estranhos ao que se debateu no processo – pouco importa trate-se de elementos de fato ou de direito, matéria de ordem pública que seja – produz o que a doutrina e os tribunais especialmente os europeus, chamam de "decisão-surpresa", "decisão solitária" ou, ainda, "sentença de terceira via". Tendo em conta a compreensão atual do contraditório, é algo que se considera inadmissível. (MALLET, Estevão. Notas sobre o problema da chamada “decisão-surpresa". In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. n. 109, jan./dez. 2014, p. 389-414). 

No mesmo sentido da legislação e doutrina pátria, a título ilustrativo, sublinhe-se que no direito português, o vigente Código de Processo Civil, aprovado em 2013, repetindo o que já constava no anterior, estabelece, no art. 3º, n. 3, que "o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem" (https://dre.pt/legislacao-consolidada/-/lc/34580575/view). 

Regras de semelhante conteúdo são encontradas no Code de Procédure Civile francês, também conhecido, ainda hoje, como Nouveau Code de Procédure Civile, embora em vigor há mais de três décadas. Seu art. 16 preceitua: "o juiz deve, em todas as circunstâncias, zelar pela observância do princípio do contraditório (...) não sendo possível basear sua decisão nos fundamentos jurídicos que identificou ex officio, sem antes ter convocado as partes a apresentarem as suas observações" (https://www.dalloz.fr/documentation/Document?id=NCPC&scrll=NCPC000191) 

Da jurisprudência desta Casa, sobre a matéria, transcrevo a ementa de recente julgado relatado pela ilustre Ministra Isabel Gallotti: 

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS. INCORPORAÇÃO DE REDE PARTICULAR DE ENERGIA ELÉTRICA. PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA. AUSÊNCIA DE OFENSA. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. VINTENÁRIA OU TRIENAL. TERMO INICIAL. MOMENTO DA INCORPORAÇÃO. ENTENDIMENTO ADOTADO NESTA CORTE. VERBETE 83 DA SÚMULA DO STJ. TEORIA DA CAUSA MADURA. NÃO APLICAÇÃO. ARTS. 515, § 1°, E 516 DO CPC/73. IMPOSSIBILIDADE. INDENIZAÇÃO. DEFERIMENTO. REVISÃO. NÃO CABIMENTO. TESES DO RECURSO ESPECIAL QUE DEMANDAM REEXAME DE CONTEXTO FÁTICO E PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA N° 7/STJ. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO. ARTIGO 1.021, § 1º, DO CPC E SÚMULA N. 182/STJ. NÃO PROVIMENTO. 1. O "fundamento" ao qual se refere o art. 10 do CPC/2015 é o fundamento jurídico - circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação - não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria). A aplicação do princípio da não surpresa não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame da causa. O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure. 2. O Tribunal de origem julgou nos moldes da jurisprudência pacífica desta Corte. Incidente, portanto, o enunciado 83 da Súmula do STJ. 3. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 4. Nos termos do art. 1021, § 1º, do Código de Processo Civil/2015 e da Súmula 182/STJ, é inviável o agravo interno que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1701258/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 29/10/2018)

9. Assim, conclui-se pela violação do art. 1.013 do CPC/2015, uma vez que o acórdão, ao anular a sentença de primeira instância, de ofício, procedeu à análise de mérito da causa, proferindo decisão desfavorável aos recorrentes, que haviam sido excluídos do feito por ilegitimidade passiva, passando, então, a responsáveis pelo pagamento do débito condominial, caracterizando-se indevida reformatio in pejus. 

Nessa extensão, tendo em vista que o efeito prático do reconhecimento da nulidade do acórdão recorrido será a declaração da ilegitimidade passiva dos ora recorrentes, conforme decidido pela sentença, fica prejudicada a análise das demais impugnações que pretendiam comprovar a irresponsabilidade pelo débito condominial a que haviam sido condenados pelo tribunal paulista. 

10. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para anular o acórdão recorrido, restabelecendo a sentença de primeiro grau em todos os termos em que proferida, prejudicadas as demais questões recursais. 

É o voto. 

16 de abril de 2021

Princípios dos Recursos: Unirrecorribilidade, Unicidade ou Singularidade

Princípios dos Recursos: Voluntariedade e Dialeticidade ou discursividade

Princípios dos Recursos: Fungibilidade

Princípios dos Recursos: Proibição da "reformatio in pejus"

11 de abril de 2021

RECURSOS; TEMPESTIVIDADE; FERIADO LOCAL - A tese firmada por ocasião do julgamento do REsp 1.813.684/SP é restrita ao feriado de segunda-feira de carnaval

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2020/06/info-666-stj.pdf

RECURSOS - A tese firmada por ocasião do julgamento do REsp 1.813.684/SP é restrita ao feriado de segunda-feira de carnaval 

A parte, ao apresentar recurso especial ou recurso extraordinário, tem o ônus de explicar e comprovar que, na instância de origem, era feriado local ou dia sem expediente forense? SIM. O art. 1.003, § 6º, do CPC/2015 trouxe expressamente um dispositivo dizendo que a comprovação do feriado local deverá ser feita, obrigatoriamente, no ato de interposição do recurso: “O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso.” Assim, a comprovação da ocorrência de feriado local deve ser feita no ato da interposição do recurso, sendo intempestivo quando interposto fora do prazo previsto na lei processual civil. Esse entendimento acima explicado está sujeito a alguma modulação de efeitos? Em regra: não. Depois da entrada em vigor do CPC/2015, a comprovação da ocorrência de feriado local deve ser feita no ato da interposição do recurso, sendo intempestivo quando interposto fora do prazo previsto na lei processual civil. Esse entendimento está em vigor desde o início da vigência do CPC/2015 e não se submete a modulação de efeitos. Exceção: no caso do feriado de segunda-feira de carnaval, há uma modulação dos efeitos. Segunda-feira de carnaval não é um feriado nacional. No entanto, em diversos Estados, tratase de feriado local. • Se o recurso especial foi interposto antes de 18/11/2019 (data de publicação do REsp 1.813.684-SP) e a parte não comprovou que segunda-feira de carnaval era feriado no Tribunal de origem: é possível a abertura de vista para que a parte comprove isso mesmo após a interposição do recurso, sanando o vício. • Se o recurso especial foi interposto depois de 18/11/2019 (data de publicação do REsp 1.813.684-SP) e a parte não comprovou que segunda-feira de carnaval era feriado no Tribunal de origem: não é possível a abertura de vista para que a parte comprove esse feriado, ou seja, o vício não pode mais ser sanado. STJ. Corte Especial. QO no REsp 1813684/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/02/2020 (Info 666). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João ajuizou ação contra Pedro, tendo o pedido sido julgado improcedente. O autor interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve a sentença. Ainda inconformado, João interpôs recurso especial contra o acórdão do TJ. Como se sabe, o recurso especial é interposto no Tribunal de origem, ou seja, no juízo a quo (recorrido) e não diretamente no juízo ad quem (STJ). Isso está previsto no art. 1.029 do CPC: 

Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: (...) 

A parte recorrida (em nosso exemplo, Pedro) será intimada para apresentar suas contrarrazões. Após, o Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal (isso vai depender do regimento interno), em decisão monocrática, irá fazer um juízo de admissibilidade do recurso especial: 

Se o juízo de admissibilidade for POSITIVO 

Significa que o Presidente (ou Vice) do Tribunal entendeu que os pressupostos do REsp estavam preenchidos e, então, remeterá o recurso para o STJ. 

Contra esta decisão, não cabe recurso, considerando que o STJ ainda irá examinar novamente esta admissibilidade.

Se o juízo de admissibilidade for NEGATIVO 

Significa que o Presidente (ou Vice) do Tribunal entendeu que algum pressuposto do REsp não estava presente e, então, não admitirá o recurso. 

Contra esta decisão, a parte prejudicada poderá interpor recurso. 

Voltando ao nosso caso concreto: 

O prazo para interpor recurso especial é de 15 dias úteis. João interpôs o recurso especial no último dia do prazo. Na conferência para verificar se João interpôs o recurso dentro do prazo, pode-se cair em uma armadilha e achar que ele perdeu o prazo. Isso porque no período entre a intimação do acórdão e a interposição do recurso, um dos dias foi feriado estadual (ou seja, dia não útil). Assim, se a pessoa que está conferindo a tempestividade não desconsiderar esse dia, achará que João perdeu o prazo e que interpôs o REsp no 16º dia útil. No entanto, conforme expliquei, um desses dias era feriado local (feriado estadual) e, dessa forma, esse dia tem que ser excluído da contagem do prazo. Repetindo: tirando sábados e domingos, João interpôs o recurso no 16º dia. Ocorre que um desses dias foi feriado estadual. Logo, esse dia tem que ser excluído da contagem (porque não é dia útil). Isso significa que 

João interpôs o recurso no 15º dia útil e, portanto, o REsp é tempestivo. João, ao apresentar o REsp, tem o ônus de explicar e comprovar que, na instância de origem, era feriado local ou dia sem expediente forense? Em outras palavras, João tem o ônus de comprovar que houve um feriado local e, portanto, o recurso é tempestivo? 

Na vigência do CPC/1973: 

A parte, mesmo que não demonstrasse no momento da interposição do recurso que havia esse feriado local, poderia comprovar depois. Assim, era possível a comprovação posterior da tempestividade de recurso no STJ ou no STF quando o recurso houvesse sido julgado intempestivo em virtude de feriados locais ou de suspensão de expediente forense no tribunal a quo. Esse era o entendimento do STJ: AgRg no AREsp 137.141-SE, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 19/9/2012. 

Na égide do CPC/2015: 

O cenário acima mudou. O CPC/2015 trouxe expressamente um dispositivo dizendo que a comprovação do feriado local deverá ser feita, obrigatoriamente, no ato de interposição do recurso. Veja: Art. 1.003 (...) § 6º O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso. 

O que o STJ decidiu sobre esse dispositivo? 

A Corte Especial do STJ, no dia 02/10/2019, ao julgar o REsp 1.813.684-SP, decidiu que: - realmente, o CPC/2015 exige, de forma muito clara, a comprovação do feriado local no ato de interposição do recurso. - ocorre que, durante muitos anos, não foi assim. Houve, portanto, uma radical mudança e, em virtude disso, seria razoável fixar uma modulação dos efeitos desse entendimento, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da isonomia e da primazia da decisão de mérito. Assim, foi estabelecida a seguinte regra de transição: 

• Para os recursos especiais interpostos antes de 18/11/2019 (data de publicação do REsp 1.813.684-SP): é possível a abertura de vista para que a parte comprove a suspensão do prazo em virtude de feriado local após a interposição do recurso, sanando o vício. 

• Para recursos interpostos depois de 18/11/2019: prevalece a necessidade de comprovar o feriado no momento da interposição do recurso, sendo impossível a sua posterior comprovação em razão de ser vício insanável. STJ. Corte Especial. REsp 1.813.684-SP, Rel. Min. Raul Araújo, Rel. p/ Acórdão Min. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/10/2019. 

Foi isso que constou na ementa oficial do julgado: 

(...) 1. O novo Código de Processo Civil inovou ao estabelecer, de forma expressa, no § 6º do art. 1.003 que “o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso”. A interpretação sistemática do CPC/2015, notadamente do § 3º do art. 1.029 e do § 2º do art. 1.036, conduz à conclusão de que o novo diploma atribuiu à intempestividade o epíteto de vício grave, não havendo se falar, portanto, em possibilidade de saná-lo por meio da incidência do disposto no parágrafo único do art. 932 do mesmo Código. 

2. Assim, sob a vigência do CPC/2015, é necessária a comprovação nos autos de feriado local por meio de documento idôneo no ato de interposição do recurso. 

3. Não se pode ignorar, todavia, o elastecido período em que vigorou, no âmbito do Supremo Tribunal Federal e desta Corte Superior, o entendimento de que seria possível a comprovação posterior do feriado local, de modo que não parece razoável alterar-se a jurisprudência já consolidada deste Superior Tribunal, sem se atentar para a necessidade de garantir a segurança das relações jurídicas e as expectativas legítimas dos jurisdicionados. 

4. É bem de ver que há a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões em casos excepcionais, como instrumento vocacionado, eminentemente, a garantir a segurança indispensável das relações jurídicas, sejam materiais, sejam processuais. 

5. Destarte, é necessário e razoável, ante o amplo debate sobre o tema instalado nesta Corte Especial e considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da isonomia e da primazia da decisão de mérito, que sejam modulados os efeitos da presente decisão, de modo que seja aplicada, tão somente, aos recursos interpostos após a publicação do acórdão respectivo, a teor do § 3º do art. 927 do CPC/2015. (...) 

STJ. Corte Especial. REsp 1.813.684-SP, Rel. Min. Raul Araújo, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/10/2019 (Info 660). 

No informativo oficial 660 do STJ também constou essa mesma conclusão: “É necessária a comprovação de feriado local no ato de interposição do recurso, sendo aplicável os efeitos desta decisão tão somente aos recursos interpostos após a publicação do REsp 1.813.684/SP.” 

ATENÇÃO AGORA. O julgado acima foi alterado em questão de ordem 

No dia 03/02/2020, a Corte Especial apreciou uma questão de ordem envolvendo este mesmo processo acima. O STJ afirmou que a ementa do julgado ficou mais ampla do que aquilo que foi decidido. Isso porque o STJ havia decidido apenas sobre um caso específico: o feriado de segunda-feira de carnaval. Segunda-feira de carnaval não é um feriado nacional. No entanto, em diversos Estados, trata-se de feriado local. Assim, a modulação de efeitos prevista no REsp 1.813.684-SP só vale para o feriado de segunda-feira de carnaval e não se aplica aos demais feriados, inclusive aos feriados locais. 

Veja a ementa da questão de ordem: 

(...) 1- O propósito da presente questão de ordem é definir, diante da contradição entre as notas taquigráficas e o acórdão publicado no DJe de 18/11/2019, se a modulação de efeitos deliberada na sessão de julgamento do recurso especial, ocasião em que se permitiu a posterior comprovação da tempestividade de recursos dirigidos a esta Corte, abrange especificamente o feriado da segunda-feira de carnaval ou se diz respeito a todos e quaisquer feriados. 

2- Havendo contradição entre as notas taquigráficas e o voto elaborado pelo relator, deverão prevalecer as notas, pois refletem a convicção manifestada pelo órgão colegiado que apreciou a controvérsia. Precedentes. 

3- Consoante revelam as notas taquigráficas, os debates estabelecidos no âmbito da Corte Especial, bem como a sua respectiva deliberação colegiada nas sessões de julgamento realizadas em 21/08/2019 e 02/10/2019, limitaram-se exclusivamente à possibilidade, ou não, de comprovação posterior do feriado da segunda-feira de carnaval, motivada por circunstâncias excepcionais que modificariam a sua natureza jurídica de feriado local para feriado nacional notório. 

4- Tendo o relator interpretado que a tese firmada por ocasião do julgamento colegiado do recurso especial também permitiria a comprovação posterior de todo e qualquer feriado, é admissível, em questão de ordem, reduzir a abrangência do acórdão. 

5- Questão de ordem resolvida no sentido de reconhecer que a tese firmada por ocasião do julgamento do REsp 1.813.684/SP é restrita ao feriado de segunda-feira de carnaval e não se aplica aos demais feriados, inclusive aos feriados locais. 

STJ. Corte Especial. QO no REsp 1813684/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/02/2020. 

Desse modo, o que vale é o seguinte: 

• depois da entrada em vigor do CPC/2015, a comprovação da ocorrência de feriado local deve ser feita no ato da interposição do recurso, sendo intempestivo quando interposto fora do prazo previsto na lei processual civil. Esse entendimento está em vigor desde o início da vigência do CPC/2015 e não se submete a modulação de efeitos. 

• no caso do feriado de segunda-feira de carnaval (e apenas neste), aplica-se a modulação dos efeitos prevista no REsp 1813684/SP. STJ. Corte Especial. QO no REsp 1813684/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/02/2020 (Info 666). 

(...) 1. Preceitua o art. 1.003, § 6º do Código Fux que o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso. Interpretar a norma de forma restritiva acabaria por imprimir retrocesso ao justo entendimento já consolidado nesta Corte, que é o de oportunizar à parte a comprovação do feriado local, de forma a afastar a intempestividade de seu recurso, mesmo depois de aforada a petição recursal. 

2. Entretanto, considerando a função constitucional desta Corte de uniformização da jurisprudência pátria, ressalvo meu ponto de vista, para acompanhar o entendimento firmado por este Tribunal no AREsp. 957.821/MS, julgado pela Corte Especial, de que a comprovação da existência de feriado local deve ocorrer no ato de interposição do respectivo recurso, nos termos do art. 1.003, § 6º do Código Fux, não se admitindo a comprovação posterior. 

(...) 4. No julgamento do REsp. 1.813.684/SP, em 2.10.2019, a Corte Especial reafirmou o entendimento segundo o qual é necessária a comprovação nos autos de feriado local por meio de documento idôneo no ato de interposição do recurso. Contudo, decidiu-se modular os efeitos da decisão, de modo que a tese firmada seja aplicada tão somente aos recursos interpostos após a publicação do acórdão respectivo. Assim, para os recursos interpostos anteriormente deve ser oportunizada à parte recorrente a possibilidade de regularização do pleito recursal. Destaca-se ainda que, em Questão de Ordem no aludido REsp., a Corte Especial estabeleceu que a modulação de efeitos e a possibilidade de comprovação posterior da tempestividade dos recursos não se aplicaria a todos feriados locais, mas apenas à segundafeira de Carnaval, o que não é o caso dos autos. (...) STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1526342/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 30/03/2020.