RECURSO ESPECIAL Nº 1.729.143 - PR (2018/0054020-7)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
PROPORCIONAL DIFERIDO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO
CONFIGURADA. ART. 941, § 3º, CPC/15. ACÓRDÃO. AUSÊNCIA DE JUNTADA
DOS VOTOS DIVERGENTES. NULIDADE CONFIGURADA. REPUBLICAÇÃO.
JULGAMENTO: CPC/15.
1. Ação de concessão de benefício previdenciário proporcional diferido,
ajuizada em 29/06/2012, da qual foi extraído o presente recurso especial,
interposto em 13/06/2017 e distribuído ao gabinete em 13/03/2018.
2. O propósito recursal é decidir sobre: a) a negativa de prestação
jurisdicional; b) a nulidade do acórdão, em virtude de não terem sido
juntados os votos vencidos; c) o julgamento fora do pedido (extra petita); d)
a ilegitimidade passiva do HSBC BANK BRASIL S.A. - BANCO MÚLTIPLO; e) a
legislação aplicável à espécie acerca da concessão do benefício
previdenciário proporcional diferido (BPD).
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, estando
suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a
prestação jurisdicional, não se vislumbra a alegada violação do art. 1.022, I
e II, do CPC/15.
4. A razão de ser do § 3º do art. 941 do CPC/15 está ligada, sobretudo, à
exigência de fundamentação, inerente a todas as decisões judiciais, nos
termos do art. 93, IX, da Constituição Federal e, em consequência, à
observância do direito fundamental ao devido processo legal, na medida em
que, na perspectiva endoprocessual, a norma garante às partes o
conhecimento integral do debate prévio ao julgamento, permitindo o
exercício pleno da ampla defesa, e, na perspectiva extraprocessual, confere
à sociedade o poder de controlar a atividade jurisdicional, assegurando a
independência e a imparcialidade do órgão julgador.
5. A inobservância da regra do § 3º do art. 941 do CPC/15 constitui vício de
atividade ou erro de procedimento (error in procedendo), porquanto não diz
respeito ao teor do julgamento em si, mas à condução do procedimento de
lavratura e publicação do acórdão, já que este representa a materialização do respectivo julgamento.
5. Hipótese em que há nulidade do acórdão, por não conter a totalidade dos
votos declarados, mas não do julgamento, pois o resultado proclamado
reflete, com exatidão, a conjunção dos votos proferidos pelos membros do
colegiado.
6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar parcial provimento
ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo
de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). JULIO CESAR BROTTO, pela parte
RECORRENTE: MULTIBRA FUNDO DE PENSAO. Dr(a). JULIO CESAR BROTTO, pela parte
RECORRENTE: HSBC BANK BRASIL S.A. - BANCO MÚLTIPLO.
Brasília (DF), 12 de fevereiro de 2019(Data do Julgamento)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):
Cuida-se de recurso especial interposto por MULTIBRA FUNDO DE
PENSAO e HSBC BANK BRASIL S.A. - BANCO MÚLTIPLO, fundado, exclusivamente,
na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/PR.
Ação: de concessão de benefício previdenciário, ajuizada pelo
recorrido em face dos recorrentes, na qual pleiteia o benefício proporcional
diferido (BPD).
Sentença: o Juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido.
Acórdão: o TJ/PR, por maioria, deu provimento à apelação interposta
pelo recorrido, para declarar o seu direito ao BPD e condenar os recorrentes ao
pagamento dos proventos mensais e das parcelas atrasadas, desde a data da
aposentadoria. Eis a ementa do acórdão:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DIFERIDO - PLANO DE BENEFÍCIO APABA - PATROCÍNIO DA FUNDAÇÃO DO BANCO
BAMERINDUS S/A - AQUISIÇÃO DO HSBC BANK BRASIL S/A E ADMINISTRADO PELO
HSBC FUNDO DE PENSÃO - DIREITO DO PARTICIPANTE AO RECEBIMENTO DO
BENEFÍCIO PROPORCIONAL DIFERIDO - INCIDÊNCIA DAS NORMAS VIGENTES E DO
REGULAMENTO NO MOMENTO DO PREENCHIMENTO DE TODOS OS REQUISITOS
DA APOSENTADORIA - BENEFÍCIO QUE SOMENTE PODERÁ SER EXIGIDO QUANDO
REUNIDOS OS PRESSUPOSTOS LEGAIS - EX-FUNCIONÁRIO QUE FOI ADMITIDO NO
BANCO BAMERINDUS DO BRASIL S/A EM DATA ANTERIOR A 04 DE MAIO DE 1977 E
QUE SE APOSENTOU PERANTE O REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL EM 2010 - APLICABILIDADE PLENA DO REGULAMENTO DO PLANO DE BENEFÍCIOS APABA/2003 - PRECEDENTES - INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA - RECURSO
DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO.
Embargos de declaração: opostos pelos recorrentes, foram
rejeitados. O acórdão está ementado nestes termos:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - AUSÊNCIA DE VÍCIO, OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO
NO JULGADO - ARGUIÇÃO DE INSURGÊNCIA REFERENTE AO VOTO VENCIDO QUE
NÃO PODE SER APRECIADA PELO RELATOR - EMBARGOS NÃO CONHECIDOS NESTA
PARTE - PRETENSÃO DE REDISCUSSÃO DA MATÉRIA - IMPOSSIBILIDADE - ERRO
MATERIAL - ACÓRDÃO MODIFICADO PARA ALTERAR DATA PRESENTE NO CORPO DO
ACÓRDÃO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDOS E, NESTA
PARTE, PARCIALMENTE ACOLHIDOS PARA SUPRIR ERRO MATERIAL, SEM EFEITOS
INFRINGENTES.
Recurso especial: aponta violação do art. 1.022, I e II, 941, § 3º, 485,
VI e § 3º, do CPC/15, do art. 267, VI e § 3º, do CPC/73, do art. 6º, caput, da LINDB,
do art. 42, V, §§ 10 e 11, da Lei 6.435/77, do art. 31 do Regulamento 81.240/78, do
art. 14 da LC 109/2001.
A par da negativa de prestação jurisdicional, suscita a nulidade do
acórdão impugnado em virtude da ausência dos votos vencidos.
Sustenta a ilegitimidade do HSBC BANK BRASIL S.A. - BANCO
MÚLTIPLO por ser este "mero patrocinador do fundo" e que "eventuais obrigações
por ele assumidas no 'Instrumento Particular de Assunção de Obrigações
Previdenciárias' foram extintas com a criação do HSBC FUNDO DE PENSÃO e a
edição do novo regulamento de benefícios, o qual impõe a ele a gestão e
administração do APABA". Acrescenta que, "nos termos do art. 2º da LC
109/20016 e do art. 1º da Lei 6435/777, somente as entidades de previdência
complementar podem administrar tais planos" (fls. 604-605, e-STJ).
Defende que "os participantes somente fariam jus ao benefício 'de
acordo com as normas do plano a que estejam vinculados', que, no caso, é o
Regulamento de 1968, vigente quando do desligamento do Recorrido, que ocorreu em 1998" (fl. 608, e-STJ).
Afirma que "a Lei 6.435/77 somente previa o Beneficio Proporcional
Diferido aos empregados que contribuíssem para o plano (art. 42, V12 e 31 do
Regulamento 81.240/7813) e é incontroverso que o APABA era um plano custeado
integralmente pelo empregador" (fl. 608, e-STJ).
Alega que "o Tribunal não poderia fazer retroagir o Regulamento de
2003 ou a própria Lei 109/2001 ou a Resolução MPS/CGPC de 30/10/2003 - para
fornecer ao Recorrido benefício que nem sequer era previsto na legislação e no
regulamento vigentes quando de seu desligamento dos quadros do HSBC" (fl. 610,
e-STJ).
Assevera, por fim, que "o Recorrido se aposentou pela previdência
apenas em 2010, sendo que, nessa ocasião, já não tinha qualquer direito ao APABA
de acordo com a lei e o regulamento vigentes na época em que ele saiu do Banco,
ou qualquer vínculo, trabalhista ou previdenciário, com os Recorrentes desde
1998" (fls. 612-613, e-STJ).
Juízo prévio de admissibilidade: o recurso especial foi admitido
pelo TJ/PR.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):
O propósito recursal é decidir sobre: a) a negativa de prestação
jurisdicional; b) a nulidade do acórdão, em virtude de não terem sido juntados os
votos vencidos; c) o julgamento fora do pedido (extra petita); d) a ilegitimidade
passiva do HSBC BANK BRASIL S.A. - BANCO MÚLTIPLO; e) a legislação aplicável à
espécie acerca da concessão do benefício previdenciário proporcional diferido
(BPD).
1. DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
No que tange às alegações de omissão e contradição no acórdão
recorrido, relativas à ausência de juntada dos votos vencidos, aos critérios para
liquidação do julgado (juros e correção monetária), ao julgamento fora do pedido
(extra petita), à ilegitimidade do HSBC BANK BRASIL S.A. - BANCO MÚLTIPLO e à
legislação aplicada à espécie (Lei 6.435/77 ou LC 109/2001), manifestou-se nestes
termos o TJ/PR ao julgar a apelação e os embargos de declaração,
respectivamente:
Versa o caso em exame à questão da legitimidade do recebimento
do benefício proporcional deferido, considerando-se o desligamento do autor do
banco réu, ocorrido cm 03 de julho de 1998 (fis. 17). bem como a concessão de
aposentadoria pelo regime geral, em 05 de maio de 2010 (fls. 45), pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
Em exame aos fundamentos da r. sentença, vislumbra-se que o d.
Juiz a quo acolheu o entendimento no sentido de que o segurado somente
poderia usufruir dos benefícios da APABA caso tivesse contribuído,
obrigatoriamente, com a Associação Brasil (antiga Associação Bamerindus).
Entretanto, vislumbra-se que a regra que condicionava a
percepção do benefício continuidade do pagamento à Associação Brasil, após o
desligamento do funcionário, vigia à luz do Regulamento Bamerindus de 1968.
nos termos dos artigos 10 e 11:
(...)
Todavia, conforme já anotado, o apelante saiu do banco
requerido em 03 de julho de 1998, após a intervenção do Bamerindus e a
transferência da gestão do fundo previdenciário ao Banco HSBC, época em que
se encontrava vigente a Lei n° 6.435/1977, que assim dispunha nos parágrafos
10° e 11º do artigo 42:
(...)
Ressalta-se que a Lei n° 6.435/1977 foi depois revogada pela Lei
Complementar n° 109/2001 - publicada em maio de 2001- a qual estabelece
normativa com o mesmo teor, no art. 14, inc. I. in verbis:
(...)
Posteriormente, foi editada a Resolução do Ministério da
Previdência Social (MPS/CGPC n° 06 de 30/10/2003), a qual assim dispõe em seu
art. 2°: "entende-se por benefício proporcional diferido o instituto que faculta
ao participante, em razão da cessação do vínculo empregatício com o
patrocinador ou associativo com o instituidor antes da aquisição do direito ao
benefício pleno, optar por receber, em tempo futuro, o benefício decorrente
dessa opção".
Neste viés, anota-se que o Regulamento do Plano de Benefícios
APABA, de julho de 2003, vigente à data da aposentação (05/05/2010),
estabeleceu no item "4.1.3.3" que não elegendo o participante determinado
benefício, seria enquadrado na opção do "benefício proporcional deferido", por
ausência de manifestação expressa, nessa forma:
(...)
Desta feita, é plenamente aplicável a regra do item 4.1.3.3 do
Regulamento do Plano de Benefícios APARA (julho/2003) ao caso em análise,
pois suas disposições já se encontravam vigentes na data cm que o participante
se aposentou (05/05/2010).
(...)
Portanto, aplicável ao apelante o direito ao benefício proporcional
diferido nos termos da legislação vigente à época do preenchimento dos
requisitos para a aposentadoria, sendo devido o pagamento desde a concessão
desta junto ao INSS, cm 05 de maio de 2010 (fls. 45), observada a atualização
monetária e a incidência dos juros de mora na forma como disposto no
Regulamento que entrou em vigência em 11 de setembro de 2009, incidente à
época da aposentação, regras que devem incidir também para o cômputo do
benefício mensal. 2. Primeiramente, os declaratórios não podem ser conhecidos no
que se refere ao voto divergente, eis que o Relator proferiu o voto vencedor, em
nada podendo aferir, portanto, quanto à declaração do voto vencido.
(...)
Dessa forma, como firmado no restante do julgado, é de ser
considerada a data de 03/07/1998 (cf. fls.17) como a do desligamento do autor,
entretanto, a correção do referido erro material não conduz à efeitos
modificativos, tendo em visto que o Colegiado, por maioria de votos, entendeu
que a legislação aplicável é a do momento da aposentação do segurado perante
o regime geral, o que ocorreu em 05/05/2010.
(...)
Verifica-se que a questão da legitimidade passiva do HSBC BANK
BRASIL S/A. invocada como matéria de ordem pública restou consolidada no
aresto por entender que a obrigação do patrocinador também decorre do
"Instrumento Particular de Assunção de Obrigações Previdenciárias" firmado
pelo HSBC.
Ademais, do exame ao aresto combatido, vislumbra-se que o
entendimento unânime desta colenda 7ª Câmara Cível foi pela aplicação do
Regulamento de 2003, o qual se encontrava vigente à época da aposentação,
dessa forma:
Especificamente com relação ao suposto julgamento fora do pedido
(extra petita), convém ressaltar que ao julgador cabe classificar juridicamente o
contexto fático delineado nos autos, aplicando, fundamentadamente, as normas de
direito que entende pertinentes à espécie. É o que estabelecem os conhecidos
brocardos jurídicos “dá-me os fatos e direi o direito” (da mihi factum, dabo tibi ius)
e “o Juiz conhece o direito” (jura novit curia).
Constata-se, portanto, da leitura do acórdão recorrido, sem adentrar
no acerto ou desacerto do julgamento, que as questões foram devidamente
analisadas e discutidas pelo TJ/PR, de modo a esgotar a prestação jurisdicional.
À vista disso, não há omissão a ser suprida ou contradição a ser
sanada, razão pela qual não se vislumbra a alegada violação do art. 1.022, I e II, do
CPC/15.
2. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO, EM VIRTUDE DE NÃO TEREM SIDO JUNTADOS OS VOTOS VENCIDOS
Pleiteiam os recorrentes a republicação do acórdão de apelação, nele
incluindo-se os votos vencidos.
Com efeito, de acordo com o § 3º do art. 941 do CPC/15, “o voto
vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do
acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento”.
A razão de ser desse dispositivo está ligada, sobretudo, à exigência de
fundamentação, inerente a todas as decisões judiciais, nos termos do art. 93, IX, da
Constituição Federal e, em consequência, à observância do direito fundamental ao
devido processo legal, na medida em que, na perspectiva endoprocessual, a norma
garante às partes o conhecimento integral do debate prévio ao julgamento,
permitindo o exercício pleno da ampla defesa, e, na perspectiva extraprocessual,
confere à sociedade o poder de controlar a atividade jurisdicional, assegurando a
independência e a imparcialidade do órgão julgador.
Noutra toada, a publicação do(s) voto(s) vencido(s) municia a
comunidade jurídica de fundamentos outros que, embora não constituam a razão
de decidir (ratio decidendi) do colegiado, têm o condão de instigar e ampliar a
discussão acerca das questões julgadas pelas Cortes brasileiras e pode, inclusive,
sinalizar uma forte tendência do tribunal à mudança de posicionamento.
Sob essa ótica, leciona Luiz Guilherme Marinoni que “o voto dissidente
objetiva demonstrar o equívoco da ratio decidendi, tornando a questão de direito
'suspensa', ou melhor, num ambiente em que a comunidade jurídica se mantém
estimulada a discuti-la”. E, em seguida, arremata: “A apresentação de argumentos
destinados a invalidar a ratio decidendi, portanto, tem a importância de conferir à
'falta de unanimidade' o poder de alçar a questão para a discussão da
comunidade, evitando que ela fique submersa ou quase invisível, como se a ratio houvesse sido amparada pela unanimidade dos votos” (Julgamento nas Cortes
Supremas: precedente e decisão do recurso diante do novo CPC. São Paulo: RT,
2015. p. 41-42).
Assim sendo, afirma Rodrigo da Cunha Lima Freire que “o acórdão,
para o CPC/15, compõe-se da totalidade dos votos, vencedores e vencidos” (Da
ordem do processo nos tribunais. In: WAMBIER, Teresa et al. Breves comentários
ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 2.101).
Há de ser também destacada a importante função atribuída pelo
CPC/15 ao(s) voto(s) vencido(s), especialmente em um sistema de precedentes
obrigatórios, assim descrita por Fredie Didier:
a) Ao se incorporar ao acórdão, o voto vencido agrega a
argumentação e as teses contrárias àquela que restou vencedora; isso ajuda no
desenvolvimento judicial do Direito, ao estabelecer uma pauta a partir da qual se
poderá identificar, no futuro, a viabilidade de superação do precedente (art. 489,
§ 1º, VI, e art. 927, §§ 2º, 3º, e 4º, CPC).
b) O voto vencido, por isso, funciona como uma importante
diretriz na interpretação da ratio decidendi vencedora: ao se conhecer qual
posição se considerou como vencida fica mais fácil compreender, pelo confronto
e pelo contraste, qual tese acabou prevalecendo no tribunal. Por isso, o voto
vencido ilumina a compreensão da ratio decidendi. c) Além disso, o voto vencido demonstra a possibilidade de a tese
vencedora ser revista mais rapidamente, antes mesmo de a ela ser agregada
qualquer eficácia vinculante, o que pode fragilizar a base da confiança,
pressuposto fático indispensável à incidência do princípio da proteção da
confiança (...). O voto vencido mantém a questão em debate, estimulando a
comunidade jurídica a discuti-la.
d) Note, ainda, que a inclusão do voto vencido no acórdão ratifica
regra imprescindível ao microssistema de formação concentrada de precedentes
obrigatórios: a necessidade de o acórdão do julgamento de casos repetitivos
reproduzir a íntegra de todos os argumentos contrários e favoráveis à tese
discutida (arts. 984, § 2º, e 1.038, § 3º, CPC). (Curso de Direito Processual Civil.
V. 3. 15ª ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2018. p. 47)
Nesse contexto, parte da doutrina tem defendido que a falta de
juntada do(s) voto(s) vencido(s) gera a nulidade do acórdão, por vício de
fundamentação. Nessa linha, citam-se Rodrigo da Cunha Lima Freire e Fredie Didier, nas obras já mencionadas.
De fato, a inobservância da regra do § 3º do art. 941 do CPC/15
constitui vício de atividade ou erro de procedimento (error in procedendo),
porquanto não diz respeito ao teor do julgamento em si, mas à condução do
procedimento de lavratura e publicação do acórdão, já que este representa apenas
a materialização do respectivo julgamento.
É dizer, haverá nulidade do acórdão, por não conter a totalidade dos
votos declarados, mas não do julgamento, se o resultado proclamado refletir, com
exatidão, a conjunção dos votos proferidos pelos membros do colegiado.
Na espécie, consta do acórdão impugnado que, “por maioria de votos,
deram provimento ao recurso, vencidos os Des. Dartagnan Serpa Sá (com
declaração de voto) e Des. Luiz Antônio Barry (sem declaração de voto)” (fl. 561,
e-STJ). Todavia, ao ser provocado, nos embargos de declaração, a se manifestar
sobre a necessidade de juntada dos votos divergentes, o TJ/PR registrou que “o
Relator proferiu o voto vencedor, em nada podendo aferir, portanto, quanto à
declaração do voto vencido” (fl. 592, e-STJ).
Exsurge, diante desse cenário, a nulidade do acórdão recorrido,
cabendo ao TJ/PR providenciar a juntada do(s) voto(s) vencido(s) declarado(s),
observando, para tanto, as normas de seu Regimento Interno, e, em seguida,
promover a sua republicação, nos termos do § 3º do art. 941 do CPC/15,
abrindo-se, em consequência, novo prazo para eventual interposição de recurso
pelas partes.
Por conseguinte, fica prejudicada a análise das demais questões
suscitadas pelos recorrentes.
3. DA CONCLUSÃO
Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e DOU-LHE
PARCIAL PROVIMENTO para anular o acórdão recorrido e determinar ao TJ/PR que
promova a sua republicação após a juntada do(s) voto(s) divergente(s) declarados.