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26 de fevereiro de 2022

Na aposição de datas de vencimentos distintas em nota promissória, sendo uma coincidente com a emissão do título, deve prevalecer, por presunção de que se trata da efetiva manifestação de vontade do devedor, a data posterior

Processo

REsp 1.964.321-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022, DJe 18/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO EMPRESARIAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Nota promissória. Duplicidade de datas de vencimento. Defeito sanável. Prevalecimento da data posterior. Vontade do emitente. Presunção.

 

DESTAQUE

Na aposição de datas de vencimentos distintas em nota promissória, sendo uma coincidente com a emissão do título, deve prevalecer, por presunção de que se trata da efetiva manifestação de vontade do devedor, a data posterior.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente cumpre salientar que nem todos os requisitos definidos em lei são essenciais para que o documento ostente natureza de título de crédito, havendo situações em que se pode relevar a ausência de alguma informação ou suprir a presença de algum vício.

Em regra, esses requisitos não essenciais e/ou defeitos sanáveis contam com previsão no próprio texto legal, como ocorre, por exemplo, com as situações constantes nos arts. 6º e 76 da Lei Uniforme de Genebra - LUG (promulgada pelo Dec. n. 57.663/1966), relativas à existência de divergência entre as expressões do valor da dívida e à ausência de indicação da data de vencimento.

Lei Uniforme de Genebra tratou expressamente de três alternativas decorrentes das atitudes do devedor/emitente quanto à época do pagamento: (i) se omite, o que acarreta a presunção legal de que o pagamento deve ser feito à vista ou a critério do credor, circunstância que não retira a eficácia do título de crédito (art. 76, primeira parte); (ii) manifesta vontade de fixar uma modalidade de vencimento dentre aquelas previstas no art. 33, o que garante a eficácia da cártula; ou (iii) escolhe modalidade de vencimento diversa, situação que implicará a invalidade da nota promissória.

O escopo buscado pela LUG, portanto, é o de preservar ao máximo a manifestação de vontade do emitente da cártula, ainda que essa vontade tenha sido expressa por meio do silêncio.

Esse é, também, o intuito da norma do art. 6º da LUG, que considerou que divergências na expressão do valor da dívida deveriam dar ensejo à preservação da vontade presumida do emitente da cártula, estabelecida pela lei como a expressão por extenso ou a menos valiosa.

Assim, embora a LUG não tenha enfrentado especificamente a hipótese de divergência entre datas de vencimento apostas na cártula, afigura-se consentâneo com o espírito da lei considerar que se trata de defeito suprível - sobretudo porque a data de vencimento constitui requisito dispensável da nota promissória.

Portanto, se a LUG não possui regra expressa acerca da disparidade de expressões da data de vencimento da dívida constantes de um mesmo título, deve prevalecer a interpretação que empreste validade à manifestação de vontade cambial de uma promessa futura de pagamento, a qual, na nota promissória, envolve, necessariamente, a concessão de um prazo para a quitação da dívida.

Diante disso, se, entre duas datas de vencimento, uma coincide com a data de emissão do título - não existindo, assim, como se entrever uma operação de crédito -, deve prevalecer a data posterior, uma vez que, por ser futura, autoriza a presunção de que se trata da efetiva manifestação de vontade do devedor.

16 de janeiro de 2022

É válida a CPR financeira que não contém a indicação do índice de preços a ser utilizado no resgate do título e da instituição responsável por sua apuração ou divulgação, se a cártula contém os referenciais necessários à clara identificação do preço

 EMPRESARIAL - TÍTULOS DE CRÉDITO

STJ. 4ª Turma. REsp 1.450.667-PR, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 19/10/2021 (Info 715).

É válida a CPR financeira que não contém a indicação do índice de preços a ser utilizado no resgate do título e da instituição responsável por sua apuração ou divulgação, se a cártula contém os referenciais necessários à clara identificação do preço

Não é nula a cédula de produtor rural financeira que não contém a indicação do índice de preços a ser utilizado no resgate do título e da instituição responsável por sua apuração ou divulgação, se a cártula prevê sua futura liquidação, na data de vencimento pactuada, por valor certo, obtido a partir da multiplicação da quantidade de produto nela previsto e do preço unitário do produto nela indicado, conforme o padrão e a safra a que se refere, pois o título contém os referenciais necessários à clara identificação do preço, conforme exige a primeira parte do inciso I do art. 4ºA da Lei nº 8.929/94.

Títulos de crédito

O título de crédito é um documento por meio do qual se prova que existe uma obrigação entre o(s) credor(es) e o(s) devedor(es), nos termos do que ali está escrito.

Cesare Vivante: “título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele contido ou mencionado”.

Art. 887, cc: “O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei”

facilitam a obtenção e a circulação do crédito e conferem maior segurança para os credores

Títulos rurais

experiência mostrou que seria interessante que fossem criados alguns títulos de crédito com características específicas, para facilitar negociações envolvendo determinados setores da economia

títulos de crédito específicos para algumas transações empresariais.

atividade rural - foram idealizados quatro títulos de crédito específicos, chamados de “títulos rurais”

a) Cédula de crédito rural;

b) Cédulas de produto rural;

c) Nota promissória rural;

d) Duplicata rural.

Cédulas de Produto Rural (CPR)

criadas pela Lei nº 8.929/94 com o objetivo de estimular o financiamento privado da atividade rural.

                 CPR física (art. 1º da Lei)

CPR financeira (art. 4º-A da Lei)

A cédula de produto rural física (CPR física) é um título de crédito por meio do qual o produtor rural ou a associação de produtores rurais (inclusive cooperativas) se compromete, em um documento, a entregar produtos rurais em um momento futuro, recebendo, desde já, o pagamento por essa venda. No dia do vencimento, o produtor rural entregará ao credor os produtos rurais prometidos.

Na CPR financeira, o produtor rural ou a associação de produtores emite a CPR, recebendo o dinheiro correspondente a “X” produtos rurais (ex: 100kg de café, tipo tal) e comprometendo-se a fazer a liquidação financeira da CPR (pagar a quantia emprestada) em determinada data e segundo os juros ali estipulados.

Em vez de entregar o produto rural, o produtor irá pagar ao credor o valor do que tomou emprestado.

Em outras palavras, a CPR física representa a documentalização de um contrato de compra e

venda de produtos rurais, por meio do qual o vendedor recebe o pagamento antecipadamente, comprometendo-se a entregar os produtos rurais em uma determinada data.

Em outras palavras, a CPR financeira representa a documentalização de um contrato de financiamento, por meio do qual o produtor rural (ou associação) recebe um valor em dinheiro, comprometendo-se a pagar em uma determinada data futura.

Caso o emitente seja inadimplente, o credor poderá ajuizar ação de execução para a entrega de coisa

Caso o emitente seja inadimplente, o credor poderá ajuizar ação de execução por quantia certa.

É parecida com uma duplicata mercantil.

É parecida com uma nota promissória

Art. 1º Fica instituída a Cédula de Produto Rural (CPR), representativa de promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantias cedularmente constituídas.

Art. 4º-A. Fica permitida a liquidação financeira da CPR de que trata esta Lei, desde que observadas as seguintes condições:

I - que sejam explicitados, em seu corpo, os referenciais necessários à clara identificação do preço ou do índice de preços, da taxa de juros, fixa ou flutuante, da atualização monetária ou da variação cambial a serem utilizados no resgate do título, bem como a instituição responsável por sua apuração ou divulgação, a praça ou o mercado de formação do preço e o nome do índice;

II - que os indicadores de preço de que trata o inciso anterior sejam apurados por instituições idôneas e de credibilidade junto às partes contratantes, tenham divulgação periódica, preferencialmente diária, e ampla divulgação ou facilidade de acesso, de forma a estarem facilmente disponíveis para as partes contratantes;

III - que seja caracterizada por seu nome, seguido da expressão "financeira".

10 de outubro de 2021

TÍTULOS DE CRÉDITO (CÉDULAS DE CRÉDITO): Na execução de cédula de produto rural em formato cartular é necessária a juntada do original do título de crédito, salvo se comprovado que o título não circulou

TÍTULOS DE CRÉDITO (CÉDULAS DE CRÉDITO): Na execução de cédula de produto rural em formato cartular é necessária a juntada do original do título de crédito, salvo se comprovado que o título não circulou 

A juntada da via original do título executivo extrajudicial é, em regra, requisito essencial à formação válida do processo de execução. Isso por dois motivos: • para se ter certeza da autenticidade da cártula apresentada; e • para se afastar a possibilidade de o título ter circulado e, com isso, o devedor ser obrigado a pagar duas vezes (para quem está cobrando agora e para uma nova pessoa no futuro que apresente o original do título). Se ficar comprovado que: - o título não circulou ou que, por sua natureza, não é hábil a circular; e - que não há dúvidas quanto à existência do título e do débito... ... nestes casos, ação de execução pode, excepcionalmente, ser instruída por cópia reprográfica do título executivo extrajudicial, sendo dispensada a apresentação do documento original. Por ser a cédula de produto rural título dotado de natureza cambial, tendo como um dos seus atributos a circularidade, mediante endosso (art. 10, I, da Lei nº 8.929/94), em regra, é necessária a apresentação do documento original para a execução da CPR. Não será necessária a apresentação do original da CPR em dois casos: a) se a emissão da CPR foi feita de forma escritural (eletrônica); ou b) se ficar comprovado que o título não circulou. STJ. 3ª Turma. REsp 1.915.736-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2021 (Info 702). 

Títulos de crédito 

O título de crédito é um documento por meio do qual se prova que existe uma obrigação entre o(s) credor(es) e o(s) devedor(es), nos termos do que ali está escrito. O conceito tradicional de título de crédito foi dado há décadas por um jurista italiano chamado Cesare Vivante: “título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele contido ou mencionado”. Essa definição foi adotada pelo CC-2002: 

Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei. 

Os títulos de crédito são muito importantes para a economia porque eles facilitam a obtenção e a circulação do crédito, além de conferirem maior segurança para os credores. Ex: se a pessoa quer comprar uma mercadoria, mas não tem dinheiro no momento, ela poderá assinar uma nota promissória e entregála ao vendedor, comprometendo-se a pagar a quantia em 30 dias. Houve a concessão de um crédito de forma simplificada e o credor terá em mãos uma garantia de pagamento. Com isso, mais negócios podem ser realizados. 

Títulos rurais 

Existem alguns títulos de crédito que são gerais e mais conhecidos, como é o caso da letra de câmbio, duplicata, cheque etc. No entanto, a experiência mostrou que seria interessante que fossem criados alguns títulos de crédito com características específicas, para facilitar as negociações envolvendo determinados setores da economia. Em suma, verificou-se a necessidade de criar títulos de crédito específicos para algumas transações empresariais. No caso da atividade rural, por exemplo, foram idealizados quatro títulos de crédito específicos, chamados de “títulos rurais”. São eles: a) Cédula de crédito rural; b) Cédulas de produto rural; c) Nota promissória rural; d) Duplicata rural. 

Cédulas de Produto Rural (CPR) 

As cédulas de produto rural foram criadas pela Lei nº 8.929/94 com o objetivo de estimular o financiamento privado da atividade rural. Existem duas espécies de CPR: 

• CPR física (art. 1º da Lei); 

• CPR financeira (art. 4º-A da Lei). 

CPR física 

A cédula de produto rural física (CPR física) é um título de crédito por meio do qual o produtor rural ou a associação de produtores rurais (inclusive cooperativas) se compromete, em um documento, a entregar produtos rurais em um momento futuro, recebendo, desde já, o pagamento por essa venda. No dia do vencimento, o produtor rural entregará ao credor os produtos rurais prometidos.

Em outras palavras, a CPR física representa a documentalização de um contrato de compra e venda de produtos rurais, por meio do qual o vendedor recebe o pagamento antecipadamente, comprometendo-se a entregar os produtos rurais em uma determinada data. 

Caso o emitente seja inadimplente, o credor poderá ajuizar ação de execução para a entrega de coisa.

É parecida com uma duplicata mercantil.

Art. 1º Fica instituída a Cédula de Produto Rural (CPR), representativa de promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantias cedularmente constituídas. 


CPR financeira 

Na CPR financeira, o produtor rural ou a associação de produtores emite a CPR, recebendo o dinheiro correspondente a “X” produtos rurais (ex: 100kg de café, tipo tal) e comprometendo-se a fazer a liquidação financeira da CPR (pagar a quantia emprestada) em determinada data e segundo os juros ali estipulados. Em vez de entregar o produto rural, o produtor irá pagar ao credor o valor do que tomou emprestado. 

Em outras palavras, a CPR financeira representa a documentalização de um contrato de financiamento, por meio do qual o produtor rural (ou associação) recebe um valor em dinheiro, comprometendo-se a pagar em uma determinada data futura. 

Caso o emitente seja inadimplente, o credor poderá ajuizar ação de execução por quantia certa. 

É parecida com uma nota promissória. 

Art. 4º-A. Fica permitida a liquidação financeira da CPR de que trata esta Lei, desde que observadas as seguintes condições: I - que sejam explicitados, em seu corpo, os referenciais necessários à clara identificação do preço ou do índice de preços, da taxa de juros, fixa ou flutuante, da atualização monetária ou da variação cambial a serem utilizados no resgate do título, bem como a instituição responsável por sua apuração ou divulgação, a praça ou o mercado de formação do preço e o nome do índice; II - que os indicadores de preço de que trata o inciso anterior sejam apurados por instituições idôneas e de credibilidade junto às partes contratantes, tenham divulgação periódica, preferencialmente diária, e ampla divulgação ou facilidade de acesso, de forma a estarem facilmente disponíveis para as partes contratantes; III - que seja caracterizada por seu nome, seguido da expressão "financeira". 

Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação hipotética: 

João, um avicultor, emitiu uma cédula de produto rural financeira (CPR-F), mediante a qual se obrigou a pagar a quantia de R$ 100 mil (equivalente a 10 toneladas de frango) ao Banco do Brasil, que lhe emprestou o dinheiro. João tornou-se inadimplente e o Banco ajuizou execução de título extrajudicial. O devedor apresentou embargos à execução argumentando que: - o Banco juntou aos autos da execução apenas a cópia do título executivo extrajudicial (e não a reprodução digitalizada de seu original), de forma que não há título executivo hábil a embasar a ação; - aplicam-se às cédulas de produto rural, no que forem cabíveis, as normas de direito cambial. Assim, por possuírem a característica de serem transmissíveis via endosso, exige-se a apresentação do original do título para o ajuizamento da ação de execução. 

O que o STJ entende a respeito do tema? Vejamos. 

Necessidade, em regra, de apresentação do original do título de crédito (cédula de produto rural financeira) 

Nos termos do art. 798, I, do CPC/2015, ao propor a execução, incumbe ao exequente instruir a petição inicial com o título executivo extrajudicial: 

Art. 798. Ao propor a execução, incumbe ao exequente: I - instruir a petição inicial com: a) o título executivo extrajudicial; (...) 

A juntada da via original do título executivo extrajudicial é, em regra, requisito essencial à formação válida do processo de execução. Isso por dois motivos: 

• para se ter certeza da autenticidade da cártula apresentada; e 

• para se afastar a possibilidade de o título ter circulado e, com isso, o devedor ser obrigado a pagar duas vezes (para quem está cobrando agora e para uma nova pessoa no futuro que apresente o original do título). 

Conforme explica a Min. Nancy Andrighi: 

“A exigência de apresentação do original do título cambial em processo de execução justifica-se, via de regra, pela possibilidade de sua circulação. Isso significa dizer que a apresentação do documento em sua forma original, em verdade, visa a assegurar a impossibilidade de uma nova execução baseada no mesmo título de crédito.” (REsp 1.915.736-MG) 

Situações nas quais não se exige o documento original 

Agora que sabemos os motivos pelos quais se exige, como regra, a juntada do título original, podemos concluir que, se ficar comprovado que: 

- o título não circulou ou que, por sua natureza, não é hábil a circular; e 

- que não há dúvidas quanto à existência do título e do débito... 

... nestes casos, a ação de execução pode, excepcionalmente, ser instruída por cópia reprográfica do título executivo extrajudicial, sendo dispensada a apresentação do documento original. 

Eu já li que os documentos juntados ao processo eletrônico são considerados originais para todos os efeitos legais... essa regra existe mesmo? 

SIM. Confira o que diz o art. 11 da Lei nº 11.419/2006 (Lei do Processo Eletrônico): 

Art. 11. Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para todos os efeitos legais. 

Ocorre que o STJ afirma que essa regra deve ser mitigada quando se trata de título executivo extrajudicial, tendo em vista a possibilidade de determinação de depósito do documento original em cartório ou secretaria, conforme preconiza o art. 425, § 2º, do CPC/2015: 

Art. 425. (...) § 2º Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou de documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar seu depósito em cartório ou secretaria. 

Para a execução de uma cédula de produto rural, é necessária a apresentação do documento original? 

Em regra, sim. A CPR é um título de crédito líquido e certo (art. 4º da Lei nº 8.929/94) e, como tal, admite o endosso. A Lei nº 8.929/94, no seu art. 10, I, admite o endosso em preto, a que chama de completo. Isso significa que há permissão legal expressa para que o credor de uma CPR possa endossá-la a outrem, desde que mencione o nome do endossatário que, em verdade, passa a ser o novo credor do título: 

Art. 10. Aplicam-se à CPR, no que forem cabíveis, as normas de direito cambial, com as seguintes modificações: I - os endossos devem ser completos; (...) 

Diante disso, por ser a cédula de produto rural título dotado de natureza cambial, tendo como um dos seus atributos a circularidade, mediante endosso, conforme previsão do art. 10, I, da Lei nº 8.929/94, a apresentação do documento original, em regra, é necessária para o aparelhamento da execução. Vale ressaltar, contudo, que essa exigência da CPR só existe para a execução de cédula de produto rural em “formato cartular”. 

O que é isso? O que significa esse formato cartular? 

A Lei nº 13.986/2020 alterou a Lei da cédula de produto rural (Lei nº 8.929/94) e, a partir dessa mudança, passou a ser possível que a emissão destas cédulas se dê de forma: a) cartular (“em papel”); ou b) escritural (eletrônica). 

Dessa forma, a obrigatoriedade de juntada do título original aos autos da execução dependerá do suporte no qual ele estará inserido no momento de propositura da demanda executiva: i) sendo título de crédito de suporte cartular, faz-se necessária a juntada da cártula; ii) sendo título de crédito de suporte eletrônico, desnecessária a juntada do original, pois todos os dados relativos ao título constarão de certidão expedida pela Entidade de registro de Títulos Eletrônicos (ERTE). 

Em suma, tem-se que, a partir da vigência da mencionada lei, a apresentação da CPR original faz-se necessária ao aparelhamento da execução somente se o título exequendo for apresentado no formato cartular. Em suma: Na execução de cédula de produto rural em formato cartular é necessária a juntada do original do título de crédito, salvo se comprovado que o título não circulou. STJ. 3ª Turma. REsp 1.915.736-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/06/2021 (Info 702).

7 de julho de 2021

Na execução de cédula de produto rural em formato cartular é necessária a juntada do original do título de crédito, salvo se comprovado que o título não circulou

 

Processo

REsp 1.915.736-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO AGRÁRIO

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Execução. Cédula de Produto Rural Financeira. Natureza cambial. Circularidade. Apresentação do original do título executivo. Formato cartular. Necessidade.

Destaque

Na execução de cédula de produto rural em formato cartular é necessária a juntada do original do título de crédito, salvo se comprovado que o título não circulou.

Informações do Inteiro Teor

Nos termos do art. 798, I, do CPC/2015, ao propor a execução, incumbe ao exequente instruir a petição inicial com, dentre outros documentos, o título executivo extrajudicial.

A juntada da via original do título executivo extrajudicial é, em princípio, requisito essencial à formação válida do processo de execução, visando a assegurar a autenticidade da cártula apresentada e a afastar a hipótese de ter o título circulado, sendo, em regra, nula a execução fundada em cópias dos títulos.

A execução pode, excepcionalmente, ser instruída por cópia reprográfica do título extrajudicial em que fundamentada, prescindindo da apresentação do documento original, principalmente quando não há dúvida quanto à existência do título e do débito e quando comprovado que o mesmo não circulou.

Contudo, por ser a cédula de produto rural título dotado de natureza cambial, tendo como um dos seus atributos a circularidade, mediante endosso, conforme previsão do art. 10, I, da Lei n. 8.929/1994, a apresentação do documento original faz-se necessário ao aparelhamento da execução, se não comprovado pelas instâncias ordinárias que o título não circulou.

Vale lembrar que não se descura que os documentos juntados ao processo eletrônico são considerados originais para todos os efeitos legais, consoante previsão contida nos arts. 11 da Lei n. 11.419/2006 e 425 do CPC/2015.

Ocorre que essa regra deve ser mitigada quando se trata de título executivo extrajudicial, tendo em vista a possibilidade de determinação de depósito do documento original em cartório ou secretaria, conforme preconiza o art. 425, § 2º, do CPC/2015: "Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou de documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar seu depósito em cartório ou secretaria."

Desse modo, mostra-se prudente, na espécie, por se tratar de um título de crédito passível de circularidade, a exigência do original da cédula para evitar o ajuizamento de múltiplas execuções fundadas em cópias distintas do título.

Ressalva-se, após sugestão do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, que o referido entendimento é aplicável às hipóteses de emissão das CPRs em data anterior à vigência da Lei n. 13.986/2020, tendo em vista que a referida legislação modificou substancialmente a forma de emissão destas cédulas, passando a admitir que a mesma se dê de forma cartular ou escritural (eletrônica). A partir de sua vigência, a apresentação da CPR original faz-se necessária ao aparelhamento da execução somente se o título exequendo for apresentado no formato cartular.

19 de junho de 2021

A faturizada não responde caso o devedor não pague o crédito que ela cedeu à factoring, sendo nula a cláusula que tente responsabilizá-la; também é nulo título de crédito que a faturizada seja obrigada a emitir se responsabilizando pela solvência dos créditos cedido

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-695-stj.pdf


DIREITO EMPRESARIAL - FACTORING: A faturizada não responde caso o devedor não pague o crédito que ela cedeu à factoring, sendo nula a cláusula que tente responsabilizá-la; também é nulo título de crédito que a faturizada seja obrigada a emitir se responsabilizando pela solvência dos créditos cedidos 

A empresa faturizada não responde pela insolvência dos créditos cedidos, sendo nulos a disposição contratual em sentido contrário e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring. A natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro, não permite que os contratantes, ainda que sob o argumento da autonomia de vontades, estipulem a responsabilidade da cedente (faturizada) pela solvência do devedor/sacado. STJ. 3ª Turma.REsp 1.711.412-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/05/2021 (Info 695). 

Factoring 

Factoring (ou faturização) é o contrato por meio do qual um empresário (faturizado) cede a uma instituição de factoring (faturizadora), total ou parcialmente, os títulos de créditos recebidos com a atividade empresária para que a factoring antecipe os pagamentos a prazo ou faça apenas a administração desses créditos. 

Personagens 

• Faturizador: empresa de factoring. 

• Faturizado: cliente. 

Terminologias 

O contrato de factoring é também chamado de faturização ou fomento mercantil. 

Atividades desempenhadas pela factoring 

Existem duas modalidades principais de factoring, que se diferenciam, entre si, pelas atividades desempenhadas pela instituição faturizadora. 

a) Factoring tradicional (conventional factoring): O empresário cede à factoring os títulos de crédito que recebeu em sua atividade empresária e que somente irão vencer em uma data futura, e a empresa de factoring antecipa esse pagamento, recebendo, como contraprestação, um percentual desses créditos. Trata-se de uma forma de o empresário obter capital de giro nas vendas a prazo. Ex: uma loja recebe um cheque “pré-datado” (pós-datado) para 90 dias no valor de R$ 10 mil. Ocorre que a loja precisa de dinheiro logo. Então, ela cede o cheque para a empresa de factoring, que irá pagar à vista para a loja R$ 9.700,00 e, daqui a 90 dias, irá descontar o cheque, ficando com os R$ 10 mil. A loja recebeu o crédito à vista e teve que pagar um percentual à factoring. É como se o cliente tivesse “vendido” o título para a factoring, que irá cobrar do devedor no momento do vencimento da dívida. 

b) Factoring de vencimento (maturity factoring): Aqui, a faturizadora não antecipa qualquer pagamento ao empresário. O faturizado somente irá receber realmente na data do vencimento. Nesta modalidade de factoring, a faturizadora apenas fica responsável pela prestação de serviços de administração do crédito. Ex: o faturizado recebe inúmeros cheques pósdatados e duplicatas que somente vencerão daqui a alguns dias, cada um em uma data diferente. Para evitar preocupações com esse controle das datas e das cobranças, o empresário manda esses títulos para a factoring, que ficará responsável por gerenciar esses créditos e fazer a cobrança nas datas de vencimento. Na data do vencimento de cada título, a factoring paga o crédito ao empresário e vai cobrar dos devedores originários, dispensando o faturizado desse trabalho. 

Factoring não é instituição financeira 

O conceito legal de instituição financeira está previsto no art. 17, da Lei n.º 4.595/64, e a factoring não se enquadra em tal definição. A factoring não faz a captação de dinheiro de terceiros, como acontece com os bancos, nem realiza contratos de mútuo. A empresa de factoring utiliza recursos próprios em suas atividades. Logo, a factoring não integra o Sistema Financeiro Nacional nem necessita de autorização do Banco Central para funcionar. 

As empresas popularmente conhecidas como factoring desempenham atividades de fomento mercantil, de cunho meramente comercial, em que se ajusta a compra de créditos vencíveis, mediante preço certo e ajustado, e com recursos próprios, não podendo ser caracterizadas como instituições financeiras. STJ. 3ª Seção. CC 98.062/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 25/08/2010. 

O contrato de conventional factoring é um contrato de mútuo? 

NÃO. Em verdade, consiste em uma compra e venda de créditos (direitos), por um preço ajustado entre as partes. 

Qual é o limite de juros das factorings? 

As empresas de "factoring" não se enquadram no conceito de instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios estão limitados em 12% ao ano, nos termos da Lei de Usura (STJ. 4ª Turma. REsp 1048341/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 10/02/2009). 

Riscos do inadimplemento 

Caso a faturizadora não consiga receber do devedor o valor do título, ela poderá cobrar essa quantia do faturizado que lhe cedeu esse crédito? Ex: mulher foi até a loja de sapatos e pagou com um cheque pósdatado de R$ 1.000,00. A loja “vendeu” esse cheque para a factoring. Ocorre que o cheque não foi descontado por falta de fundos. A faturizadora poderá cobrar a quantia do faturizado (loja)? NÃO. A faturizadora não tem direito de regresso contra o faturizado com base no inadimplemento dos títulos transferidos, uma vez que esse risco é da essência do contrato de factoring e por ele o faturizado paga preço mais elevado do que pagaria, por exemplo, em um contrato de desconto bancário, no qual a instituição financeira não garante a solvência dos títulos descontados. O risco advindo dessa operação de compra de direitos creditórios, consistente justamente na eventual inadimplência do devedor/sacado, constitui elemento essencial do contrato de factoring, não podendo ser transferido ao faturizado/cedente, sob pena de desnaturar a operação de fomento mercantil. Assim, o faturizado não pode ser demandado regressivamente pelo pagamento da dívida. 

Contrato de factoring não é uma simples cessão de crédito 

Essa é a principal diferença entre o contrato de factoring e o de desconto bancário: 

• No desconto bancário, o cedente responde em caso de inadimplência do devedor. 

• No contrato de factoring, o faturizado não responde em caso de inadimplência do devedor. 

“Enfim, a diferença fundamental entre o fomento mercantil e o desconto bancário, forma de empréstimo de dinheiro, reside no fato de que, no primeiro, inexiste direito de regresso e, no segundo, encontra-se garantido o referido direito, podendo, entretanto, a instituição financeira abrir mão desse regresso (...)” (Min. Antonio Carlos Ferreira). 

Se o contrato contiver previsão de responsabilidade do faturizado, esta cláusula é nula 

Mesmo que o contrato de factoring preveja a responsabilidade do faturizado nesses casos, tal cláusula deverá ser considerada nula: 

O risco assumido pelo faturizador é inerente à operação de factoring, não podendo o faturizado ser demandado para responder regressivamente, salvo se tiver dado causa ao inadimplemento dos contratos cedidos. STJ. 4ª Turma. REsp 949.360/RN, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 17/12/2013. 

Na hipótese de mera inadimplência do devedor, a possibilidade de a faturizadora reaver do faturizado o que lhe pagou pela cessão do crédito desnatura o contrato de fomento mercantil, confundindo-se com o contrato de desconto bancário. Assim, a natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro, não permite que os contratantes, ainda que sob o argumento da autonomia de vontades, estipulem a responsabilidade do cedente (faturizado) pela solvência do devedor/sacado. Desse modo, não se aplica para o contrato de factoring, a primeira parte do art. 296 do Código Civil abaixo sombreada: 

Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor. 

No contrato de factoring, não existe a possibilidade de haver essa “estipulação em contrário”. 

Eventual título de crédito emitidos pelo faturizado como garantia da solvência também é nulo 

As empresas de factoring, como forma de tentar superar esse entendimento do STJ, começaram a exigir que a empresa faturizada emitisse nota promissória no mesmo valor do título que estava sendo “vendido”. Assim, se a factoring não conseguisse receber do devedor do título “comprado”, ela executava a nota promissória emitida pela faturizada. Ex: mulher foi até a loja de sapatos e pagou com um cheque pós-datado de R$ 1.000,00. A loja “vendeu” esse cheque para a factoring. Para aceitar adquirir esse “cheque”, a factoring exigiu que a loja (faturizada) emitisse uma nota promissória de R$ 1.000,00. Desse modo, se a factoring não conseguir cobrar da mulher a quantia que está no cheque, ela pretende executar a nota promissória emitida pela faturizada. Ocorre que o STJ também não aceitou essa prática. 

Em suma: A empresa faturizada não responde pela insolvência dos créditos cedidos, sendo nulos a disposição contratual em sentido contrário e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring. STJ. 3ª Turma. REsp 1.711.412-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/05/2021 (Info 695). 

O faturizado responde perante a faturizadora caso o título cedido “não exista” juridicamente ou caso ele seja inválido? 

SIM. O faturizado, ao ceder os títulos, assume a garantia de que eles são existentes. Trata-se de previsão expressa do art. 295 do CC, que pode ser aplicado aos contratos de factoring: 

Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé. 

Desse modo, a faturizadora possui direito de regresso contra o faturizado quando estiver em questão não um mero inadimplemento, mas sim a própria existência do crédito. Assim, o faturizado se responsabiliza, por exemplo, pelo saque, fraudulento, da chamada “duplicata fria”, sem causa legítima subjacente. Não reconhecer tal responsabilidade quando o cedente vende crédito inexistente ou ilegítimo representa compactuar com a fraude e a má-fé. 

6 de junho de 2021

O endosso de duplicata mercantil com aceite a terceiro de boa-fé dispensa a necessidade de demonstração, pela endossatária, da consumação de negócio de compra e venda de mercadorias subjacentes

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-694-stj-1.pdf


TÍTULOS DE CRÉDITO (DUPLICATA) - O endosso de duplicata mercantil com aceite a terceiro de boa-fé dispensa a necessidade de demonstração, pela endossatária, da consumação de negócio de compra e venda de mercadorias subjacentes 

Uma vez aceita, o sacado vincula-se ao título como devedor principal e a ausência de entrega da mercadoria ou de prestação de serviços, ou mesmo quitação referente à relação fundamental ao credor originário, somente pode ser oponível ao sacador, como exceção pessoal, mas não a endossatários de boa-fé. A duplicata é título de crédito causal. Isso significa que, para sua regular constituição, deve haver uma prestação de serviço. Essa causalidade, todavia, não lhe retira o caráter de abstração. Uma vez circulando o título, ao endossatário não podem ser opostas as exceções. STJ. 4ª Turma. REsp 1.518.203-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/04/2021 (Info 694). 

Conceito 

Duplicata é... - um título de crédito - que consiste em uma ordem de pagamento emitida pelo próprio credor - por conta de mercadorias que ele vendeu ou de serviços que prestou - e que estão representados em uma fatura - devendo ser paga pelo comprador das mercadorias ou pelo tomador dos serviços. 

Genuinamente brasileiro 

A duplicata foi criada pelo direito brasileiro, sendo considerada um título genuinamente brasileiro. 

Regulamentação 

A duplicata é regida pela Lei nº 5.474/68 e, agora, também pela Lei nº 13.775/2018. 

Exemplo de emissão de duplicata 

O distribuidor “Silva & Souza Ltda.” vendeu para a loja “Bompé” 70 pares de sapatos. O distribuidor (vendedor) extrai uma fatura dos produtos e emite uma duplicata mercantil dando uma ordem à loja (compradora) para que pague a ele (vendedor) o preço dos pares de sapato e eventuais encargos contratuais. 

Espécies de duplicata 

• Duplicata mercantil: emitida por causa da compra e venda mercantil. 

• Duplicata de serviços: emitida por causa da prestação de serviços. 

Características da duplicata 

a) Título causal: a duplicata só pode ser emitida para documentar o crédito decorrente de dois negócios jurídicos: a compra e venda mercantil ou a prestação de serviços. Essa causa da duplicata é mencionada no próprio título. Por conta dessa característica, alguns autores afirmam que se trata de um título impróprio. Obs: o contrário dos títulos causais são os “não causais” ou “abstratos”, como o caso da nota promissória. 

b) Ordem de pagamento. 

c) Título de modelo vinculado (título formal): os padrões de emissão da duplicata são fixados pelo Conselho Monetário Nacional. A duplicata somente produz efeitos cambiais se observado o padrão exigido para a constituição do título. 

Emissão da duplicata 

O vendedor ou prestador dos serviços emite a fatura discriminando as mercadorias vendidas ou os serviços prestados. Com base nessa fatura, esse vendedor ou prestador poderá emitir a duplicata. 

Remessa da duplicata para ACEITE 

Aceite é o ato por meio do qual o sacado (comprador ou tomador dos serviços) assina o título se obrigando a pagar o crédito ali descrito, na data do vencimento. Assim, emitida a duplicata, nos 30 dias seguintes o sacador (quem emitiu o título) deve remeter o título ao sacado (comprador ou tomador dos serviços) para que ele assine a duplicata no campo próprio para o aceite, restituindo-a ao sacador no prazo de 10 dias. 

O aceite na duplicata é obrigatório 

Na duplicata, o título documenta uma obrigação surgida a partir de um contrato de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços. Desse modo, se o vendedor/prestador do serviço, que no caso foi o sacador, cumpriu as suas obrigações contratuais, não há motivo para o devedor recusar o aceite. Em virtude dessa circunstância, a doutrina afirma que o aceite na duplicata é, em regra, obrigatório, somente podendo ser recusado nas hipóteses previstas nos arts. 8º e 21 da Lei nº 5.474/68. 

Recusa do aceite 

Como vimos, o aceite é, em regra, obrigatório. As hipóteses previstas na lei em que o aceite pode ser recusado estão relacionadas com situações em que o sacador (vendedor ou prestador dos serviços) não cumpriu corretamente suas obrigações contratuais ou em que há divergência entre aquilo que foi combinado no contrato e o que consta da duplicata. Estão previstas nos arts. 8º e 21 da Lei nº Lei nº 5.474/68. 

Tipos de aceite 

a) aceite ORDINÁRIO: ocorre quando o sacado (comprador ou tomador dos serviços) não encontra nenhum problema em aceitar e, por isso, assina em um campo próprio localizado na frente (anverso) do título, devolvendo-o em seguida. 

b) aceite PRESUMIDO: ocorre quando o sacado resolve não assinar ou não devolver a duplicata assinada, no entanto, ao receber as mercadorias compradas, ele assinou o comprovante de recebimento, sem fazer qualquer ressalva quanto aos bens adquiridos. Ora, se ele recebeu normalmente as mercadorias, é porque se presume que o vendedor cumpriu sua obrigação contratual. Logo, esse comprador deveria ter feito o aceite da duplicata. Nesses casos, o sacador deverá fazer o protesto do sacado por falta de aceite ou por falta de pagamento. Diante disso, é admitido como aceite presumido da duplicata: O comprovante de entrega das mercadorias assinado pelo sacado acompanhado do instrumento do protesto do título por falta de aceite ou falta de pagamento. 

c) aceite por COMUNICAÇÃO: ocorre quando o sacado retém o título e expressa o aceite em carta ou comunicado. Essa comunicação, mesmo escrita fora do título, produz os mesmos efeitos do aceite. 

Endosso 

Ocorre o endosso quando o credor do título de crédito transmite seus direitos a outra pessoa. O credor que transmite seus direitos sobre o título é chamado de endossante (aquele que faz o endosso). A pessoa que recebe os direitos sobre o título é denominada de endossatário (aquele que é beneficiado com o endosso). O endosso pode ser dividido em: a) endosso próprio; b) endosso impróprio. Endosso próprio É aquele que produz os dois efeitos próprios do endosso, que são: a) transferir a titularidade do crédito do endossante para o endossatário; b) transformar o endossante em codevedor do título (se o devedor principal não pagar o título, o endossatário poderá cobrar o valor do endossante). 

Endosso impróprio 

O endosso impróprio não transfere o crédito para o endossatário, mas apenas permite que este (o endossatário) tenha a posse do título para: • agir em nome do endossante (endosso-mandato); ou • como garantia de uma dívida que o endossante tenha com o endossatário (endosso-caução). 

Feita essa revisão, imagine agora a seguinte situação hipotética: 

João comprou móveis residenciais de uma empresa, que ficou de entregar e instalar os modulados na casa do cliente no prazo de 5 meses. Ficou combinado que João pagaria R$ 50 mil, divididos em 5 meses. Para instrumentalizar esse crédito, foram emitidas 5 duplicatas no valor de R$ 10 mil cada, a serem pagas por João assim que os serviços fossem entregues, mês a mês. No sistema da duplicata, com base neste exemplo, João recebe o nome de “sacado” (comprador) e a movelaria é denominada de sacador (emitente). • Sacado (comprador): é a pessoa que recebe a ordem de pagamento. É aquela que compra a mercadoria ou o serviço e paga para o beneficiário, que é o próprio vendedor. • Sacador (emitente): é quem dá a ordem de pagamento (emite a duplicata). É aquele que vende a mercadoria ou o serviço. 

Vale ressaltar que João, sem conhecer muito bem as regras de direito cambiário, deu aceite nas cinco duplicatas, ou seja, assinou-as na frente do título, comprometendo-se a pagá-las mesmo sem ter ainda recebido os móveis comprados. 

Venda das duplicatas para uma outra empresa 

A loja de modulados, precisando de dinheiro imediatamente para ter capital de giro, “vendeu” essas duplicatas. Em outras palavras, a loja de modulados fez um endosso próprio das duplicatas e, quando ocorresse o dia do vencimento de cada uma delas, quem receberia o valor pago pelo cliente seria a empresa endossatária (empresa beneficiada com o endosso), e não mais a movelaria. 

Atraso nos móveis 

A empresa de modulados entregou as duas primeiras partes dos móveis nos dois primeiros meses, tendo João pagado as duas primeiras duplicatas. A partir do terceiro mês, no entanto, a empresa, alegando atraso na produção, não entregou a terceira parte. Diante disso, João também não pagou a terceira duplicata. Isso se repetiu no quarto e quinto meses. Desse modo, a empresa cumpriu dois meses de seu compromisso contratual e, como não mais entregou os móveis a partir daí, o cliente deixou de pagar as três duplicatas restantes. Ocorre que a empresa endossatária, que já havia “comprado” as duplicatas, não quis saber de nada e, como não houve o pagamento, levou os títulos para protesto. 

Exceções pessoais 

Juridicamente, um dos sentidos da palavra “exceção” é o de defesa. Assim, o termo “exceção” pode ser utilizado como sinônimo de defesa em alguns casos. Em direito cambiário, quando falamos em “exceções pessoais”, estamos querendo dizer que são defesas que a pessoa que emitiu o título de crédito possui em relação àquele em favor de quem foi emitido o título de crédito. Ex: Pedro quer comprar um celular de Mário e emite uma nota promissória. A origem da nota promissória é a compra e venda (trata-se da causa subjacente/causa debendi). O celular apresenta vício e, por isso, Pedro não paga o valor da nota promissória e devolve o celular. Se Mário executar essa nota promissória, Pedro poderá invocar, como exceção pessoal, que a causa subjacente não se concretizou. Trata-se de uma exceção pessoal do emitente em relação ao beneficiário do título. As exceções pessoais podem ser invocadas (alegadas) pelo emitente para deixar de pagar o beneficiário do título. No entanto, em regra, as exceções pessoais não podem ser utilizadas contra pessoas de boa-fé que receberam o título. Isso está previsto no art. 916 do Código Civil: 

Art. 916. As exceções, fundadas em relação do devedor com os portadores precedentes, somente poderão ser por ele opostas ao portador, se este, ao adquirir o título, tiver agido de má-fé. 

Assim, se Mário já havia passado a nota promissória para Juliana, uma terceira pessoa, e ela estava de boa-fé, Juliana poderá executar o título cobrando o valor de Pedro. Este, coitado, ficará sem o celular e terá que pagar o valor do título para Juliana. Obviamente que, depois, Pedro poderá tentar cobrar de Mário aquilo que foi pago. No entanto, repito, não poderá invocar contra Juliana sua exceção pessoal porque o título circulou e agora encontra-se com alguém considerado terceiro de boa-fé. 

Voltando ao exemplo da Loja de Modulados. A empresa endossatária está cobrando de João o valor das três duplicatas não pagas. João não quer pagar porque a mercadoria não foi entregue. João (sacado) poderá invocar isso como exceção pessoal para não pagar à empresa endossatária? NÃO. 

Alguém poderia falar: mas a duplicata é um título causal, ou seja, ela está relacionada com um negócio jurídico. Se este negócio jurídico não foi cumprido, mesmo assim a duplicata terá que ser paga? 

A duplicata é um título causal no momento da sua emissão. No entanto, ela conserva essa característica apenas até a emissão do aceite, expresso ou ficto, quando adquire feição e qualidades próprias dos demais títulos de crédito, tanto que se admite a sua circulação, por cessão ou endosso. Isso porque o aceite confere ao adquirente da duplicata uma segurança jurídica de que o negócio que justificou a emissão do título foi cumprido. A certeza é transmitida pelo próprio devedor (sacado) que, podendo recusar, aceitou o título. Assim, depois do aceite, a duplicata perde o caráter causal, ou seja, desvincula-se do negócio jurídico que lhe deu causa. Além disso, com a circulação (que ocorre com o endosso do título para terceiros), a duplicata passa a ter duas outras características muito relevantes para o direito cambiário: autonomia e abstração. 

a) Autonomia: o possuidor de boa-fé (possuidor do título de crédito), ao cobrar esse título, está exigindo um direito próprio (direito seu), que não pode ser atrapalhado por conta de relações jurídicas anteriores entre o devedor e antigos possuidores do título. Assim, o possuidor de boa-fé do título de crédito não tem nada a ver com o fato de o título ter vícios ou defeitos anteriores. Se ele é o atual possuidor e está de boafé, tem direito ao crédito (obs.: existem algumas exceções ao princípio da autonomia, que não interessam no momento). 

b) Abstração: significa que os títulos de crédito, quando circulam, ficam desvinculados da relação que lhe deu origem. Ex: João comprou um notebook de Ricardo, entregando-lhe uma nota promissória. Ricardo endossou a nota promissória para Rui. Ricardo acabou nunca levando o computador para João. Rui (que estava de boa-fé) poderá cobrar de João o crédito constante da nota promissória e o fato de o contrato não ter sido cumprido não poderá ser invocado para evitar que João pague o débito. Isso porque, como o título circulou, ele já não tem mais nenhuma vinculação com o negócio jurídico que lhe deu origem. Esses dois princípios acima elencados têm por objetivo conferir segurança jurídica ao tráfego comercial e à circulação do crédito. Se a pessoa que recebeu um título de crédito (aparentemente válido) pudesse ficar sem o dinheiro por força de vícios anteriores ou por conta de uma quitação que não consta na cártula, isso geraria um enorme risco ao portador, o que desestimularia as pessoas a aceitarem títulos de crédito. 

João invocou os arts. 288 e 290 do Código Civil para não pagar. Esse argumento, no presente caso, poderá ser acolhido? 

NÃO. Veja o que dizem esses dispositivos: 

Art. 288. É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1º do art. 654. 

Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita. 

Embora o endosso, no interesse do endossatário terceiro de boa-fé, tenha efeito de cessão, não se aplica e não se confunde com o instituto civilista da cessão de crédito. Em razão disso, não são aplicáveis os arts. 288 e 290 do Código Civil para a obtenção, por meio tão somente do endosso de título de crédito à ordem, dos mesmos efeitos de cessão de crédito. Por um lado, como a duplicata tem aceite, o art. 15 da Lei das Duplicatas (Lei nº 5.474/68) estabelece que a cobrança judicial de duplicata ou triplicata será efetuada de conformidade com o processo aplicável aos títulos executivos extrajudiciais, não havendo necessidade de quaisquer outros documentos, além do título. O inciso II do mesmo dispositivo estabelece que, apenas se a duplicata ou triplicata não for aceita, é necessário, cumulativamente, que haja sido protestada e esteja acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e do recebimento da mercadoria. Por outro lado, o art. 25 da Lei da Duplicata esclarece que se aplicam à duplicata e à triplicata, no que couber, os dispositivos da legislação sobre emissão, circulação e pagamento das Letras de Câmbio. 

Em suma: O endosso de duplicata mercantil com aceite a terceiro de boa-fé dispensa a necessidade de demonstração, pela endossatária, da consumação de negócio de compra e venda de mercadorias subjacente. Uma vez aceita, o sacado vincula-se ao título como devedor principal e a ausência de entrega da mercadoria ou de prestação de serviços, ou mesmo quitação referente à relação fundamental ao credor originário, somente pode ser oponível ao sacador, como exceção pessoal, mas não a endossatários de boa-fé. 

A duplicata é título de crédito causal. Isso significa que, para sua regular constituição, deve haver uma prestação de serviço. Essa causalidade, todavia, não lhe retira o caráter de abstração. Uma vez circulando o título, ao endossatário não podem ser opostas as exceções. STJ. 4ª Turma. REsp 1.518.203-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/04/2021 (Info 694).



Se a duplicata cumpre os requisitos do art. 2º, § 1º da Lei 5.474/68, ela é válida e eficaz mesmo que tenha tamanho diferente do que o padrão e ainda que contenha a descrição das mercadorias vendidas

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-694-stj-1.pdf


TÍTULOS DE CRÉDITO (DUPLICATA) - Se a duplicata cumpre os requisitos do art. 2º, § 1º da Lei 5.474/68, ela é válida e eficaz mesmo que tenha tamanho diferente do que o padrão e ainda que contenha a descrição das mercadorias vendidas 

A cártula, contendo todos os requisitos essenciais previstos no art. 2º, § 1º, da Lei das Duplicatas, tem validade e eficácia de duplicata, mesmo que não siga rigorosamente as medidas do modelo estabelecido na Resolução do Bacen nº 102/1968 e tenha, também, a descrição da mercadoria objeto da compra e venda e uma fatura da mercadoria objeto da negociação. STJ. 4ª Turma. REsp 1.518.203-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/04/2021 (Info 694). 

Conceito de duplicata Duplicata é... - um título de crédito - que consiste em uma ordem de pagamento emitida pelo próprio credor - por conta de mercadorias que ele vendeu ou de serviços que prestou - e que estão representados em uma fatura - devendo ser paga pelo comprador das mercadorias ou pelo tomador dos serviços. 

Título de crédito genuinamente brasileiro 

A duplicata foi criada pelo direito brasileiro, sendo considerada um título genuinamente brasileiro. 

Regulamentação 

A duplicata é regida pela Lei nº 5.474/68 e pela Lei nº 13.775/2018. 

Requisitos 

O § 1º do art. 2º da Lei nº 5.474/68 prevê os requisitos da duplicata. Confira: 

Art. 2º (...) § 1º A duplicata conterá: I - a denominação “duplicata”, a data de sua emissão e o número de ordem; II - o número da fatura; III - a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista; IV - o nome e domicílio do vendedor e do comprador; V - a importância a pagar, em algarismos e por extenso; VI - a praça de pagamento; VII - a cláusula à ordem; VIII - a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial; IX - a assinatura do emitente. 

Resolução BACEN 102/1968 

O art. 27 da Lei das Duplicatas (Lei nº 5.474/68) previu que o Conselho Monetário Nacional (CMN) deveria editar norma definindo como deveria ser o padrão formal das duplicatas. Cumprindo essa determinação, foi editada a Resolução nº 102, do Bacen, que divulgou o modelo de duplicata aprovado pelo CMN. Essa Resolução traz a imagem de como deve ser a duplicata e prevê, inclusive, os tamanhos que deverão ser adotados pela cártula: • Altura: mínima de 148mm e máxima de 152mm. • Largura: mínima de 203mm e máxima de 210mm. 

Vejamos, agora, o caso concreto: 

O STJ enfrentou um caso concreto no qual foi emitida uma duplicata que continha todos os requisitos do art. 2º, § 1º, da Lei nº 5.474/68. Ocorre que essa duplicata possuía dois “problemas”: • continha, em seu corpo, a descrição da mercadoria objeto da compra e venda e uma fatura da mercadoria objeto da negociação. Isso, contudo, não é previsto nem na Lei nem na Resolução como informação que deva estar presente; • além disso, ela não respeitava rigorosamente as dimensões máxima e mínima exigidas pela Resolução. 

Essa duplicata, mesmo com as irregularidades acima mencionadas, continua sendo válida e eficaz? SIM. 

A cártula, contendo todos os requisitos essenciais previstos no art. 2º, § 1º, da Lei das Duplicatas, tem validade e eficácia de duplicata, mesmo que não siga rigorosamente as medidas do modelo estabelecido na Resolução do Bacen nº 102/1968 e tenha, também, a descrição da mercadoria objeto da compra e venda e uma fatura da mercadoria objeto da negociação. STJ. 4ª Turma. REsp 1.518.203-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/04/2021 (Info 694). 

Modalidades de duplicata 

Existem três modalidades de duplicata: 

a) a cartular, assinada em papel; 

b) as assinadas por certificado digital, denominadas no mercado de securitização de recebíveis de “duplicata digital”;

c) as correspondentes às informações presentes nos boletos bancários, inicialmente denominadas de “duplicata virtual” ou “eletrônica”, a teor da mais técnica nominação atribuída pela Lei nº 13.775/2018, “duplicata sob a forma escritural”. 

Na prática, com o desenvolvimento da tecnologia, houve a desmaterialização da duplicata, que deixou de ser feita em papel e foi transformada em “registros eletromagnéticos”, transmitidos por computador pelo comerciante ao banco. O banco, por seu turno, faz a cobrança, mediante expedição de simples aviso ao devedor (os chamados boletos), de tal modo que o título em si, na sua expressão de cártula, somente vai surgir se o devedor se mostrar inadimplente. Na imensa maioria dos casos, contudo, a duplicata mercantil será “virtual”. 

Requisitos estão previstos no art. 2º, § 1º da Lei 

Vale observar que os requisitos essenciais da duplicata, os quais devem ser devidamente supridos sob pena de retirar o valor de título de crédito do documento estão claramente previstos no art. 2º, § 1º, da Lei das Duplicatas. Assim, a imprecisão das medidas formais da cártula caracteriza mera e irrelevante irregularidade, cuja pecha de inexistência não encontra respaldo nos usos e costumes, caracterizando formalismo totalmente incompatível com o direito empresarial, isto é, não caracteriza vício que afete a validade e eficácia do título de crédito. Vale ressaltar que não é compatível com a boa-fé objetiva que a sacada dê o aceite sem nenhuma oposição e, contraditoriamente, venha a dizer que o documento não caracteriza duplicata. O art. 113 do Código Civil dispõe que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Não é comum que o sacado e endossatários se valham de régua, por ocasião, respectivamente, do aceite e da operação de endosso, para aferição do preenchimento preciso das dimensões de largura e altura da cártula. Igualmente, não parece razoável o entendimento de que, como a cártula apresenta também a descrição da mercadoria objeto da compra e venda e uma fatura da mercadoria objeto da negociação, desnatura e descaracteriza por completo o título como duplicata. 

DOD PLUS – REVISE ESSE OUTRO JULGADO COM TEMA CORRELATO 

A assinatura do sacador/emitente da duplicata é requisito que pode ser suprido por outro meio Segundo o art. 2º, § 1º da Lei nº 5.474/68, um dos requisitos da duplicata é a assinatura do sacador. Esse requisito pode ser suprido por outros meios, sobretudo quando não ocorre a circulação da duplicata. STJ. 3ª Turma. REsp 1790004-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/10/2020 (Info 681)  



10 de maio de 2021

TÍTULOS DE CRÉDITO - O ajuizamento da ação de busca e apreensão, com a citação válida do devedor, interrompe o prazo prescricional para propor a execução lastreada em cédula de crédito comercial

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-692-stj.pdf 


TÍTULOS DE CRÉDITO - O ajuizamento da ação de busca e apreensão, com a citação válida do devedor, interrompe o prazo prescricional para propor a execução lastreada em cédula de crédito comercial 

O ajuizamento da ação de busca e apreensão fundada no inadimplemento da cédula de crédito comercial garantida por alienação fiduciária, com a citação válida do devedor, interrompe o prazo para propor ação de execução com base no mesmo título de crédito. STJ. 4ª Turma. REsp 1.135.682-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 13/04/2021 (Info 692). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João recebeu mútuo bancário de R$ 100 mil e emitiu em favor da instituição financeira uma cédula de crédito comercial. Como garantia do empréstimo, João fez a cessão fiduciária para o banco de um caminhão. Em outras palavras, João cedeu fiduciariamente a propriedade resolúvel do veículo para o banco. Vale ressaltar que, na alienação fiduciária, o bem continua na posse direta do devedor. O empréstimo deveria ser pago em 36 parcelas. Ocorre que João tornou-se inadimplente. Diante da inadimplência do mutuário, o credor deverá fazer a notificação extrajudicial do devedor de que este se encontra em débito, comprovando, assim, a mora. 

Ajuizamento de ação contra o devedor 

Após comprovar a mora, o mutuante (banco) terá duas opções: 

1) poderá ingressar com uma ação de busca e apreensão requerendo que lhe seja entregue o bem (art. 3º do DL 911/69). Essa busca e apreensão prevista no DL 911/69 é uma ação especial autônoma e independente de qualquer procedimento posterior; ou 

2) ajuizar uma ação de execução (arts. 4º e 5º do DL 911/69). 

O STJ decidiu que o ajuizamento da ação de busca e apreensão, com a citação válida do devedor, interrompe o prazo para propor a execução: O ajuizamento da ação de busca e apreensão fundada no inadimplemento da cédula de crédito comercial garantida por alienação fiduciária, com a citação válida do devedor, interrompe o prazo para propor ação de execução com base no mesmo título de crédito. STJ. 4ª Turma. REsp 1.135.682-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 13/04/2021 (Info 692). 

Conforme a regra do art. 202, V c/c parágrafo único, do Código Civil, qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor interrompe a prescrição, que voltará a ser contada somente após o trânsito em julgado da decisão judicial que ponha fim ao processo que a interrompeu: 

Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: (...) 

V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; (...) 

Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper. 

No caso, as partes celebraram uma cédula de crédito - pacto cuja finalidade é incentivar a atividade comercial através do empréstimo remunerado de capital. O objetivo do tomador do empréstimo é obter o crédito para fomentar sua atividade empresarial; já o objetivo da instituição financeira é reaver o valor emprestado, com juros e demais acréscimos legais. 

A cláusula de alienação fiduciária é acessória e serve de garantia para que o credor, diante do inadimplemento, receba o capital emprestado. Assim, afirmar que a ação de busca e apreensão tem como propósito obter o bem dado em garantia implica tomar o acessório pelo principal. 

Quando a instituição financeira ajuizou a ação de busca e apreensão e citou validamente o devedor, houve a constituição em mora; isso significa dizer que o réu estava inadimplente com a obrigação principal da cédula de crédito comercial. 

Dessa feita, fica evidente que a finalidade da ação de busca e apreensão é o cumprimento da obrigação expressa na cédula de crédito comercial - assim como o é a ação de execução, proposta com base no mesmo título. 


4 de maio de 2021

AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. PERDA DOS ATRIBUTOS CAMBIÁRIOS. POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.669.968 - RO (2017/0102648-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

DIREITO EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU ERRO MATERIAL. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. PERDA DOS ATRIBUTOS CAMBIÁRIOS. POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI. 

1. Ação monitória fundada em cheques prescritos. 

2. Ação ajuizada em 16/04/2013. Recurso especial concluso ao Gabinete em 22/05/2017. Julgamento: CPC/2015. 

3. O propósito recursal, além de analisar acerca da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, é definir se, na hipótese, é aplicável o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao recorrente – portador dos cheques e terceiro de boa-fé. 

4. Não há que se falar em violação do art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. 

5. Nos termos do art. 25 da Lei 7.357/85, quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor, isto é, salvo se constatada a má-fé do portador do título. 

6. Na hipótese dos autos, contudo, verifica-se que os cheques, que embasaram o ajuizamento da ação monitória, já estavam prescritos, não havendo mais que se falar em manutenção das suas características cambiárias, tais quais a autonomia, a independência e a abstração. 

7. Perdendo o cheque prescrito os seus atributos cambiários, dessume-se que a ação monitória neste documento fundada admitirá a discussão do próprio fato gerador da obrigação, sendo possível a oposição de exceções pessoais a portadores precedentes ou mesmo ao próprio emitente do título. 

8. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração de honorários. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial, com majoração de honorários, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 08 de outubro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de recurso especial interposto por RAY DOS SANTOS ARRUDA, fundamentado exclusivamente na alínea "a" do permissivo constitucional. 

Recurso especial interposto em: 13/02/2017. Concluso ao gabinete em: 22/05/2017. 

Ação: monitória, ajuizada pelo recorrente, em desfavor de EVALDO KRUMENAUER e LUCIDALVA APARECIDA DE OLIVEIRA KRUMENAUER, por meio da qual alega ser credor destes da quantia de R$ 12.000,00 (doze mil reais), representada por dois cheques prescritos (e-STJ fls. 2-3). Os recorridos, por sua vez, opuseram embargos monitórios (e-STJ fls. 15-21). 

Sentença: acolheu os embargos monitórios opostos pelos recorridos e, consequentemente, julgou improcedentes os pedidos iniciais formulados pelo autor da ação (ora recorrente) (e-STJ fls. 86-88). 

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa: Ação monitória. 

Cheques objeto da relação negocial desfeita. Princípio da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé. Relativização. Real devedor. Admite-se a mitigação dos princípios da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé, reconhecendo-se a relativização de tal princípio, quando comprovado que o título de crédito objeto dos autos da ação monitória ajuizada pelo portador foi sustado pelos emitentes em decorrência do descumprimento contratual cometido pelo real devedor (e-STJ fl. 120). 

Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram rejeitados (e-STJ fls. 134-136). 

Recurso especial de RAY DOS SANTOS ARRUDA: alega violação dos arts. 1.022, II, do CPC/2015; 8º, parágrafo único, e 25 da Lei 7.357/85. Além de negativa de prestação jurisdicional, sustenta que: 

a) os cheques foram emitidos ao portador, transmitindo-se, portanto, por mera tradição; o TJ/RO, contudo, considerou que os cheques seriam nominais; 

b) tratando-se de cheque ao portador, o recorrente só pode cobrar o seu emitente, pois inexiste endosso nas cártulas, e, tendo este circulado, veda-se ao devedor opor ao terceiro exceções pessoais com portadores anteriores; e 

c) quando o emitente do cheque não indica o beneficiário, o título poderá circular pela simples tradição da cártula, tornando-se credor aquele que a tem em mãos (e-STJ fls. 138-149). 

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/RS admitiu o recurso especial interposto por RAY DOS SANTOS ARRUDA, determinando a remessa dos autos a esta Corte Superior (e-STJ fls. 180-181). 

Decisão monocrática: conheceu parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, deu-lhe provimento, para determinar o retorno dos autos ao juízo de origem, a fim de seguir no regular processamento da ação monitória (e-STJ fls. 188-190). 

Agravo interno: foi interposto pelos recorridos, pugnando pela reforma da decisão monocrática (e-STJ fls. 193-198). 

Decisão monocrática: ensejou a reconsideração da decisão proferida às fls. 188-190 (e-STJ), tendo sido determinado às partes que aguardassem a inclusão em pauta para julgamento colegiado do recurso especial (e-STJ fl. 214). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATOR): O propósito recursal, além de analisar acerca da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, é definir se, na hipótese, é aplicável o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao recorrente – portador dos cheques e terceiro de boa-fé. 

Aplicação do Código de Processo Civil de 2015, pelo Enunciado administrativo n. 3/STJ. 

1. DOS CONTORNOS DA AÇÃO 

Inicialmente, convém salientar ser incontroverso nos autos que: 

a) os recorridos emitiram os cheques, ante a contratação de serviços da empresa CRIARE, como pagamento pela compra de móveis planejados (e-STJ fls. 87; e 123); 

b) os cheques foram sustados, tendo em vista o cancelamento do pedido junto à referida empresa, que deixou de cumprir com suas obrigações (e-STJ fl. 123); 

c) os cheques, contudo, foram repassados ao recorrente, expressamente reconhecido pelo TJ/RO como “terceiro de boa-fé” (e-STJ fl. 123); e 

d) o recorrente, portador das cártulas já prescritas, ajuizou a ação monitória em desfavor dos próprios emitentes (ora recorridos) (e-STJ fl. 86). 

2. DA VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015 

É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. A propósito, confira-se: AgInt nos EDcl no AREsp 1.094.857/SC, 3ª Turma, DJe de 02/02/2018 e AgInt no AREsp 1.089.677/AM, 4ª Turma, DJe de 16/02/2018. 

No particular, verifica-se que o acórdão recorrido decidiu, fundamentada e expressamente, acerca da condição do recorrente como portador das cártulas (e-STJ fl. 136), de maneira que os embargos de declaração opostos, de fato, não comportavam acolhimento. 

Assim, observado o entendimento dominante desta Corte acerca do tema, não há que se falar em violação do art. 1.022 do CPC/2015, incidindo, quanto ao ponto, a Súmula 568/STJ. 

3. DA INOPONIBILIDADE DE EXCEÇÕES PESSOAIS DO EMITENTE DO CHEQUE AO PORTADOR/TERCEIRO DE BOA-FÉ (arts. 8º, parágrafo único, e 25 da Lei 7.357/85) 

Enquanto títulos de crédito, os cheques são regidos, dentre outros, pelo princípio da autonomia que “é uma garantia de negociabilidade do título, na medida em que a pessoa que o adquire não precisa saber se o credor anterior teria ou não direito de receber o valor do título” (TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. V 2. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 34). 

Do princípio da autonomia, surge o conhecido princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, consagrado pelo art. 25 da Lei do Cheque (Lei 7.357/85). 

Nos termos do referido dispositivo legal, quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor, isto é, salvo se constatada a má-fé do portador do título. 

Como mesmo anota Luiz Emygdio Franco da Rosa Junior: 

O art. 25 da LC consagra o princípio da inoponibilidade, pelo obrigado, das exceções fundadas em relações pessoais, apenas quando for demandado por terceiro de boa-fé. Este princípio visa a facilitar a circulação do título, ao proteger o terceiro adquirente de boa-fé, e resulta a autonomia das obrigações cambiárias. Por outro lado, o terceiro adquire direito originário, novo e autônomo, e não direito derivado (o mesmo direito do endossante), e, por essa razão, as relações pessoais entre os obrigados não se acumulam durante a circulação do título. Terceiro de má-fé é aquele que adquire o título conscientemente em detrimento do devedor, ou melhor, que tem conduta cambiariamente desonesta. Em outras palavras, age com má-fé o portador que adquire o cheque ciente das exceções pessoais que poderiam ser arguidas pelo devedor se o título não circulasse e, por isso, é sancionado pela lei. Em resumo, o devedor cambiário pode invocar a causa debendi quando acionado pelo credor com quem se relaciona diretamente no nexo cambiário ou por terceiro adquirente de má-fé. Não pode quando demandado por terceiro de boa-fé (Títulos de crédito. 8 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 654) (grifos acrescentados). 

Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte tem se firmado no sentido de que o devedor somente pode opor ao portador do cheque exceções fundadas na relação pessoal com o próprio portador ou em aspectos formais e materiais do título, a não ser que constatada a má-fé deste. 

Logo, se não for caracterizada a ma-fé do portador, deve ser preservada a autonomia do título cambial. A propósito, citam-se: AgInt no AREsp 1.252.159/SP, 3ª Turma, DJe 05/09/2018; AgRg no AREsp 724.963/DF, 3ª Turma, DJe 09/12/2015; AgRg no AREsp 574-717/SP, 3ª Turma, DJe 05/12/2014. 

Na hipótese dos autos, contudo, verifica-se que os cheques, que embasaram o ajuizamento da ação monitória, já estavam prescritos. 

É certo que a prescrição do título traduz apenas a extinção da declaração unilateral do crédito, não alcançando o negócio fundamental, se maior for o seu prazo de prescrição. Assim, com base no negócio fundamental, pode-se cobrar o valor da obrigação que esteve incorporada à cártula, mas que, com a prescrição do título, desincorporou-se. O credor pode aforar ação de cobrança, de enriquecimento sem causa ou, ainda, manejar a ação monitória, utilizando-se do título prescrito como prova escrita sem valor de título executivo judicial (MAMEDE, Gladston. Títulos de crédito. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 119). 

Entretanto, prescrito o cheque, não há mais que se falar em manutenção das suas características cambiárias, tais quais a autonomia, a independência e a abstração. 

Inclusive, em razão da prescrição do título de crédito, a pretensão fundar-se-á no próprio negócio subjacente, inviabilizando a propositura de ação de execução. 

Como mesmo anota Gladston Mamede, ao comentar sobre a exigibilidade do cheque prescrito: 

A prescrição do cheque não implica prescrição do negócio subjacente, tomando-se o princípio da autonomia por ângulo inverso, razão pela qual é possível ao credor aforar uma ação de enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se locupletaram injustamente com o não pagamento da cártula (...). Trata-se de ação ordinária (processo de conhecimento). Prescrito o cheque, não há mais falar em declaração unilateral de vontade, nem nas garantias cambiais da autonomia, da independência e da abstração. A pretensão se funda no negócio subjacente, impedindo que uma parte enriqueça indevidamente à custa da outra. Não é mais o cheque, por si, o fundamento da pretensão, mas o fato jurídico no qual foi emitido. (...) A Lei nº 7.357/85, contudo, se desatualizou com a criação da ação monitória, agora regulada pelos artigos 700 e seguintes no novo Código de Processo Civil. Meio processual mais eficaz, a ação monitória passou a ser preferida como meio para se evitar o enriquecimento indevido do devedor em face do cheque prescrito. Prescrito o cheque, desaparecem as relações meramente cambiais, preservando-se apenas as obrigações resultantes dos negócios subjacentes à existência da cártula. (...) Parece-me que a denominação ação de locupletamento, assim como a ação monitória, deve obrigatoriamente girar em torno do negócio jurídico fundamental, descrevendo-o; o cheque prescrito vê-se rebaixado à mera condição de uma prova do fato do qual se originara a obrigação de pagar. A causa debendi ganha importância, já que, com a prescrição do cheque, não mais se aplicam os princípios do Direito Cambiário. Assim, a ação para impedir o enriquecimento sem causa do emissor do cheque torna-se um amplo espaço para a rediscussão do fato gerador da obrigação (Op. Cit., p. 194-195). 

Nesse mesmo sentido, citam-se precedentes da 4ª Turma deste STJ: 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CAMBIÁRIO. PROTESTO DE CHEQUE PRESCRITO. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES. RECURSO NEGADO. 1. É indevido o protesto na hipótese de cheque prescrito. O protesto tem por finalidade precípua comprovar o inadimplemento de obrigação originada em título executivo ou outro documento de dívida e visa, ainda, à salvaguarda dos direitos cambiários do portador em face de possíveis coobrigados. 2. O cheque prescrito serve apenas como princípio de prova da relação jurídica subjacente que deu ensejo a sua emissão, não detendo mais os requisitos que o caracterizam como título executivo extrajudicial e que legitimariam o portador a exigir seu imediato pagamento e, por conseguinte, a fazer prova do inadimplemento pelo protesto. Precedentes. 3. A Lei do Cheque - em seu art. 48 - dispõe que o protesto deve ser feito antes da expiração do prazo de apresentação (30 dias, se da mesma praça, ou 60, se de praça diversa, mais 6 meses, a contar da data de emissão do cheque), quando então o título perde a sua executividade. 4. A perda das características cambiárias do título de crédito, como autonomia, abstração e executividade, quando ocorre a prescrição, compromete a pronta exigibilidade do crédito nele representado, o que desnatura a função exercida pelo ato cambiário do protesto de um título prescrito. Precedentes. 5. O protesto do cheque dois anos após sua emissão, no caso, exsurge como meio de coação e cobrança, o que não é cabível diante da finalidade prevista em lei para o ato cambiário. Precedentes. 6. Agravo regimental não provido (AgRg no AREsp, 4ª Turma, DJe 19/12/2014) (grifos acrescentados). 

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO MONITÓRIA FUNDADA EM CHEQUES PRESCRITOS - EMBARGOS MONITÓRIOS PARA DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI - RECONHECIMENTO DA INEXIGIBILIDADE DOS TÍTULOS - DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL POR INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 7 DA SÚMULA DO STJ. INSURGÊNCIA DA AUTORA/EMBARGADA. 1. "Em ação monitória fundada em cheque prescrito, ajuizada em face do emitente, é dispensável menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula" (REsp 1094571/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 04/02/2013, DJe 14/02/2013). 2. No entanto, embora não seja exigida a prova da origem da dívida para admissibilidade da ação monitória fundada em cheque prescrito, nada impede que o emitente do título discuta, em embargos monitórios, a causa debendi. 3. No caso concreto, o Juízo de primeiro grau admitiu a ação monitória, mas julgou procedentes os embargos monitórios, por entender não demonstrada a origem da dívida. Não pode esta Corte, pois, na via estreita do recurso especial, reexaminar o conjunto fático-probatório dos autos para chegar a conclusão distinta, em razão do óbice do enunciado nº 7 da Súmula do STJ. 4. Não cabe falar em autonomia de títulos prescritos, uma vez que, com a prescrição, desaparece a abstração decorrente do princípio da autonomia e opera-se a perda da cambiariedade do título. 5. Agravo regimental desprovido (AgRg nos EDcl no REsp 1.115.609/ES, 4ª Turma, DJe 25/09/2014) (grifos acrescentados). 

DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA EMBASADA EM CHEQUE PRESCRITO. VIABILIDADE. MENÇÃO AO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. DESNECESSIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS À MONITÓRIA DISCUTINDO O NEGÓCIO QUE ENSEJOU A EMISSÃO DO CHEQUE. POSSIBILIDADE. 1. O cheque é ordem de pagamento à vista, sendo de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução após o prazo de apresentação, que é de 30 (trinta) dias a contar da emissão, se da mesma praça, ou de 60 (sessenta) dias, também a contar da emissão, se consta no título como sacado em praça diversa, isto é, em município distinto daquele em que se situa a agência pagadora. 2. Se ocorreu a prescrição para execução do cheque, o artigo 61 da Lei do Cheque prevê, no prazo de 2 (dois) anos a contar da prescrição, a possibilidade de ajuizamento de ação de locupletamento ilícito que, por ostentar natureza cambial, prescinde da descrição do negócio jurídico subjacente. Expirado o prazo para ajuizamento da ação por enriquecimento sem causa, o artigo 62 do mesmo Diploma legal ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação de cobrança fundada na relação causal. 3. No entanto, caso o portador do cheque opte pela ação monitória, como no caso em julgamento, o prazo prescricional será quinquenal, conforme disposto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil e não haverá necessidade de descrição da causa debendi. 4. Registre-se que, nesta hipótese, nada impede que o requerido oponha embargos à monitória, discutindo o negócio jurídico subjacente, inclusive a sua eventual prescrição, pois o cheque, em decorrência do lapso temporal, já não mais ostenta os caracteres cambiários inerentes ao título de crédito. 5. Recurso especial provido (REsp 926.312/SP, 4ª Turma, DJe 17/10/2011) (grifos acrescentados). 

Assim, perdendo o cheque prescrito os seus atributos cambiários, dessume-se que a ação monitória neste documento fundada admitirá a discussão do próprio fato gerador da obrigação, sendo possível a oposição de exceções pessoais a portadores precedentes ou mesmo ao próprio emitente do título. 

Ressalte-se que tal entendimento vai ao encontro à jurisprudência firmada nesta Corte Superior no sentido de que, embora não seja exigida a prova da origem da dívida para a admissibilidade da ação monitória fundada em cheque prescrito (Súmula 531/STJ), nada impede que o emitente do título discuta, em embargos monitórios, a causa debendi (AgInt no AREsp 1.020.357/SP, 4ª Turma, DJe 01/06/2018; AgRg nos EDcl no REsp 1.115.609/ES, 4ª Turma, DJe 25/09/2014). 

Isso significa que, embora não seja necessário debater a origem da dívida, em ação monitória fundada em cheque prescrito, o réu pode formular defesa baseada em eventuais vícios ou na inexistência do negócio jurídico subjacente, mediante a apresentação de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor – o que ocorreu na hipótese dos autos, senão veja-se o que reconhecido pela sentença: 

Os requeridos, em embargos, alegam que emitiram os cheques, ante a contratação dos serviços da empresa CRIARE, que por sua vez, não cumpriu com a sua parte (entrega dos móveis), conforme documento de fls. 24/26, que demonstra claramente que os cheques foram entregues para o preposto da mencionada empresa. Há comprovação nos autos de que os cheques efetivamente foram emitidos em favor da CRIARE, conforme documentos acima mencionados. Consta ainda que o pedido foi cancelado (fl. 27), sendo que apenas parte dos bens comprados foram entregues (fls. 38/42). Também há prova nos autos de que os requeridos procederam à sustação dos cheques, ante o descumprimento contratual (fl. 33). É certo que a empresa CRIARE, que recebeu incialmente os cheques dos requeridos, descumpriu o contrato que ensejou a emissão das cambiais. Destarte, os réus demonstraram fatos impeditivos do direito do autor, devendo este acionar àquele que efetivamente lhe deve, ou seja, a pessoa que lhe repassou os cheques (e-STJ fl. 87) (grifos acrescentados). 

Destarte, na espécie, em tendo os recorridos, no bojo dos embargos monitórios opostos, comprovado que o título de crédito objeto dos autos da ação monitória ajuizada pelo portador foi sustado pelos emitentes em decorrência do descumprimento contratual cometido pelo real devedor, deve ser mantido o acórdão recorrido. 

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial interposto por RAY DOS SANTOS ARRUDA e NEGO-LHE PROVIMENTO, para manter o acórdão proferido pelo TJ/RO quanto ao acolhimento dos embargos monitórios opostos pelo recorrido e extinção da presente ação monitória. 

Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/15, considerando o trabalho adicional imposto ao advogado da parte recorrida em virtude da interposição deste recurso, majoro os honorários fixados anteriormente em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (e-STJ fl. 88) para 12% (doze por cento).