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8 de janeiro de 2022

Não viola a Constituição Federal a exclusão dos aprendizes do rol de beneficiados por piso salarial regional

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/12/info-1035-stf.pdf


DIREITOS SOCIAIS Não viola a Constituição Federal a exclusão dos aprendizes do rol de beneficiados por piso salarial regional 

Caso concreto: Lei do Estado de São Paulo instituiu pisos salariais para os trabalhadores e, em determinado artigo, afirmou que o piso salarial não se aplica para os contratos de aprendizagem. Essa previsão é constitucional. Do ponto de vista formal, esse artigo é compatível com a Lei Complementar federal 103/2000, que delegou para os Estados-membros e DF a competência para editarem leis fixando o piso salarial dos profissionais (art. 22, parágrafo único, da CF/88). Do ponto de vista material, esse artigo também é constitucional porque o contrato de aprendizagem é dotado de um regime jurídico peculiar, diferente do contrato de trabalho comum. Logo, esse discrímen que fundamentou a opção do legislador estadual está em consonância com os valores da ordem constitucional vigente. STF. Plenário. ADI 6223/SP, Rel. Min. Edson Fachin, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 22/10/2021 (Info 1035). 

A situação concreta foi a seguinte: 

Em São Paulo, foi editada a Lei nº 12.640/2007, que instituiu pisos salariais para os trabalhadores. O art. 2º dessa Lei excluiu da incidência do piso salarial regional os contratos de aprendizagem (“menor aprendiz”): 

Art. 2º Os pisos salariais fixados nesta lei não se aplicam (...) aos contratos de aprendizagem regidos pela Lei Federal nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000. (Redação dada pela Lei nº 16.162/2016) 

O Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra esse art. 2º alegando que existe inconstitucionalidade formal por usurpação da competência da União para legislar sobre direito do trabalho, além do vício material por ofensa aos arts. 5º, caput e 7º, V e XXX, da Constituição Federal: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) 

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) 

V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; (...) 

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; 

Aduziu que a norma questionada viola a igualdade material por discriminação irrazoável e inadequada de jovens e de pessoas com deficiência, restringindo o âmbito de proteção de direito social destinado pela Constituição a todos os trabalhadores urbanos e rurais, inclusive aos empregados aprendizes. 

O STF concordou com a tese de inconstitucionalidade formal e material? NÃO. 

Piso salarial 

A Constituição Federal, em seu art. 7º, prevê o seguinte direito social: 

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) 

V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; 

Piso salarial é o valor mínimo que os membros de determinada categoria profissional devem ganhar. Ex: piso salarial dos jornalistas, dos engenheiros, dos psicólogos etc. 

Quem fixa esse piso salarial? 

O piso salarial pode ser fixado: • por lei; • por sentença normativa • por acordo ou convenção coletiva de trabalho. 

Se for fixado por lei, de quem é a competência para editá-la? 

A fixação de um piso salarial para empregados é um assunto relacionado com Direito do Trabalho. Logo, compete à União, privativamente, editar lei tratando sobre o piso salarial dos empregados da iniciativa privada, conforme determina o art. 22, I, da CF/88: 

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: 

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; 

As competências do art. 22 podem ser delegadas pela União para os entes federativos? 

SIM. É o que determina o parágrafo único do art. 22: 

Art. 22 (...) Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. 

LC 103/2000 

O que fez a União? Editou uma lei complementar delegando para os Estados-membros e DF a competência para editarem leis fixando o piso salarial dos profissionais. Em outras palavras, a União falou o seguinte: como a realidade de cada Estado é diferente, eu abro mão de fixar o piso salarial nacional para os profissionais e autorizo que cada Estado/DF edite sua própria lei prevendo o valor mínimo que os profissionais deverão receber. Isso foi feito por meio da LC 103/2000, que tem a seguinte redação: 

Art. 1º Os Estados e o Distrito Federal ficam autorizados a instituir, mediante lei de iniciativa do Poder Executivo, o piso salarial de que trata o inciso V do art. 7º da Constituição Federal para os empregados que não tenham piso salarial definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho. 

§ 1º A autorização de que trata este artigo não poderá ser exercida: 

I – no segundo semestre do ano em que se verificar eleição para os cargos de Governador dos Estados e do Distrito Federal e de Deputados Estaduais e Distritais; 

II – em relação à remuneração de servidores públicos municipais. 

§ 2º O piso salarial a que se refere o caput poderá ser estendido aos empregados domésticos. 

Art. 2º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação. 

Requisitos para a edição de lei estadual/distrital fixando o piso salarial: 

1) a lei deve ser de iniciativa do Governador do Estado; 

2) a categoria profissional abrangida pela lei não pode ter piso salarial definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho; 

3) a lei não pode ser editada no segundo semestre do ano em que se verificar eleição para os cargos de Governador e de Deputados; 

4) não pode ser editada para tratar sobre a remuneração de servidores públicos municipais. 

Voltando ao caso concreto: 

A Lei nº 12.640/2007, do Estado de São Paulo, teve por objetivo instituir pisos salariais no âmbito daquele Estado para as categorias que menciona, prevendo, ainda, providência correlatas. O estabelecimento de pisos salariais por leis estaduais tem por fundamento normativo imediato a LC 103/2000. Essa Lei Complementar, editada com base no art. 22, parágrafo único, da Constituição Federal, confere uma faculdade aos entes regionais para estabelecer ou não pisos salariais regionais, inexistindo comando específico na referida legislação complementar federal para a inclusão dos aprendizes entre os beneficiados pelo estabelecimento do piso salarial regional. O contrato de aprendizagem é dotado de um regime jurídico peculiar, significativamente divergente do aplicável ao contrato de trabalho comum. Caracterizando-o como um “ contrato de trabalho especial ”, a Consolidação das Leis do Trabalho define-o como um acordo “ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a esse formação ” (art. 428, da CLT). Nesse contexto, considerados os objetivos principais do contrato de aprendizagem (formação do jovem para o exercício de um ofício) e o singular regime jurídico dele decorrente, o discrímen que fundamentou a opção do legislador estadual está em consonância com os valores da ordem constitucional vigente. 

Em suma: Não viola a Constituição Federal a exclusão dos aprendizes do rol de beneficiados por piso salarial regional. STF. Plenário. ADI 6223/SP, Rel. Min. Edson Fachin, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 22/10/2021 (Info 1035).

28 de junho de 2021

STF determinou que a União adote todas as medidas legais necessárias para viabilizar a realização do Censo, inclusive com a previsão dos créditos orçamentários necessários à pesquisa

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-1017-stf.pdf


DIREITOS SOCIAIS 

STF determinou que a União adote todas as medidas legais necessárias para viabilizar a realização do Censo, inclusive com a previsão dos créditos orçamentários necessários à pesquisa 

Compete ao STF julgar, com base no art. 102, I, “f”, da CF/88, ação cível originária que questiona a inércia da Administração Pública federal relativamente à organização, ao planejamento e à execução do Censo Demográfico do IBGE. Configura-se ilegítima a escolha política que, esvaziando as dotações orçamentárias vocacionadas às pesquisas censitárias do IBGE, inibe a produção de dados demográficos essenciais ao acompanhamento dos resultados das políticas sociais do Estado brasileiro. STF. Plenário. ACO 3508 TA-Ref/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/5/2021 (Info 1017). 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:

 Na lei orçamentária anual (Lei nº 14.144/2021), relativa ao exercício de 2021, não foi prevista dotação orçamentária suficiente para a realização do Censo Demográfico pelo IBGE. Diante disso, o Estado do Maranhão ajuizou, contra a União e o IBGE, ação cível originária pedindo que os réus sejam condenados a determinar “a adoção de medidas voltadas à realização da pesquisa, a partir dos parâmetros indicados pelo IBGE, observada a própria discricionariedade técnica, inclusive com abertura de créditos em valores suficientes”. 

Primeira pergunta: de quem é a competência para julgar essa demanda? 

Do STF, nos termos do art. 102, I, “f”, da CF/88: 

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta; 

Podemos imaginar as seguintes situações que serão de competência do STF com base na previsão acima: a) União contra Estado(s); b) União contra Distrito Federal; c) Estado(s) contra Estado(s); d) Estado(s) contra Distrito Federal. 

Obs: não importa quem seja o autor ou o réu; se as partes acima estiverem em polos antagônicos, estará preenchida a hipótese do art. 102, I, “f”. 

Obs2: a ação poderá envolver a administração direta ou indireta da União, Estados ou DF. Ex: uma ação judicial do IPHAN (autarquia federal) contra o Estado do Amazonas (STF Rcl 12957/AM). 

Vale ressaltar que, para se caracterizar a hipótese do art. 102, I, “f”, da CF/88, é indispensável que, além de haver uma causa envolvendo União e Estado/DF ou Estado contra Estado, essa demanda deve ter densidade suficiente para abalar o pacto federativo. Em outras palavras, não é qualquer causa envolvendo União contra Estado/DF ou Estado contra Estado que irá ser julgada pelo STF, mas somente quando essa disputa puder resultar em ofensa às regras do sistema federativo. Confira: 

Diferença entre conflito entre entes federados e conflito federativo: enquanto no primeiro, pelo prisma subjetivo, observa-se a litigância judicial promovida pelos membros da Federação, no segundo, para além da participação desses na lide, a conflituosidade da causa importa em potencial desestabilização do próprio pacto federativo. Há, portanto, distinção de magnitude nas hipóteses aventadas, sendo que o legislador constitucional restringiu a atuação da Corte à última delas, nos moldes fixados no Texto Magno, e não incluiu os litígios e as causas envolvendo Municípios como ensejadores de conflito federativo apto a exigir a competência originária da Corte. STF. Plenário. ACO 1.295-AgR-segundo, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 14/10/2010. 


Mero conflito entre entes federados 

Trata-se da disputa judicial envolvendo União (ou suas entidades) contra Estado-membro (ou suas entidades). 

Em regra, é julgado pelo juiz federal de 1ª instância. 


Conflito federativo 

Trata-se da disputa judicial envolvendo União (ou suas entidades) contra Estado-membro (ou suas entidades) e que, em razão da magnitude do tema discutido, pode gerar uma desestabilização do próprio pacto federativo. 

É julgado pelo STF (art. 102, I, “f” da CF/88). 


No caso concreto, o Estado-membro propôs ação pedindo para que a União implemente atos administrativos e faça a alocação de recursos destinados à realização do censo demográfico no ano de 2021. Essa demanda apresenta fator de potencial desestabilização do pacto federativo, de maneira a atrair a competência originária do STF. Vale ressaltar que não se trata aqui de mero prejuízo patrimonial causado a um ou a outro Estado da Federação em decorrência de ato específico praticado pela Administração Pública Federal. Trata-se, na verdade, de decisão governamental que, esvaziando o orçamento dedicado às pesquisas censitárias do IBGE, resulta na defasagem de informações e estatísticas essenciais para a promoção do equilíbrio socioeconômico dos entes da Federação. Em suma, quanto à competência, podemos concluir que: 

Compete ao STF julgar, com base no art. 102, I, “f”, da CF/88, ação cível originária que questiona a inércia da Administração Pública federal relativamente à organização, ao planejamento e à execução do Censo Demográfico do IBGE. STF. Plenário. ACO 3508 TA-Ref/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/5/2021 (Info 1017). 

E quanto ao mérito, o STF concordou com o pedido formulado? 

SIM. O STF determinou a adoção das medidas administrativas e legislativas necessárias à realização do Censo Demográfico do IBGE no exercício financeiro seguinte ao da concessão da tutela de urgência (2022), observados os parâmetros técnicos preconizados pelo IBGE, devendo a União adotar todas as medidas legais necessárias para viabilizar a pesquisa censitária, inclusive no que se refere à previsão de créditos orçamentários para a realização das despesas públicas. 

Escolha política ilegítima 

A AGU alegou que a não realização do Censo Demográfico ocorreu em razão de desequilíbrios fiscais causados pela pandemia da Covid-19. Ponderou, ainda, que os cortes promovidos pelos Poderes Executivo e Legislativo no orçamento de 2021 constituem mecanismos legítimos de seleção dos interesses da comunidade que, diante da notória escassez de verbas públicas, serão efetivamente promovidos pelo governo federal. O STF, contudo, não concordou com esse argumento. Para a Corte, ao não destinar valores suficientes no orçamento para a realização do Censo, a União adotou uma escolha política ilegítima: 

Configura-se ilegítima a escolha política que, esvaziando as dotações orçamentárias vocacionadas às pesquisas censitárias do IBGE, inibe a produção de dados demográficos essenciais ao acompanhamento dos resultados das políticas sociais do Estado brasileiro. STF. Plenário. ACO 3508 TA-Ref/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/5/2021 (Info 1017). 

Existe uma determinação legal de realização do Censo Demográfico 

A Lei nº 8.184/91 determinou a realização periódica do Censo Demográfico: 

Art. 1º A periodicidade dos Censos Demográficos e dos Censos Econômicos, realizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), será fixada por ato do Poder Executivo, não podendo exceder a dez anos a dos Censos Demográficos e a cinco anos a dos Censos Econômicos. 

Desse modo, o Poder Legislativo, ao editar a Lei nº 8.184/91, reconheceu a essencialidade do Censo Demográfico para a formulação e acompanhamento de políticas públicas, assim como para o planejamento de investimentos privados e, por conseguinte, para o desenvolvimento da economia nacional. Embora o legislador tenha conferido certo grau de discricionariedade ao gestor público para definição da periodicidade das pesquisas censitárias, há o limite temporal de 10 anos que deve ser sempre observado. Dada a eloquência do dispositivo legal e considerando que a última pesquisa do IBGE ocorreu em 2010, ou seja, há mais de dez anos, não há dúvidas de que o simples atraso do Poder Público em relação ao oferecimento dos recursos financeiros necessários ao planejamento, organização e execução do Censo Demográfico de 2021 já seria, por si mesmo, postura altamente censurável. 

Relevância social do Censo 

A não realização do recenseamento pelo IBGE impede o levantamento de indicadores necessários para a atualização dos coeficientes de partilha do Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e salário-educação, mecanismos necessários para a garantia da autonomia política e financeira dos entes subnacionais menos favorecidos economicamente. Essa consequência é ainda mais nociva no que diz respeito aos Estados mais carentes que, por razões históricas e sociais, dependem da partilha do produto dos impostos federais para manutenção de sua autonomia política e financeira. Explicando melhor: a distribuição de receitas mediante fundos de participação faz-se em duas etapas. Os percentuais aludidos na Constituição Federal indicam o quanto da receita arrecadada pela União deve ser redistribuída aos Estados e Municípios. Não há, contudo, no texto constitucional, detalhamento a respeito do valor que será recebido por cada Estado ou Município individualmente. Coube, assim, à lei complementar definir os critérios de rateio do produto da arrecadação federal, consoante previsão do art. 161, II, da Constituição Federal. Quanto ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), os critérios são determinados pelo CTN e pela LC 91/97, que se utilizam de fatores relacionados ao número de habitantes e do inverso da renda per capita, conforme estimativas do IBGE. Recentemente, a LC 165/2019 determinou o congelamento dos coeficientes individuais de distribuição previstos na LC 91/97, até a realização do recenseamento pelo IBGE. A justificativa para a edição da LC 165/2019 foi a de que os dados estão defasados, considerando que o último Censo Demográfico foi realizado em 2010. Dessa forma, para evitar prejuízos a parcela dos Municípios brasileiros, o Congresso Nacional congelou os coeficientes individuais de participação utilizados no exercício de 2018, até que os dados demográficos fossem atualizados com base em nova pesquisa censitária. O mecanismo previsto na lei partia da premissa de que o recenseamento previsto para 2020 levantaria dados atualizados sobre o número de habitantes e inverso da renda per capita de cada municipalidade, resultando, então, em um cálculo mais preciso e justo das cotas-partes do FPM. Daí porque se conclui que os sucessivos adiamentos da realização do Censo Demográfico acabam por inibir a produção de informações demográficas essenciais, comprometendo a justa distribuição dos recursos do FPM. No âmbito dos Estados-membros essa realidade também se observa. Os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) foram regulamentados pela LC 143/2013, que alterou a redação do art. 2º da LC 62/89. A nova lei manteve os coeficientes individuais de participação previstos no Anexo Único da LC 62/89 até 31 de dezembro de 2015. Para o período subsequente, vinculou a distribuição de parcela significativa dos recursos do FPE a dados censitários publicados pelo IBGE (art. 2º, §3º), notadamente a coeficientes individuais obtidos a partir da combinação de fatores representativos da população e do inverso de renda domiciliar per capita (art. 2º, III). A forte dependência dos mecanismos constitucionais de partilha de receitas tributárias em relação a informações demográficas e estatísticas do IBGE não se resume ao FPE e FPM. Ao contrário, há outras espécies de transferências intergovernamentais cujo bom funcionamento depende de dados censitários levantados pelos órgãos oficiais de estatística do governo federal. 

Acompanhamento das políticas sociais 

A ausência do Censo inviabiliza o acompanhamento dos resultados das políticas sociais dos governos federal, estadual e municipal. Com isso, não permite o contínuo aprimoramento do sistema de proteção social brasileiro. 

Proibição de proteção insuficiente 

Os diplomas normativos editados para a satisfação de direitos constitucionais não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Há, assim, para utilizar a expressão de, não apenas a proibição do excesso (Übermassverbote), mas também a proibição de proteção insuficiente (Untermassverbote). Por isso, a execução de leis dotadas de substrato constitucional não pode ser deixada ao livre alvedrio do gestor público, sob pena de comprometimento, por via transversa, de opções políticas sedimentadas na própria Constituição Federal. No exercício da jurisdição constitucional cabe ao Tribunal atuar na defesa dos direitos constitucionais negligenciados pelo Estado, notadamente nas hipóteses em que se constata descumprimento inercial de políticas públicas instituídas pelo Poder Legislativo. 

Determinação para a realização do Censo apenas em 2022 

O STF determinou que o Poder Executivo implemente a referida política pública apenas no exercício financeiro subsequente à decisão, ou seja, em 2022. Por que se adotou essa solução e não se determinou a realização do Censo já em 2021? O Min. Gilmar Mendes explicou que é necessário fazer a defesa dos direitos negligenciados, mas sem invadir o domínio dos representantes democraticamente eleitos ou assumir compromisso com a conformação das políticas públicas. Assim, deve-se reservar atuações mais incisivas apenas para situações excepcionais. Por isso, o STF afirmou que estaria adotando uma “solução conciliadora”, capaz de, a um só tempo, realizar a vocação constitucional da lei negligenciada, sem descurar do espaço de discricionariedade próprio das instâncias políticas. Solução semelhante já havia sido adotada pela Corte no julgamento do MI 7300/DF. A União já deveria ter implementado o programa “renda básica de cidadania”, instituído pela Lei nº 10.835/2004, mas ainda não o fez. Diante disso, o STF, constatando o estado de mora inconstitucional, determinou que o programa seja efetivado pelo Presidente da República no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento de mérito (ou seja, 2022). Nesse sentido: STF. Plenário. MI 7300/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/4/2021 (Info 1014).

23 de abril de 2021

TRATAMENTO MÉDICO; VALE SOCIAL; IMPOSSIBILIDADE; QUADRO CLÍNICO; TRANSPORTE VEICULAR; PRESTAÇÃO ACESSÓRIA AO TRATAMENTO; SOLIDARIEDADE ENTRE ESTADO E MUNICÍPIO

Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro GAB. DRA. CARLA FARIA BOUZO Segunda Turma Recursal Fazendária Processo nº 0099222-69.2019.8.19.0001 Recorrente: Estado do Rio de Janeiro Recorrente: Município do Rio de Janeiro Recorrido: MARTINHO DO NASCIMENTO FERREIRA Relatora: Carla Faria Bouzo RECURSO INOMINADO. JUIZADO ESPECIAL DE FAZENDA PÚBLICA. TRANSPORTE VEICULAR. TRATAMENTO DE HEMODIÁLISE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. EXISTÊNCIA DE SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS. TEMA 793 DO E. STF. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS. RELATÓRIO Trata-se de ação pelo rito especial da Lei n. 12.153/09 proposta por MARTINHO DO NASCIMENTO FERREIRA, em face do ERJ e MRJ, alegando que é portador de Insuficiência Renal Crônica estágio 5 SECUNDÁRIO A NEFROPATIA HIPERTENSIVA (CID 10 N18.0) e realiza tratamento de hemodiálise. Afirma que não tem condições de custear o tratamento necessário para a manutenção de sua vida. Requer fornecimento de TRANSPORTE VEICULAR DA SUA RESIDÊNCIA ATÉ A CLÍNICA, com acompanhante, bem como o seu retorno para casa a fim de possibilitar a realização do procedimento de hemodiálise nos dias e horários devidos, enquanto durar o tratamento. A petição inicial foi instruída com os documentos de fls 11/24. Decisão de deferimento parcial da tutela de urgência às fls. 32/33: ¿...Diante das razões expostas, defiro parcialmente a antecipação de tutela, para determinar que os réus providenciem o transporte para a parte autora nos dias e horas pleiteados na inicial, restringindo-se, todavia, o transporte de modo que seja adequado, mas não necessariamente exclusivo, a fim de que a parte autora possa se submeter ao tratamento do qual necessita, seja por meio da gratuidade do transporte público adaptado, ou por meio de outro veículo, exclusivo ou não, no prazo de cinco dias a contar da intimação desta decisão, sob pena de arcarem com os custos de transporte particular. I-se os réus para que deem cumprimento à decisão. ¿ Contestação do ERJ ás fls. 46/57. Contestação do Município do Rio de Janeiro às fls. 72/101 com juntada do Termo de cooperação de fls. 102/136. Decisão de desprovimento do agravo de instrumento interposto pelo MRJ às fls. 238/243. Parecer do Ministério Público às fls. 228 opinando pela improcedência do pedido. Sentença de procedência do pedido às fls. 263/265. Recurso inominado interposto pelo Estado do Rio de Janeiro às fls. 297/306. Sustenta a impossibilidade de condenação do estado no fornecimento de transporte especial, destacando a existência de vale social para portadores de doenças crônicas, com base na Lei estadual n° 4510/2005. Pondera que é dever da família amparar os seus enfermos e que o fornecimento de transporte só se justificaria na hipótese de absoluto desamparo da parte, entendendo se tratar de extensão exagerada do direito á saúde. O Município do Rio de Janeiro interpôs Recurso inominado às fls. 312/343, reiterando os argumentos de sua contestação. Impugna o valor da causa. Alega que não há prova da impossibilidade utilização do transporte público com acompanhante, inclusive com o uso de passe livre com gratuidade também para eventual acompanhante. Pondera que a prestação assistencial é voltada aos desamparados. Sustenta a competência do ERJ e inexistência de responsabilidade do MRJ para tratamento de hemodiálise, conforme TERMO DE COOPERAÇÃO Nº 01/2016. Pondera que o direito à saúde não engloba o direito ao transporte gratuito Contrarrazões do autor às fs 400/403 Parecer do MP pelo conhecimento e provimento dos Recursos ás fls. 143. VOTO Conheço dos recursos, eis que presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade. No mérito, a sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos. Trata-se de pedido de obtenção de TRANSPORTE VEICULAR DA RESIDÊNCIA ATÉ A CLÍNICA, para a realização do tratamento de hemodiálise. Pois bem. Observe-se que na Sessão de Julgamento realizada no dia 23/05/2019, o E. Supremo Tribunal Federal, por maioria, ao apreciar o RE n.º 855.178, fixou a seguinte tese de repercussão geral (Tema 793): " Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.¿ Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, o acesso à saúde é direito fundamental e as políticas públicas destinadas a implementá-lo, embora vinculem o Estado e os cidadãos, devem gerar proteção suficiente ao direito garantido, afigurando-se suscetíveis de revisão judicial, sem que daí se possa vislumbrar ofensa aos princípios da divisão de poderes, da reserva do possível ou da isonomia e impessoalidade. Por outro lado, as normas internas de organização, funcionamento e gestão do Sistema Único de Saúde, de natureza administrativa, não afastam a legitimidade solidária dos entes federativos para responder às demandas de fornecimento de medicamentos, insumos, exames ou procedimentos deduzidos pelos desprovidos de recursos financeiros indispensáveis ao seu custeio. Destaca-se que eventual deliberação a respeito da repartição de responsabilidades compete unicamente aos entes federativos, a ser realizada em momento oportuno, dado que o particular que buscou a via judicial para ver atendido o seu direito não pode sofrer limitação decorrente de assuntos de ordem meramente administrativa. Muito embora o autor faça jus ao transporte público gratuito, nos termos da Lei Estadual 4.510/2005, é certo que, diante de seu quadro clínico comprovado através do laudo médico de fls. 19/21, a disponibilização do Vale-Social não lhe atenderia, devendo os réus proverem o transporte da parte autora pelos serviços de que dispunham, de forma adequada e não necessariamente individual. De acordo com o documento médico acostado aos autos às fls.19/21, o autor é idoso, portador de insuficiência renal crônica estágio 5, secundário a Nefropatia hipertensiva e submetido a hemodiálise. O laudo médico demonstra, ainda, que o autor apresenta ¿patologias secundárias à disfunção renal, como anemia crônica e osteodistrofia renal, para os quais faz uso de medicações regularmente. Em razão do quadro de oligoanúria, próprio da disfunção renal crónica, paciente apresenta ganho hídrico interdiálitico elevado, o que determina taxa de ultrafiltrarão (UF) elevada durante as sessões de hemodiálise. Por sua vez, esses episódios de taxa de UF elevada leva a um quadro de atordoamento miocárdico, que pode determinar hipotensão lipotimia e até mesmo síncope após sessão de hemodiálise. Paciente tem histórico de AVC isquêmico com sequela motora, apresentando hemiparesia em dimidio esquerdo...¿ situação que impossibilita o uso do transporte público. O autor comprovou a hipossuficiência econômica e se encontra em situação de pobreza e necessidade da obtenção da tutela pretendida. Ademais, note-se que o transporte para o local do tratamento é uma prestação acessória ao tratamento, portanto, uma vertente do direito à saúde. No caso destes autos, constata-se que o transporte especializado do autor até a clínica apontada na inicial, nos dias e horários estabelecidos se revela imprescindível. Não há, portanto, qualquer reparo a ser feito na sentença, pois a autora comprovou preencher todos os requisitos para obtenção do medicamento pleiteado. Diante do exposto, VOTO PELO CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DE AMBOS OS RECURSOS, mantendo a sentença pelos seus fundamentos e os acima lançados. Fixo os honorários em R$ 500,00 para cada um dos recorrentes, nos termos do art. 85, §3º e § 8º, do CPC. Rio de Janeiro, 24 de março de 2021. Carla Faria Bouzo Juíza Relatora



0099222-69.2019.8.19.0001 - RECURSO INOMINADO

Segunda Turma Recursal Fazendária

Juiz(a) CARLA FARIA BOUZO - Julg: 05/04/2021 - Data de Publicação: 07/04/2021

18 de abril de 2021

PROCESSO COLETIVO - Ministério Público possui legitimidade para propor ACP em defesa de direitos sociais relacionados com o FGTS

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2019/11/info-955-stf.pdf


PROCESSO COLETIVO - Ministério Público possui legitimidade para propor ACP em defesa de direitos sociais relacionados com o FGTS

O Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos sociais relacionados ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). 

STF. Plenário. RE 643978/SE, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 9/10/2019 (repercussão geral – Tema 850) (Info 955). 

Em provas, tenha cuidado com a redação do art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85: 

Art. 1º (...) Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35/2001) 

Se for cobrada a mera transcrição literal deste dispositivo em uma prova objetiva, provavelmente, esta será a alternativa correta. 

FGTS 

O FGTS foi criado pela Lei nº 5.107/66 com o objetivo de proteger o trabalhador demitido sem justa causa. Atualmente, o FGTS é regido pela Lei nº 8.036/90. O FGTS nada mais é do que uma conta bancária aberta em nome do trabalhador e vinculada a ele no momento em que celebra seu primeiro contrato de trabalho. Nessa conta bancária, o empregador deposita todos os meses o valor equivalente a 8% do salário pago ao empregado, acrescido de juros e atualização monetária (conhecidos pela sigla “JAM”). Assim, vai sendo formado um fundo de reserva financeira para o trabalhador, ou seja, uma espécie de “poupança”, que é utilizada pelo obreiro quando fica desempregado sem justa causa ou quando precisa para alguma finalidade relevante, assim considerada pela lei. Se o empregado for demitido sem justa causa, o empregador é obrigado a depositar, na conta vinculada do trabalhador, uma indenização compensatória de 40% do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros (art. 18, § 1º da Lei nº 8.036/90). O art. 20 desta Lei prevê as hipóteses nas quais a conta do FGTS pode ser movimentada, ou seja, os casos nos quais o trabalhador poderá levantar (“sacar”) o valor depositado em sua conta do FGTS. A Caixa Econômica Federal – CEF (empresa pública federal) exerce o papel de agente operador do FGTS (art. 4º da Lei nº 8.036/90), sendo ela a responsável por manter e controlar as contas vinculadas do FGTS. 

Imagine agora a seguinte situação hipotética: 

O Procurador da República (Ministério Público Federal) ajuizou ação civil pública contra a Caixa Econômica Federal pedindo para que, havendo as movimentações previstas no art. 20, I, II, IX e X, da Lei nº 8.036/90, seja feita a liberação de todas as contas de titularidade do empregado, e não somente da conta atrelada ao último vínculo de trabalho. 

Arguição de ilegitimidade do MP 

Em contestação, a CEF alegou que o MP não tinha legitimidade para ajuizar ACP tratando sobre o tema em virtude da vedação contida no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/85 (Lei da ACP): 

Art. 1º (...) Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35/2001) 

Além disso, a CEF argumentou que, na referida ação, o Ministério Público está tutelando direitos individuais homogêneos que são disponíveis, de forma que isso não se amolda às funções institucionais conferidas ao Parquet no art. 127 da CF/88. 

A questão chegou até o STF. O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública neste caso? SIM. 

O Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos sociais relacionados ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). STF. Plenário. RE 643978/SE, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 9/10/2019 (repercussão geral – Tema 850) (Info 955). 

Direitos individuais homogêneos de caráter social 

O Ministério Público está legitimado a promover ação civil pública para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. No entanto, o MP somente terá representatividade adequada para propor a ACP se os direitos/interesses discutidos na ação estiverem relacionados com as suas atribuições constitucionais, que são previstas no art. 127 da CF: 

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 

O Ministério Público possui legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos? 

1) Se esses direitos forem indisponíveis: SIM (ex: saúde de um menor). 

2) Se esses direitos forem disponíveis: depende. O MP só terá legitimidade para ACP envolvendo direitos individuais homogêneos disponíveis se estes forem de interesse social (se houver relevância social). Nesse sentido: 

(...) 5. No entanto, há certos interesses individuais que, quando visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente particulares, passando a representar, mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade. Nessa perspectiva, a lesão desses interesses individuais acaba não apenas atingindo a esfera jurídica dos titulares do direito individualmente considerados, mas também comprometendo bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas. Em casos tais, a tutela jurisdicional desses direitos se reveste de interesse social qualificado, o que legitima a propositura da ação pelo Ministério Público com base no art. 127 da Constituição Federal. Mesmo nessa hipótese, todavia, a legitimação ativa do Ministério Público se limita à ação civil coletiva destinada a obter sentença genérica sobre o núcleo de homogeneidade dos direitos individuais homogêneos. 6. Cumpre ao Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, identificar situações em que a ofensa a direitos individuais homogêneos compromete também interesses sociais qualificados, sem prejuízo do posterior controle jurisdicional a respeito. Cabe ao Judiciário, com efeito, a palavra final sobre a adequada legitimação para a causa, sendo que, por se tratar de matéria de ordem pública, dela pode o juiz conhecer até mesmo de ofício (CPC, art. 267, VI e § 3.º, e art. 301, VIII e § 4.º). (...) STF. Plenário. RE 631111, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 07/08/2014. 

FGTS tem enorme relevância social 

O Ministério Público possui legitimidade constitucional para ajuizar ação civil pública cujo objeto seja pretensão relacionada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) porque esta demanda tutela direitos individuais homogêneos, mas que apresenta relevante interesse social. No exemplo dado, o Ministério Público Federal detém legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública em face da Caixa Econômica Federal, uma vez que se litiga sobre o modelo organizacional do FGTS, especialmente no que se refere à unificação das contas fundiárias dos trabalhadores. Vale ressaltar que o FGTS é um direito social previsto no inciso III do art. 7º da CF/88, constituindo-se em direito fundamental. 

Mas e a vedação do art. 1º, parágrafo único da Lei nº 7.347/85? 

É necessário que seja feita uma interpretação conforme a Constituição Federal do parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85, ou seja, é necessário que esse dispositivo seja lido em conformidade com o texto constitucional. O objetivo desta previsão foi apenas o de evitar a vulgarização da ação coletiva, evitando que fossem propostas ações civis públicas para fins de simples movimentação do FGTS ou para discutir as hipóteses de saque de contas fundiárias. Assim, esse art. 1º, parágrafo único não constitui obstáculo para que o Ministério Público proponha ação civil pública discutindo FGTS em um contexto mais amplo, envolvendo interesses sociais qualificados, ainda que sua natureza seja de direitos individuais homogêneos. Se o Ministério Público está propondo uma ação civil pública tratando sobre direitos individuais homogêneos com relevante interesse social, a legitimidade do Parquet, nesta hipótese, decorre diretamente do art. 127 da CF/88. 

Outros exemplos de direitos individuais homogêneos nos quais se reconheceu a legitimidade do MP em virtude de envolverem relevante interesse social 

• valor de mensalidades escolares (STF. Plenário. RE 163.231/SP, Rel. Min. Maurício Côrrea, julgado em 26/2/1997); 

• contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação (STF. 2ª Turma. AI 637.853 AgR/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 17/9/2012); 

• contratos de leasing (STF. 2ª Turma. AI 606.235 AgR/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 22/6/2012); 

• interesses previdenciários de trabalhadores rurais (STF. 1ª Turma. RE 475.010 AgR/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 29/9/2011); 

• aquisição de imóveis em loteamentos irregulares (STF. 1ª Turma. RE 328.910 AgR/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 30/9/2011); 

• diferenças de correção monetária em contas vinculadas ao FGTS (STF. 2ª Turma. RE 514.023 AgR/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 5/2/2010).

17 de abril de 2021

Ministério Público possui legitimidade para propor ACP em defesa de direitos sociais relacionados com o FGTS

 FGTS

O FGTS foi criado pela Lei nº 5.107/66 com o objetivo de proteger o trabalhador demitido sem justa causa.
Atualmente, o FGTS é regido pela Lei nº 8.036/90.
O FGTS nada mais é do que uma conta bancária aberta em nome do trabalhador e vinculada a ele no momento em que celebra seu primeiro contrato de trabalho.
Nessa conta bancária, o empregador deposita todos os meses o valor equivalente a 8% do salário pago ao empregado, acrescido de juros e atualização monetária (conhecidos pela sigla “JAM”).
Assim, vai sendo formado um fundo de reserva financeira para o trabalhador, ou seja, uma espécie de “poupança”, que é utilizada pelo obreiro quando fica desempregado sem justa causa ou quando precisa para alguma finalidade relevante, assim considerada pela lei.
Se o empregado for demitido sem justa causa, o empregador é obrigado a depositar, na conta vinculada do trabalhador, uma indenização compensatória de 40% do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros (art. 18, § 1º da Lei nº 8.036/90).
O art. 20 desta Lei prevê as hipóteses nas quais a conta do FGTS pode ser movimentada, ou seja, os casos nos quais o trabalhador poderá levantar (“sacar”) o valor depositado em sua conta do FGTS.
A Caixa Econômica Federal – CEF (empresa pública federal) exerce o papel de agente operador do FGTS (art. 4º da Lei nº 8.036/90), sendo ela a responsável por manter e controlar as contas vinculadas do FGTS.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:
O Procurador da República (Ministério Público Federal) ajuizou ação civil pública contra a Caixa Econômica Federal pedindo para que, havendo as movimentações previstas no art. 20, I, II, IX e X, da Lei nº 8.036/90, seja feita a liberação de todas as contas de titularidade do empregado, e não somente da conta atrelada ao último vínculo de trabalho.



Arguição de ilegitimidade do MP
Em contestação, a CEF alegou que o MP não tinha legitimidade para ajuizar ACP tratando sobre o tema em virtude da vedação contida no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/85 (Lei da ACP):
Art. 1º (...)
Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35/2001)

Além disso, a CEF argumentou que, na referida ação, o Ministério Público está tutelando direitos individuais homogêneos que são disponíveis, de forma que isso não se amolda às funções institucionais conferidas ao Parquet no art. 127 da CF/88.

A questão chegou até o STF. O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública neste caso?
SIM.
O Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos sociais relacionados ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
STF. Plenário. RE 643978/SE, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 9/10/2019 (repercussão geral – Tema 850) (Info 955).

Direitos individuais homogêneos de caráter social
O Ministério Público está legitimado a promover ação civil pública para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. No entanto, o MP somente terá representatividade adequada para propor a ACP se os direitos/interesses discutidos na ação estiverem relacionados com as suas atribuições constitucionais, que são previstas no art. 127 da CF:
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

O Ministério Público possui legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos?
1) Se esses direitos forem indisponíveis: SIM (ex: saúde de um menor).
2) Se esses direitos forem disponíveis: depende. O MP só terá legitimidade para ACP envolvendo direitos individuais homogêneos disponíveis se estes forem de interesse social (se houver relevância social).
Nesse sentido:
(...) 5. No entanto, há certos interesses individuais que, quando visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente particulares, passando a representar, mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade. Nessa perspectiva, a lesão desses interesses individuais acaba não apenas atingindo a esfera jurídica dos titulares do direito individualmente considerados, mas também comprometendo bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas. Em casos tais, a tutela jurisdicional desses direitos se reveste de interesse social qualificado, o que legitima a propositura da ação pelo Ministério Público com base no art. 127 da Constituição Federal. Mesmo nessa hipótese, todavia, a legitimação ativa do Ministério Público se limita à ação civil coletiva destinada a obter sentença genérica sobre o núcleo de homogeneidade dos direitos individuais homogêneos.
6. Cumpre ao Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, identificar situações em que a ofensa a direitos individuais homogêneos compromete também interesses sociais qualificados, sem prejuízo do posterior controle jurisdicional a respeito. Cabe ao Judiciário, com efeito, a palavra final sobre a adequada legitimação para a causa, sendo que, por se tratar de matéria de ordem pública, dela pode o juiz conhecer até mesmo de ofício (CPC, art. 267, VI e § 3.º, e art. 301, VIII e § 4.º). (...)
STF. Plenário. RE 631111, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 07/08/2014.

FGTS tem enorme relevância social
O Ministério Público possui legitimidade constitucional para ajuizar ação civil pública cujo objeto seja pretensão relacionada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) porque esta demanda tutela direitos individuais homogêneos, mas que apresenta relevante interesse social.
No exemplo dado, o Ministério Público Federal detém legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública em face da Caixa Econômica Federal, uma vez que se litiga sobre o modelo organizacional do FGTS, especialmente no que se refere à unificação das contas fundiárias dos trabalhadores.
Vale ressaltar que o FGTS é um direito social previsto no inciso III do art. 7º da CF/88, constituindo-se em direito fundamental.

Mas e a vedação do art. 1º, parágrafo único da Lei nº 7.347/85?
É necessário que seja feita uma interpretação conforme a Constituição Federal do parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85, ou seja, é necessário que esse dispositivo seja lido em conformidade com o texto constitucional.
O objetivo desta previsão foi apenas o de evitar a vulgarização da ação coletiva, evitando que fossem propostas ações civis públicas para fins de simples movimentação do FGTS ou para discutir as hipóteses de saque de contas fundiárias.
Assim, esse art. 1º, parágrafo único não constitui obstáculo para que o Ministério Público proponha ação civil pública discutindo FGTS em um contexto mais amplo, envolvendo interesses sociais qualificados, ainda que sua natureza seja de direitos individuais homogêneos. Se o Ministério Público está propondo uma ação civil pública tratando sobre direitos individuais homogêneos com relevante interesse social, a legitimidade do Parquet, nesta hipótese, decorre diretamente do art. 127 da CF/88.

Outros exemplos de direitos individuais homogêneos nos quais se reconheceu a legitimidade do MP em virtude de envolverem relevante interesse social
• valor de mensalidades escolares (STF. Plenário. RE 163.231/SP, Rel. Min. Maurício Côrrea, julgado em 26/2/1997);
• contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação (STF. 2ª Turma. AI 637.853 AgR/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 17/9/2012);
• contratos de leasing (STF. 2ª Turma. AI 606.235 AgR/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 22/6/2012);
• interesses previdenciários de trabalhadores rurais (STF. 1ª Turma. RE 475.010 AgR/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 29/9/2011);
• aquisição de imóveis em loteamentos irregulares (STF. 1ª Turma. RE 328.910 AgR/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 30/9/2011);

• diferenças de correção monetária em contas vinculadas ao FGTS (STF. 2ª Turma. RE 514.023 AgR/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 5/2/2010).