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15 de fevereiro de 2022

Não é possível usucapião de imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, ainda que em situação de abandono

 CIVIL - USUCAPIÃO

STJ. 3ª Turma. REsp 1.874.632-AL, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/11/2021 (Info 720)

Não é possível usucapião de imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, ainda que em situação de abandono

Sistema Financeiro de Habitação

programa do Governo Federal, criado pela Lei nº 4.380/64, com o objetivo de facilitar que pessoas de baixa renda pudessem adquirir a sua casa própria

condições mais favoráveis pessoas que adquirem imóveis porque existe um incentivo (subsídio) estatal

Em compensação, o adquirente tem que cumprir certas obrigações e, em caso de inadimplemento, são estipuladas regras mais céleres para a cobrança do débito - garantia hipotecária em favor da CEF

Caixa Econômica Federal integra o Sistema Financeiro de Habitação

SFH compõe a política nacional de habitação e planejamento territorial do governo federal

visa facilitar e promover construção e aquisição casa própria / moradia - direito fundamental à moradia

imóvel resta afetado à prestação de serviço público

deve ser tratado como bem público, sendo, pois, imprescritível.

Mesmo o eventual abandono de imóvel público não possui o condão de alterar a natureza jurídica que o permeia, pois não é possível confundir a usucapião de bem público com a responsabilidade da Administração pelo abandono de bem público

Eventual inércia gestores públicos, ao longo do tempo, não pode servir de justificativa para perpetuar a ocupação ilícita de área pública, sob pena de se chancelar ilegais situações de invasão de terras

Caso Julgado

Cooperativa responsável pela alienação dos imóveis não conseguiu vender todos os apartamentos, restando 101 imóveis sem compradores

A partir de 1996, tais unidades habitacionais passaram a ser ocupadas por diversas famílias de baixa renda, que utilizaram os apartamentos para moradia

Usucapião de Bens públicos

bens públicos não podem ser objeto de usucapião

Art. 183, § 3º, CF: “Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”

Art. 191, CF: “Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”

Art. 102, CC: “Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião”.

Súmula 340-STF: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”

colisão de direitos fundamentais, como o de moradia e o da supremacia do interesse público

Prevalência da supremacia do interesse público

a prevalência dos direitos da coletividade sobre os interesses particulares é pressuposto lógico de qualquer ordem social estável

imóveis vinculados ao SFH são bens públicos

Art. 98, CC: “São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.

Se levar em consideração a redação literal do art. 98 do CC, os bens vinculados ao SFH não poderiam ser considerados como bens públicos, considerando que a Caixa Econômica é uma empresa pública federal, ou seja, pessoa jurídica de direito privado.

doutrina defende que também deve ser considerado bem público aquele pertencente à pessoa jurídica de direito privado que seja prestadora de serviço público, quando este bem estiver vinculado à prestação dessa atividade

STF. 1ª Turma. RE 393032 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 27/10/2009: “Os bens, as rendas e os serviços da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos são impenhoráveis, e a execução deve observar o regime de precatórios”

Caixa Econômica Federal - Decreto-Lei nº 759/69, que autorizou sua instituição, estabelece como uma de suas finalidades a de “operar no setor habitacional, como sociedade de crédito imobiliário e principal agente do Banco Nacional de Habitação, com o objetivo de facilitar e promover a aquisição de sua casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população” (art. 2º, alínea “c”)

Estatuto CEF prevê como objetivo: “atuar como agente financeiro dos programas oficiais de habitação e saneamento e como principal órgão de execução da política habitacional e de saneamento do Governo federal, e operar como sociedade de crédito imobiliário para promover o acesso à moradia, especialmente para a população de menor renda” (art. 5º, XII, Anexo aprovado Lei 7.973⁄2013).

CEF é referida na Lei nº 4.380/64 – que trata dos contratos imobiliários de interesse social – como um dos agentes intermediadores da intervenção do Governo Federal no setor habitacional (art. 2º, III), integrando o SFH (art. 8º, III).

apesar de ser uma empresa pública, com personalidade jurídica de direito privado, a CEF, ao atuar como agente financeiro dos programas oficiais de habitação e órgão de execução da política habitacional, presta serviço público, de relevante função social, regulamentado por normas especiais previstas na Lei nº 4.380/64

6 de janeiro de 2022

Não é possível usucapião de imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, ainda que em situação de abandono

Processo

REsp 1.874.632-AL, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/11/2021, DJe 29/11/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Usucapião. Bem público. Imóvel Abandonado. Sistema Financeiro da Habitação - SFH. Prescrição aquisitiva. Impossibilidade.

 

DESTAQUE

Não é possível usucapião de imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, ainda que em situação de abandono.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A doutrina e a jurisprudência, seguindo o disposto no § 3º do art. 183 e no parágrafo único do art. 191 da Constituição Federal de 1988, bem como no art. 102 do Código Civil e no enunciado da Súmula n. 340 do Supremo Tribunal Federal, entendem pela absoluta impossibilidade de usucapião de bens públicos.

O imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, porque afetado à prestação de serviço público, deve ser tratado como bem público, sendo, pois, imprescritível.

Na eventual colisão de direitos fundamentais, como o de moradia e o da supremacia do interesse público, deve prevalecer, em regra, este último, norteador do sistema jurídico brasileiro, porquanto a prevalência dos direitos da coletividade sobre os interesses particulares é pressuposto lógico de qualquer ordem social estável.

Mesmo o eventual abandono de imóvel público não possui o condão de alterar a natureza jurídica que o permeia, pois não é possível confundir a usucapião de bem público com a responsabilidade da Administração pelo abandono de bem público. Com efeito, regra geral, o bem público é indisponível.

No caso, é possível depreender que o imóvel foi adquirido com recursos públicos pertencentes ao Sistema Financeiro Habitacional, com capital 100% (cem por cento) público, destinado à resolução do problema habitacional no país, não sendo admitida, portanto, a prescrição aquisitiva.

Eventual inércia dos gestores públicos, ao longo do tempo, não pode servir de justificativa para perpetuar a ocupação ilícita de área pública, sob pena de se chancelar ilegais situações de invasão de terras.

Por fim, não se pode olvidar, ainda, que os imóveis públicos, mesmo desocupados, possuem finalidade específica (atender a eventuais necessidades da Administração Pública) ou genérica (realizar o planejamento urbano ou a reforma agrária). Significa dizer que, aceitar a usucapião de imóveis públicos, com fundamento na dignidade humana do usucapiente, é esquecer-se da dignidade dos destinatários da reforma agrária, do planejamento urbano ou de eventuais beneficiários da utilização do imóvel, segundo as necessidades da Administração Pública.

21 de agosto de 2021

É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/08/info-700-stj.pdf

 

USUCAPIÃO - É possível a usucapião mesmo em uma área irregular (área na qual não houve regularização fundiária) 

É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística. 

STJ. 2ª Seção. REsp 1.818.564-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 09/06/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1025) (Info 700). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João mora, há 20 anos, em uma casa no Setor Tradicional de Planaltina/DF. Ele não tem o título de propriedade dessa área, mas afirma ter a posse mansa, pacífica e ininterrupta. João ajuizou ação de usucapião extraordinária pedindo para se tornar proprietário do imóvel. O juiz julgou o pedido improcedente, argumentando que: 

- o imóvel em questão, embora situado em área particular, não tem matrícula individual no cartório de registro imobiliário; 

- esse imóvel pleiteado pelo autor, assim como vários outros que estão na mesma situação, é fruto de um “parcelamento de fato”, ou seja, um parcelamento feito de forma irregular (sem cumprir a legislação) há mais de 50 anos e que ainda não foi regularizado pelo Poder Público; 

- é impossível declarar a usucapião, porque isso representaria uma usurpação da função de planejamento e regularização urbanística da Administração; 

- a constituição do registro imobiliário pretendido iria atrapalhar o andamento do processo administrativo de regularização em curso; 

- o sistema jurídico não admite o fracionamento, loteamento ou desmembramento de imóvel por meio de usucapião. 

Desse modo, o juiz extinguiu a ação por ausência de interesse de agir, porque eventual sentença declaratória de usucapião não poderia ser levada a registro no Cartório de Registro de Imóveis. Ademais, o magistrado sustentou que seria atribuição exclusiva do Governo do Distrito Federal promover a regularização fundiária urbana, razão pela qual ficaria inviabilizado o reconhecimento da usucapião. A questão chegou até o STJ, que analisou e respondeu a seguinte pergunta: 

É cabível ação de usucapião que tem por objeto imóvel desprovido de registro e situado em loteamento no Setor Tradicional de Planaltina, o qual, embora consolidado há décadas, não foi autorizado nem regularizado pela Administração do Distrito Federal? SIM. 

Ausência de matrícula não impede o registro da usucapião

 Inicialmente, é importante ressaltar que a ausência de matrícula individual do imóvel não embaraça, por si só, o registro da usucapião reconhecida em juízo. Imagine-se, por exemplo, a situação em que parte de uma fazenda é ocupada por lavradores com animus domni pelo tempo necessário ao reconhecimento da prescrição aquisitiva, ali exercendo notórios atos de posse de boa-fé. A área ocupada não tem matrícula própria. Apesar disso, será possível o reconhecimento da usucapião. Basta, para tanto, que se faça o desmembramento da matrícula original, a fim de que a área usucapida possa contar com uma cadeia dominial própria. Ademais, o art. 216-A, § 6º, da Lei de Registros Públicos autoriza o Oficial do Registro a abrir uma nova matrícula nas hipóteses de usucapião administrativa, se necessário. Tratando-se de parcelamento do solo ou incorporação imobiliária, também há previsão legal expressa para abertura de novas matrículas (art. 237-A da Lei de Registros Públicos). A conclusão que se chega é a de que, se o bem imóvel é divisível, essa qualidade deve se refletir no Cartório de Registro de Imóveis com a abertura de tantas matrículas quantas forem necessárias para certificar a verdadeira propriedade das glebas. 

Pode haver direito de propriedade que ainda não está certificado no registro de imóveis 

É preciso distinguir o direito de propriedade da situação registrária de determinado imóvel. Assim, pode haver propriedade imobiliária que ainda não está certificada no Registro de Imóveis. O cartório de Registro de Imóveis fornece uma presunção relativa de veracidade (presunção iuris tantum), ou seja, admite prova em contrário. E, se admite prova em contrário, é porque o registro da propriedade não se confunde com a propriedade em si. Exemplo de situação na qual existe propriedade mesmo sem a informação adequada no registro imobiliário: o caso em que o imóvel comum do casal é registrado apenas no nome de um dos consortes. O cônjuge não mencionado no registro é proprietário, mesmo não constando seu nome nos assentamentos. Nas situações de aquisição originária, como é o caso da usucapião, o registro desempenha papel meramente coadjuvante. Considerando que a usucapião propicia o cumprimento da função social da propriedade e que esse objetivo tem previsão constitucional, não se pode querer criar esse outro requisito (existência de matrícula própria) como uma condição para o reconhecimento da prescrição aquisitiva (usucapião). Isso significa que as ações de usucapião relativas aos imóveis situados no Setor Tradicional de Planaltina não devem ser extintas com fundamento no art. 485, VI, do CPC por ausência de interesse de agir ou falta de condição de procedibilidade da ação. 

É possível a usucapião mesmo em uma área irregular (área na qual não houve regularização fundiária)? 

SIM. Existem três dimensões envolvendo a regularização fundiária: 

a) a dimensão urbanística, relacionada aos investimentos necessários para melhoria das condições de vida da população; 

b) a dimensão jurídica, que diz respeito aos instrumentos que possibilitam a aquisição da propriedade nas áreas privadas e o reconhecimento da posse nas áreas públicas; e 

c) a dimensão registrária, com o lançamento nas respectivas matrículas da aquisição destes direitos, a fim de atribuir eficácia para todos os efeitos da vida civil. (NALINI, José Renato. Direitos que a Cidade Esqueceu. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 167) 

Isso, contudo, não interfere no direito de propriedade. A forma como determinado imóvel se apresenta no contexto urbano não se confunde com o direito de propriedade. Se o imóvel é assistido por vias públicas, se conta com sistemas de água e esgoto, se foi edificado com respeito aos recuos e gabarito previsto nas posturas municipais, nada disso é capaz de criar ou suprimir o direito de propriedade ou os reflexos desse direito no registro imobiliário. Da mesma maneira se o imóvel é utilizado de forma irregular, com desrespeito à sua função social e urbanística, isso tampouco é suficiente para interferir com o direito de propriedade. Não há, portanto, como negar o direito à usucapião sob o pretexto de que o imóvel está inserido em loteamento irregular, porque o direito de propriedade declarado pela sentença (dimensão jurídica) não se confunde com a certificação e publicidade que emerge do registro (dimensão registrária) ou com a regularidade urbanística da ocupação levada a efeito (dimensão urbanística). O reconhecimento da usucapião não impede a implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano. Ao contrário, isso representa, em várias hipóteses, o primeiro passo para restabelecer a regularidade da urbanização. Se a utilização do imóvel desrespeita o interesse público, isso continuará a acontecer independentemente do reconhecimento da prescrição aquisitiva. Eventual construção irregular, supressão de nascente ou risco à saúde pública continuarão a existir independentemente de o juiz, na sentença, deferir ou indeferir o pedido de usucapião, sendo certo que tais irregularidades devem ser corrigidas por remédios próprios, a cargo do Poder Público, pelo poder de polícia que lhe é inerente. A declaração da usucapião, vale dizer, é incapaz de causar prejuízo à ordem urbanística, sendo certo, da mesma forma, que o indeferimento do pedido de usucapião não é capaz, por si só, de evitar a utilização indevida da propriedade. 

Decisão do STF no RE 422.349/RS 

O Pleno do STF, ao julgar o RE 422.349/RS, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, fixou a tese de que: 

Se forem preenchidos os requisitos do art. 183 da CF/88, a pessoa terá direito à usucapião especial urbana e o fato de o imóvel em questão não atender ao mínimo dos módulos urbanos exigidos pela legislação local para a respectiva área (dimensão do lote) não é motivo suficiente para se negar esse direito, que tem índole constitucional. Para que seja deferido o direito à usucapião especial urbana basta o preenchimento dos requisitos exigidos pelo texto constitucional, de modo que não se pode impor obstáculos, de índole infraconstitucional, para impedir que se aperfeiçoe, em favor de parte interessada, o modo originário de aquisição de propriedade. STF. Plenário. RE 422349/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 29/4/2015 (repercussão geral) (Info 783). 

No caso concreto julgado pelo STF, os autores propuseram ação de usucapião tendo por objeto imóvel de metragem inferior ao módulo mínimo definido pelo Plano Diretor para lotes urbanos. Isso significa que o imóvel, segundo se pode concluir, não possuía matrícula individual, nem podia ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis por mero requerimento da parte interessada, configurando, por isso, sob o ponto de vista da norma municipal, verdadeira ocupação irregular. A despeito disso, o STF reconheceu a usucapião. Admitindo-se que aquele não era o único imóvel da região com metragem inferior ao módulo mínimo legal, parece razoável sustentar que o STF, ao fim e ao cabo, reconheceu a possibilidade de usucapião de glebas inseridas em loteamentos não regularizados. Desse modo, admite-se a ação de usucapião de imóveis inseridos em loteamentos irregulares. 

Nem todas as ocupações irregulares atentam contra o interesse público 

Não é correto afirmar que todas as ocupações irregulares do solo atentam contra o interesse público. O que atenta contra o interesse público é a inércia do Estado em promover e disciplinar a ocupação do solo. No caso, essa omissão estatal é mais do que flagrante. A ocupação da área está sedimentada há décadas e contou com a anuência implícita do Poder Público, que fingiu não ter visto nada, tolerou durante todos esses anos e ainda providenciou a instalação de vários serviços e equipamentos públicos, como pavimentação de ruas, iluminação pública, linhas de ônibus, praça pública, posto do DETRAN; etc. Não por outro motivo, a região é conhecida como Setor Tradicional de Planaltina, o que bem denota a idade do parcelamento do solo. 

Em suma: É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística. STJ. 2ª Seção. REsp 1.818.564-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 09/06/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1025) (Info 700). 


10 de agosto de 2021

É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística

PROCESSO: REsp 1.818.564-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 09/06/2021. (Tema 1025)

DIREITO CIVIL, DIREITO REGISTRAL, DIREITO URBANÍSTICO


"É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por

usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística".

24 de junho de 2021

É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística.

 

Processo

REsp 1.818.564-DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 09/06/2021. (Tema 1025)

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO REGISTRAL, DIREITO URBANÍSTICO

Tema

Imóvel particular desprovido de registro. Loteamento irregular. Usucapião. Possibilidade. Tema 1025.

Destaque

É cabível a aquisição de imóveis particulares situados no Setor Tradicional de Planaltina/DF, por usucapião, ainda que pendente o processo de regularização urbanística.

Informações do Inteiro Teor

Tem-se, inicialmente, que a possibilidade de registro da sentença declaratória da usucapião não é pressuposto ao reconhecimento do direito material em testilha, o qual se funda, essencialmente, na posse ad usucapionem e no decurso do tempo.

A propósito da questão da regularização fundiária, a doutrina esclarece que ela compreende três dimensões: (a) a dimensão urbanística, relacionada aos investimentos necessários para melhoria das condições de vida da população; (b) a dimensão jurídica, que diz respeito aos instrumentos que possibilitam a aquisição da propriedade nas áreas privadas e o reconhecimento da posse nas áreas públicas; e (c) a dimensão registrária, com o lançamento nas respectivas matrículas da aquisição destes direitos, a fim de atribuir eficácia para todos os efeitos da vida civil.

Não há, portanto, como negar o direito à usucapião sob o pretexto de que o imóvel está inserido em loteamento irregular, porque o direito de propriedade declarado pela sentença (dimensão jurídica) não se confunde com a certificação e publicidade que emerge do registro (dimensão registrária) ou com a regularidade urbanística da ocupação levada a efeito (dimensão urbanística).

O reconhecimento da usucapião não impede a implementação de políticas públicas de desenvolvimento urbano. Muito ao revés, constitui, em várias hipóteses, o primeiro passo para restabelecer a regularidade da urbanização.

No mesmo sentido, o Pleno do STF, ao julgar o RE 422.349/RS, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, fixou a tese de que preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote).

Admitindo-se que aquele não era o único imóvel da região com metragem inferior ao módulo mínimo legal, parece razoável sustentar que o STF, ao fim e ao cabo, reconheceu a possibilidade de usucapião de glebas inseridas em loteamentos não regularizados.

Nesse contexto, é preciso ter em mente que Poder Público não faz favor nenhum quando promove a regularização de áreas ocupadas irregularmente. Muito pelo contrário, limita-se a desempenhar uma obrigação que lhe foi expressamente confiada pela CF. Admitindo-se que a regularização fundiária concorre para a segurança, saúde e bem estar da população e, bem assim, que esses são deveres essenciais do Estado, nada mais lógico do que concluir que a Administração Pública tem o dever de promover a regularização fundiária.

Não parece acertado assumir como linha de princípio que que as ocupações irregulares do solo atentem, todas elas, contra o interesse público. Muito ao revés, o que atenta contra o interesse público é a inércia do Estado em promover e disciplinar a ocupação do solo.

No caso, essa omissão estatal é mais do que flagrante. A ocupação da área está sedimentada há décadas e contou com a anuência implícita do Poder Público, que fingiu não ter visto nada, tolerou durante todos esses anos e ainda providenciou a instalação de vários serviços e equipamentos públicos, como pavimentação de ruas, iluminação pública, linhas de ônibus, praça pública, posto do DETRAN; etc. Não por outro motivo, a região é conhecida como Setor Tradicional de Planaltina, o que bem denota a idade do parcelamento do solo.

24 de abril de 2021

AÇÃO DE USUCAPIÃO. INTERESSE PROCESSUAL. EXIGÊNCIA DE PRÉVIO PEDIDO NA VIA EXTRAJUDICIAL. DESCABIMENTO. EXEGESE DO ART. 216-A DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS. RESSALVA EXPRESSA DA VIA JURISDICIONAL

RECURSO ESPECIAL Nº 1.824.133 - RJ (2018/0066379-3) 

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. AÇÃO DE USUCAPIÃO. INTERESSE PROCESSUAL. EXIGÊNCIA DE PRÉVIO PEDIDO NA VIA EXTRAJUDICIAL. DESCABIMENTO. EXEGESE DO ART. 216-A DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS. RESSALVA EXPRESSA DA VIA JURISDICIONAL. 

1. Controvérsia acerca da exigência de prévio pedido de usucapião na via extrajudicial para se evidenciar interesse processual no ajuizamento de ação com o mesmo objeto. 

2. Nos termos do art. 216-A da Lei 6.015/1973: "Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo [...]". 

3. Existência de interesse jurídico no ajuizamento direto de ação de usucapião, independentemente de prévio pedido na via extrajudicial. 

4. Exegese do art. 216-A da Lei 6.015/1973, em âmbito doutrinário. 

5. Determinação de retorno dos autos ao juízo de origem para que prossiga a ação de usucapião. 

6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Dr(a). DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pela parte RECORRENTE: SELMA DA CUNHA 

Brasília, 11 de fevereiro de 2020(data do julgamento) 

RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por SELMA DA CUNHA em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado: 

Agravo Interno. Decisão monocrática que negou provimento à apelação cível. Usucapião Extraordinária. Pretensão de reconhecimento do domínio sobre o imóvel situado na Rua Professora Amélia Pinto Chagas, n.º 09, Santa Cruz, nesta cidade, sob o fundamento, em suma, de que preenche os requisitos legais para tanto. Sentença que julgou extinto o processo, ante a ausência de interesse de agir. Inconformismo da autora. De acordo com o artigo 216-A do Código de Processo Civil vigente, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o Cartório Imobiliário da Comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado. Aplicação do Enunciado 108 do Centro de Estudos e Debates do Tribunal de Justiça. A ação de usucapião é cabível somente quando houver óbice à pretensão na esfera extrajudicial. Manutenção do decisum que se impõe. Recurso ao qual se nega provimento. (fl. 176/7) 

Em suas razões, alega a parte recorrente violação do art. 216-A da Lei 6.015/1973 (incluído pelo art. 1.071 do CPC/2015), sob o argumento de que o procedimento extrajudicial de usucapião seria facultativo. 

Contrarrazões dispensadas, em face da não angularização da relação processual. 

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL absteve-se de opinar sobre o mérito recursal, alegando disponibilidade do direito em questão (fls. 218/22). 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator): O recurso especial merece ser provido. 

A controvérsia diz respeito ao interesse processual para ajuizamento direto de ação de usucapião ante a recente ampliação das possibilidades de reconhecimento extrajudicial da usucapião. 

O reconhecimento extrajudicial da usucapião foi previsto, inicialmente, no art. 60 da Lei do Programa "Minha Casa, Minha Vida" (Lei 11.977/2009), com aplicação restrita ao contexto da regularização fundiária, conforme se verifica no teor enunciado do referido enunciado normativo, litteris: 

Art. 60. Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente, o detentor do título de legitimação de posse, após 5 (cinco) anos de seu registro, poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos do art. 183 da Constituição Federal. 

§ 1º Para requerer a conversão prevista no 'caput', o adquirente deverá apresentar: 

I - certidões do cartório distribuidor demonstrando a inexistência de ações em andamento que caracterizem oposição à posse do imóvel objeto de legitimação de posse; 

II – declaração de que não possui outro imóvel urbano ou rural; 

III – declaração de que o imóvel é utilizado para sua moradia ou de sua família; e 

IV – declaração de que não teve reconhecido anteriormente o direito à usucapião de imóveis em áreas urbanas. 

§ 2º. As certidões previstas no inciso I do § 1º serão relativas ao imóvel objeto de legitimação de posse e serão fornecidas pelo poder público. 

§ 3º. No caso de área urbana de mais de 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), o prazo para requerimento da conversão do título de legitimação de posse em propriedade será o estabelecido na legislação pertinente sobre usucapião. (atualmente revogado pela Lei 13.465/2017) 

Com o advento do CPC/2015, a usucapião extrajudicial passou a contar com uma norma geral, não ficando mais restrita apenas ao contexto de regularização fundiária. 

Refiro-me ao enunciado normativo do art. 216-A da Lei 6.015/1973 (incluído pelo art. 1.071 do CPC/2015 e alterado pela Lei 13.465/2017), abaixo transcrito: 

Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias; II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes; III - certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; IV - justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel. § 1º O pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido. § 2º Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância. § 3º O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido. § 4º O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias. § 5º Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis. § 6º Transcorrido o prazo de que trata o § 4º deste artigo, sem pendência de diligências na forma do § 5º deste artigo e achando-se em ordem a documentação, com inclusão da concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso. § 7º Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos desta Lei. § 8º Ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido. § 9º A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião. § 10. Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum. (sem grifos no original) 

Como se verifica já abertura do caput desse enunciado normativo, o procedimento extrajudicial de usucapião foi disciplinado "sem prejuízo da via jurisdicional". 

Apesar da aparente clareza desse enunciado normativo, o Tribunal de origem julgou a demanda com base no Enunciado nº 108 do Centro de Estudos e Debates - CEDES-RJ daquele sodalício, no sentido de que "a ação de usucapião é cabível somente quando houver óbice ao pedido na esfera extrajudicial". 

Sobre esse ponto, merece transcrição o trecho do acórdão referente à justificativa do referido enunciado do CEDES-RJ: 

A usucapião, como todo e qualquer processo, precisa preencher determinadas condições, dentre as quais o interesse processual, que é exatamente a necessidade de a parte buscar na via jurisdicional o que não poderia conseguir extrajudicialmente. Dessa forma, a usucapião que não encontre óbice ou empecilho em sede administrativa não tem acesso ao Poder Judiciário, exatamente como não tem, também, qualquer outro ato que possa ser praticado nos tabelionatos. (fl. 147/8) 

Apesar de esse enunciado apontar no sentido da desjudicialização de conflitos - uma louvável tendência dos dias atuais -, não é possível passar por cima do texto do enunciado do já aludido art. 216-A por se tratar de expressa ressalva quanto ao cabimento direto da via jurisdicional. 

Ademais, como a propriedade é um direito real, oponível erga omnes, o simples fato de o possuidor pretender se tornar proprietário já faz presumir a existência de conflito de interesses entre este o atual titular da propriedade, de modo que não seria possível afastar de antemão o interesse processual do possuidor, como parece sugerir o enunciado do Tribunal de origem. 

Nesse sentido de se reconhecer interesse processual no ajuizamento de ação de usucapião independentemente de prévio pedido da via extrajudicial, mencionem-se, em âmbito doutrinário, os abalizados entendimentos de CLAYTON MARANHÃO e DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, abaixo transcritos, respectivamente: 

Apesar da criação do procedimento de usucapião extrajudicial, o CPC/2015 não acabou com a ação de usucapião. Ainda que não tenha mantido o rito especial de usucapião, há diversas referências no código à ação de usucapião (conforme arts. 246, § 3.º,2 259, I,3 e 1.071, §§ 9.º e 10,4 do CPC/2015), de modo que, doravante, deverá ser intentada pelo procedimento comum. A par disso, o Enunciado 25 do Fórum Permanente de Processualistas Civis aponta que “a inexistência de procedimento judicial especial para a ação de usucapião e regulamentação da usucapião extrajudicial não implicam vedação da ação, que remanesce no sistema legal, para qual devem ser observadas as peculiaridades que lhe são próprias, especialmente a necessidade de citação dos confinantes e a ciência da União, do Estado, do Distrito Federal e do Município”. Assim, ao lado da ação judicial de usucapião passa a existir a possibilidade genérica de alteração na titularidade do imóvel em razão do reconhecimento extrajudicial da prescrição aquisitiva. Não é um dever da parte eleger a via administrativa, podendo optar pela ação judicial, ainda que preenchidos os requisitos da usucapião extrajudicial, “a via extrajudicial é uma faculdade, e não uma obrigação peremptória, o que confirma a tese antes defendida, de viabilidade de todas as ações de usucapião, agora pelo rito comum”. (Comentários ao Código de Processo Civil [livro eletrônico]: artigos. 1.045 ao 1.072. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016 - Comentários ao Código de Processo Civil; v. 17 / coordenação Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero, sem grifos no original) 

Seguindo a tendência do direito nacional de desjudicialização do direito, atribuindo-se as serventias notariais e registrais tarefas que antes dependiam obrigatoriamente da intervenção jurisdicional, o art. 1.071 do Novo CPC, ao criar o art. 216-A da Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), passa a admitir a realização de usucapião extrajudicial. Não se tratar propriamente de uma novidade do sistema, já que o art. 60 da Lei 11.977/2009 (Lei do Programam Minha Casa, Minha vida), já prevê tal possibilidade, desde que preenchidos os requisitos legais. O art. 216-A da Lei 6.015/1973, entretanto, é mais amplo, porque sua púnica exigência é a concordância das partes. Registre-se que a novidade não cria um dever à parte que pretenda adquirir um bem por usucapião, que mesmo preenchidos os requisitos para o procedimento extrajudicial pode livremente optar pela propositura de ação judicial. Sendo a via extrajudicial a opção da parte, que deverá estar assistida de advogado, o procedimento tramitará obrigatoriamente perante a serventia imobiliária da situação do imóvel. (Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: JusPodvm, 2016, p. 1806, sem grifos no original) 

Na linha desses entendimentos, é de rigor a reforma do acórdão recorrido para se determinar o prosseguimento da ação de usucapião. 

Destarte, o recurso especial merece ser provido. 

Ante o exposto, voto no sentido de DAR PROVIMENTO ao recurso especial para determinar o prosseguimento da ação de usucapião. 

É o voto. 

9 de abril de 2021

Contrato de compra e venda sem registro não afasta o reconhecimento da usucapião

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que a falta de registro do compromisso de compra e venda não é suficiente para descaracterizar o justo título – requisito necessário ao reconhecimento da usucapião ordinária.

O colegiado deu provimento ao recurso dos herdeiros de um homem que, segundo alegam, ocupava a área em discussão desde 1988, quando teria celebrado escritura pública de cessão de posse com o antigo proprietário. De acordo com o tribunal de origem, em 1990, os dois pactuaram compromisso de compra e venda, que não foi registrado na matrícula do imóvel.

Em 2009, contudo, um casal ajuizou ação reivindicatória a fim de consolidar o suposto direito de propriedade advindo da arrematação do imóvel perante um banco. O juízo de primeiro grau deu provimento ao pedido e fixou indenização pelas benfeitorias realizadas.

Os herdeiros recorreram ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), o qual entendeu que, apesar do decurso do prazo legal, o compromisso de compra e venda do imóvel, por não ser registrado, não seria capaz de configurar a usucapião ordinária. Além disso, para o TJMS, houve a interrupção do prazo da usucapião em virtude da lavratura de boletim de ocorrência e do ajuizamento de uma ação de imissão na posse, em 2004, por um terceiro. A ação transcorreu sem a citação dos ocupantes do imóvel e foi extinta sem o julgamento do mérito.

Documento apto

O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, explicou que o justo título, na usucapião ordinária, pressupõe a existência de uma falha – no caso, a ausência de registro – que o decurso do tempo trata de sanar, se presentes os demais requisitos previstos pelo artigo 551 do Código Civil de 1916 ou 1.242 do Código Civil de 2002.

O ministro citou Pontes de Miranda para dizer que, na usucapião, seria absurdo exigir título justo transcrito e boa-fé, pois o título registrado já transfere a propriedade, sendo desnecessário falar em qualquer forma de usucapião.

A doutrina – acrescentou –, por meio do Enunciado 86 aprovado na I Jornada de Direito Civil, consolidou esse mesmo entendimento ao dispor que a expressão “justo título” do Código Civil “abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de registro”.

Segundo o relator, a jurisprudência também pacificou que “o contrato de promessa de compra e venda constitui justo título apto a ensejar a aquisição da propriedade por usucapião”. No tocante, especificamente, ao compromisso de compra e venda não registrado, Villas Bôas Cueva ressaltou que as turmas de direito privado do STJ já se posicionaram no sentido de que esse seria um documento apto a configurar o requisito do justo título para a usucapião ordinária.

Interrupção

Em relação à interrupção do prazo, o ministro ressaltou que o STJ já manifestou entendimento no sentido de que nem toda resistência do proprietário é válida para interromper a prescrição aquisitiva.

Para o relator, o julgamento de improcedência, ou extinção sem resolução de mérito, de ação possessória ou petitória – como ocorreu nos autos – é uma das situações em que não se interrompe o prazo para aquisição do imóvel pela usucapião.

Quanto à lavratura de boletim de ocorrência, o relator afirmou que tampouco é possível considerá-la fato interruptivo da prescrição aquisitiva, uma vez que apenas retrata relato unilateral do comunicante – o qual, embora prestado perante autoridade policial, não credita veracidade inconteste às informações.

“Além do mais, a interrupção somente poderia ocorrer na situação em que o proprietário do imóvel usucapiendo conseguisse reaver a posse para si, o que não se verificou no caso dos autos”, disse o magistrado.

 Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1584447
STJ

8 de abril de 2021

Citação em ação reivindicatória interrompe prazo para reconhecimento da usucapião

 Se a ação proposta pelo proprietário visa, de algum modo, a defesa do direito material, a citação dos réus interrompe o prazo para a aquisição do imóvel por usucapião. Com esse entendimento, já consolidado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Quarta Turma não admitiu o recurso especial de um casal que tentava afastar a interrupção do prazo no âmbito da discussão sobre a usucapião de terreno no município de Imbé (RS), ocupado desde 1984.

O relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, afirmou que o acórdão recorrido aplicou a jurisprudência firmada pela Segunda Seção, pois o proprietário ajuizou uma ação reivindicatória, “o que demonstra claramente sua intenção de retomar o bem”.

De acordo com o magistrado, também é pacífico na Segunda Seção o entendimento de que a interrupção do prazo ocorre independentemente de a ação reivindicatória ser declarada ou não procedente, bastando que se evidencie o inequívoco exercício do direito e a boa-fé do autor.

Disputa antiga

A disputa surgiu porque o casal de possuidores do imóvel teria negociado a compra apenas com a esposa do proprietário, que era analfabeta. Alegando que o valor foi pago integralmente, mas que a escritura definitiva não foi outorgada, os possuidores ingressaram com ação de adjudicação compulsória e, depois, com ação de usucapião ordinária – ambas julgadas improcedentes em primeira e segunda instâncias.

Posteriormente, no ano 2000, o espólio dos proprietários ajuizou ação reivindicatória, na qual os possuidores foram citados, mas o processo foi extinto em primeiro grau, sem julgamento de mérito.

Os herdeiros protocolaram outra ação e conseguiram sentença favorável para a imissão na posse, mas com a determinação de indenizar as benfeitorias feitas até 1996 – data em que o espólio contestou a ação de adjudicação compulsória.

Para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), além de a usucapião ordinária ter sido afastada em decisão já transitada em julgado, tampouco havia direito dos possuidores à usucapião extraordinária, pois a citação na ação reivindicatória de 2000 interrompeu o prazo de 20 anos de posse mansa e pacífica exigido pelo Código Civil de 1916.

Benfeitorias

Diante da decisão do TJRS sobre o marco interruptivo do prazo da usucapião, foram opostos embargos de declaração requerendo a alteração da data instituída para aferir a boa-fé das benfeitorias indenizáveis. Rejeitado o pedido, os possuidores interpuseram recurso no STJ, o qual foi provido para determinar à corte de origem que resolvesse a apontada contradição.

Ao analisar a matéria, o TJRS afirmou que a fixação do marco interruptivo da usucapião em 2000 não interfere no período indicado na sentença para a indenização das benfeitorias, uma vez que a boa-fé dos possuidores desapareceu a partir da contestação do espólio na ação de adjudicação compulsória, em 1996 – “ainda que tal contestação não tivesse o condão de interromper o prazo para usucapião”.

Inconformado, o casal apresentou novo recurso especial, inadmitido na origem. O juízo negativo quanto à admissibilidade foi mantido pelo ministro Luis Felipe Salomão. Segundo ele, além de o acórdão do TJRS estar em conformidade com a jurisprudência do STJ, as conclusões da corte estadual sobre a não caracterização da usucapião não podem ser revistas em recurso especial, pois isso exigiria o reexame de provas – o que é vedado pela Súmula 7.

O relator observou ainda que a jurisprudência considera que a perda da condição de boa-fé, para fins de cálculo da indenização por benfeitorias, depende de que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente, como previsto no Código Civil. No entanto, para o ministro, apreciar essas circunstâncias também exigiria novo exame das provas do processo.

Esta notícia refere-se ao processo: AREsp 1542609

Fonte: STJ – Superior Tribunal de Justiça