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8 de março de 2022

A empresa patrocinadora de evento, que não participou da sua organização, não pode ser enquadrada no conceito de fornecedor para fins de responsabilização por acidente de consumo ocorrido no local

Processo

REsp 1.955.083-BA, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022, DJe 18/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Danos materiais e morais. Acidente de consumo. Falecimento de integrante da plateia. Empresa patrocinadora de evento. Não integrante da cadeia de fornecimento. Responsabilidade afastada.

 

DESTAQUE

A empresa patrocinadora de evento, que não participou da sua organização, não pode ser enquadrada no conceito de fornecedor para fins de responsabilização por acidente de consumo ocorrido no local.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Para a incidência do microssistema consumerista, é imprescindível a existência, de um lado, de um fornecedor e, de outro, de um consumidor e que essa relação tenha por objeto o fornecimento de um produto ou serviço.

Tratando-se de hipótese de acidente de consumo por defeito do serviço, é de suma importância averiguar se aquele a quem se pretende atribuir a responsabilidade integra a cadeia de consumo. Isso porque, são quatro os pressupostos para a responsabilidade civil, a saber: (I) o dano; (II) o defeito do serviço; (III) o nexo de causalidade entre o defeito e o prejuízo e (iv) o nexo de imputação, sendo este o vínculo entre a atividade desenvolvida pelo fornecedor e o defeito do serviço.

Aquele que comparece a espetáculo aberto ao público se qualifica como consumidor nos termos da teoria finalista, já que não dá continuidade ao serviço.

A ausência de cobrança de ingresso para assistir ao evento não afasta, por si só, a incidência do CDC. O termo "mediante remuneração" presente no art. 3º, § 2º, desse diploma legal inclui o ganho indireto e não significa que o serviço deva ser oneroso ao consumidor.

O legislador, com o propósito de conferir proteção mais efetiva às vítimas de acidentes de consumo, ampliou o conceito de fornecedor previsto no art. 3º do CDC, imputando os danos causados pelo defeito a todos os envolvidos na prestação do serviço (art. 14 do CDC). Ou seja, ao valer-se do vocábulo fornecedor, pretendeu-se viabilizar a responsabilização do terceiro que, embora não tenha prestado o serviço diretamente, integrou a cadeia de consumo. Cuida-se do fornecedor indireto ou mediato.

Porém, para ser considerado integrante da cadeia de consumo, o terceiro deve ter contribuído com produtos ou serviços para o fornecimento do serviço final.

Em determinadas situações, ainda, admite-se a responsabilidade do terceiro com base na teoria da aparência. De acordo com essa teoria, "quando qualquer entidade se apresente como fornecedor de determinado bem ou serviço ou mesmo que ela, por sua ação ou omissão, causar danos causados ao consumidor, será por eles responsável" (REsp 1.637.611/RJ, Terceira Turma, DJe 25/08/2017).

Desse modo, o terceiro também pode ser responsabilizado se, à luz das circunstâncias concretas, aparentar ser o fornecedor do serviço.

Ocorre que, a empresa patrocinadora não participou da organização do evento, mas apenas o patrocinou mediante a aquisição de quota de patrocínio. Dito de outro modo, a empresa não contribuiu com seus produtos ou serviços para a organização do evento. Nem mesmo há indícios de que a exposição da sua marca tenha passado a impressão de que atuou como intermediária na cadeia de consumo.

Sendo o terceiro mero patrocinador do evento, que não participou da sua organização e, assim, não assumiu a garantia de segurança dos participantes, não pode ser enquadrado no conceito de "fornecedor" para fins de responsabilização pelo acidente de consumo.



15 de fevereiro de 2022

Se o consumidor alega que a assinatura do contrato bancário é falsa, a instituição financeira é quem terá o ônus de provar que é autêntica

 PROCESSO CIVIL – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

STJ. 2ª Seção. REsp 1.846.649-MA, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 24/11/2021 (Recurso Repetitivo - Tema 1061) (Info 720)

Se o consumidor alega que a assinatura do contrato bancário é falsa, a instituição financeira é quem terá o ônus de provar que é autêntica

Falsidade documento

impugnação da assinatura do contrato (e não a impugnação do contrato em si).

Regra

ônus da prova cabe à parte que fez essa alegação

Art. 429, CPC: “Incumbe o ônus da prova quando:

I - se tratar de falsidade de documento ou de preenchimento abusivo, à parte que a arguir”;

 

autenticidade da assinatura

o ônus de provar que a assinatura é autêntica é da parte que produziu o documento

Art. 429, CPC: “Incumbe o ônus da prova quando: (...)

II - se tratar de impugnação da autenticidade, à parte que produziu o documento”.

o legislador entendeu que a parte que produziu o documento possui a capacidade de justificar ou comprovar a presença da pessoa que o assinou

a própria lei criou uma exceção à regra geral de distribuição do ônus probatório, disposta no art. 373 do CPC, imputando o ônus a quem produziu o documento se houver impugnação de sua autenticidade.

impõe à parte que produziu documento suportar ônus demonstrar veracidade da assinatura constante no contrato e oportunamente impugnada pelo mutuário, o que abrange a produção da perícia grafotécnica

“O ônus da prova da falsidade documental compete à parte que a arguiu (art. 429, I, CPC), mas se a falsidade apontada disser respeito à assinatura lançada no documento, o ônus da prova caberá a quem o produziu (art. 429, II, CPC)” (DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sano; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória. 14ª ed. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 289).

“Produzido o documento por uma parte, portanto, e negada a assinatura pela outra, incumbirá à primeira o ônus de provar a veracidade da firma, o que será feito na própria instrução da causa, sem a necessidade de incidente especial. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Vol. I: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento, procedimento comum. 60ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 1.005-1.006)

Não se trata de inversão do ônus da prova do art. 6º, VIII, do CDC

Prova diabólica

Decisão que impõe aos bancos a produção da prova da assinatura não é diabólica

Prova diabólica é aquela impossível ou excessivamente difícil de ser produzida

Ex: o autor alega, na petição inicial, que o réu nunca lhe enviou a notificação extrajudicial. O autor não tem como comprovar isso. Seria exigir uma prova diabólica.

Ex.: “é a do autor da ação de usucapião especial, que teria de fazer prova do fato de não

ser proprietário de nenhum outro imóvel (pressuposto para essa espécie de usucapião). É prova impossível de ser feita, pois o autor teria de juntar certidões negativas de todos os cartórios de registro de imóvel do mundo.” (DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 137)

No caso, não se trata de prova diabólica porque o próprio consumidor, que supostamente teria assinado o contrato, impugna a autenticidade da assinatura e poderá facilmente fornecer o material necessário para a perícia grafotécnica.

Poder Judiciário não pode fechar os olhos para as circunstâncias fáticas que gravitam ao redor da questão jurídica, porquanto tais demandas envolvem, via de regra, pessoas hipervulneráveis, que não possuem condições de arcar com os custos de uma prova pericial complexa, devendo ser imputado tal ônus àquela parte da relação jurídica que detém maiores condições para sua produção

6 de janeiro de 2022

Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade

 PROCESSO REsp 1.846.649-MA, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 24/11/2021. Tema 1061. 

RAMO DO DIREITO DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO PROCESSUAL CIVIL 

TEMA Vulnerabilidade do consumidor. Contrato de empréstimo. Impugnação de autenticidade de assinatura. Ônus da prova. Instituição Financeira. Tema 1061.

DESTAQUE Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II ).

 INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR Inicialmente cumpre salientar que para a resolução desta controvérsia deve-se limitar a discussão aos casos em que há contestação da assinatura do contrato, pois, diversamente da hipótese em que se contesta a veracidade do próprio documento (art. 429, I, do CPC/2015), aqui se impugna apenas parte dele, isto é, a aposição da assinatura (art. 429, II, do CPC/2015). Segundo a doutrina, "o ônus da prova da falsidade documental compete à parte que a arguiu (art. 429, I, CPC), mas se a falsidade apontada disser respeito à assinatura lançada no documento, o ônus da prova caberá a quem o produziu (art. 429, II, CPC)". Assim, a parte que produz o documento é aquela por conta de quem se elaborou, porquanto responsável pela formação do contrato, sendo quem possui a capacidade de justificar ou comprovar a presença da pessoa que o assinou. Dessa maneira, vê-se que a própria lei criou uma exceção à regra geral de distribuição do ônus probatório, disposta no art. 373 do CPC/2015, imputando o ônus a quem produziu o documento se houver impugnação de sua autenticidade. Assim, aqui não se cuida de inversão do ônus probatório com a imposição de a casa bancária arcar com os custos da perícia, mas sim quanto à imposição legal de a parte que produziu o 2 documento suportar o ônus de demonstrar a veracidade da assinatura constante no contrato e oportunamente impugnada pelo mutuário, o que abrange a produção da perícia grafotécnica. Oportuno ressaltar, ainda, que não se está a afirmar que o fornecedor, nas relações consumeristas, deverá arcar com a produção da prova pericial em toda e qualquer hipótese, mas apenas que será ônus seu, em regra, demonstrar a veracidade da assinatura aposta no contrato. Além disso, deve-se atentar ao fato de que as ações repetitivas que justificaram a admissão do IRDR na origem envolviam consumidores pessoas idosas, aposentadas, de baixa renda e analfabetas, os quais, em sua maioria, foram vítimas de fraudes ou práticas abusivas perpetradas por correspondentes bancários. Portanto, a hipótese em apreço não impõe a produção de uma prova diabólica, haja vista que o próprio consumidor, que supostamente teria assinado o contrato, impugna a autenticidade da assinatura e poderá facilmente fornecer o material necessário para a perícia grafotécnica. Ademais, o Poder Judiciário não pode fechar os olhos para as circunstâncias fáticas que gravitam ao redor da questão jurídica, porquanto tais demandas envolvem, via de regra, pessoas hipervulneráveis, que não possuem condições de arcar com os custos de uma prova pericial complexa, devendo ser imputado tal ônus àquela parte da relação jurídica que detém maiores condições para sua produção. Por fim, não se olvide que o art. 6º do CPC/2015 prevê expressamente o dever de cooperação entre os sujeitos do processo para que se obtenha uma solução com efetividade, devendo as partes trazer aos autos as alegações e provas capazes de auxiliar, de forma efetiva, na formação do convencimento do Magistrado para o deferimento da produção das provas necessárias. Logo, havendo impugnação da autenticidade da assinatura constante de contrato bancário por parte do consumidor, caberá à instituição financeira o ônus de provar sua autenticidade, mediante perícia grafotécnica ou outro meio de prova.

19 de novembro de 2021

Dano moral em caso de atraso no voo que fez com que o passageiro, menor de idade viajando sozinho, ficasse muitas horas no aeroporto esperando e ainda fosse direcionado para cidade diferente do destino original

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-711-stj-2.pdf


RESPONSABILIDADE CIVIL Dano moral em caso de atraso no voo que fez com que o passageiro, menor de idade viajando sozinho, ficasse muitas horas no aeroporto esperando e ainda fosse direcionado para cidade diferente do destino original 

É cabível dano moral pelo defeito na prestação de serviço de transporte aéreo com a entrega de passageiro menor desacompanhado, após horas de atraso, em cidade diversa da previamente contratada. STJ. 3ª Turma. REsp 1.733.136-RO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 21/09/2021 (Info 711). 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: 

Leandro, 15 anos, mora em Guarulhos (SP), com sua mãe. Ricardo, pai de Leandro, reside em Cacoal (RO). Ricardo comprou uma passagem aérea para o filho, de Guarulhos (SP) para Cacoal (RO), a fim de que Leandro passasse uns dias com ele. O voo tinha saída de Guarulhos (SP) prevista para às 10h de 28/02 e chegada em Cacoal (RO) às 13h, com uma conexão em Cuiabá (MT). A previsão era o avião chegar às 11h em Cuiabá e o novo voo para Cacoal sairia às 11h40. Vale ressaltar que o passageiro Leandro, à época com 15 anos de idade, nunca havia realizado sozinho uma viagem de avião. Importante esclarecer, contudo, que se a companhia aérea tivesse cumprido a programação inicialmente contratada, não seria necessária hospedagem em cidade desconhecida entre os voos nem espera prolongada no aeroporto. Ocorre que a programação não foi cumprida. O voo de Guarulhos para Cuiabá atrasou 33 minutos. Assim, ao desembarcar em Cuiabá, Leandro foi informado de que o voo para Cacoal (RO) já havia partido, ou seja, ele perdeu a conexão. A companhia avisou, também, que, para ele completar o percurso, teria que embarcar em um voo para Ji-Paraná (RO) e de lá pegar um transporte terrestre para Cacoal, cidade vizinha, que fica a 100km de distância. Vale ressaltar, ainda, que o voo para Cacoal estava previsto, como vimos, para as 13h, enquanto o voo para Ji-Paraná só sairia às 21h. Sozinho em Cuiabá e sem opção, Leandro viu-se obrigado a ficar esperando e embarcar no voo para JiParaná, chegando nessa cidade às 23h15min. Seu pai, que mora em Cacoal, teve que sair de carro para buscá-lo em Ji-Paraná e, por volta da meia-noite, quando Leandro finalmente desembarcou da aeronave, ele e seu pai seguiram via terrestre para Cacoal. 

Ação de indenização 

Diante disso, Leandro e seu pai ajuizaram ação de indenização por danos morais contra a companhia aérea. A ré, na contestação, alegou que a perda da conexão foi causada em razão de força maior decorrente do alto fluxo aéreo ocorrido em Guarulhos na época de carnaval, e que prestou todo o auxílio necessário ao referido passageiro, como sua realocação noutro voo, disponibilização de hospedagem, alimentação e transporte, todos aceitos pelo mencionado passageiro. O juiz julgou o pedido improcedente argumentando que os autores assumiram o risco de perder o voo ao adquirir passagem no período carnavalesco com período de conexão muito curto. Afirmou, ainda, que a empresa ofereceu toda assistência ao passageiro. O Tribunal de Justiça manteve a sentença de improcedência. Inconformados, os autores interpuseram recurso especial. 

Para o STJ, é caso de condenação por danos morais? SIM. 

Houve inadimplemento por parte da companhia aérea que atrasou a saída do voo. A consequência desse inadimplemento não foi apenas um mero atraso do horário previsto para a chegada no destino. As consequências foram muito mais graves porque obrigaram um menor de idade a esperar 9 horas pelo próximo voo, em uma cidade desconhecida, sem a proteção de qualquer dos seus responsáveis, sujeito a toda sorte de acontecimentos e violência em um país que recebera da OMS a pecha de ser o oitavo mais violento do mundo (em 2018). “É incomensurável a aflição que se impõe aos pais do menor, e, aliás, em qualquer cidadão, que já tenha experienciado a missão da maternidade e da paternidade ou mesmo que não tenha logrado viver essa experiência”. De furtos, a roubos, passando por drogas, à violência sexual, ou mesmo a sequestro, ou seja, toda a sorte de males que poderiam claramente ter sido experimentados pelo menor, potencializados na visão dos seus pais, por um período interminável de 9 horas. Não bastasse isso, o adolescente, após este longo período de espera, sequer foi deixado no local de destino, mas sim em uma cidade novamente desconhecida e a 100km de onde mora seu pai e responsável. A companhia aérea sequer ofereceu o transporte terrestre ao menor para a cidade de destino. Vale ressaltar, no entanto, que isso acaba sendo de menor importância, pois é claro que o pai não confiaria na empresa que tanto já havia demonstrado descumprir com as suas obrigações. O pai não confiaria na empresa para transportar seu filho em uma van, durante a madrugada, com um motorista desconhecido, não se sabe se com outros passageiros ou não, nas nada seguras rodovias brasileiras. O fato de a companhia aérea ter garantido alimentação e hospedagem para o menor não serve para excluir o dever de indenizar. Isso porque era o mínimo a ser feito. Aliás, a empresa simplesmente cumpriu as normas estabelecidas pela ANAC. “Do contrário, o que se veria, na verdade, seria algo parecido com a tortura, relegando-se um menor de idade à sua sorte, em lugar desconhecido, com fome e no desconforto de uma cadeira de aeroporto por 9 horas seguidas.” Não há dúvidas que o direito brasileiro experimentou um período de banalização da indenização pelos danos morais, reconhecendo-se o direito a toda sorte de situações, muitas delas em que efetivamente não se estava a lidar com violações a interesses ligados à esfera da dignidade humana. Não se pode descurar, no entanto, que, quando presentes os elementos a evidenciar mais do que mero aborrecimento em ficar em um hotel, alimentado, no aguardo de um voo, é devida a indenização pelos danos morais. Alcançou-se aos pais de um infante e ao próprio menor horas de total insegurança e - certamente para alguns não poucos indivíduos de desespero - acerca da sorte dos seus filhos, e, ainda, os reflexos alcançaram a vida profissional do pai do menor, que é médico, tendo ele de reagendar cirurgia por força da aflição experimentada e, ainda, da alteração dos horários de chegada do filho, o que evidencia o direito à indenização. 

Em suma: É cabível dano moral pelo defeito na prestação de serviço de transporte aéreo com a entrega de passageiro menor desacompanhado, após horas de atraso, em cidade diversa da previamente contratada. STJ. 3ª Turma. REsp 1.733.136-RO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 21/09/2021 (Info 711). 

Qual foi o valor da condenação? 

10 mil reais, dividido em partes iguais entre os autores (pai e filho), acrescido de juros a contar da citação e de correção monetária desde a data da sessão de julgamento (Súmula 362 do STJ). 

DOD PLUS – INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES 

Atraso do voo pode ou não gerar dano moral a depender das circunstâncias do caso concreto 

As circunstâncias que envolvem o caso concreto servirão para que o juiz analise se houve ou não o dano moral. Desse modo, não existe, em atraso de voo, o chamado dano moral in re ipsa: 

Na hipótese de atraso de voo, não se admite a configuração do dano moral in re ipsa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.584.465-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/11/2018 (Info 638). 

Assim, as circunstâncias que envolvem o caso concreto servirão de baliza para a possível comprovação e a consequente constatação da ocorrência do dano moral. Exemplos de particularidades que devem ser analisadas: 

a) a averiguação acerca do tempo que se levou para a solução do problema, isto é, a real duração do atraso; 

b) se a companhia aérea ofertou alternativas para melhor atender aos passageiros; 

c) se foram prestadas a tempo e modo informações claras e precisas por parte da companhia aérea a fim de amenizar os desconfortos inerentes à ocasião; 

d) se foi oferecido suporte material (alimentação, hospedagem etc.) quando o atraso for considerável; 

e) se o passageiro, devido ao atraso da aeronave, acabou por perder compromisso inadiável no destino, dentre outros. 

STJ. 3ª Turma. REsp 1796716/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/08/2019. 

Apesar de não ter sido mencionado no voto, importante destacar o novo art. 251-A do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), inserido pela Lei nº 14.034/2020: 

Art. 251-A. A indenização por dano extrapatrimonial em decorrência de falha na execução do contrato de transporte fica condicionada à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão pelo passageiro ou pelo expedidor ou destinatário de carga.

15 de agosto de 2021

Os limites da publicidade diante dos direitos do consumidor

 Em um mercado de consumo movido pela propaganda, os limites da atuação publicitária e os potenciais efeitos de ações antiéticas nesse setor são temas de extremo interesse social. Embora existam alguns mecanismos de controle, como o Código de Autorregulamentação Publicitária – que, mesmo não sendo lei formal, define as boas práticas do mercado –, os limites nem sempre são claros; por isso, a publicidade é alvo de constantes embates judiciais.  

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece alguns princípios norteadores da atividade, entre eles a necessidade de identificação da publicidade (artigo 36), a vinculação contratual (artigos 30 e 35), a inversão do ônus da prova (artigo 38), a transparência (artigo 36, parágrafo único), a correção do desvio publicitário e a lealdade (artigo 4º, VI).

O CDC também é um importante instrumento utilizado pela Justiça para a configuração da publicidade enganosa, entendida como aquela que contém informação total ou parcialmente falsa, ou que, mesmo por omissão, é capaz de induzir o consumidor em erro (artigo 37, parágrafo 1º e 3º). Assim, o conceito está intimamente ligado à falta de veracidade, que pode decorrer tanto da informação falsa quanto da omissão de dado essencial.

Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para a configuração da publicidade enganosa, é preciso analisar o caso concreto, a fim de determinar os dados essenciais que deveriam constar da peça publicitária e que foram omitidos ou alterados; é necessário, ainda, considerar o público-alvo do anúncio, de modo a avaliar adequadamente o potencial enganoso desse tipo de comunicação.

Manipulação do universo lúdico i​​nfantil

É de 2016 o primeiro precedente que considerou abusiva a publicidade de alimentos dirigida direta ou indiretamente ao público infantil. Durante o julgamento na Segunda Turma, o ministro relator, Humberto Martins, apontou a ilegalidade de campanhas publicitárias de fundo comercial que "utilizem ou manipulem o universo lúdico infantil" (REsp 1.558.086).

Leia também​​: Decisão histórica condenou propaganda de alimentos dirigida ao público infantil

O processo chegou ao STJ após a empresa Pandurata Alimentos, dona da marca Bauducco, recorrer de decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que julgou procedente ação civil pública do Ministério Público estadual e considerou como venda casada a campanha "É hora de Shrek".

Na promoção, a Bauducco condicionava a aquisição de um relógio de pulso com a imagem do ogro Shrek e de outros personagens do desenho animado à apresentação de cinco embalagens dos produtos "Gulosos", além do pagamento adicional de R$ 5,00.

Para o relator, a hipótese caracterizava publicidade duplamente abusiva: primeiro, por se tratar de anúncio ou promoção de venda de alimentos direcionada, direta ou indiretamente, às crianças. "Segundo, pela evidente 'venda casada', ilícita em negócio jurídico entre adultos e, com maior razão, em contexto de marketing que utiliza ou manipula o universo lúdico infantil (artigo 39, I, do CDC)", afirmou o magistrado.

Em outro julgamento sobre anúncios dirigidos a crianças e adolescentes, o relator, ministro Herman Benjamin, explicou que, na ótica do direito do consumidor, a publicidade é oferta e, como tal, é ato precursor da celebração de contrato de consumo – negócio jurídico cuja validade depende da existência de sujeito capaz (artigo 104, I, do Código Civil).

"O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência reconhecendo a abusividade da publicidade de alimentos direcionada, de forma explícita ou implícita, a crianças. Isso porque a decisão de comprar gêneros alimentícios cabe aos pais, especialmente em época de altos e preocupantes índices de obesidade infantil", declarou o relator (REsp 1.613.561).

Dano moral coletivo por omissã​​o de informações

O ministro Herman Benjamin também relatou recurso no qual a Segunda Turma confirmou a condenação por dano moral coletivo imposta em ação civil pública contra concessionárias de Rondônia, em razão de anúncios de venda de veículos que não indicavam aos consumidores informações referentes ao valor de entrada, o total a prazo e os juros embutidos (REsp 1.828.620).

A ação foi proposta por uma organização não governamental após centenas de cidadãos serem "ludibriados por maquiavélicas publicidades enganosas" e depois não conseguirem honrar as compras. As instâncias de origem entenderam que as empresas deveriam ser responsabilizadas pela publicidade enganosa, porque anunciaram a venda de veículos sem a devida prestação de informações aos consumidores, induzindo-os em erro.

Segundo Herman Benjamin, o direito de não ser enganado antecede o próprio nascimento do direito do consumidor. "A oferta, publicitária ou não, deve conter não só informações verídicas, como também não ocultar ou embaralhar as essenciais. Sobre produto ou serviço oferecido, ao fornecedor é lícito dizer o que quiser, para quem quiser, quando e onde desejar, e da forma que lhe aprouver, desde que não engane, ora afirmando, ora omitindo", declarou.

No mercado de consumo, ressaltou o magistrado, juros embutidos ou disfarçados configuram uma das mais comuns, graves e nocivas modalidades de oferta enganosa, sendo passíveis de responsabilização nas esferas administrativa, civil e penal o uso de expressões do tipo "sem juros" ou a falta de indicação clara e precisa da taxa de juros e de outros encargos cobrados.

Para o relator, a informação é inadequada quando está estampada "em pé de página, com letras diminutas, na lateral, ou por ressalvas em multiplicidade de asteriscos, ou, ainda, em mensagem oral relâmpago ininteligível".

Coletividade tem o direito de não ser​​​ ludibriada

A Quarta Turma condenou uma imobiliária e seu proprietário ao pagamento de danos morais coletivos de R$ 30 mil, por negociarem terrenos em um condomínio de Betim (MG) com a falsa informação de que o loteamento estaria autorizado pelo poder público e seria possível registrar a propriedade em cartório (REsp 1.539.056).

Leia també​​m: Imobiliária pagará dano moral coletivo por vender lotes com falsa propaganda sobre regularização

No julgamento, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, destacou o caráter reprovável da conduta perpetrada pelos réus "em detrimento do direito transindividual da coletividade de não ser ludibriada, exposta à oferta fraudulenta ou à publicidade enganosa ou abusiva, motivo pelo qual a condenação ao pagamento de indenização por dano extrapatrimonial coletivo é medida de rigor, a fim de evitar a banalização do ato reprovável e inibir a ocorrência de novas e similares lesões".

Condenação exige que informaç​​ão omitida seja essencial

Contudo, o mesmo colegiado ponderou que a falta de informação sobre preço, por si só, não caracteriza propaganda enganosa por omissão. Para os ministros, a condenação, nessa hipótese, exige a comprovação de que foi sonegada informação essencial sobre a qualidade do produto ou serviço, ou sobre suas reais condições de contratação (REsp 1.705.278).

No caso em análise, o Ministério Público do Maranhão recebeu denúncias de consumidores sobre panfletos de propaganda de celulares distribuídos em uma loja sem a informação dos preços. Em primeira e segunda instâncias, a telefônica e o estabelecimento comercial onde houve a distribuição do material foram condenados a pagar indenização de R$ 10 mil por dano coletivo aos consumidores.

Para o relator no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, no entanto, o CDC não exige a veiculação de todas as informações de um produto – o que seria impossível, devido à limitação de tempo e espaço nas peças publicitárias.

"Não é qualquer omissão informativa que configura o ilícito. Para a caracterização da ilegalidade, a ocultação necessita ser de uma qualidade essencial do produto, do serviço ou de suas reais condições de contratação, de forma a impedir o consentimento esclarecido do consumidor", concluiu.

Como o tribunal de segundo grau havia se limitado a afirmar, de forma genérica e abstrata, que o preço é um dado imprescindível na publicidade, o ministro determinou que a corte analisasse os pressupostos objetivos e subjetivos da informação omitida na campanha, para só então concluir pela caracterização ou não de publicidade enganosa.

Letra miúda pode configurar propagand​​a enganosa

No julgamento do REsp 1.599.423, a Terceira Turma manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que determinou que uma empresa telefônica, ao informar sobre restrições em sua promoção, utilizasse nas peças publicitárias da campanha um destaque proporcional ao anúncio das vantagens oferecidas ao consumidor, sob pena de multa.

A campanha da empresa trazia em destaque a possibilidade de o usuário falar por até 45 minutos e pagar apenas três minutos, mas informava em letras pequenas que essa vantagem só valeria para ligações locais realizadas para telefone fixo da própria operadora entre 20h e 8h do dia seguinte, de segunda a sábado, e em qualquer horário aos domingos e feriados.

Leia também: Vivo deve responder por propaganda que restringiu promoção em letras reduzidas

O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, verificou que a conclusão do tribunal paulista foi no sentido de que tal disparidade de informações poderia efetivamente induzir o consumidor em erro, configurando propaganda enganosa.

Em seu voto, o magistrado lembrou que o STJ já considerou enganosa, capaz de induzir em erro o consumidor, a mensagem que consta em letras minúsculas nas informações contratuais. Segundo ele, o CDC não obriga os consumidores a cumprir os contratos cujos termos foram redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido (artigo 46).

Regras contratuais devem e​​​vitar falsas expectativas

Sanseverino citou julgamento realizado sob relatoria do ministro Villas Bôas Cueva, no qual o colegiado garantiu a uma consumidora o direito de receber o prêmio de R$ 300 mil da Tele Sena do Dia das Mães de 1999, em razão da falta de clareza nas regras do sorteio (REsp 1.344.967).

Na edição especial de Dia das Mães daquele ano, havia uma regra para reduzir o número de ganhadores, a qual previa a desconsideração da 17ª dezena sorteada no segundo subconjunto. A informação, não explicitada em nenhuma publicidade do título, nem sequer justificada, somente se tornava conhecida quando aberto o carnê, que era vendido lacrado. No caso analisado, a consumidora teria completado os 25 pontos necessários caso a 17ª dezena sorteada tivesse sido considerada.

Na ocasião, Villas Bôas Cueva destacou que as regras contratuais devem ser apresentadas de modo a evitar falsas expectativas, tais como aquelas dissociadas da realidade, em especial quando o consumidor é desprovido de conhecimentos técnicos.

Publicidade comparativa não po​​​​de ser depreciativa

Em 2014, a Quarta Turma estabeleceu que é lícita a propaganda comparativa entre produtos alimentícios de marcas distintas e de preços próximos, desde que: a comparação tenha por objetivo principal o esclarecimento do consumidor; as informações veiculadas sejam verdadeiras, objetivas, não induzam o consumidor em erro, não depreciem o produto ou a marca, nem sejam abusivas; os produtos e as marcas comparados não sejam passíveis de confusão (REsp 1.377.911). 

Com esse entendimento, o colegiado negou recurso no qual uma fabricante de iogurte pedia o restabelecimento de decisão que impôs sanções a uma concorrente em razão de campanha comparativa entre os produtos das duas.

Os ministros acompanharam o relator, ministro Luis Felipe Salomão, para quem não houve ofensa à imagem do produto objeto da comparação e, por isso, não se configurou infração ao registro de marcas nem concorrência desleal.

"Para que a propaganda comparativa viole o direito marcário do concorrente, as marcas devem ser passíveis de confusão ou a referência da marca deve estar cumulada com ato depreciativo da imagem de seu produto/serviço, acarretando a degenerescência e o consequente desvio da clientela", afirmou.

Segundo o magistrado, entender de forma diversa seria impedir a livre-iniciativa e a livre concorrência, levando restrição desmedida à atividade econômica e publicitária. "Além disso, implicaria retirar do consumidor maior acesso às informações referentes aos produtos comercializados e a poderoso instrumento decisório", completou o ministro.​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1558086REsp 1613561REsp 1828620REsp 1539056REsp 1705278REsp 1599423REsp 1344967REsp 1377911

12 de agosto de 2021

É abusiva a inclusão de novos serviços no plano de celular sem o consentimento do consumidor

 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu parcialmente o recurso de uma consumidora e reconheceu como abusiva a alteração de plano de telefonia móvel sem o consentimento da contratante, aplicando ao caso o prazo de prescrição de dez anos.

Por unanimidade, o colegiado entendeu que agregar unilateralmente serviços ao plano original modifica seu conteúdo e viola o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Na ação, a consumidora requereu a devolução em dobro do valor pago indevidamente e a condenação da operadora em danos morais, por ter sido transferida para um plano que, sem ela pedir, adicionou o fornecimento de aplicativos e serviços de terceiros, inclusive jogos eletrônicos, que aumentaram o valor da conta.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) decidiu que a restituição em dobro deveria se limitar ao aplicativo de jogos, pois os demais serviços não teriam influenciado na mensalidade, e aplicou ao caso a prescrição trienal, relativa ao enriquecimento sem causa (artigo 206, parágrafo 3º, inciso IV, do Código Civil). Com isso, o pedido foi considerado prescrito em relação às faturas pagas anteriormente aos três anos que antecederam o início do processo.

Prática flagrantemente abusiva da operadora

Relator do recurso no STJ, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino afirmou que, conforme o artigo 51, incisos X e XIII, do CDC, são nulas as alterações feitas unilateralmente pelo fornecedor que modifiquem o preço ou o conteúdo do contrato.

O ministro explicou que o cuidado do legislador em separar a alteração do preço da alteração da qualidade do contrato, em diferentes incisos no CDC, teve o objetivo de realçar que a proteção do consumidor contra uma delas independe da outra. De acordo com o relator, a prática contratual adotada pela operadora foi abusiva, pois não cabe a ela decidir qual o melhor plano para o consumidor.

"É certo que a prática contratual adotada pela operadora de telefonia móvel é flagrantemente abusiva, na medida em que configura alteração unilateral e substancial do contrato, prática vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo nula de pleno direito a cláusula contratual que eventualmente a autorize", afirmou.

Sanseverino também indicou que a jurisprudência do STJ, da mesma forma, considera nula qualquer alteração unilateral realizada em contrato de plano de saúde (REsp 418.572) e de financiamento bancário (REsp 274.264).

Aplicação da prescrição decenal e inexistência de dano moral

Ao analisar a prescrição reconhecida pelo TJRS, o ministro assinalou que a cobrança indevida em fatura de telefonia não se enquadra no prazo prescricional de três anos, pois o pedido de restituição é decorrente da relação contratual entre as partes, ainda que tenha havido uma indevida alteração do contrato.

Segundo o relator, a pretensão de devolução relativa à cobrança indevida de serviços telefônicos não contratados tem prazo de dez anos (EAREsp 749.198).

No entanto, ele observou que o ressarcimento deve retroagir apenas ao período de cinco anos da data do ajuizamento da ação, em respeito ao princípio da adstrição ao pedido, já que este foi o limite temporal estabelecido pela autora na petição inicial.

Sanseverino, por fim, manteve a decisão do TJRS que negou a indenização por danos morais, uma vez que os danos suportados se restringiram ao plano patrimonial, não se vislumbrando ofensa a direito da personalidade da consumidora ou desvio produtivo.

Leia o acórdão no REsp 1.817.576.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1817576

19 de junho de 2021

O dia da destituição da incorporadora, com a consequente assunção da obra pelos adquirentes, é o marco final das obrigações constituídas entre as partes

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-695-stj.pdf


DIREITO DO CONSUMIDOR - COMPRA DE IMÓVEIS: O dia da destituição da incorporadora, com a consequente assunção da obra pelos adquirentes, é o marco final das obrigações constituídas entre as partes 

Situação hipotética: João celebrou contrato de promessa de compra e venda de um imóvel, ainda na planta, com a ALP incorporadora imobiliária. Por conta de dificuldades financeiras da incorporadora, o término do imóvel atrasou muito e os adquirentes decidiram pela destituição da incorporadora, com a criação da Associação de Adquirentes, e a contratação de uma nova construtora para prosseguir na construção do prédio. João ajuizou ação pedindo a reparação pelos danos materiais (lucros cessantes e danos emergentes) decorrentes da paralisação na construção e entrega do empreendimento. Os lucros cessantes serão devidos até quando? O prejuízo deverá ser contabilizado até a data da destituição da incorporadora ou até a data da posterior conclusão da obra? Até o dia da destituição da incorporadora. Isso porque nessa data acabaram as obrigações contratuais que a incorporadora tinha com os adquirentes. O autor poderá exigir da incorporadora que pague, a título de danos emergentes, o valor que será gasto com a nova construtora contratada para terminar a obra? Não. Eventuais aportes financeiros adicionais assumidos pelos adquirentes a partir da destituição não podem ser cobrados do incorporador destituído, sob pena de agravar-se, de forma unilateral, o risco de um negócio originário. STJ. 3ª Turma.REsp 1.881.806-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 04/05/2021 (Info 695). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João (promitente-comprador) celebrou contrato de promessa de compra e venda de um imóvel (sala comercial) com a ALP incorporadora imobiliária. O imóvel ainda estava em construção no momento da assinatura do contrato. Tratava-se de um grande edifício empresarial, com inúmeras salas comerciais, sendo uma delas a que foi contratada por João. Vale ressaltar que o contrato foi firmado em 14/11/2012 e a data de entrega estava prevista para o dia 31/03/2014. Em 17/12/2014, a incorporadora ALP, em assembleia convocada para essa finalidade, informou aos adquirentes que estava com dificuldades financeiras e que iria paralisar a obra. Em 29/09/2015, os adquirentes decidiram pela destituição da incorporadora, com a criação da Associação de Adquirentes, e a contratação de uma nova construtora para prosseguir na construção do prédio. Em 29/09/2017, o empreendimento foi finalizado e entregue pela nova construtora contratada pela Associação formada. João ajuizou ação pedindo a reparação pelos danos materiais (lucros cessantes e danos emergentes) decorrentes da paralisação na construção e entrega do empreendimento. 

O juiz deve julgar o pedido procedente? SIM. No entanto, ainda restam duas perguntas importantes: 

Os lucros cessantes serão devidos até quando? O prejuízo deverá ser contabilizado até 29/09/2015 (data da destituição da incorporadora) ou até 29/09/2017 (data da conclusão da obra)? 

Até a data da destituição da incorporadora. Isso porque nessa data acabaram as obrigações contratuais que a incorporadora tinha com os adquirentes. 

O dia da destituição da incorporadora, com a consequente assunção da obra pelos adquirentes, é o marco final das obrigações constituídas entre as partes. STJ. 3ª Turma. REsp 1.881.806-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 04/05/2021 (Info 695). 

Alternativas em caso de extinção do contrato de incorporação 

A Lei nº 4.591/64 previu três situações distintas para a extinção do contrato de incorporação, observado o atraso na entrega da obra, com desfechos que variam de acordo com a conveniência dos adquirentes: 

OPÇÕES DOS ADQUIRENTES NO CASO DE ATRASO NA ENTREGA DA OBRA 


1ª opção: receber, mesmo com atraso 

Os compradores podem aceitar receber a unidade, mesmo com atraso. Nesse caso, será devida ao adquirente adimplente, por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente conforme índice previsto no contrato (art. 43-A, § 2º). 

Trata-se de extinção normal do contrato. 

2ª opção: não receber o imóvel 

Os adquirentes podem optar por não mais receber o imóvel atrasado. Nessa hipótese, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 dias corridos contados da resolução, corrigidos (art. 43-A, § 1º). 

Trata-se de extinção anômala do contrato. 

3ª opção: destituição do incorporador 

Se o incorporador, sem justa causa, paralisar as obras por mais de 30 dias, ou retardar-lhes excessivamente o andamento, o juiz poderá notificá-lo para que no prazo mínimo de 30 dias as reinicie ou torne a dar-lhes o andamento normal. Sendo desatendida a notificação, o incorporador poderá ser destituído pela maioria absoluta dos votos dos adquirentes, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal que couber, sujeito à cobrança executiva das importâncias comprovadamente devidas, facultando-se aos interessados prosseguir na obra (art. 43, VI). 

Trata-se de extinção anômala do contrato. 

Destituição da incorporadora 

A destituição da incorporadora põe fim ao contrato de incorporação. No dia em que a incorporadora é destituída ocorre a consequente assunção da obra pelos adquirentes. Essa data deve ser considerada como o marco final das obrigações constituídas entre as partes. Qual a importância disso? É até essa data que devem ser apurados os prejuízos efetivos que comporão o montante indenizatório devido pela incorporadora. Isso porque os riscos do empreendimento estão limitados às cláusulas e à extensão do contrato, assumindo o incorporador apenas os riscos contratados e tão-somente enquanto durar o contrato. Assim, deduz-se que os lucros cessantes serão cabíveis apenas durante o período compreendido entre a data prometida para a entrega da obra e a data efetiva da destituição do incorporador. Com a destituição da incorporadora, ocorre a extinção (anômala) da incorporação. 

Segunda pergunta: o autor poderá exigir da incorporadora que pague, a título de danos emergentes, o valor que será gasto com a nova construtora contratada para terminar a obra? NÃO. 

Eventuais aportes financeiros adicionais assumidos pelos adquirentes a partir da destituição não podem ser cobrados do incorporador destituído, sob pena de agravar-se, de forma unilateral, o risco de um negócio originário. STJ. 3ª Turma. REsp 1.881.806-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 04/05/2021 (Info 695). 

Não se pode cobrar, a título de danos emergentes, o valor do aporte realizado pelo autor para o prosseguimento da obra. A destituição da incorporadora é uma opção feita pelos adquirentes. Os adquirentes poderiam simplesmente ter pedido a rescisão do compromisso de venda e compra, com a restituição dos valores que foram pagos. Optando-se pela continuidade no empreendimento, sem a presença da incorporadora, um novo negócio jurídico surgiu, não se podendo imputar à incorporadora destituída o ônus do pagamento dos valores despendidos para o término das obras. Assim, optando os adquirentes pela assunção da obra, com a contratação de outra construtora, isso significa que eles abrem mão de receber a integralidade de todos os valores pagos, além da multa estabelecida, para prosseguirem, por conta própria, na construção do empreendimento, assumindo, com isso, as consequências dessa deliberação. Se o adquirente, ou a maioria dos compradores reunidos em assembleia, decidiu pela continuidade do empreendimento, inclusive com a necessidade de aportes financeiros adicionais, esses valores não podem ser cobrados do incorporador destituído, sob pena de se agravar, unilateralmente, o risco do negócio original. A destituição do incorporador constitui um exercício regular de um direito legalmente previsto, que pode, conforme o caso, impor novos riscos aos adquirentes, sem que isso conduza, todavia, a uma ampliação dos riscos originariamente assumidos pelo incorporador.

8 de junho de 2021

Não é abusiva a cláusula do contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora/financeira, em caso de inadimplemento, debitar na conta corrente do titular o pagamento do valor mínimo da fatura, ainda que contestadas as despesas lançadas.

 REsp 1.626.997-RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 01/06/2021.

Cartão de crédito. Inadimplemento. Pagamento do valor mínimo da fatura. Débito direto na conta corrente do titular. Possibilidade.

Não é abusiva a cláusula do contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora/financeira, em caso de inadimplemento, debitar na conta corrente do titular o pagamento do valor mínimo da fatura, ainda que contestadas as despesas lançadas.


Inicialmente, a teor do quanto previsto no contrato de emissão e utilização do cartão de crédito, em caso de não pagamento da fatura na data de seu vencimento ou cancelamento do cartão por inadimplemento, o titular autorizaria o emissor a debitar em sua conta corrente o valor mínimo correspondente aos gastos por ele efetuados, caso haja saldo para tanto.

Essa operação de débito direto do valor mínimo da fatura consiste em uma ferramenta apenas utilizada quando o cliente não realiza, esponte própria, o pagamento do montante devido no prazo contratual assinalado, sequer do valor mínimo expressamente acordado para manter o fluxo do contrato de cartão de crédito.

A prática do pagamento mínimo como opção do titular do cartão fora reconhecida como válida pelo Banco Central do Brasil, desde a edição da Resolução n. 3.919/2010.

Hodiernamente, não existe mais o pagamento mínimo obrigatório de determinado percentual do valor da fatura, mas, cada instituição financeira pode estabelecer com os consumidores o montante de adimplemento mínimo mensal, em função do risco da operação, do perfil do cliente ou do tipo de produto.

Certamente, o pagamento mínimo previsto na modalidade contratual de cartão de crédito constitui uma mera liberalidade da operadora, que insere tal condição na contratualidade de maneira a conquistar e fidelizar o usuário, a fim de fortalecer o sistema de crédito na modalidade cartão.

A hipótese de débito do valor mínimo constitui uma das condições para que se conceda crédito aos titulares do cartão, possibilitando a estes últimos, o abatimento parcial do quanto devido e não adimplido. Trata-se, portanto, de uma espécie de garantia à continuidade do ajuste estabelecido entre as partes.

Com a facilidade do débito mínimo, condições vantajosas são experimentadas por ambas as partes da relação jurídica: a financeira mantém a continuidade e o fluxo do sistema e do serviço de cartão de crédito e garante o pagamento de parcela dos valores inadimplidos na data, sem a necessidade da realização de procedimentos executivos forçados; já o titular de cartão de crédito inadimplente mantém o saldo disponível do crédito do cartão para realizar outras despesas e realiza o pagamento parcial do débito com a amortização do quanto devido sem que ocorra o bloqueio da operação, deixando de se submeter às regras e encargos atinentes ao procedimento de execução forçada.

Inegavelmente, não há no ordenamento jurídico obrigação legal para a concessão de crédito sem garantia, nem mesmo vedação a tal prática, motivo esse que impede rotular como abusivo o débito de parcela mínima do total de gastos efetuados pelos titulares dos cartões de crédito.

Portanto, não se reputa abusiva a cláusula inserta em contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora/financeira a debitar na conta corrente do respectivo titular o pagamento do valor mínimo da fatura em caso de inadimplemento, porquanto tal ajuste não ofende o princípio da autonomia da vontade, que norteia a liberdade de contratar, tampouco possui o condão de violar o equilíbrio contratual ou a boa-fé, haja vista que tal proceder constitui mero expediente para facilitar a satisfação do crédito com a manutenção da contratualidade havida entre as partes.

Do mesmo modo, em todas as hipóteses nas quais o titular do cartão contestar a fatura, se não realizado o pagamento no prazo, tendo sido expressamente contratado e devidamente informado ao consumidor a ocorrência do débito do valor mínimo diretamente na conta corrente, não há falar em abusividade.

É inconstitucional norma que autoriza os bancos a cobrarem tarifa pelo simples fato de disponibilizarem o serviço de “cheque especial”, ainda que ele não seja utilizado

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-1015-stf-1.pdf


CONTRATOS BANCÁRIOS - É inconstitucional norma que autoriza os bancos a cobrarem tarifa pelo simples fato de disponibilizarem o serviço de “cheque especial”, ainda que ele não seja utilizado 

É inconstitucional a cobrança de tarifa bancária pela disponibilização de limite para “cheque especial”. Contraria o ordenamento jurídico-constitucional a permissão dada por resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) às instituições financeiras para cobrarem tarifa bancária pela mera disponibilização de crédito ao cliente na modalidade “cheque especial”. STF. Plenário. ADI 6407/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 30/4/2021 (Info 1015). 

“Cheque especial” 

É comum que os bancos, ao oferecerem seus serviços, firmem um contrato de abertura de crédito rotativo com seus clientes. Por meio deste contrato de abertura de crédito rotativo, o banco se compromete a disponibilizar determinada quantia (chamada comumente de “limite”) ao seu cliente, que poderá, ou não, utilizar-se desse valor a título de empréstimo. É o que é vulgarmente conhecido como “cheque especial”. Ex.: a microempresa “XXX” abriu uma conta corrente no Banco “B”. Dentre todos os papeis que o administrador da empresa assinou, estava um contrato de abertura de crédito rotativo, por meio do qual, mesmo que a empresa não tivesse dinheiro em sua conta, teria disponível a quantia de R$ 50 mil para saque. Este valor, se sacado, constitui-se em um empréstimo, devendo ser devolvido com juros e correção monetária ao banco. 

Resolução nº 4.765/2019 

O Conselho Monetário Nacional (CMN) editou a Resolução nº 4.765/2019 que, em seu art. 2º, passou a admitir a cobrança de tarifa pela oferta de cheque especial por instituições financeiras mesmo que o serviço não seja utilizado: 

Art. 2º Admite-se a cobrança de tarifa pela disponibilização de cheque especial ao cliente. (...) 

O partido político PODEMOS ajuizou ADPF contra essa resolução afirmando que ela violaria determinados preceitos fundamentais da Constituição Federal, como o art. 5º, XXXII (defesa do consumidor); art. 22, VII (competência da União para legislar sobre crédito); art. 170, IV e V (livre concorrência e defesa do consumidor); art. 173, § 4º (abuso do poder econômico); art. 192 (obrigação de o sistema financeiro nacional ser regulamentado por lei complementar). 

Cabe ADPF neste caso? 

NÃO. Um dos requisitos da ADPF é a subsidiariedade. A subsidiariedade da ADPF está prevista expressamente no art. 4º, § 1º, da nº 9.882/99: “a arguição não será admitida quando houver qualquer outro meio de sanar a lesividade”. Assim, só cabe ADPF se não houver outro meio eficaz de sanar a lesão. No caso concreto, o partido poderia e deveria ter ajuizado uma ADI contra a Resolução. Logo, como caberia ADI, não poderia ter sido proposta uma ADPF, já que existia outro meio eficaz de sanar a lesão. 

Então significa que o STF deixou de conhecer a ADPF? 

NÃO. Não foi isso. No caso concreto, o STF decidiu conhecer a ADPF como se fosse ADI. Isso é possível porque a ADPF e a ADI são fungíveis entre si. Assim, é possível a conversão da ADPF em ADI quando imprópria a primeira, e vice-versa. 

E quanto ao mérito, essa Resolução é válida? NÃO. 

É inconstitucional a cobrança de tarifa bancária pela disponibilização de limite para “cheque especial”. Contraria o ordenamento jurídico-constitucional a permissão dada por resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) às instituições financeiras para cobrarem tarifa bancária pela mera disponibilização de crédito ao cliente na modalidade “cheque especial”. STF. Plenário. ADI 6407/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 30/4/2021 (Info 1015). 

Resolução limita a proteção dos consumidores 

A Resolução do CMN não pode excluir ou limitar a proteção concedida ao consumidor pela Constituição Federal. A autorização de cobrança pela mera disponibilização do serviço coloca o consumidor em situação de vulnerabilidade econômico-jurídica, em descumprimento ao mandamento constitucional de proteção ao consumidor, previsto no art. 5º, XXXII, e no art. 170, V, da CF/88: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V – defesa do consumidor; 

As instituições financeiras não podem cobrar por serviço de disponibilização e/ou manutenção mensal de cheque especial, uma vez que a cobrança dos juros é permitida tão somente quando houver a efetiva utilização e sempre proporcional ao valor e ao tempo usufruídos. 

CMN criou a cobrança de um valor que tem natureza de taxa 

A previsão dessa tarifa teve por objetivo compensar financeiramente os bancos pelo fato de o Conselho Monetário Nacional (CMN) ter limitado os juros a 8% ao mês no “cheque especial”. Assim, o CMN criou uma “tarifa” com características de taxa tributária, pela simples manutenção mensal da modalidade de contratação de “cheque especial”, vinculada a contrato de conta corrente. Segundo prevê o art. 4º do CTN, independentemente da nomenclatura, o fato gerador da exação é que determina a natureza jurídica do tributo. 

Essa tarifa representa a cobrança antecipada de juros por quem não utilizou o serviço 

Houve uma desnaturação da natureza jurídica da “tarifa bancária” para adiantamento da remuneração do capital (juros), de maneira que a cobrança de “tarifa” (pagamento pela simples disponibilização) camuflou a cobrança de juros, com outra roupagem jurídica, voltada a abarcar quem não utiliza o crédito efetivamente na modalidade de “cheque especial”. Consequentemente, não se alterou apenas a forma de cobrança, mas a própria natureza da cobrança (juros adiantados), violando o mandamento constitucional que determina a proteção ao consumidor (art. 170, V, da CF/88). 

Ofensa ao princípio da proporcionalidade 

A Resolução do CMN também não passa pelo filtro da proporcionalidade, tendo em vista que é desproporcional para os fins almejados, existindo soluções menos gravosas que poderiam ter sido adotadas. O CMN poderia, por exemplo, ter optado por instituir autorização de cobrança de juros em faixas, a depender do valor utilizado ou do limite exacerbado, todavia escolheu modalidade de cobrança que se assemelha a tributo ou a adiantamento de juros com alíquota única (0,25% ao mês, cerca de 3% ao ano), por serviço não usufruído (empréstimo de capital próprio ou de terceiros). 

Ofensa ao ato jurídico perfeito 

De igual modo, o art. 2º da Resolução também é ilegítimo porque retroage sua eficácia a 1º/6/2020, alcançando contratos firmados anteriormente que não previam qualquer custeio de manutenção do limite disponível, em clara afronta ao inciso XXXVI do art. 5º da CF/88: 

Art. 5º (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; 

Dispositivo 

Com esses fundamentos, o Plenário do STF declarou a inconstitucionalidade do art. 2º da Resolução CMN/Bacen 4.765/2019.