Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/08/info-1021-stf.pdf
COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS - É inconstitucional norma de Constituição Estadual que veda aos municípios a possibilidade de
alterarem destinação, os fins e os objetivos originários de loteamentos definidos como áreas
verdes ou institucionais
Os Municípios têm competência para legislar sobre assuntos de interesse local
compreendendo o ordenamento territorial, o planejamento urbano e a fiscalização de áreas
de uso e ocupação do solo (art. 30, I e VII, da CF/88).
É formalmente inconstitucional norma estadual pela qual se dispõe sobre direito urbanístico
em contrariedade ao que se determina nas normas gerais estabelecidas pela União e em
ofensa à competência dos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local, sobre os
quais incluídos política de desenvolvimento urbano, planejamento, controle e uso do solo.
De igual modo, é inconstitucional norma de Constituição estadual que, a pretexto de organizar
e delimitar competência de seus respectivos Municípios, ofende o princípio da autonomia
municipal, previsto no art. 18, no art. 29 e no art. 30 da CF/88.
STF. Plenário. ADI 6602/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 11/6/2021 (Info 1021).
A situação concreta foi a seguinte:
A Constituição do estado de São Paulo estabeleceu que os Municípios, salvo as exceções ali previstas, não
poderiam alterar a destinação, os fins e os objetivos originários dos loteamentos que tenham sido
definidos como áreas verdes ou institucionais. Confira:
Artigo 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o
Estado e os Municípios assegurarão:
(…)
VII - as áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou institucionais não
poderão ter sua destinação, fim e objetivos originariamente alterados, exceto quando a alteração
da destinação tiver como finalidade a regularização de: a) loteamentos, cujas áreas verdes ou
institucionais estejam total ou parcialmente ocupadas por núcleos habitacionais de interesse
social destinados à população de baixa renda, e cuja situação esteja consolidada ou seja de difícil
reversão; b) equipamentos públicos implantados com uso diverso da destinação, fim e objetivos originariamente previstos quando da aprovação do loteamento; c) imóveis ocupados por
organizações religiosas para suas atividades finalísticas. (redação dada pela Emenda
Constitucional nº 26, de 15/12/2008)
(...)
O Procurador-Geral da República propôs ADI contra essa previsão, alegando que o dispositivo da
Constituição Estadual tratou sobre matéria de interesse local, que seria da competência dos Municípios,
a quem compete promover adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso,
do parcelamento e da ocupação do solo urbano, de acordo com o art. 30, I e VIII e art. 182 da CF/88.
O STF concordou com os argumentos do PGR? Essa lei é inconstitucional?
SIM.
É inconstitucional norma de constituição estadual que veda aos municípios a possibilidade de alterarem
destinação, os fins e os objetivos originários de loteamentos definidos como áreas verdes ou
institucionais.
STF. Plenário. ADI 6602/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 11/6/2021 (Info 1021).
Interesse local
O ordenamento territorial, planejamento, uso e ocupação do solo urbano é assunto de competência dos
Municípios, nos termos do art. 30, I e VIII, da CF/88:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
(...)
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e
controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;
Política urbana
Além disso, o art. 182 da CF/88 confere aos Municípios a competência material para a execução da política
de desenvolvimento urbano:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
Lei federal nº 10.257/2001
A competência para legislar sobre direito urbanístico é concorrente, nos termos do art. 24, I, da CF/88:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
(...)
No exercício da competência para editar normas gerais de direito urbanístico, a União editou a Lei nº
10.257/2001 reconhecendo aos Municípios a competência para afetar e desafetar bens, inclusive em áreas
verdes e institucionais, assim como estabelecer, para cada zona em que se divida o território municipal,
os usos permitidos de ocupação do solo.
Parcelamento do solo urbano
Vale citar, ainda, a Lei federal nº 6.766/79, que disciplina o parcelamento do solo urbano e prevê que as
áreas institucionais de loteamentos consistem em espaços destinados à edificação de equipamentos urbanos e comunitários de educação, cultura, lazer e similares, como, por exemplo, praças, quadras
poliesportivas, postos de saúde e escolas.
O art. 22 da Lei nº 6.766/79 afirma que as áreas institucionais passam a integrar o domínio do Município
desde a data de registro do loteamento.
Código Florestal
Importante, por fim, mencionar o art. 25, III, do Código Florestal, que estabelece a competência municipal
para o estabelecimento das áreas verdes urbanas:
Art. 25. O poder público municipal contará, para o estabelecimento de áreas verdes urbanas, com
os seguintes instrumentos:
(...)
III - o estabelecimento de exigência de áreas verdes nos loteamentos, empreendimentos
comerciais e na implantação de infraestrutura.
Com isso, conclui-se que a União fixou normas gerais sobre o ordenamento, uso e parcelamento do solo
urbano, pelas quais se atribui a criação de áreas verdes urbanas e institucionais à esfera de competência
municipal com o fim de promover o adequado ordenamento territorial, pelo planejamento e controle de
uso do solo urbano.
Desse modo, no exercício da competência para editar normas gerais de direito urbanístico, a União
reconheceu a competência dos Municípios para afetar e desafetar bens, inclusive em áreas verdes e
institucionais, assim como estabelecer, para cada zona em que se divida o território municipal, os usos
permitidos de ocupação do solo.
Competência suplementar dos Estados
Nesse passo, ainda que os Estados-membros tenham competência para editar legislação suplementar em
matéria urbanística, nos termos do art. 24, I, da CF/88, deve-se reconhecer o protagonismo que o texto
constitucional conferiu aos Municípios em matéria de política urbana.
A jurisprudência do STF é firme no sentido de que a delimitação de competência municipal por meio de
dispositivo de Constituição Estadual ofende o princípio da autonomia municipal.
Assim, as normas estaduais impugnadas, pelas quais impostas restrições à desafetação de áreas definidas
nos projetos de loteamentos como áreas verdes ou institucionais nos municípios paulistas, contrariam as
normas gerais afetas à temática em exame e invadem matéria de interesse local, em evidente prejuízo à
autonomia municipal.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, conheceu da ação direta e, no mérito, julgou
procedente o pedido para declarar inconstitucionais os §§ 1º a 4º do inc. VII do art. 180 da Constituição
do estado de São Paulo.