Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2019/06/info-645-stj-1.pdf
AGRAVO DE INSTRUMENTO - É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou indefere a
distribuição dinâmica do ônus da prova ou quaisquer outras atribuições do ônus da prova
distinta da regra geral
O CPC/2015 prevê que:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;
Esse inciso XI abrange também as decisões interlocutórias que determinem a inversão da
prova com base no art. 6º, VIII, do CDC?
SIM. O art. 373, §1º, do CPC/2015, contempla duas regras jurídicas distintas, ambas criadas
para excepcionar a regra geral do caput do art. 373, sendo que a primeira diz respeito à
atribuição do ônus da prova, pelo juiz, em hipóteses previstas em lei, de que é exemplo a
inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a segunda diz respeito à teoria da
distribuição dinâmica do ônus da prova, incidente a partir de peculiaridades da causa que se
relacionem com a impossibilidade ou com a excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus
estaticamente distribuído ou, ainda, com a maior facilidade de obtenção da prova do fato
contrário.
Em outras palavras, a hipótese do art. 6º, VIII, do CDC está sim tratada no § 1º do art. 373 do
CPC uma vez que esse dispositivo dispõe também a inversão do ônus da prova nos casos
previstos em lei.
Para o STJ, a hipótese do inciso XI do art. 1.015 do CPC deve ser lida em sentido amplo de sorte
que:
É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou indefere a
distribuição dinâmica do ônus da prova ou quaisquer outras atribuições do ônus da prova
distinta da regra geral, desde que se operem ope judicis e mediante autorização legal.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.729.110-CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019 (Info 645).
NOÇÕES GERAIS SOBRE O ÔNUS DA PROVA
Se, ao final do processo, o juiz entender que os fatos alegados não foram provados, o que ele deverá
fazer? Qual deve ser a sua decisão neste caso?
O juiz terá que analisar qual das partes tinha o ônus de provar esse fato.
A parte que tinha esse ônus e que não conseguiu provar o fato irá suportar as consequências negativas.
Em outras palavras, a parte que tinha o ônus e não provou, será “prejudicada” no resultado do processo.
Daí a importância de se estudar e analisar o ônus da prova.
Ônus da prova
Ônus da prova é a regra que atribui a uma das partes o ônus de suportar a falta de prova de um
determinado fato.
Ônus x obrigação
Repare que, em nenhum momento eu disse que a parte tem a “obrigação” ou o “dever” de produzir a
prova. Eu falei em “ônus”. Quais as diferenças?
DEVER
- É a necessidade de observar um comportamento imposto, de forma geral, pelo ordenamento jurídico.
- É possível exigir que a parte cumpra o dever.
- Ex: dever de expor os fatos em juízo conforme a verdade (art. 77, I, do CPC).
OBRIGAÇÃO
- É um dever jurídico específico e individualizado de prestação (dar, fazer, não fazer). A obrigação é uma atividade que a pessoa faz em benefício de outrem.
- É possível exigir que a parte cumpra a obrigação.
- Ex: em um contrato de compra e venda, o vendedor tem a obrigação de pagar o preço.
ÔNUS
- É a necessidade de adotar
determinada conduta para
defender um interesse próprio.
Se a pessoa não adotar essa
conduta, não há uma sanção
contra ela. No entanto, deixará
de ter uma vantagem.
- Não é possível exigir que a parte
cumpra o ônus.
- Ex: o autor tem o ônus de provar
o fato constitutivo de seu direito
(art. 373, I, do CPC).
Ônus imperfeito
Vimos acima que, se a parte tinha um ônus e deixou de adotar a providência necessária, ela terá uma
desvantagem, perderá alguma coisa.
No caso do ônus da prova, contudo, a doutrina afirma que se trata de um ônus imperfeito. Isso porque, se
a parte não se desincumbir do seu ônus (se a parte não conseguir trazer aos autos a prova que deveria),
existe a mera possibilidade (mas não certeza) de que ocorra uma situação de desvantagem para ela.
Dessa forma, mesmo que a parte não consiga ela própria, provar suas alegações, ainda assim esse fato
pode ser provado por outros meios e a parte pode vencer a demanda.
Ex: o autor não faz prova de suas alegações; o réu, no entanto, por descuido, juntou determinado
documento que prova as afirmações do requerente. Nesse caso, mesmo o autor não tendo feito a prova,
ele não sofrerá nenhuma desvantagem e vencerá a demanda.
Essa realidade existe em razão do princípio da comunhão das provas: a prova produzida é prova do
processo, não interessando quem produziu.
Aspectos subjetivo e objetivo
O ônus da prova pode ser analisado sob dois prismas:
a) Aspecto subjetivo:
Consiste em analisar o instituto sob o ângulo de quem é o responsável pela produção da prova (regra de
conduta das partes).
Trata-se de informar as partes quem será prejudicado com a não produção da prova: autor ou réu.
Ex: o art. 373, I, do CPC prevê que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu
direito. A lei já está avisando que o autor será prejudicado caso não demonstre o fato constitutivo de seu
direito.
b) Aspecto objetivo:
Quando se fala em o ônus da prova sob o aspecto objetivo, o que se está dizendo é que se trata de uma
regra de julgamento, ou seja, o ônus da prova é uma regra que o juiz deverá verificar no momento da
prolação da sentença.
Ao decidir, o magistrado irá analisar se as partes juntaram aos autos provas que sirvam para elucidar os
fatos controvertidos (ex: o autor alega que o réu bateu na traseira de seu veículo; o requerido argumenta
que o autor deu marcha à ré). Caso não tenham sido produzidas provas suficientes e não seja possível
elucidar a controvérsia por outros meios (presunções, máximas de experiências etc.), o juiz deverá aplicar
as regras do ônus da prova e verificar quem tinha o ônus de provar o fato não demonstrado. A parte que
tinha esse ônus sofrerá as consequências negativas e perderá a demanda neste ponto.
Os dois aspectos estão umbilicalmente ligados e se trata de uma classificação doutrinária, mas que não
tem tanta relevância na prática forense essa distinção.
Aplicação subsidiária
As regras do ônus da prova são regras de aplicação subsidiária. Só podem ser aplicadas se não houver mais
como produzir prova e o juiz ainda estiver em estado de dúvida.
A razão de existir das regras do ônus da prova é “evitar o non liquet, ou seja, a falta de resolução da crise
de direito material”, de modo que “as regras sobre o ônus da prova constituem a ‘última saída para o juiz’,
que não pode deixar de decidir”. Assim, as regras do ônus da prova “são necessárias, mas devem ser
tratadas como exceção, pois o que se pretende com a atividade jurisdicional é que os provimentos dela
emanados retratem a realidade, não meras ficções”. (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes
instrutórios do juiz. 6ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 127-130).
Em outras palavras, o juiz deve sempre tentar decidir com as provas que foram produzidas e com outros
elementos de convicção. Somente se não conseguir mesmo, deverá se valer das regras do art. 373 do CPC
e decidir em sentido contrário a quem não atendeu o ônus da prova.
Prova diabólica
Um tema intimamente ligado ao que estamos estudando diz respeito à prova diabólica. Prova diabólica é aquela impossível ou excessivamente difícil de ser produzida.
Ex: o autor alega, na petição inicial, que o réu nunca lhe enviou a notificação extrajudicial. O autor não
tem como comprovar isso. Seria exigir uma prova diabólica.
Outro bom exemplo “é a do autor da ação de usucapião especial, que teria de fazer prova do fato de não
ser proprietário de nenhum outro imóvel (pressuposto para essa espécie de usucapião). É prova impossível
de ser feita, pois o autor teria de juntar certidões negativas de todos os cartórios de registro de imóvel do
mundo.” (DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol.
2. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 137).
Ainda segundo as lições de Didier, Braga e Oliveira, a prova diabólica pode ser de duas espécies:
Prova unilateralmente diabólica
- Ocorre quando a prova é diabólica para a parte que tinha o ônus de produzi-la (segundo as regras do art. 373 do CPC), no entanto, é uma prova possível de ser juntada pela outra parte.
- Neste caso, o juiz poderá inverter o ônus, determinando que a prova seja produzida pela outra parte que não tinha inicialmente o ônus de juntá-la. Isso está previsto no § 1º do art. 373.
- § 1º (...) diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput (...) poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso (...)
Prova bilateralmente diabólica
- Ocorre quando a prova é diabólica para ambas as
partes, ou seja, é impossível ou muito difícil para
ambas as partes.
- Neste caso, não haverá inversão do ônus por conta
da prova diabólica.
Não se pode simplesmente transferir a prova
diabólica de uma parte para a outra.
- § 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não
pode gerar situação em que a desincumbência do
encargo pela parte seja impossível ou
excessivamente difícil.
Distribuição estática do ônus da prova
As regras gerais de distribuição do ônus da prova estão previstas no art. 373 do CPC:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
O sistema processual brasileiro adotou, como regra, a teoria da distribuição estática do ônus da prova,
segundo a qual cabe ao autor provar o fato constitutivo do direito e ao réu cabe provar o fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor.
Na distribuição estática do ônus da prova a lei atribui a uma determinada parte, de modo apriorístico,
quais são os fatos específicos que deverão ser por ela provados, dando-lhe ciência prévia sobre como se
desenvolverá a atividade instrutória, e o fato de que o ônus da prova, nessa perspectiva – estática – é uma
regra de julgamento, motivo pelo qual não deve o juiz com ela se preocupar no curso da atividade
probatória, mas somente ao final, e somente se porventura da instrução resultar algum fato relevante não
esclarecido.
Inversão do ônus da prova
O cotidiano forense demonstrou, ao longo dos anos, que as regras de distribuição estática do ônus da
prova previamente estabelecidas em lei não eram suficientes ou adequadas para solucionar todas as
situações fáticas. Diante disso, chegou-se à conclusão de que seria necessária a criação de algumas regras
de distribuição do ônus da prova diferentes daquelas pré-determinadas pela lei.
Surgiu, assim, o consenso de que, em determinados casos, haveria a necessidade de modificar
(redistribuir, inverter) as regras gerais do ônus da prova.
O CPC denomina isso de “distribuição diversa do ônus da prova”. Na prática, é mais comum falarmos em
inversão do ônus da prova.
A inversão do ônus da prova consiste, portanto, em modificar, em determinados casos excepcionais, as
regras gerais do ônus da prova, que são previstas nos incisos do art. 373 do CPC.
Essa distribuição diversa pode ser decorrente de acordo entre as partes, da lei ou de decisão judicial.
Assim, temos três espécies de inversão do ônus da prova:
a) Convencional;
b) Legal;
c) Judicial.
Inversão convencional do ônus da prova
Ocorre quando as partes combinam entre si que não seguirão as regras gerais dos incisos do art. 373,
adotando um outro arranjo. É um exemplo de negócio jurídico processual.
Trata-se de hipótese de difícil ocorrência na prática, mas que é prevista no § 3º do art. 373 do CPC:
Em regra, a lei admite a distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes. Existem, contudo,
três exceções.
Assim, não cabe a inversão convencional do ônus da prova quando:
a) recair sobre direito indisponível da parte;
b) tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
c) a inversão for estabelecida em detrimento do consumidor (art. 51, VI, do CDC).
Inversão legal do ônus da prova
Também chamada de inversão ope legis do ônus da prova.
Ocorre quando a lei determina que, em certas situações, haverá uma regra de ônus da prova diferente do
art. 373 do CPC. São, portanto, exceções criadas pelo legislador à regra geral do art. 373 do CPC.
Na inversão legal do ônus da prova, a lei cria uma presunção relativa de determinado fato. É o que acontece no art. 12, § 3º, no art. 14, § 3º e no art. 38, todos do CDC:
Art. 12 (...)
§ 3º - O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando
provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Art. 14 (...)
§ 3º - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe
a quem as patrocina.
Inversão judicial do ônus da prova (distribuição do ônus da prova feita pelo juiz)
Ocorre quando o juiz, diante das peculiaridades do caso concreto, altera a regra geral prevista nos incisos
do art. 373 do CPC.
A redistribuição judicial do ônus da prova pode ser feita a requerimento da parte ou até mesmo de ofício.
Inversão judicial do ônus da prova no CPC/2015
Encontra-se disciplinada nos §§ 1º e 2º do art. 373.
Vejamos, de forma organizada, o que dizem esses dois dispositivos.
O juiz poderá atribuir o ônus da prova de modo diferente da regra geral prevista no caput do art. 373 em
três situações:
1) nos casos previstos em lei. Ex: art. 6º, VIII, do CDC.
2) quando for impossível ou extremamente difícil cumprir o encargo previsto no caput do art. 373.
Trata-se da inversão do ônus da prova para evitar que a parte tenha que produzir uma prova
unilateralmente diabólica.
Em outras palavras, quando a regra geral do caput do art. 373 exigir que a parte faça uma prova diabólica,
o juiz deverá inverter o ônus.
Obs: a decisão de inversão não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja
impossível ou excessivamente difícil. Em outras palavras, a inversão não pode gerar para a parte que
recebeu esse ônus a tarefa de produzir uma prova diabólica. Não se pode simplesmente transferir a prova
diabólica de uma parte para a outra. Não se admite a inversão do ônus em caso de prova duplamente
diabólica (§ 2º do art. 373 do CPC).
3) quando a inversão gerar maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.
Ex: o autor alega determinado fato; pela regra geral, caberia a ele o ônus de provar esse fato; no entanto,
as peculiaridades do caso concreto revelam que é muito mais fácil para o réu trazer essa prova. Nesta
hipótese seria possível a inversão.
A lei exige que essa inversão seja feita por decisão fundamentada do magistrado.
Além disso, a decisão que determina a inversão deve ser proferida antes da sentença, em um momento
processual no qual se permita que a parte possa se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
Pela sua importância, vale a pena ler os dispositivos do CPC:
Art. 373 (...) § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à
impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior
facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo
diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a
oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do
encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
Obs: este § 1º do art. 373 do CPC/2015 adotou a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Assim,
o caput traz a teoria estática e o § 1º a teoria dinâmica.
Obs2: a doutrina afirma que o § 2º do art. 373 do CPC traz a proibição de a redistribuição implicar prova
diabólica reversa, ou seja, a inversão do ônus da prova “não pode implicar uma situação que torne
impossível ou excessivamente oneroso à parte arcar com o encargo que acabou de receber”. (DIDIER JR.
Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador:
Juspodivm, 2019, p. 148).
Inversão judicial do ônus da prova no CDC
O art. 6º, VIII, do CDC permite a inversão judicial do ônus da prova em duas hipóteses:
a) quando for verossímil a alegação do consumidor; ou
b) quando o consumidor for hipossuficiente.
Algumas observações sobre o tema:
• as duas situações acima são alternativas, ou seja, a inversão ocorrerá quando a alegação do consumidor
for verossímil ou quando o consumidor for hipossuficiente;
• trata-se de inversão ope iudicis (a critério do juiz), ou seja, não se trata de inversão automática por força
de lei (ope legis);
• pode ser concedida de ofício ou a requerimento da parte;
• a inversão sempre ocorre em benefício do consumidor, isto é, nunca pode ser contrária a ele.
• a inversão do ônus da prova de que trata o art. 6º, VIII, do CDC é regra de instrução, devendo a decisão
judicial que determiná-la ser proferida preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo
menos, assegurar à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo a reabertura de oportunidade para
manifestar-se nos autos (STJ. 2ª Seção. EREsp 422778-SP, Rel. para o acórdão Min. Maria Isabel Gallotti
julgado em 29/2/2012).
Aprofundando. Inversão do ônus da prova x distribuição dinâmica do ônus da prova
É comum falarmos em inversão do ônus da prova e distribuição dinâmica do ônus da prova como sendo
expressões sinônimas. No entanto, aprofundando o estudo do tema iremos encontrar alguns
doutrinadores fazendo a distinção entre os institutos.
Inversão do ônus da prova
- É uma mudança prévia e abstrata das regras de ônus da prova.
- O juiz não tem ampla liberdade na distribuição do ônus da prova. Não existe a possibilidade de se inverter o ônus de apenas um fato, por exemplo.
- Ex: art. 6º, VIII, do CDC.
Distribuição dinâmica do ônus da prova
- É uma mudança das regras de ônus da prova que
se dá no caso concreto, com base na análise de
quem está em melhores condições de produzir a
prova.
- Há uma ingerência mais ampla do juiz na
distribuição do ônus da prova entre as partes que
permitirá, inclusive, o exame e a distribuição de
cada fato específico isoladamente.
- Ex: hipóteses 2 e 3 do § 1º do art. 373 do CPC (veja
novamente acima).
Como leciona Eduardo Cambi:
“Pela teoria das cargas probatórias dinâmicas, a facilitação da prova para a tutela do bem jurídico
não exige a prévia apreciação do magistrado (ope judicis) de critérios preestabelecidos de inversão
do onus probandi, como se dá no art. 6º, inc. VIII, do CDC (verossimilhança da alegação ou
hipossuficiência do consumidor).
Com efeito, na distribuição dinâmica do ônus da prova, não há uma verdadeira inversão, porque
só se poderia falar em inversão caso o ônus fosse estabelecido prévia e abstratamente. Não é o
que acontece com a técnica da distribuição dinâmica que se dá no caso concreto. O magistrado
continua sendo o gestor da prova, agora com poderes ainda maiores, porquanto, ao invés de partir
do modelo clássico (CPC-73, art. 333) para depois inverter o onus probandi (CDC, art. 6º, inc. VIII),
cabe verificar, no caso concreto, quem está em melhores condições de produzir a prova e,
destarte, distribuir este ônus entre as partes (NCPC, art. 373, §1º).” (CAMBI, Eduardo. Teoria das
cargas probatórias dinâmicas (distribuição dinâmica do onus da prova) in Coleção Grandes Temas
do Novo CPC, vol. 5: direito probatório. Coord.: Fredie Didier Jr. et. al. 3ª ed. Salvador: Jus Podivm,
2018. p. 332/333).
Destaca a doutrina, ainda, que a distribuição dinâmica do ônus da prova se diferencia da inversão do ônus
da prova porque, naquela (distribuição), haverá uma mais ampla ingerência do juiz na distribuição do ônus
da prova entre as partes que permitirá, inclusive, o exame e a distribuição de cada fato específico
isoladamente:
“3.4. A possibilidade de redistribuição do ônus da prova não importa na inversão mecânica das
regras estipuladas no art. 373, para, exemplificativamente, repassar ao autor a prova do fato
impeditivo, modificativo ou extintivo do seu direito ou, mesmo, para atribuir ao réu a prova do
fato constitutivo. Tal se dá, por exemplo, nas situações relativas à inversão do ônus da prova no
Código de Defesa e Proteção do Consumidor (art. 6º, VIII). Diversamente, na dinamização prevista
no preceptivo, a redistribuição do ônus da prova pode recair sobre determinado fato, sem que
isso envolva necessariamente a atribuição para o onerado de toda uma classe de fatos (v.g., fatos
constitutivos). Noutras palavras, o juiz poderá, em demanda indenizatória, atribuir ao réu a
demonstração da ausência de nexo causal, permanecendo com o autor o encargo da comprovação
da ação culposa e dos danos. Logo, o juiz pode modular o ônus das provas de acordo com as
peculiaridades da causa, atribuindo a cada parte a comprovação de determinados fatos, tudo
objetivando a formação de um melhor módulo probatório.” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca;
DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de conhecimento e
cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 271)
Segundo a Min. Nancy Andrighi, “embora ontologicamente distintas, a distribuição dinâmica e a inversão
do ônus têm em comum o fato de excepcionarem a regra geral do art. 373, I e II, do CPC/15, de terem sido
criadas para superar dificuldades de natureza econômica ou técnica e para buscar a maior justiça possível
na decisão de mérito e de se tratarem de regras de instrução que devem ser implementadas antes da
sentença, a fim de que não haja surpresa à parte que recebe o ônus no curso do processo e também para
que possa a parte se desincumbir do ônus recebido”.
Vale ressaltar, no entanto, que você encontrará diversos outros doutrinadores (talvez a maioria)
afirmando que a hipótese do § 1º do art. 373 do CPC é inversão do ônus da prova.
RECURSO CONTRA A DECISÃO QUE DELIBERA SOBRE A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Imagine a seguinte situação hipotética:
João ajuizou ação de indenização contra a Volvo do Brasil Veículos Ltda., alegando que adquiriu um veículo
0km dessa marca e que, no entanto, o automóvel apresentou inúmeros vícios de qualidade (“defeitos”)
que não foram consertados pela concessionária autorizada. O juiz proferiu decisão interlocutória determinando a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º,
VIII, do CDC:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu
favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência;
Assim, o magistrado determinou que a Volvo provasse que o vício (“defeito”) não existia e que o carro
estava funcionando perfeitamente.
A Volvo não se conformou com a decisão e interpôs agravo de instrumento afirmando que esse recurso
seria cabível com base no inciso XI do art. 1.015 do CPC/2015:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
(...)
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;
João apresentou contrarrazões afirmando que não cabe agravo de instrumento nesta hipótese. Isso
porque a decisão proferida pelo juiz inverteu o ônus da prova com fundamento no CDC e não com base
no instituto da redistribuição dinâmica do ônus da prova previsto no § 1º do art. 373 do CPC/2015.
Assim, para João, não se pode aplicar o art. 1.015, XI, do CPC, que é específico para impugnar a decisão
que trata sobre a redistribuição dinâmica do ônus prova do art. 373, § 1º do CPC.
O recurso será conhecido? Cabe agravo de instrumento nesta hipótese?
SIM.
É cabível a impugnação imediata (é cabível agravo de instrumento) da decisão interlocutória que tenha
tratado sobre quaisquer das exceções mencionadas no § 1º do art. 373 do CPC/2015.
Assim, o agravo de instrumento deve ser admitido não apenas na hipótese de decisão interlocutória que
defere ou que indefere a distribuição dinâmica do ônus da prova, mas, igualmente, na hipótese de decisão
interlocutória que defere ou que indefere quaisquer outras atribuições do ônus da prova distintas da regra
geral.
Conforme vimos acima, o art. 373, §1º, do CPC/2015, contempla duas regras jurídicas distintas, ambas
criadas para excepcionar a regra geral do caput do art. 373, sendo que a primeira diz respeito à atribuição
do ônus da prova, pelo juiz, em hipóteses previstas em lei, de que é exemplo a inversão do ônus da prova
prevista no art. 6º, VIII, do CDC, e a segunda diz respeito à teoria da distribuição dinâmica do ônus da
prova, incidente a partir de peculiaridades da causa que se relacionem com a impossibilidade ou com a
excessiva dificuldade de se desvencilhar do ônus estaticamente distribuído ou, ainda, com a maior
facilidade de obtenção da prova do fato contrário.
Em outras palavras, a hipótese do art. 6º, VIII, do CDC está sim tratada no § 1º do art. 373 do CPC uma vez
que esse dispositivo dispõe também a inversão do ônus da prova nos casos previstos em lei:
Art. 373 (...)
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à
impossibilidade (....)
Em suma, decidiu o STJ que:
É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória que defere ou indefere a distribuição
dinâmica do ônus da prova ou quaisquer outras atribuições do ônus da prova distinta da regra geral,
desde que se operem ope judicis e mediante autorização legal.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.729.110-CE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019 (Info 645)