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1 de maio de 2021

Filigrana Doutrinária: Processos repetitivos no direito estrangeiro - Daniel Amorim Assumpção Neves

No direito estrangeiro há duas espécies de tratamento procedimental para a solução de processos repetitivos. O primeiro se vale de causas-piloto (processos-teste), por meio do qual o próprio processo é julgado no caso concreto e a tese fixada nesse julgamento é aplicada aos demais processos com a mesma matéria jurídica. O sistema é adotado na Inglaterra, por meio do Group Litigation Order, e na Áustria, por meio do Pilotverfahren, tendo seu espírito sido incorporado nos julgamentos dos recursos especial e extraordinário repetitivos em nosso sistema. No segundo sistema tem-se o chamado procedimento-modelo, como o Musterverfahren alemão, pelo qual há uma cisão cognitiva e decisória, de forma a ser criado um incidente pelo qual se fixa a tese jurídica a ser aplicada em todos os processos repetitivos, inclusive aquele em relação ao qual o incidente foi suscitado. Entendo que o IRDR é um sistema inovador, já que não adotou plenamente nenhum dos sistemas conhecidos no direito estrangeiro. Julgará o recurso ou ação e fixará a tese jurídica. Parece ser o sistema de causas-piloto, mas não é, porque exige a formação de um incidente processual, não sendo, portanto, a tese fixada na "causa-piloto': E não é um procedimento-modelo porque o processo ou recurso do qual foi instaurado o IRDR é julgado pelo próprio órgão competente para o julgamento do incidente. Um sistema, portanto, brasileiríssimo. 

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8 ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1415-1416.

4 de novembro de 2017

LITIGIOSIDADE REPETITIVA E A PADRONIZAÇÃO DECISÓRIA: ENTRE O ACESSO À JUSTIÇA E A EFICIÊNCIA DO JUDICIÁRIO; Revista de Processo, vol. 263, p. 233 - 255, Jan / 2017

LITIGIOSIDADE REPETITIVA E A PADRONIZAÇÃO DECISÓRIA: ENTRE O ACESSO À JUSTIÇA E A EFICIÊNCIA DO JUDICIÁRIO

Repeated litigation and standardized rulings: between access to justice and efficiency of the courts
Revista de Processo | vol. 263/2017 | p. 233 - 255 | Jan / 2017
DTR\2016\24933
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Maria Cecília de Araujo Asperti
Doutoranda e Mestre em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Visiting Scholar na Universidade de Yale pelo Programa Fox International Fellowships (2011-2012). Professora da Escola de Direito da FGV/SP. Advogada. maria.asperti@fgv.br

Área do Direito: Processual

Resumo: Se as reformas judiciárias e processuais realizadas nos anos 70 e 80 no Brasil visaram facilitar o acesso à justiça, as mudanças mais recentes, em especial do Código de Processo Civil de 2015, buscam a eficiência do Judiciário, privilegiando-se mecanismos de padronização decisória e julgamento por amostragem, com o intuito de racionalizar e acelerar o julgamento de casos considerados repetitivos. Questiona-se se esses mecanismos coadunam-se com o acesso à justiça e o devido processo legal das partes envolvidas, em especial aqueles que recorrem ao sistema de justiça de forma pontual e para quem a demanda individual possui significativa importância. Trata-se de discussão fundamental ante as sensíveis mudanças na configuração do processo, do Poder Judiciário e da atuação e papel dos atores envolvidos.

 Palavras-chave:  Demandas repetitivas - Acesso à justiça - Eficiência - Precedentes - Litigiosidade.

Abstract: If the judicial and procedural reforms in the 70s and 80s in Brazil aimed at facilitating access to justice, the most recent changes, in particular the Code of Civil Procedure of 2015, seek mainly the efficiency of the courts, putting forth practices of standardized rulings and sample trialing, in order to streamline and speed up the trial of repeated cases. The question set forth herein is if such mechanisms are coherent with the right of access to justice and of the due process of the parties involved, especially those who resort to courts only occasionally and for whom individual claim has a significant importance. It is a fundamental discussion in view of the significant changes in the structure of procedural law, courts and the role of the players involved.

 Keywords:  Repeated litigation - Access to justice - Efficiency - Case law - Litigation.

Sumário:  
1Introdução - 2Reformas judiciárias e processuais no Brasil: entre o acesso e a eficiência - 3Litigiosidade repetitiva no Judiciário e no processo - 4Padronização decisória e os princípios processuais: acesso à justiça e devido processo legal - 5Conclusão - 6Referências


1 Introdução

Se as reformas judiciárias e processuais realizadas nos anos 70 e 80 no Brasil visaram facilitar o acesso à justiça e a reinvindicação de direitos individuais e coletivos em juízo, parece cada vez mais proeminente a tendência das mudanças mais recentes, em especial do Novo Código de Processo Civil, de buscar a eficiência do Judiciário e a efetividade do processo, privilegiando-se mecanismos de padronização decisória e julgamento por amostragem, com o intuito de racionalizar e acelerar o julgamento de casos considerados repetitivos.
Tendo em vista uma realidade prática em que técnicas gerenciais de padronização decisória já vêm sendo amplamente utilizadas, cabe perquirir se a aplicação de dispositivos processuais que legitimem essas práticas coaduna-se com o acesso à justiça e o devido processo legal das partes envolvidas em demandas ou recursos considerados repetitivos, em especial aqueles que recorrem ao sistema de justiça de forma pontual e para quem a demanda individual possui significativa importância. Trata-se de discussão fundamental ante as sensíveis mudanças na configuração do processo, do Poder Judiciário e da atuação e papel dos atores envolvidos.
Assim, o presente artigo se propõe a uma análise ainda exploratória sobre o tema, traçando um panorama das recentes reformas realizadas no Brasil e questionando a configuração que vem sendo proposta ao direito processual, em que se privilegia a eficiência em detrimento do acesso à justiça, ressignificando-se as noções essenciais compreendidas pelo devido processo legal. Como essas respostas se conformam (ou não) com as garantias de acesso à justiça e do devido processo legal, tão caras ao processo?

2 Reformas judiciárias e processuais no Brasil: entre o acesso e a eficiência

Diversos são os diagnósticos de insuficiência das estruturas do Poder Judiciário diante da crescente demanda pela tutela jurisdicional, levando a uma série de reformas judiciárias e processuais que partem de premissas e vieses também diversos. Para compreendê-los, é necessário analisar o cenário de litigiosidade e de responsividade do Judiciário e as alterações institucionais e legislativas promovidas para lidar com esse quadro. É nesse contexto que entram em jogo o uso de técnicas de padronização decisória e mecanismos processuais e gerenciais de julgamento de demandas e recursos repetitivos, que visam, de modo geral, uniformizar e dinamizar o processamento de matérias consideradas semelhantes.
Ao se situar a litigiosidade repetitiva na agenda de reformas processuais e institucionais no Brasil, é necessário analisar as significativas mudanças verificadas nos últimos anos, desde a promulgação da Constituição de 1988 até a publicação do Código de Processo Civil de 2015.
Os anos que precederam a Constituinte foram marcados pela pauta de facilitação do acesso à justiça e de abertura das instituições judiciárias para a “litigiosidade latente”,1 assim entendida como a gama de conflitos sociais que, em razão dos obstáculos de acesso ao sistema oficial, acabam sujeitos à autotutela, ocasionando o aumento da violência nas comunidades marginalizadas. É também nesse período de ambiente de abertura política e de emergência de movimentos sociais que a reivindicação de direitos sociais, questionando a intensa desigualdade social e a exclusão da grande maioria da população quanto a direitos básicos como saúde e educação.2 A pauta, naquele momento, era a ampliação desses direitos e o estabelecimento de instrumentos que viabilizassem sua efetivação, de modo a superar a incapacidade do Judiciário de responder adequadamente à complexidade dos conflitos sociais então identificados.
Também nessa época foram promulgadas a Lei dos Juizados de Pequenas Causas, de 1984, que abriu novas portas para a entrada no sistema oficial de justiça, e a Lei da Ação Civil Pública, de 1985, que estabeleceu algumas das principais bases para a tutela coletiva de direitos. O Código de Defesa do Consumidor compõe esse quadro de medidas, regulamentando os direitos dos consumidores, sua defesa em juízo e a tutela transindividual desses direitos. São criados os Juizados de Pequenas Causas, posteriormente conformados como Juizados Especiais Cíveis e Juizados Especiais Federais, voltados especialmente para a absorção da já mencionada litigiosidade latente e para uma maior aproximação do cidadão do sistema de justiça.
Ao mesmo tempo que há significativa ampliação da arena de atuação do Judiciário com a constitucionalização de direitos sociais e coletivos, o texto constitucional também confere guarida a garantias constitucionais processuais, em especial de acesso à justiça, devido processo legal, ampla defesa, contraditório, motivação das decisões judiciais, publicidade do processo, dentre outros. São positivados remédios constitucionais que visam conferir uma tutela mais adequada aos direitos sociais arrolados, ampliados os poderes do Ministério Público e criada a Defensoria Pública, principal responsável pela concretização do direito à assistência jurídica gratuita e integral, também assegurada pela Constituição Federal.
Essa mudança paulatina na concepção do papel a ser exercido pelo Judiciário impacta, notadamente, o estudo do direito processual, sedimentando-se a noção de garantias e princípios processuais cuja observância consiste em fundamento basilar do chamado Estado Democrático de Direito. No âmbito do direito processual civil, é profunda a influência da noção de instrumentalidade do processo, mediante a qual o processo deve ser entendido sob uma perspectiva teleológica que transcende a mera técnica, perseguindo-se escopos não somente jurídicos (de realização do direito material), mas também sociais e políticos, reconhecendo-se a permeabilidade desse instrumento aos valores tutelados na ordem político-constitucional e jurídico-material e a seu papel na efetivação destes.3
Tal concepção de processo alinha-se com a defesa da facilitação do acesso à justiça e eliminação dos obstáculos para o exercício efetivo tanto do direito de ação quanto do de ampla defesa, fortalecendo-se os princípios do devido processo legal e da inafastabilidade do controle jurisdicional, entendendo-se que esse acesso deve compreender não somente o ingresso às instituições judiciárias, mas também o acesso à ordem jurídica justa.4
Como se vê, a preocupação com o efetivo acesso à justiça permeou algumas das mais importantes reformas processuais dos últimos anos. Ainda que diferentes diagnósticos e agendas de pesquisa tenham embasado essas reformas,5 esteve presente a noção de que o efetivo acesso depende da remoção dos diferenciados óbices que se colocam entre o indivíduo e o acesso à justiça (ordem jurídica justa), o que significa dizer que cada pessoa deve conseguir acessar um sistema que lhe proporcione iguais condições para dele obter uma efetiva tutela de direitos.6
No entanto, se a agenda de pesquisas que informara as mudanças legislativas até então enfatizava a necessidade de aproximação entre as instâncias judiciárias e a população, os estudos divulgados a partir dos anos 1990 são informados por novas diretivas do Consenso de Washington, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial e que enfatizavam a importância da eficiência do Judiciário para o desenvolvimento econômico.7 Aos países em desenvolvimento são outorgadas diversas recomendações para promoção de reformas judiciárias capazes de assegurar a credibilidade, eficiência, transparência, independência, previsibilidade e proteção à propriedade privada e aos contratos nas decisões judiciais.8
É construído a partir daí um discurso político que acusa a insegurança jurídica e a morosidade do Judiciário de obstaculizar os investimentos necessários ao crescimento econômico do país.9 Essa é a mensagem, por exemplo, do relatório da Secretária de Política Econômica do Ministério da Fazenda denominado “Reformas Microeconômicas e crescimento a longo prazo”, que enfatiza a importância de uma reforma do Judiciário que prime pela celeridade, redução de custos e segurança jurídica no processo de indução do crescimento econômico.10
Essas foram as principais inspirações para as reformas judiciárias consubstanciadas na EC 45/2004 e no I Pacto Republicano (“Pacto de Estado em favor de um judiciário mais rápido e republicano”).11 Seguindo-se os valores então perseguidos, tais reformas privilegiaram medidas de fortalecimento de precedentes como forma de evitar a interposição ou a tramitação de processos e recursos semelhantes ou repetitivos, como então começaram a ser denominados. Nesse sentido, merece destaque a Súmula Vinculante, que atribui efeito vinculativo a entendimentos do Supremo Tribunal sobre matéria constitucional em relação ao Judiciário e à administração pública.
As alterações processuais subsequentes consolidam essa tendência e instituem sistemáticas de filtros processuais, como no indeferimento liminar de “casos idênticos” com base em sentença anteriormente prolatada pelo juízo (CPC (LGL\2015\1656), art. 285-A), na súmula impeditiva de recursos (CPC (LGL\2015\1656), art. 518, § 1.º), no estabelecimento do requisito da repercussão geral para processamento de Recurso Extraordinário (CPC (LGL\2015\1656), art. 543-A) e também no julgamento por amostragem, com o consequente sobrestamento de recursos similares como instituído nos arts. 543-B e 543-C do CPC (LGL\2015\1656). Tais dispositivos conformam um sistema de processamento de demandas e recursos repetitivos fundado na abordagem maciça de processos e na escolha de casos paradigmáticos, com o consequente sobrestamento ou indeferimento de demandas e recursos similares.
O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015 (LGL\2015\1656)) corrobora essa lógica e a intensifica, permitindo o represamento de demandas em primeiro grau e, a pedido da parte, o sobrestamento de ações ou recursos em qualquer estado ou região. Adota-se como ponto de partida um diagnóstico de excesso de ações e recursos12 e de que o processo é excessivamente formalista,13 o que justificaria a implementação de mudanças para torná-lo menos formalista e, principalmente, mais eficiente.14 Há diversos dispositivos que permitem a sumarização da cognição em casos que possam ser considerados repetitivos, criando-se uma lógica processual que legitima, incentiva e, em certos casos, vincula a utilização de técnicas de padronização decisória.

3 Litigiosidade repetitiva no Judiciário e no processo

3.1 Padronização decisória e gerenciamento de processos pelo Judiciário

O discurso que prioriza a eficiência do Judiciário e a efetividade das decisões judiciais tem como claro pano de fundo uma concepção de Judiciário enquanto prestador de um serviço que, como tal, deve se submeter a parâmetros não só de qualidade, mas também de produtividade perante seus usuários. Juízes e tribunais são pressionados para adotar medidas para atendimento de metas quantitativas e para propiciar maior transparência de suas atividades e gastos, de modo a possibilitar a aferição do atendimento ou não da eficiência buscada. Magistrados deixam de ser apenas julgadores para se tornar administradores e gerenciadores de processos, além de mediadores de conflitos, na medida em que o acordo também é reverenciado como um produto do sistema de justiça, ao lado da sentença judicial.
O funcionamento desse Judiciário também é profundamente impactado (e vice-versa) pela própria configuração da advocacia, em que estruturas fordistas de advocacia de massa ganham cada vez maior espaço no mercado jurídico. As consequências são mais processos e menores custos de contingenciamento com demandas judiciais para as grandes empresas e para o Estado, considerados os maiores litigantes do Judiciário.15 Outras causas internas e externas ao Judiciário poderiam ser mencionadas, como a proliferação de direitos e a facilitação do acesso, aqui já mencionados, a ampliação da sociedade de consumo e crescimento da classe média e da população bancarizada, a ineficiência das instâncias administrativas e de atendimento de consumidores, dentre outros.16
Fato é que o fenômeno foi percebido pelo Judiciário e por seus usuários diretos (advogados), culminando no desenvolvimento de práticas gerenciais e na propositura de mecanismos processuais que visam responder a essa realidade, a partir dos valores consagrados pela agenda de pesquisa pós-Constituição de 1988 e pelos valores ora preponderantes de eficiência do sistema de justiça, efetividade e previsibilidade das decisões judiciais.
Em termos de técnicas gerenciais, merece destaque a catalogação de sentenças-tipo (a partir de casos frequentes), o julgamento em bloco de processos e os mutirões de conciliação voltados para promoção de acordo em casos repetitivos.
Mesmo antes de o art. 285-A prever a hipótese específica de reprodução de sentença anteriormente prolatada em “caso idêntico”, juízes e desembargadores já se utilizavam de modelos de sentença e de votos com argumentos reproduzidos sobre casos frequentes. A aplicação dessas decisões-modelo precede, em alguns casos, a formação de lotes de processos considerados similares, nos quais a mesma decisão, com pequenas inserções de informações sobre o processo individual, é aposta automaticamente a diversos processos. É essa a realidade, por exemplo, dos Juizados Especiais Federais, nos quais o processo é cadastrado a partir de categorias predefinidas e que determinam a remessa ou não de um processo a um lote de julgamento.
Ainda em termos de práticas gerenciais voltadas para o tratamento de demandas repetitivas estão os mutirões de conciliação organizados a partir de determinado litigante repetitivo (por exemplo: um banco, uma concessionária de serviços, um grande varejista) ou certos assuntos relacionados com esses litigantes (por exemplo: ações de DPVAT, Sistema Financeiro de Habitação, renegociação de dívidas bancárias). Apesar de não serem práticas decisórias propriamente ditas, estudos empíricos demonstram que muitas vezes nesses mutirões as condições de acordo são previamente definidas entre o Judiciário e os grandes litigantes, amoldando-se em minutas-padrão com margens de negociação predefinidas. Os mutirões também podem ser considerados como práticas de gerenciamento que visam lidar com demandas repetitivas cuja repercussão é a outorga de desfechos padronizados para casos considerados similares.

3.2 Mecanismos de julgamento de “casos repetitivos” no processo civil

A lógica da reprodução decisória permeia o texto do CPC/2015 (LGL\2015\1656), que conforma o conceito de “casos repetitivos” como aqueles cujo julgamento se dará em incidente de resolução de demandas repetitivas e em recursos especial e extraordinário repetitivos, cuja matéria envolvida poderá ser de direito material ou processual (art. 928).
O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), especificamente, tem por critérios de aplicação (a) a efetiva repetição de processos que contenham sobre uma mesma controvérsia; (b) que a similitude entre os processos resida na existência de uma mesma questão de direito; e (c) risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica17 (arts. 976 ao 987).
O CPC/2015 (LGL\2015\1656) também trata do julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, cujos requisitos de aplicabilidade são: (a) multiplicidade de recursos; e (b) fundamento em idêntica questão de direito18 (arts. 1.036 ao 1.041).
Nesses dois mecanismos, verifica-se serem critérios de aplicabilidade o volume de demandas ou recursos e a identidade de questões que versem sobre teses jurídicas, sendo que o IRDR também estabelece como princípios de aplicação a isonomia e a segurança jurídica, inibindo-se que decisões diversas acerca de questões análogas sejam prolatadas. Sem embargo das diferenças procedimentais entre o IRDR e o julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, pode-se afirmar que consistem em técnicas de julgamento por amostragem em que um caso ou recurso paradigma é escolhido e julgado, aplicando-se o entendimento esposado no julgamento às demais demandas e recursos considerados análogos. O CPC/2015 (LGL\2015\1656) prevê, especificamente no caso dos recursos extraordinário e especial, a possibilidade de a parte alegar a existência de peculiaridades no seu caso que impeçam a aplicação do julgamento prolatado no caso paradigma (distinguishing). Se essa distinção não for alegada ou se a instância julgadora não a reconhecer, a solução conferida ao caso paradigma será reproduzida aos demais casos afetados, cuja tramitação fica suspensa até o desfecho do julgamento do caso paradigma.
Embora estes sejam os principais mecanismos processuais previstos no CPC/2015 (LGL\2015\1656) para julgamento de casos repetitivos, lógicas específicas destinadas ao tratamento desses processos e recursos permeiam o texto legal, estabelecendo-se uma configuração sistêmica para que a repetição seja identificada, agregando-se os processos/recursos e conferindo-se a estes uma resposta legal idêntica, ao menos no que diz respeito à tese jurídica repetitiva. A identificação de casos idênticos é fundamento para a improcedência liminar do pedido (art. 332, II e III) e para a antecipação dos efeitos da tutela pretendida sem o requisito de urgência (art. 311, II). Ao se firmar um entendimento em sede de IRDR ou de julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, este tem de necessariamente ser observado por juízes e tribunais (arts. 927, 962, IV e V).
Como se vê, esses mecanismos de padronização decisória têm como requisitos de aplicação a multiplicidade de demandas/recursos fundadas em idêntica questão de direito. Essa questão (ou questões) integra a causa de pedir da demanda, na qual se apresenta um fato e se demonstra o seu nexo com o efeito jurídico pretendido. É da causa de pedir que se extrai o ratio decidendi, ou motivos determinantes da decisão judicial, que consiste no núcleo do precedente a ser formado ou aplicado. Luiz Guilherme Marinoni assevera que a despeito de o precedente possuir no sistema brasileiro caráter eminentemente interpretativo (e não construtivo), há crescente importância na análise dos fatos deduzidos quando da formação desses precedentes, reconhecendo-se a importância da identificação das particularidades fáticas do caso concreto para a adequada interpretação das regras e princípios extraídos da lei e da Constituição Federal.19 Para o autor, os fatos não chegam a assumir a importância que possuem na common law, pois a interpretação e aplicação das regras jurídica se dá em casos nos quais as questões factuais já foram selecionadas e determinadas. Contudo, a ideia de um papel mais ativo do juiz na interpretação do direito conduziria a maior relevância dos fatos para adequada identificação da norma que deverá ser aplicada.
Se, de um lado, há crescente importância na identificação dos fatos para construção do precedente jurisprudencial, os mecanismos de padronização decisória criam sistemáticas para que a decisão proferida no caso paradigmático seja reproduzida nos casos considerados repetitivos a este. Não há critérios para escolha desse caso paradigma, tampouco uma preocupação com a interpretação dos fatos dos casos repetitivos antes da aplicação do entendimento consolidado no julgamento do caso paradigma.20
É nesse ponto que se constata que a sistemática de padronização decisória e de julgamento por amostragem pode conduzir a uma ressignificação restritiva da noção de acesso à justiça, à medida que legitima práticas gerenciais de reprodução de julgados e de aplicação de entendimentos consolidados em um caso paradigma sem que os argumentos fáticos do caso afetado sejam analisados e que a estes seja dada uma resposta individualizada. Contrariamente, na solução conferida ao caso concreto sequer se exige a apreciação do arcabouço fático para posterior aplicação da decisão proferida no caso paradigma. O que o texto legal indica é a possibilidade de mera reprodução decisória, conduzindo à interpretação de que o acesso à justiça poderá significar algo menos do que hoje se entende por acesso à ordem jurídica justa, porquanto não implicaria necessariamente na apreciação e pacificação do caso concreto.

4 Padronização decisória e os princípios processuais: acesso à justiça e devido processo legal

4.1 Acesso à justiça para os litigantes ocasionais e para os litigantes repetitivos

Como visto, as recentes reformas processuais que culminaram na promulgação do CPC/2015 (LGL\2015\1656) centraram-se na busca pela maior eficiência do Judiciário e pela efetividade do processo, promovendo-se o uso de mecanismos que legitimem práticas já há muito adotadas de reprodução de decisões em casos considerados análogos, os quais têm a sua tramitação suspensa até o julgamento do caso paradigma.
Essa lógica processual acarreta a necessidade de se repensar o significado do direito de acesso à justiça individual, na medida em que o litigante do caso repetitivo afetado não terá seus argumentos apreciados, a menos que consiga demonstrar uma peculiaridade que convença o julgador da necessidade de processar individualmente o seu caso. Caso contrário, terá uma resposta jurisdicional proveniente de outro caso, a qual poderá, ao menos em tese, ser simplesmente reproduzida no seu processo. Isso ocorre, especialmente, quando não são levadas em consideração as peculiaridades do caso concreto ou demais questões jurídicas suscitadas e que não estão sendo ou não foram debatidas no caso eleito como paradigmático. Sob outro viés, também afronta o acesso à justiça a eleição de um caso que não possa ser considerado representativo da controvérsia, levando a reprodução de um entendimento inadequadamente construído.
Ainda no que diz respeito à relação entre padronização decisória e acesso à justiça, é importante ter em vista que uma característica marcante dos casos repetitivos é o envolvimento de certos entes públicos ou privados, que, com frequência, são acionados ou litigam diante de indivíduos que com estes se relacionam. São, na prática, disputas decorrentes da relação estabelecida entre um ator institucional (poder público, instituições financeiras, concessionárias, grandes empresas) cuja atuação repercute sob a esfera de direitos de múltiplos atores individuais (o cidadão, o consumidor, o segurado) em grande escala, seja de forma continuada, seja circunstancialmente.21
Esses litigantes que atuam repetidamente em processos similares possuem vantagens estratégicas diante dos litigantes individuais, sendo capaz de antever os resultados da litigância, além de conseguir acompanhar e influenciar a formação de precedentes judiciais junto às cortes superiores. Essa análise foi propagada no final dos anos 70 pelo autor norte-americano Marc Galanter em seu famoso texto “Why the Haves Come Out Ahead?: Speculations on the Limits of Legal Change”,22 em que argumenta que os repeat players, ou litigantes repetitivos, por recorrerem com mais frequência às cortes judiciais, possuem vantagens estratégicas com relação a outras, que recorrem ao sistema de justiça apenas ocasionalmente (one-shotters, os litigantes ocasionais).
Galanter assevera que os litigantes repetitivos tendem a ser entes artificiais (ou pessoas jurídicas) que possuem mais recursos para a contratação de advogados, que focam a sua atuação nos casos similares, dedicando-se à construção de teses e à defesa da formação de precedentes favoráveis. Justamente em razão de seu porte e da escala de sua atuação, os litigantes repetitivos têm menos a perder no caso individual, podendo agir estrategicamente nesse processo de formação de precedentes e transigir nos casos em que um entendimento desfavorável seja mais provável, focando energias em casos nos quais as situações fáticas podem contribuir para um precedente mais benéfico.23
A análise proposta por Galanter parece ser especialmente pertinente no momento em que o direito processual brasileiro vive, no qual, como já visto, a litigiosidade repetitiva ocupa espaço central nas reformas judiciais e processuais. Os discursos centrados na eficiência do Judiciário e na efetividade do processo, além de deixar de lado a perspectiva do acesso à justiça enquanto direito a uma resposta efetiva ao caso concreto, ignoram essa dinâmica que tipicamente caracteriza as partes nas demandas repetitivas.
Ao pensarmos se os mecanismos de padronização decisória se coadunam com os princípios de acesso à justiça e o devido processo legal, é necessário refletir sobre o impacto dessa disparidade de recursos e de capacidade estratégica entre os litigantes repetitivos e ocasionais e como essa configuração poderá afetar a formação de precedentes e o julgamento por amostragem de casos repetitivos.
Ainda que não seja objeto do presente estudo investigar se de fato os litigantes repetitivos aferem vantagens nos mecanismos de julgamento por amostragem já existentes, uma análise meramente exploratória dos temas afetados e já julgados em sede de Recursos Repetitivos até o momento permite verificar o levantamento de questões relevantes sobre os mecanismos de padronização decisória.
Percebe-se, por exemplo, que uma parcela extremamente significativa dos temas refere a questões de direito processual civil e processual trabalhista (35%), seguindo-se por temas de direito tributário (20%) e direito administrativo (17%), conforme abaixo:24
Fonte: Site do Superior Tribunal de Justiça (elaboração própria).
Essa prevalência da matéria processual civil e do trabalho parece sinalizar que a técnica processual ainda se coloca, em muitas situações, como um óbice ao acesso à justiça, à medida que montantes representativos de recursos foram identificados e tiveram sua tramitação suspensa para que tais questões fossem apreciadas antes do prosseguimento do feito. Navegar o processo ainda é um desafio a ser vencido por aqueles que litigam no Judiciário, em especial pelos litigantes para quem a demanda jurídica é única e a experiência na litigância é singular. Caberia investigar em estudo mais aprofundado qual o desempenho dos litigantes ocasionais no julgamento dessas questões processuais, a fim de verificar se a disparidade estratégica entre estes e os litigantes repetitivos repercute na formação de precedentes em matéria processual civil.
De outra parte, a fração significativa de questões tributárias e administrativas demonstra o impacto dos recursos envolvendo entes da administração pública, que estão dentre os maiores litigantes do Judiciário brasileiro. Os mecanismos de padronização decisória visam responder à morosidade decorrente do excesso de processos e recursos considerados repetitivos, sem que haja uma reflexão mais aprofundada sobre as causas da litigiosidade repetitiva e sobre o papel exercido pelo Estado na conformação desse quadro.

4.2 Padronização decisória e o devido processo legal

Ao lado das questões atinentes ao acesso à justiça individual dos litigantes envolvidos em casos repetitivos, é igualmente relevante a interpretação dos mecanismos processuais que legitimam a padronização decisória e o devido processo legal.25
Com relação, primeiramente, ao direito à ampla defesa e ao contraditório, é intuitivo que a lógica de julgamento por amostragem relativize a participação do litigante individual no processo e suas oportunidades de exercício do direito de defesa. Muito embora o CPC/2015 (LGL\2015\1656) busque assegurar a representatividade e o exercício do pleno contraditório quando do julgamento dos casos paradigma, provendo, inclusive, pela realização de audiências públicas e pela intervenção de amicus curiae26 (art. 983), fato é que nas ações individuais o exercício do contraditório e da ampla defesa limita-se apenas à possibilidade de comprovação da distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no Recurso Especial ou Extraordinário afetado (art. 1.037, § 9.º).
A padronização decisória coloca em xeque, ainda, o dever de motivação das decisões judiciais, consagrado pelo art. 93, IX, da Constituição e pelo próprio Novo CPC, em seu art. 489, § 1.º,27 que, inclusive, amplia substancialmente os requisitos necessários para que uma sentença judicial seja considerada adequadamente fundamentada.
Ainda que referido dispositivo contemple critérios detalhados para o cumprimento do dever de motivação das decisões judiciais, inclusive a necessidade de se identificar os fundamentos determinantes de um precedente e sua aplicabilidade ao caso sub judice (art. 489, V), não há clareza no texto do novo código sobre a necessidade de a decisão determinar a suspensão de processos considerados análogos ao caso paradigma.
Ao revés, o art. 979, § 2.º,28 que trata da suspensão de processos ou recursos quando da instauração de um IRDR, apenas determina que as teses jurídicas firmadas em casos repetitivos estejam adequadamente fundamentadas de modo a viabilizar “a identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente”. Semelhantemente, o art. 1.037, II, não impõe que a decisão do relator de recursos especial ou extraordinário repetitivo motive a decisão de suspensão dos recursos pendentes em território nacional, tampouco especifica se os tribunais de justiça deverão motivar a decisão que considera determinado caso análogo àquele afetado em sede de recurso repetitivo. Da mesma forma, os dispositivos que tratam dos mecanismos de padronização decisória não determinam que a aplicação da tese firmada pelo tribunal superior seja adequadamente motivada (arts. 985 e 1.040).

5 Conclusão

A preocupação com o efetivo acesso à justiça permeou algumas das mais importantes reformas processuais dos últimos anos. Ainda que diferentes diagnósticos e agendas de pesquisa tenham embasado essas reformas, esteve presente a noção de que o efetivo acesso depende da remoção dos diferenciados óbices que se colocam entre o indivíduo e o acesso à justiça (ordem jurídica justa), o que significa dizer que cada pessoa deve conseguir acessar um sistema que lhe proporcione iguais condições para dele obter uma efetiva tutela de direitos. Igualmente importante nessas reformas e na construção recente do direito processual foi a tutela constitucional de direitos e o devido processo legal, condizentes com uma perspectiva teleológica do processo pelo qual este tem de ser entendido como um instrumento de garantia de direitos individuais e coletivos e de efetivação dos amplos escopos da jurisdição.
Contudo, as alterações mais recentes parecem privilegiar a busca pela eficiência do Judiciário e a efetividade do processo, consagrando mecanismos de padronização decisória que relativizam as noções de acesso à justiça da perspectiva individual, restringindo as garantias inerentes ao devido processo legal.
Muito embora estes também sejam valores necessários a um acesso justo e efetivo ao sistema de justiça, que deve ser capaz de oferecer uma resposta adequada e tempestiva, é importante refletir sobre a relativização restritiva das garantias de acesso à justiça e do devido processo legal que essas lógicas de julgamento por amostragem parecem impor. Essa análise torna-se ainda mais pungente se ponderado que a litigiosidade repetitiva tipicamente envolve um litigante repetitivo, com vantagens estratégicas decorrentes da recorrência com que se envolve em casos similares, e um litigante ocasional, para quem a demanda é única. Este litigante ocasional tem mais dificuldades de atuar estrategicamente, desvantagem esta que pode ser potencializada em um sistema no qual a atuação em escala e focada na formação de precedentes (e não no caso individual) é privilegiada.
O presente estudo não pretende exaurir essas questões, mas, sim, levantar hipóteses para pesquisas futuras que se proponham não somente a aferir a efetividade e redução no volume de processos e do congestionamento dos cartórios e tribunais em decorrência do uso de mecanismos de padronização decisória, como também investigar o uso dessas técnicas sob a perspectiva do litigante individual, a fim de apurar se o julgamento conferido sob essa lógica confere à parte a percepção de acesso e de justiça do resultado e do processo.

6 Referências

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1 Sobre o conceito de litigiosidade latente, Ada Pellegrini Grinover comenta: “A morosidade dos processos, seu custo, a burocratização na gestão dos processos, certa complicação procedimental; a mentalidade do juiz, que nem sempre lança mão dos poderes que os códigos lhe atribuem; a falta de informação e de orientação para os detentores dos interesses em conflito; as deficiências do patrocínio gratuito, tudo leva à obstrução das vias de acesso à justiça e ao distanciamento entre o Judiciário e seus usuários. O que não acarreta apenas o descrédito da magistratura e nos demais operadores do direito, mas tem como preocupante consequência a de incentivar a litigiosidade latente, que frequentemente explode em conflitos sociais, ou de buscar vias alternativas violentas ou de qualquer modo inadequadas (desde a justiça de mão própria, passando por intermediações arbitrárias e de prepotência, para chegar até os ‘justiceiros’)” (Fundamentos da Justiça conciliativa. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. WATANABE, Kazuo e LAGASTRA NETO, Caetano. Mediação e gerenciamento do processo: revolução na prestação jurisdicional – guia prático para a instalação do setor de conciliação e mediação. São Paulo: Atlas, 2007, p. 2).

2 “Os acontecimentos iniciados em meados da década de 1970 marcaram o ressurgimento, ainda que de maneira fragmentária, dos movimentos sociais na cena política brasileira e são eles que, formando uma grande rede de articulação a partir da base social, levaram ao final da ditadura. Não é por outra razão que esse período ficou conhecido como ‘a era da participação’. A crise que se instalou no país após 1973, seguida da recessão que aumentou consideravelmente o índice de desemprego nas grandes metrópoles, a retomada da inflação, o desapontamento das camadas médias com o desmantelamento do ‘milagre econômico’ e o fim da ilusão de acesso a um consumo cada vez mais ampliado, todos esses fatores levaram a uma perda de legitimidade do regime entre amplos setores sociais” (SOARES DO BEM, Arim. Centralidade dos Movimentos Sociais na Articulação entre o Estado e a Sociedade Brasileira nos Séculos XIX e XX. Educ. Soc.. Campinas. v. 27. n. 97. set.-dez. 2006. p. 1150-1151).

3 “A negação da natureza e objetivo puramente técnicos do sistema processual é ao mesmo tempo afirmação de sua permeabilidade aos valores tutelados na ordem político-constitucional e jurídico-material (os quais buscam efetividade através dele) e reconhecimento de sua inserção no universo axiológico da sociedade a que se destina” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instrumentalidade do processo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 22).

4 “A problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça, enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa” (WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Participação e processo. São Paulo: Ed. RT, 1988. p. 128).

5 “Invertendo o caminho clássico de conquista de direitos descrito por Marshall, o caso brasileiro não acompanha o processo analisado por Cappelletti e Garth a partir da metáfora das três ‘ondas’ do ‘access-to-justice-movement’. Ainda que durante os anos 80 o Brasil, tanto em termos da produção acadêmica como em termos das mudanças jurídicas, também participe da discussão sobre direitos coletivos e sobre a informalização das agências de resolução de conflitos, aqui estas discussões são provocadas não pela crise do Estado de bem-estar social, como acontecia então nos países centrais, mas sim pela exclusão da grande maioria da população de direitos sociais básicos, entre os quais o direito à moradia e à saúde” (JUNQUEIRA, Eliane. Acesso à justiça: um olhar retrospectivo. Revista Estudos Históricos. n. 18. Rio de Janeiro, 1996. p. 390).

6 Segundo Kazuo Watanabe, o acesso à ordem jurídica justa compreende não somente o ingresso com a demanda judicial, mas também “(1) o direito à informação e perfeito conhecimento do direito substancial e à organização de pesquisa permanente a cargo de especialistas e ostentadas à aferição constante da adequação entre a ordem jurídica e a realidade sócio-econômica do país; (2) direito de acesso à justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; (3) direito à pré-ordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a efetiva tutela de direitos; (4) direito à remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à Justiça com tais características” (WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Participação e processo. São Paulo: Ed. RT, 1988. p. 135).

7 “A medida que continúa el proceso de desarrollo económico en América Latina y el Caribe, aumenta la importancia de la reforma judicial. El buen funcionamiento del poder judicial es importante para el desarrollo económico. El propósito de todo poder judicial es ordenar las relaciones sociales y resolver conflictos entre los diversos actores sociales. En la actualidad el poder judicial es incapaz de asegurar una resolución predecible y eficiente de los conflictos que respete los derechos individuales y de propiedad. No puede satisfacer las demandas del sector privado ni las del público en general, especialmente las de los pobres. Dado el actual estado de crisis de los sistemas judiciales de Latinoamérica y el Caribe, el objetivo de los esfuerzos de reforma es la promoción del desarrollo económico. La reforma judicial es parte del proceso de redefinición del estado y su relación con la sociedad; el desarrollo económico no puede continuar sin la efectiva definición, interpretación y ejecución de los derechos de propiedad. Específicamente, la reforma judicial está orientada a aumentar la eficiencia y equidad en la resolución de conflictos, mejorando el acceso a la justicia y la promoción del desarrollo del sector privado” (DAKOLIAS, María. El sector judicial en America Latina y el Caribe: Elementos de Reforma. Documento Técnico para o Banco Mundial. n. 319S. Washington D.C: World Bank, 1997. p. XI).

8 FREITAS, Graça Maria Borges. Reforma do Judiciário, o discurso econômico e os desafios da formação do magistrado hoje. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg. v. 42. n. 72. Belo Horizonte. jul.-dez. 2005. p. 34.

9 CUNHA, Luciana Gross; ALMEIDA, Frederico de. Justiça e desenvolvimento econômico na reforma do judiciário. Trabalho apresentado no evento sobre Direito e Desenvolvimento: um diálogo entre os BRICs, promovido pela DIREITO FGV, Universidade de Winsconsin e ABDI. São Paulo. nov. 2010. p. 10-11.

10 A reforma do judiciário, além do seu importante impacto sobre o funcionamento da justiça e o exercício da cidadania, apresenta uma importante contribuição para o desenvolvimento do mercado de crédito, e para a expansão da produção e do investimento. Os contratos, por mais completos que sejam, não conseguem prever todas as possíveis contingências futuras. Mecanismos eficientes de resolução de conflitos garantem que esse processo de complementação contratual ocorra de forma célere e sem elevados custos adicionais para ambas as partes. Se os marcos legal e institucional que estruturam esses mecanismos sinalizarem um processo moroso, custoso e com incentivo para ação protelatória por qualquer uma das partes, o custo esperado das transações econômicas aumenta, sobretudo nos mercados de crédito, induzindo um menor nível de investimento, produção e geração de empregos. (grifos no original)

11 “A morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático” (trecho do Pacto de estado em favor de um judiciário mais rápido e republicano, 2004).

12 “(...) É que; aqui e alhures não se calam as vozes contra a morosidade da justiça. O vaticínio tornou-se imediato: ‘justiça retardada é justiça denegada’ e com esse estigma arrastou-se o Poder Judiciário, conduzindo o seu desprestígio a índices alarmantes de insatisfação aos olhos do povo. (...) Esse o desafio da comissão: resgatar a crença no judiciário e tornar realidade a promessa constitucional de uma justiça pronta e célere. Como vencer o volume de ações e recursos gerado por uma litigiosidade desenfreada, máxime num país cujo ideário da nação abre as portas do judiciário para a cidadania ao dispor-se a analisar toda lesão ou ameaça a direito? (...) Como prestar justiça célere numa parte desse mundo de Deus, onde de cada cinco habitantes um litiga judicialmente? (...)” (Justificativa do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. p. 7).

13 “Como desincumbir-se da prestação da justiça em um prazo razoável diante de um processo prenhe de solenidades e recursos? (...). No afã de atingir esse escopo deparamo-nos com o excesso de formalismos processuais, e com um volume imoderado de ações e de recursos. (...)” (Justificativa do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. p. 7).

14 A eficiência é colocada dentre as normas fundamentais que deverão nortear a aplicação das regras processuais, conforme texto do art. 6 do Novo CPC: Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”. Sobre essa norma, a qual Fredie Didier denomina “princípio da eficiência”, referido autor argumenta que se projeta sobre a Administração Judiciária, na medida em que o Judiciário se sujeitaria ao princípio da eficiência administrativa e ao quanto disposto pelo art. 37 da Constituição, e sobre o processo jurisdicional em si, impondo uma gestão eficiente do processo, para que o juiz seja entendido como um administrador de processos a quem se impõe a necessidade de “a) obter o máximo de um fim com o mínimo de recursos (efficiency); b) de, com um meio, atingir o fim ao máximo (effectiveness)” (DIDIER Jr., Fredie. Apontamentos para a concretização do princípio da eficiência do proceso. Novas Tendências do Processo Civil – Estudos sobre o Projeto do Novo CPC. FREIRE, Alexandre; NUNES, Dierle; DIDIER Jr., Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Salvador: JusPodium, 2015).

15 ALVES, Paulo Eduardo; ASPERTI, Maria Cecília de Araujo; COSTA, Susana Henriques da; GABBAY, Daniela Monteiro. Why the “haves” come out ahead in Brazil? Revisiting speculations concerning repeat players and one-shooters in the Brazilian litigation setting. Artigo debatido na conferência Law & Society. maio 2015.

16 CUNHA, Luciana Gross; GABBAY, Daniela Monteiro (coords.). Litigiosidade, morosidade e litigância repetitiva: uma análise empírica. São Paulo: Saraiva, 2013. (Série Direito e Desenvolvimento).

17 Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente: I – efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II – risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

18 Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.

19 MARINONI, Luiz Guilherme. Elaboração dos conceitos de ratio decidendi (fundamentos determinantes da decisão) e obiter dictum no direito brasileiro. Instituto de Processo Comparado – Núcleo de Direito Processual Comparado. set. 2012. Disponível em: [http://institutodeprocesso.com.br/marinoni-elaboracao-dos-conceitos-de-ratio-decidendi-fundamentos-determinantes-da-decisao-e-obiter-dictum-no-direito-brasileiro/]. Acesso em: 28 mar. 2015.

20 Dierle Nunes também coloca uma preocupação com o tempo de maturação do precedente judicial, na medida em que se torna uma técnica voltada primordialmente para a otimização do tramite do processo: “Padrões decisórios não podem empobrecer o discurso jurídico, nem tampouco serem formados sem o prévio dissenso argumentativo e um contraditório dinâmico, que imporia ao seu prolator buscar o esgotamento momentâneo dos argumentos potencialmente aplicáveis à espécie. Não se trata de mais um julgado, mas de uma decisão que deve implementar uma interpretação idônea e panorâmica da temática ali discutida. Seu papel deve ser o de uniformizar e não o de prevenir um debate” (Padronizar decisões sem empobrecer o discurso jurídico?. Consultor Jurídico. Edição de 06 ago. 2006. Disponível em: [www.conjur.com.br]. Acesso em: 28 mar. 2015).

21 Os litigantes habituais do Judiciário brasileiro são listados periodicamente pelo Conselho Nacional de Justiça no relatório “100 maiores litigantes”. O último relatório é de 2012 e aponta que mais de 36% de todos os processos ajuizados na Justiça Federal, Estadual e Trabalhista envolvem no polo passivo ou ativo algum dos litigantes listados. O relatório está disponível em: [www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/100_maiores_litigantes.pdf]. Acesso em: 23 mar. 2015.

22 GALANTER, Marc. Why the haves come out ahead? Speculations on the limits of legal change. Law and Society Review. v. 9. n. 1. p. 95-160, 1974. Republicação (com correções) em Law and Society. Dartmouth. Aldershot: Cotterrell, 1994. p. 165-230.

23 As vantagens dos litigantes repetitivos mapeadas por Marc Galanter podem ser assim sintetizadas: (i) acúmulo de inteligência e expertise para atuar preventivamente, estruturando melhor suas operações e seus contratos, por litigarem com frequência; (ii) mais fácil acesso a especialistas e mais possibilidades de realização de economia em escala; (iii) mais chances de se engajarem em relações informais com agentes institucionais que poderão lhes render vantagens no acesso e na tramitação burocrática dessas instituições (e.g. cartorários, escreventes etc.); (iv) interesse em manter uma reputação de negociador como forma de reafirmar sua posição no processo de negociação, ao contrário do litigante ocasional, que não tem uma reputação a manter (dado que não se envolve nesse tipo de disputa com frequência) e que mais dificilmente se compromete a negociar; (v) possibilidade de assumir riscos. Quanto maior for o risco para o litigante ocasional, mais provável que ele adote uma estratégia “minimax” (minimizar a probabilidade que envolva o maior risco). No entanto, como os riscos são relativamente menores para os litigantes repetitivos, eles podem adotar estratégias pensadas para maximização do ganho em escala na série de demandas (repetitivas) em que estão envolvidos; (vi) possibilidade de abdicar de ganhos imediatos em favor de uma estratégia para instigar mudanças legislativas, possuindo interesses e recursos para influenciar o processo legislativo (e.g. lobby); e (vii) possibilidade de atuar para mudar os precedentes jurisprudenciais buscando um resultado mais vantajoso em casos futuros, ainda que isso implique uma perda de possíveis ganhos imediatos (GALANTER, Marc, 1974. p. 97-98).

24 De um total de 1.128 temas, conforme pesquisa realizada no site do Superior Tribunal de Justiça em 1 de julho de 2016. A relação total dos temas está disponível em: [www.stj.jus.br/webstj/Processo/Repetitivo/relatorio2.asp].

25 Fala-se já na necessidade de repensar as noções essenciais ao princípio do devido processo legal, tidas como próprias do processo individual, de modo a compatibilizar interesses individuais e supra-individuais no processo: “Às causas em bloco não se pode aplicar o due process of law com o mesmo delineamento que incide sobre as demandas puramente individuais, com idêntica definição das partes, dos ônus, deveres e direitos processuais, com as mesmas construções doutrinária e legal sobre as regras de estabilização da demanda e de distribuição dos ônus da defesa e da prova, por exemplo, bem como a regulamentação dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, tais quais dispostos no vigente CPC (LGL\2015\1656)” (BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. O devido processo legal nas causas repetitivas. Anais do Conpedi. Manaus, 2015. p. 4950. Disponível em: [www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/antonio_adonias_aguiar_bastos.pdf]. Acesso em: 30 jun. 2015).

26 Leonardo Carneiro da Cunha defende, inclusive, que o amicus curiae tenha legitimidade para recorrer da decisão firmada no caso paradigma: “Já se viu que a definição da tese jurídica pelo tribunal deve ser precedida de amplo debate, sendo possível a intervenção do amicus curiae. Este, também se viu, ostenta interesse institucional de contribuir para a prolação da melhor decisão possível, oferecendo ao órgão julgador elementos técnicos que possam contribuir para a formação de seu convencimento. Ora, se o amicus curiae tem legitimidade e interesse de intervir, deve-lhe ser franqueada a possibilidade de recorrer se a decisão afetar ou atingir, em qualquer medida, o interesse institucional que justifica sua intervenção. Se se lhe permite participar da discussão e contribuir com a formação do convencimento judicial, tal participação e contribuição podem – e devem – estender-se para o âmbito recursal, a fim de que o órgão ad quem considere os elementos fornecidos que eventualmente tenham sido desprezados, desconsiderados ou rejeitados pelo órgão a quo”. (Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto do novo código de processo civil. Revista de Processo. v. 193. São Paulo, mar. 2011. p. 12.

27 Art. 489. São elementos essenciais da sentença:I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.
§ 1.º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.


28 Art. 979. A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça.§ 1.º Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao Conselho Nacional de Justiça para inclusão no cadastro.
§ 2.º Para possibilitar a identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente, o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados.
§ 3.º Aplica-se o disposto neste artigo ao julgamento de recursos repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário.