Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1010-stf.pdf
ADMINISTRATIVO / LICITAÇÕES - É constitucional a lei que permitiu a contratação direta (sem licitação) do Serpro, pela União,
para prestação de serviços de tecnologia da informação considerados estratégicos
É constitucional o art. 2º da Lei nº 5.615/70, com redação dada pela Lei nº 12.249/2010, que
dispensa a licitação a fim de permitir a contratação direta do Serviço Federal de
Processamento de Dados (Serpro), pela União, para prestação de serviços de tecnologia da
informação considerados estratégicos, assim especificados em atos de ministro de Estado, no
âmbito do respectivo ministério.
Há evidente interesse público a justificar que serviços de tecnologia da informação a órgãos
como a Secretaria do Tesouro Nacional e a Secretaria da Receita Federal, integrantes da
estrutura do Ministério da Economia, sejam prestados com exclusividade por empresa pública
federal criada para esse fim, como é o caso do Serpro.
STF. Plenário. ADI 4829/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 20/3/2021 (Info 1010).
Lei nº 12.249/2010
A Lei nº 12.249/2010 instituiu o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Infraestrutura
da Indústria Petrolífera nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste – REPENEC e tratou de diversos outros
assuntos, alterando inúmeros diplomas legislativos.
Vale ressaltar que essa Lei é fruto da aprovação e conversão da Medida Provisória nº 472/2009.
O art. 67 da Lei nº 12.249/2010 previu o seguinte:
Art. 67. O art. 2º da Lei nº 5.615, de 13 de outubro de 1970, passa a vigorar com a seguinte
redação, renumerando-se o atual parágrafo único para § 1º:
Art. 2º É dispensada a licitação para a contratação do Serviço Federal de Processamento de Dados
- SERPRO pela União, por intermédio dos respectivos órgãos do Ministério da Fazenda e do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, para a prestação de serviços de tecnologia da
informação considerados estratégicos, relacionados com as atividades de sua especialização.
§ 1º Ato do Ministro de Estado da Fazenda especificará os serviços estratégicos do Ministério da
Fazenda e ato do Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão especificará os
serviços estratégicos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
§ 2º Ao Serpro é vedada a subcontratação de outras empresas para que prestem os serviços
estratégicos a que se refere este artigo.
§ 3º Os atos de contratação dos demais serviços de tecnologia da informação, não especificados
como serviços estratégicos, seguirão as normas gerais de licitações e contratos.
§ 4º O disposto neste artigo não constitui óbice a que todos os órgãos e entidades da
administração pública venham a contratar serviços com o Serpro, mediante prévia licitação ou
contratação direta que observe as normas gerais de licitações e contratos.
Assim, o art. 67 Lei nº 12.249/2010 permitiu a contratação direta (sem licitação) do Serviço Federal de
Processamento de Dados (Serpro), pela União, para prestação de serviços de tecnologia da informação
considerados estratégicos.
ADI
A Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação - Assespro Nacional ajuizou ADI contra
esse art. 67.
O que decidiu o STF? Esse dispositivo é inconstitucional?
NÃO.
Vamos verificar os principais argumentos invocados pela autora e como o STF os refutou.
Alegação de contrabando legislativo
O art. 67 não constava na MP 472/2009, tendo sido incluído durante o processo legislativo, por uma
emenda parlamentar. Ocorre que a MP não tratava sobre licitações e contratos.
Assim, o autor argumentou que teria havido contrabando legislativo.
O contrabando legislativo consiste na inserção, por meio de emenda parlamentar, de assunto diferente
do que é tratado na medida provisória que tramita no Congresso Nacional.
O contrabando legislativo é uma prática vedada. No entendimento do STF:
É incompatível com a Constituição a apresentação de emendas sem relação de pertinência temática com
medida provisória submetida à sua apreciação. Assim, como essa emenda versa sobre assunto diverso do
que é tratado na medida provisória, deve-se considerá-la inconstitucional.
O uso de medidas provisórias se dá por motivos de urgência e relevância da matéria, cuja análise compete
ao chefe do Poder Executivo. Logo, toda e qualquer emenda parlamentar em projeto de conversão de
medida provisória em lei deve ficar restrita ao tema definido como urgente e relevante.
STF. Plenário. ADI 5012/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 16/3/2017 (Info 857).
No caso concreto, houve, de fato, contrabando legislativo.
No entanto, no julgamento da ADI 5127/DF houve uma modulação dos efeitos da decisão.
O STF afirmou que:
• os dispositivos fruto de contrabando legislativo devem ser declarados inconstitucionais;
• no entanto, esse entendimento de que o contrabando legislativo é inconstitucional só vale para as leis
promulgadas após 16/03/2017 (data de julgamento da ADI 5127/DF);
• em nome da segurança jurídica, foram declaradas hígidas (válidas) todas as leis de conversão fruto dessa
prática promulgadas até a data do julgamento da ADI 5127/DF, considerando que essa era uma prática
comum.
Logo, como o art. 67 da Lei nº 12.249/2010 foi promulgado antes do julgamento da ADI 5012, mesmo
tendo havido contrabando legislativo, ele deve ser considerado válido.
Ausência de violação do art. 246 da CF/88
A autora alegou que a Lei nº 12.249/2010 seria formalmente inconstitucional porque a MP 472/2009 teria
violado o art. 246 da Constituição Federal, que prevê:
Art. 246. É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição
cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995
até a promulgação desta emenda, inclusive. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
32/2001)
A tese foi a seguinte:
- a Lei nº 12.249/2010 tratou sobre licitações e contratos;
- o tema “licitações e contratos” é disciplinado no art. art. 22, XXVII, da CF/88;
- esse dispositivo constitucional foi alterado pela EC 19/98;
- logo, a Lei nº 12.249/2010, fruto de conversão de uma MP, teria regulamentado dispositivo da
Constituição Federal que foi alterado por meio de emenda constitucional promulgada após 1º de janeiro
de 1995 e antes da EC 32/2001;
- isso significa que o art. 67 da Lei nº 12.249/2010 teria violado a proibição imposta pelo art. 246 da CF/88
acima transcrito.
O STF, contudo, não acolheu a argumentação.
O art. 67 da Lei nº 12.249/2010, impugnado, deu nova redação ao art. 2º da Lei nº 5.615/1970 (Lei do
Serpro). A norma foi editada no exercício da competência privativa da União, a teor do art. 22, XXVII, da
CF/88.
Para o STF, não houve ofensa ao art. 246 da CF/88 porque não houve, na fração de interesse, mudança
substancial do conteúdo do art. 22, XXVII, pela Emenda Constitucional 19/1998:
Antes da EC 19/98
XXVII - normas gerais de licitação e contratação,
em todas as modalidades, para a administração
pública, direta e indireta, incluídas as fundações
instituídas e mantidas pelo Poder Público, nas
diversas esferas de governo, e empresas sob seu
controle;
Depois da EC 19/98
XXVII - normas gerais de licitação e contratação,
em todas as modalidades, para as administrações
públicas diretas, autárquicas e fundacionais da
União, Estados, Distrito Federal e Municípios,
obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as
empresas públicas e sociedades de economia
mista, nos termos do art. 173, § 1º, III;
Informativo
comentado
Presente desde a sua redação original, a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais
de licitação e contratação, no tocante às empresas públicas, é preservada na redação da EC nº 19/98, o
que afasta a alegada violação do art. 246 da CF/88.
Ausência de violação à separação de poderes e ao princípio da legalidade
A autora argumentou que o art. 67 impugnado, ao delegar para o Ministro de Estado a competência para
especificar os serviços estratégicos teria violado os princípios da separação dos poderes e da legalidade.
O STF não acolheu a alegação.
Razões econômicas e políticas são aptas a legitimar restrições à regra geral das licitações, autorizando a
contratação direta.
Não viola os princípios da separação dos poderes e da legalidade a delegação de funções que ocorra
mediante prévia escolha do legislador que estabelece, na lei, as diretrizes para essa delegação.
Essa delegação para que o Ministro de Estado especifique os serviços tidos por estratégicos no âmbito do
ministério é uma fórmula já utilizada pelo legislador em outros diplomas legais, como, por exemplo, no
art. 24, IX, da Lei nº 8.666/93:
Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
IX - quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos
estabelecidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional;
Não há violação ao livre exercício da atividade econômica
A Serpro é uma empresa pública federal.
A autora da ADI argumentou que o art. 67 da Lei, ao afirmar que a União contratará a Serpro para a
realização dos serviços, teria violado o livre exercício da atividade econômica assegurado pelo art. 170,
parágrafo único e pelo art. 173, ambos da CF/88:
Art. 170 (...)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
O STF também rejeitou esse argumento.
O interesse público justifica que os serviços de tecnologia da informação de órgãos como a Secretaria do
Tesouro Nacional e a Receita Federal, que integram a estrutura do Ministério da Economia, sejam
prestados com exclusividade por empresa pública federal criada para esse fim, como é o caso do Serpro.
Os arts. 170, parágrafo único, e 173, caput, da CF/88 autorizam o legislador a estabelecer restrições,
preservado seu núcleo essencial, ao livre exercício de atividade econômica.
Imperativos relacionados à segurança nacional, à soberania e ao interesse coletivo, bem como à exigência
de preservação da privacidade na custódia dos dados pessoais dos brasileiros, legitimam, na espécie, a
escolha do legislador no sentido de afastar do mercado a prestação à União de determinados serviços de
tecnologia da informação reconhecidos como estratégicos.
O direito fundamental à livre iniciativa não impede a imposição, pelo Estado, de condições e limites para
a exploração de atividades privadas, haja vista a necessidade de sua compatibilização com os demais
princípios, garantias, direitos fundamentais e valores protegidos pela CF/88.