Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-697-stj.pdf
OBRIGAÇÕES - É valida a cláusula contratual inserida em contrato de cessão de crédito celebrado com um FIDC que
consagra a responsabilidade do cedente pela solvência do devedor (cessão de crédito pro solvendo)
Situação hipotética: PW Ltda é uma loja de roupas.Na sua atividade empresarial, ela faz muitas
vendas à crédito. Para tanto, os clientes assinam notas promissórias se comprometendo a
pagar as dívidas em 90, 120 e 180 dias. Ocorre que a loja não pode aguardar todo esse tempo
e precisa de dinheiro para pagar suas despesas e comprar mercadorias. A empresa resolveu,
então, “vender” seus créditos, recebendo à vista o dinheiro, com deságio, ou seja, com
desconto. Para tanto, PW celebrou contrato de cessão de créditos com um Fundo de
Investimento em Direitos Creditórios – FIDC. Por meio desse contrato, a PW cedeu para o
Fundo diversas notas promissórias (títulos de crédito) que iriam vencer apenas em 180 dias.
A soma desses créditos totalizava R$ 100 mil. Como contrapartida, o Fundo pagou, à vista, R$
80 mil para a PW, ficando com o direito de cobrar dos devedores os R$ 100 mil. Ocorre que
esses Fundos se cercam das mais diversas garantias possíveis. Desse modo, havia uma cláusula
nesse contrato dizendo que, se os devedores das notas promissórias cedidas não pagassem a
dívida, o FIDC poderia cobrar a quantia da loja de roupas (que cedeu os títulos de créditos).
Essa cláusula contratual é válida.
Obs: se, em vez de um FIDC, o contrato tivesse sido celebrado entre a loja e uma empresa de
factoring, não seria possível essa cláusula (REsp 1711412-MG, Rel. Min. Marco Aurélio
Bellizze, julgado em 04/05/2021. Info 695).
STJ. 3ª Turma. REsp 1.909.459-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/05/2021 (Info 697).
O que é FIDC?
FIDC é a sigla para Fundo de Investimento em Direitos Creditórios.
Trata-se de um fundo de investimento no qual os valores serão aplicados, no mínimo, 50% em direitos
creditórios (títulos de crédito).
Assim, as pessoas interessadas investem um determinado valor no fundo, que é administrado por
especialistas. Este fundo aplica o valor dos investidores e, depois, divide entre os participantes as receitas
que conseguir, abatidas as despesas necessárias para o negócio.
A peculiaridade deste fundo é o fato de ele ter que aplicar pelo menos metade dos recursos em direitos
creditórios (daí o seu nome).
Instrução normativa 356/2001-CVM
Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios foram regulamentados pela Instrução normativa
356/2001, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O art. 2º, III, da Instrução normativa prevê que o FIDC é uma comunhão de recursos que destina parcela
preponderante do respectivo patrimônio líquido para a aplicação em direitos creditórios.
O FIDC é constituído sob a forma de condomínio aberto ou fechado (art. 3º, I, da IN 356/2001).
Direitos creditórios
Direitos creditórios são direitos derivados de créditos que uma empresa tem a receber, como, por
exemplo, cheques, aluguéis, duplicatas, parcelas de cartão de crédito etc. Assim, a empresa tem esses
créditos para receber no futuro, mas, como precisa de capital de giro, aceita “vender” esses créditos para
um terceiro, recebendo à vista menos do que eles valem. Ex: a empresa tinha um cheque “pós-datado”
para receber em 90 dias no valor de R$ 1 mil; ela aceita “vender” esse crédito por R$ 800,00, recebendo
à vista a quantia.
Securitização de recebíveis (ou securitização de ativos)
A partir do que foi exposto, podemos concluir que o FIDC, em regra, opera mediante a securitização de
recebíveis.
O termo “securitização” deriva do termo em inglês securities, que quer dizer, em tradução livre, “valores
mobiliários” (PEREIRA, Evaristo Dumont de Lucena. FREITAS, Bernardo Vianna; VERSIANI, Fernanda Valle
(coords.). Fundos de Investimento – Aspectos Jurídicos, Regulamentares e Tributários. São Paulo: Quartier
Latin, 2015, p. 231).
A securitização caracteriza-se pela cessão de créditos originariamente titulados por uma unidade
empresarial para outra entidade, com o objetivo de angariar recursos ordinariamente para o
financiamento da atividade econômica. Nesse sentido:
Portanto, o FIDC, de modo diverso das atividades desempenhadas pelos escritórios de factoring, opera no
mercado financeiro (vertente do mercado de capitais) mediante a securitização de recebíveis, por meio
da qual determinado fluxo de caixa futuro é utilizado como lastro para a emissão de valores mobiliários
colocados à disposição de investidores.
STJ. 4ª Turma. REsp 1726161/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 06/08/2019.
Como um FIDC pode adquirir direitos creditórios?
Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios podem adquirir direitos creditórios por meio de:
a) endosso, ato típico do regime jurídico cambial (as regras aqui aplicáveis dependem do tipo de título de
crédito adquirido. Ex: existem regras de endosso para a duplicada, para o cheque, para a letra de câmbio
etc.; ou
b) por cessão civil de crédito, instituto que é disciplinado pelos arts. 286 a 298 do Código Civil.
Feita esta breve revisão, imagine a seguinte situação hipotética:
A sociedade empresária PW Ltda é uma loja de roupas.
Na sua atividade empresarial, ela faz muitas vendas à crédito.
Para tanto, os clientes assinam notas promissórias se comprometendo a pagar as dívidas em 90, 120 e 180
dias.
Ocorre que a loja não pode aguardar todo esse tempo e precisa de dinheiro para pagar suas despesas e
comprar mercadorias.
A empresa resolveu, então, “vender” seus créditos, recebendo à vista o dinheiro, com deságio, ou seja,
com desconto.
Para tanto, PW celebrou contrato de cessão de créditos com um Fundo de Investimento em Direitos
Creditórios – FIDC.
Por meio desse contrato, a PW cedeu para o Fundo diversas notas promissórias (títulos de crédito) que
iriam vencer apenas em 180 dias. A soma desses créditos totalizava R$ 100 mil.
Como contrapartida, o Fundo pagou, à vista, R$ 80 mil para a PW, ficando com o direito de cobrar dos
devedores os R$ 100 mil.
Ocorre que esses Fundos se cercam das mais diversas garantias possíveis.
Desse modo, havia uma cláusula nesse contrato dizendo que, se os devedores das notas promissórias cedidas
não pagassem a dívida, o FIDC poderia cobrar a quantia da loja de roupas (que cedeu os títulos de créditos).
Essa cláusula contratual é válida? É possível que, em um contrato de cessão de crédito firmado entre um
FIDC (cessionário) e um terceiro (cedente) se estabeleça a responsabilidade do cedente pela solvência
do devedor? Em outras palavras, é válida a cessão de crédito “pro solvendo” para um FIDC?
SIM.
É valida a cláusula contratual inserida em contrato de cessão de crédito celebrado com um FIDC que
consagra a responsabilidade do cedente pela solvência do devedor (cessão de crédito pro solvendo).
STJ. 3ª Turma. REsp 1.909.459-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/05/2021 (Info 697).
Como vimos, os FIDCs são disciplinados pela IN 356/2001 da CVM.
O art. 2º, XV desta IN dispõe sobre a possibilidade de que o contrato preveja a coobrigação do cedente:
Art. 2º (...)
XV - coobrigação: é a obrigação contratual ou qualquer outra forma de retenção substancial dos
riscos de crédito do ativo adquirido pelo fundo assumida pelo cedente ou terceiro, em que os
riscos de exposição à variação do fluxo de caixa do ativo permaneçam com o cedente ou terceiro.
Mesmo que não houvesse essa previsão na Instrução normativa, ainda assim essa cláusula seria válida
considerando que:
a) não há no ordenamento jurídico vedação legal para que o contrato preveja a responsabilidade do
cedente pelo pagamento do débito em caso de inadimplemento do devedor; e
b) o art. 296 do Código Civil autoriza que a cessão de crédito seja do tipo “pro solvendo”, ou seja, que o
cedente seja responsável, perante o cessionário, pela solvência do crédito, desde que isso fique
expressamente previsto:
Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.
O art. 296 do CC estabelece que, se houver pactuação, o cedente pode ser responsável ao cessionário pela
solvência do devedor.
STJ. 4ª Turma. REsp 1726161/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 06/08/2019.
O que foi explicado acima vale também para a factoring? Se, em vez de um FIDC, o contrato tivesse sido
celebrado entre a loja e uma empresa de factoring, seria possível essa cláusula?
NÃO. A faturizadora não tem direito de regresso contra o faturizado com base no inadimplemento dos
títulos transferidos, uma vez que esse risco é da essência do contrato de factoring e por ele o faturizado
paga preço mais elevado do que pagaria, por exemplo, em um contrato de desconto bancário, no qual a
instituição financeira não garante a solvência dos títulos descontados.
O risco advindo dessa operação de compra de direitos creditórios, consistente justamente na eventual
inadimplência do devedor/sacado, constitui elemento essencial do contrato de factoring, não podendo
ser transferido ao faturizado/cedente, sob pena de desnaturar a operação de fomento mercantil.
Assim, o faturizado não pode ser demandado regressivamente pelo pagamento da dívida.
Mesmo que o contrato de factoring preveja a responsabilidade do faturizado nesses casos, tal cláusula
deverá ser considerada nula.
Assim, a natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito
puro, não permite que os contratantes, ainda que sob o argumento da autonomia de vontades, estipulem
a responsabilidade do cedente (faturizado) pela solvência do devedor/sacado.
Desse modo, não se aplica para o contrato de factoring, a primeira parte do art. 296 do Código Civil:
Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.
No contrato de factoring, não existe a possibilidade de haver essa “estipulação em contrário”:
A empresa faturizada não responde pela insolvência dos créditos cedidos, sendo nula a disposição
contratual em sentido contrário e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência
dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring.
A natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro,
não permite que os contratantes, ainda que sob o argumento da autonomia de vontades, estipulem a
responsabilidade da cedente (faturizada) pela solvência do devedor/sacado.
STJ. 3ª Turma. REsp 1711412-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/05/2021 (Info 695).