RECURSO ESPECIAL Nº 1.834.003 - SP (2017/0254167-9)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS.
FUNDO DE INVESTIMENTO. LIQUIDAÇÃO. NORMAS E PROCEDIMENTOS
CONTÁBEIS. DEVER DE OBSERVÂNCIA. OBRIGAÇÃO DO ADMINISTRADOR.
LEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código
de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as condições da
ação, aí incluída a legitimidade, devem ser aferidas com base na teoria da
asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial.
3. O administrador de um fundo de investimento é parte legítima para figurar no
polo passivo de demanda em que se pretende a reparação de supostos danos
resultantes da inadequada liquidação da aludida comunhão de recursos
financeiros.
4. Hipótese em que o administrador foi demandado pelo fato de ter realizado a
liquidação do fundo de investimento, mediante distribuição do patrimônio líquido
entre os cotistas, sem o prévio pagamento de um suposto passivo.
5. A satisfação integral do passivo antes da partilha do patrimônio líquido entre os
cotistas está, em regra, inserida entre as atribuições do administrador, sendo dele
a responsabilidade, em tese, por eventuais prejuízos que guardem nexo de
causalidade com a inobservância desse mister.
6. Independentemente de previsão legal ou regulamentar específica, a realização
do ativo, a satisfação do passivo e a partilha do acervo líquido entre os cotistas
são atribuições dos liquidantes das massas patrimoniais em geral.
7. A sujeição da lide à jurisdição estatal e a prescrição são questões de ordem
pública que podem ser examinadas a qualquer tempo pelas instâncias ordinárias,
independentemente de provocação.
8. Se a pretensão deduzida na inicial não se confunde com o adimplemento do
contrato que garantia aos autores a opção de compra de um determinado número
de ações por um preço simbólico caso verificada a condição suspensiva
pactuada, não se aplica a cláusula compromissória nele contida.
9. Termo inicial do prazo de prescrição para a respectiva pretensão de natureza
reparatória que deve ser contado a partir da liquidação questionada, ocorrida no
final do ano de 2013.
10. A denunciação da lide é obrigatória somente quando o litisdenunciado está obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar a parte em ação regressiva, não
sendo admitida tal modalidade de intervenção de terceiros quando se pretende,
pura e simplesmente, transferir responsabilidades pelo evento danoso.
11. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,
prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, decide a
Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso
Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze.
Brasília (DF), 17 de setembro de 2019(Data do Julgamento)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por SANTANDER SECURITIES SERVICES
BRASIL DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS S.A., com fundamento no art.
105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo assim ementado:
"FUNDO DE INVESTIMENTO. ADMINISTRADOR. RESPONSABILIDADE CIVIL
POR MÁ LIQUIDAÇÃO DO FUNDO. CAUSA DE PEDIR E PEDIDO NESSE
SENTIDO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ADMINISTRADOR, QUE É CHAMADO À
LIDE PELA PRÁTICA DE ATOS E DE OMISSÕES PRÓPRIOS. INDENIZAÇÃO
PLEITEADA COM BASE NO CONTRATO QUE NÃO FOI CUMPRIDO NO
ENCERRAMENTO DO FUNDO. LEGITIMIDADE PASSIVA. RECONHECIMENTO.
EXTINÇÃO DO PROCESSO AFASTADA. DESCABIMENTO DE APLICAÇÃO DO
ART. 1.013, § 3º, INC. II, DO NCPC. IMPRESCINDÍVEL A REALIZAÇÃO DE
PERÍCIA. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO.
Fundo de investimento e participações. Administrador. Responsabilidade civil.
Alegação dos autores de má administração e má liquidação do fundo, sem
satisfação das obrigações. Fundo que teria sido liquidado pelo réu sem que a
obrigação assumida perante os autores tivesse sido cumprida. Responsabilidade
civil do administrador, liquidante, a quem caberia levantar o ativo para pagamento
do passivo e depois, dividir o saldo entre os cotistas. Legitimidade passiva.
Reconhecimento.
Perícia. Descabimento do art. 1.013, § 3º, inc., I, do NCPC. Imprescindível a
realização de perícia para apuração dos fatos narrados na inicial e negados pelo
réu. Anulação da sentença.
Intimação da Comissão de Valores Mobiliários e da Bolsa de Valores de São
Paulo BMF&Bovespa, para que ingressem nos autos, querendo, como amicus
curiae. Previsão no NCPC.
Sentença anulada. Recurso provido" (e-STJ fls. 2.787-2.788).
Os embargos de declaração opostos na origem foram rejeitados.
Em suas razões (e-STJ fls. 1.244-1.268), a recorrente aponta violação dos
seguintes dispositivos legais com as respectivas teses:
a) arts. 489, § 1º, IV e V, e 1.022, I e II, do Código de Processo Civil de 2015 – o
acórdão combatido incorreu em negativa de prestação jurisdicional ao não apreciar as questões
suscitadas nos embargos de declaração;
b) arts. 1.315 e 1.319 do Código Civil – "(...) se o direito alegado pelos autores
existiria 'em razão do implemento da condição suspensiva prevista no Contrato de Opção de
Compra' e esse contrato fora firmado pelo Fundo, isto é, pelo condomínio, logo são os
condôminos que têm de responder ao pleito da inicial, e não o mandatário dos condôminos"
(e-STJ fl. 2.844 - grifou-se);
c) arts. 663, 675, 679 e 1.314 do Código Civil – "(...) os cotistas do Fundo Genoa
são os únicos legitimados para a ação na qual se discute, em última análise, os efeitos e
obrigações decorrentes das ordens que o Fundo deu ao seu mandatário (Santander),
extinguindo-se o processo em relação à recorrente" (e-STJ fl. 2.850);
d) arts. 668 e 682, I, do Código Civil – "(...) com o encerramento do fundo,
extinguiu-se o mandato da Santander Securities, não mais podendo ela ser chamada por atos
que foram praticados no interesse dos cotistas, aos quais foram transferidos todos os
benefícios colhidos pelo exercício do mandato" (e-STJ fls. 2.850-2.851);
e) arts. 8º, I, da Lei nº 6.385/1976 e 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro – "(...) o direito vigente em 2013 não impunha ao administrador dos fundos os deveres
que o acórdão recorrido extraiu de norma que só veio a ser editada mais de um ano depois"
(e-STJ fl. 2.855);
f) art. 1.013, caput e § 1º do Código de Processo Civil de 2015 – "(...) o acórdão
recorrido avançou no exame de outras questões que não haviam sido apreciadas na sentença e
nem foram impugnadas na apelação, tais como a aplicabilidade da cláusula compromissória e a
prescrição" (e-STJ fl. 2.856);
g) arts. 1º, 4º, 8º, parágrafo único, e 20 da Lei nº 9.307/1996; 3º, § 1º, 337, X, §§
5º e 6º, c/c o art. 485, VII, do CPC/2015, todos eles associados ao art. 927 do Código Civil – ainda que a recorrente não seja parte do contrato que instituiu a cláusula compromissória,
referida cláusula foi pactuada entre os autores e o Fundo justamente para que a apreciação de eventual descumprimento de obrigações assumidas ficasse excluída da jurisdição estatal, não
competindo à autoridade judiciária a apreciação de eventual lesão ao direito defendido pelos
autores;
h) arts. 206, § 3º, V, do Código Civil e 1.013, § 3º, I, do CPC/2015 – está prescrita
a pretensão ao recebimento de eventual verba devida por conta das vendas em bolsa
realizadas há mais 3 (três) anos da citação, e
i) art. 125, II, do CPC/2015 (art. 70, III, do CPC/1973) – tendo a recorrente atuado
como mandatária dos cotistas, deve ser admitida a denunciação da lide para que estes
respondam regressivamente.
Apresentadas as contrarrazões (e-STJ fls. 2.870-2.901), e inadmitido o recurso
na origem, determinou-se a reautuação do agravo (AREsp nº 1.180.778/SP) como recurso
especial para melhor exame da matéria.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):
O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código
de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). A irresignação não merece prosperar.
1) Breve resumo da demanda
Trata-se, na origem, de ação de reparação de danos ajuizada por CARLOS
EDUARDO TEREPINS, LUIS TEREPINS e KARY EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES S.A.
contra SANTANDER SECURITIES SERVICES BRASIL DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E
VALORES MOBILIÁRIOS S.A.
Na petição inicial, os autores afirmam que, na condição de sócios fundadores de
EVEN CONSTRUTORA E INCORPORADORA S.A., permitiram o ingresso de GENOA FUNDO DE
INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES na companhia, na qualidade de sócio investidor, a fim de
que fossem aportados os recursos necessários à realização de oferta pública inicial de ações
da referida construtora no mercado de capitais.
Aduzem, ainda, que celebraram com o FUNDO GENOA um contrato de opção de
compra de ações com a previsão de que, "(...) caso o FUNDO GENOA obtivesse um retorno
financeiro igual ou superior à taxa de 40% (quarenta por cento) na venda das ações da EVEN a
terceiros, os autores teriam o direito de adquirir uma expressiva quantidade de ações de
emissão da EVEN, pertencentes ao FUNDO GENOA, mediante o pagamento de um preço
simbólico" (e-STJ fl. 2).
Ressaltam, no entanto, que a oferta pública inicial das ações da EVEN foi
implementada com sucesso, garantindo ao FUNDO GENOA um retorno financeiro superior a
40% (quarenta por cento), mas a ré, na qualidade de administradora do mencionado
fundo, procedeu à sua liquidação sem antes honrar a opção de compra pactuada, daí
decorrendo o dever de reparar os prejuízos suportados pelos autores.
O magistrado de primeiro grau de jurisdição acolheu a preliminar de ilegitimidade
passiva arguida pela ora recorrente sob a seguinte fundamentação:
"(...)
De acordo com as alegações das partes e toda vasta
documentação juntada, é inequívoco que o requerido atuou como o administrador
e gestor do Fundo Genoa, que no ano de 2007 adquiriu expressiva quantidade
de ações ordinárias da Even, pelo preço total de R$ 72.254.227,00. Foram
adquiridas também ações ordinárias da Even que eram de titularidade de Carlos
Eduardo Terepins, pelo valor de R$ 8.250.000,00.
Vê-se expressamente definido no art. 4º do Regulamento do Fundo
Genoa, que 'o Fundo é administrado pelo BANCO SANTANDER BANESPA S/A,
instituição financeira com sede na Cidade de São Paulo, Estado de São Paulo, na
Rua Amador Bueno, 474, inscrita no CNPJ/MF sob n. 90.400.888/0001-42 (o 'Administrador'), devidamente autorizada pela CVM para o exercício profissional
de administração e gestão de carteira de valores mobiliários' fls. 1707.
Ao atuar como administrador, o requerido nada mais fez do que
gerir o Fundo Genoa, que teve existência própria.
Os autores imputam ao requerido a prática de ato ilícito consistente
em proceder à liquidação do Fundo Genoa sem antes cumprir o contrato de
opção de compra de ações.
No entanto, esse dever somente emergiria se a taxa de retorno do
Fundo, com a venda das ações, fosse superior a 40%.
As partes, neste aspecto, trazem aos autos alegações totalmente
antagônicas: os autores sustentam que a taxa de retorno do Fundo foi de 46%,
enquanto que o requerido afirma que esta taxa foi de 23,65%.
Este é, pois, o ponto controvertido central desta lide.
Então a insurgência primeira dos autores, na verdade, não diz
respeito à liquidação do Fundo por si só, já que o requerido tinha poderes para
tanto. A irresignação recai sobre a assertiva do requerido de que a aludida taxa
de retorno foi inferior a 40%.
Mas ao assim proceder, o requerido nada mais está do que
cumprindo o que foi deliberado pelo Fundo Genoa. Em outras palavras, o Fundo
Genoa é que está afirmando que não houve taxa de retorno superior a 40%, e
não o Banco Santander.
A própria Instrução Normativa da CVM apontada na inicial (n. 306)
dá embasamento à ilegitimidade do requerido, já que prevê a existência de
responsabilidade do administrador em caso de dolo ou culpa, ou descumprimento
de normas legais, regulamentares ou estatutárias.
Ora, o requerido nada mais fez do que agir conforme o Fundo
estipulou, não havendo de sua parte, pois, ato doloso ou culposo, ou
descumprimento das regras retro descritas.
Haveria responsabilidade do requerido se ele tivesse praticado
algum ato fora dos poderes que lhe foram conferidos pelo Fundo Genoa, ou
contrariamente ao que lhe tivesse sido determinado, circunstância de que não se
cogita nos autos.
Se fosse admitida a tese dos autores, qualquer ato ilícito praticado
pelo Fundo Genoa recairia sobre o requerido, pois ele teria procedido à
liquidação sem que tivesse sido cumprido um dever legal pelo Fundo, o que se
mostra extremamente abusivo e equivocado.
Vê-se, assim, que a pretensão não pode ser dirigida em face do
requerido.
Por tais motivos, acolhida a preliminar de ilegitimidade no polo
passivo, com fundamento no disposto no art. 267, inc. VI, do CPC, JULGO
EXTINTO O PROCESSO, sem julgamento do mérito" (e-STJ fls. 2.652-2.654).
Todavia, em grau de apelação, a Segunda Câmara Reservada de Direito
Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento ao recurso dos
autores, ora recorridos, para anular a sentença e determinar a produção da prova pericial
requerida, admitida a participação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da
BM&F/BOVESPA como amici curiae, por entender que a pretensão deduzida em juízo não
tem nenhuma relação com a conduta do Fundo perante os cotistas, mas, sim, com a má liquidação do fundo, que teria sido encerrado sem que todas as obrigações
estivessem quitadas. O cerne da controvérsia, portanto, está limitado a definir se o administrador é
parte legítima para figurar no polo passivo de demanda na qual se pleiteia a reparação de
possíveis danos resultantes da divisão do patrimônio de um fundo de investimento entre os
cotistas, no momento de sua liquidação, sem antes proceder ao pagamento do passivo.
2) Da negativa de prestação jurisdicional
No que tange ao art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, não há falar em
negativa de prestação jurisdicional se o Tribunal local, ainda que por fundamentos distintos
daqueles apresentados pelas partes, adota fundamentação suficiente para decidir
integralmente a controvérsia.
No caso, o Tribunal de origem enfrentou a matéria posta em debate na medida
necessária para o deslinde da controvérsia, concluindo que o administrador é parte legítima
para figurar no polo passivo da presente demanda, considerando a especificidade da pretensão
deduzida na inicial.
Frisa-se que, mesmo à luz do art. 489 do Código de Processo Civil de 2015, o
órgão julgador não está obrigado a se pronunciar acerca de todo e qualquer ponto suscitado
pelas partes, mas apenas a respeito daqueles capazes de, em tese, de algum modo, infirmar a
conclusão adotada pelo órgão julgador (inciso IV).
A motivação contrária ao interesse da parte ou mesmo omissa em relação a
pontos considerados irrelevantes pelo julgador não autoriza o acolhimento dos embargos
declaratórios, daí porque se afasta também a alegada ofensa ao art. 489, § 1º, IV e V, do
Código de Processo Civil de 2015.
De fato, não houve pronunciamento sobre alguns aspectos de menor relevância,
a exemplo da pretendida denunciação da lide. Todavia, os pontos sobre os quais se verificou a
alegada omissão poderão ser examinados no âmbito desta Corte Superior por força do disposto
no art. 1.025 do Código de Processo Civil de 2015:
"Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que
o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos
de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere
existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade."
3) Da legitimidade passiva do administrador
3.1) Da natureza jurídica dos fundos de investimento
Considerando que as razões do recurso especial indicam como contrariados
dispositivos legais aplicáveis aos condomínios voluntários, passa-se, inicialmente, a definir a
natureza jurídica dos fundos de investimento.
Ao disciplinar o mercado de capitais e estabelecer as medidas para o seu
desenvolvimento, a Lei nº 4.728/1965, em seção dedicada às sociedades e aos fundos de
investimento, reportou-se a estes como um ente que se constitui sob a forma de condomínio, a
teor do disposto em seu art. 50:
"Art. 50. Os fundos em condomínios de títulos ou valôres
mobiliários poderão converter-se em sociedades anônimas de capital autorizado,
a que se refere a Seção VIII, ficando isentos de encargos fiscais os atos relativos
à transformação.
§ 1º A administração da carteira de investimentos dos fundos, a que
se refere êste artigo, será sempre contratada com companhia de investimentos,
com observância das normas gerais que serão traçadas pelo Conselho Monetário
Nacional.
§ 2º Anualmente os administradores dos fundos em condomínios
farão realizar assembléia geral dos condôminos, com a finalidade de tomar as
contas aos administradores e deliberar sôbre o balanço por êles apresentado.
§ 3º Será obrigatório aos fundos em condomínio a auditoria
realizada por auditor independente, registrado no Banco Central.
§ 4º As quotas de Fundos Mútuos de Investimento constituídos
em condomínio, observadas as condições estabelecidas pelo Conselho
Monetário Nacional, poderão ser emitidos sob a forma nominativa, endossável ou
ao portador, podendo assumir a forma escritural." (grifou-se)
Do mesmo modo, ao disciplinar a constituição e o funcionamento dos fundos de
investimento financeiro, a Circular nº 2.616/1995 do Banco Central do Brasil adotou um conceito
que, de antemão, já definia a sua natureza jurídica:
"Art. 1º O fundo de investimento financeiro, constituído sob a
forma de condomínio aberto, é uma comunhão de recursos destinados à
aplicação em carteira diversificada de ativos financeiros e demais modalidades
operacionais disponíveis no âmbito do mercado financeiro, observadas as
limitações previstas neste Regulamento e na regulamentação em vigor."
(grifou-se)
Com a edição da Lei nº 10.303/2001, que incluiu o inciso V no art. 2º da Lei nº 6.385/1976, as cotas dos fundos de investimento passaram a ser classificadas obrigatoriamente
como valores mobiliários. A partir de então, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passou a
deter competência exclusiva para regular a matéria.
A constituição sob a forma de condomínio também constou das diversas
instruções da CVM relacionadas com o tema, estando vigente na atualidade a Instrução CVM nº
555/2014, aplicável a todo e qualquer fundo de investimento registrado perante aquele órgão.
Confira-se:
"Art. 3º O fundo de investimento é uma comunhão de recursos,
constituído sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos
financeiros.
Art. 4º O fundo pode ser constituído sob a forma de condomínio
aberto, em que os cotistas podem solicitar o resgate de suas cotas conforme
estabelecido em seu regulamento, ou fechado, em que as cotas somente são
resgatadas ao término do prazo de duração do fundo." (grifou-se)
Cumpre anotar também, apenas para fins de registro, haja vista que a lei civil não
retroage para alcançar situações constituídas sob a vigência da lei revogada ou modificada,
que a denominada "Medida Provisória da Liberdade Econômica" (MP nº 881/2019) acrescentou
ao Código Civil, no Livro III do Direito das Coisas, o Capítulo X, nele prevendo que "O fundo de
investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio, destinado
à aplicação em ativos financeiros" (art. 1.368-C - grifou-se).
Não obstante o conteúdo de tais normas, é um tanto conturbada na doutrina a
definição da natureza jurídica dos fundos de investimento, como bem enfatiza Eduardo
Montenegro Dotta:
"(...)
Em que pese a conceituação regulatória referir-se aos fundos
de investimento enquanto condomínios, adentrando, desta forma, em sua
natureza jurídica, parcela da doutrina tem compreendido que a natureza
jurídica do instituto não se amolda integralmente à estrutura condominial
prevista pela legislação civil (cf. artigos 1.314 e seguintes do Código Civil).
Os fundos de investimento, seguindo a orientação regulatória da
Comissão de Valores Mobiliários, possuem patrimônio que, em atenção à política
de segregação de recursos a que se submetem, não se mistura com o patrimônio
de seu administrador, possuem também órgão interno de decisão com poderes
deliberativos limitados – que corresponde à assembleia de cotistas – além de
escrituração contábil própria, formulada por auditor independente, com balanço
destacado da instituição administradora, elementos estes que não se observam
na figura do condomínio tradicional descrito pelo Código Civil.
A estrutura jurídica dos fundos, considerados os itens que
acabamos de listar, aproximam-no muito mais de uma fórmula societária do que de um condomínio, dado que, embora destituídos de personalidade
jurídica, aos fundos de investimento são imputados direitos e deveres. Trata-se de entidade detentora de representatividade em suas relações
internas e externas, a ponto da Comissão de Valores Mobiliários lhe garantir o
direito, mediante deliberação tomada por quórum qualificado de cotistas, de
realizar operações societárias de fusão, cisão ou incorporação.
Além disso, as prerrogativas inseridas no artigo 1.314 do Código
Civil não podem ser exercitadas pelo cotista de um fundo de investimento, uma vez que este não desfruta – de forma plena – de direitos em face dos
ativos subjacentes ao fundo constituído, tal qual o condômino possui em
relação à copropriedade condominial, mas somente direitos ligados à fração
representativa da sua participação proporcional no fundo. A tese de Ricardo de Santos Freitas é precisa neste ponto: 'O
artigo 1314 do Código Civil estabelece que 'cada condômino pode usar da coisa
conforme a sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a
divisão, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.
Assim, não obstante a pluralidade de titulares, o condomínio, enquanto instituto
típico regulado pelo Código Civil representa direito real de domínio que confere a
cada co-titular o direito de uso, gozo e disposição sobre a sua parte ideal. As
estruturas de fundo reguladas pela CVM, no entanto, não permitem que os
investidores exerçam plenamente os direitos mencionados no artigo 1314 do
Código Civil. Com efeito, a regulamentação dos FI´s, por exemplo, estabelece
que, no caso de fundo aberto, suas cotas são intransferíveis. Como se vê, as
normas específicas aplicáveis no Direito Brasileiro aos diferentes tipos de fundos
não permitem a livre disposição pelo titular de sua parte ideal, divergindo,
portanto, do tratamento dado ao condomínio geral no Código Civil.
Ao estudar a natureza jurídica dos fundos de investimento
imobiliário – uma das modalidades de fundos admitidos pela Comissão de Valores
Mobiliários – Arnoldo Wald compreendeu que: 'Quer se cogite de um condomínio
especialíssimo ou sui generis de uma sociedade sem personalidade jurídica, na
terminologia do Código de Processo Civil, ou de uma forma de trust já adaptado e
consagrado pelo Direito brasileiro, a designação e a semântica são secundários,
pois o importante é a capacidade substantiva e adjetiva do Fundo para
adquirir e transmitir direitos, atuar em Juízo e praticar todos os atos da vida
comercial, embora só possa exercer sua atividade por intermédio de seu
gestor. Não se trata de contrato de comissão, pois os bens não são adquiridos
em nome do gestor e por conta dos condôminos, mas em nome do Fundo e para
o mesmo'. Para o respeitado jurista, o fundo de investimento 'é uma fórmula
fiduciária pela qual os investimentos podem ser realizados em nome do fiduciário
e no interesse do fiduciante, assemelhando-se ao trust, sob forma que também
tem sido aceita e consagrada no Direito Comparado, não só nos países que
admitem o trust como os Estados Unidos, mas também nas legislações de
tradição romana, como acontece em Portugal e na França, segundo pudemos
verificar nas transcrições de texto legislativo que fizemos. Não há, assim,
qualquer dúvida quanto à possibilidade do Fundo Imobiliário ser titular em
nome próprio de direitos e obrigações'.
Na nossa compreensão os fundos de investimento adotam uma
disciplina jurídica que não se confunde com o instituto civil do condomínio,
melhor se caracterizando, tal qual ponderado pelo Professor Arnoldo Wald
como uma estrutura jurídica por intermédio da qual os investidores admitem
um administrador – investido na capacidade de representação e
administração dos negócios do fundo – e que, por intermédio de sua gestão, realiza operações nos mercados financeiro, de capitais, e de futuros,
obrigando-se, de acordo com as especificações constantes do regulamento do
fundo e das normas regentes da sua atividade, a envidar os melhores esforços
para obter a maior rentabilidade possível ao capital investido, dentro do perfil de
exposição – indicado na política de investimentos – aos possíveis elementos de
risco." (Responsabilidade civil dos administradores e gestores de fundos de
investimento, São Paulo: Almedina, 2018, págs. 90-94 - grifou-se)
Na conclusão de seu estudo a respeito da natureza jurídica dos fundos de
investimento, Ricardo de Santos Freitas acentua que
"(...) a insistente e expressa atribuição da condição de condomínio
aos fundos de investimento, pelo legislador, na totalidade das espécies
existentes, não tem o condão de subsumi-los ao instituto de Direito Civil. O
conjunto de relações jurídicas compreendidas em um fundo de investimento
colidem com as normas insculpidas no Código Civil como reguladoras da figura
condominial.
Em alguns países, como na Espanha, o legislador chega
expressamente a vedar a utilização subsidiária das normas relativas à
co-propriedade, na aplicação do Direito a tais formas.
A teoria da organização associativa parece ser a que melhor
resolve as dúvidas suscitadas pela dogmática dos fundos de investimento, e
a mais consentânea com o ordenamento jurídico brasileiro.
(...)
Deveria, pois, o legislador, dar sua parcela de contribuição
eliminando da regulamentação dos fundos de investimento qualquer referência ao
instituto condominial.
(...)
Decorre dessa conclusão, que o aplicador do Direito deverá
obrigatoriamente servir-se, subsidiariamente à norma legal específica e ao
regulamento do fundo, em cada caso concreto, das normas e princípios
inspiradores do Direito Societário." (Natureza jurídica dos fundos de investimento, São Paulo: Quatier Latin, 2005, págs. 269-271 - grifou-se)
A despeito do desencontro de teses no âmbito doutrinário, para os fins que aqui
interessam, importa reconhecer que: a) as normas aplicáveis aos fundos de investimento
dispõem expressamente que eles são constituídos sob a forma de condomínio; b) nem
todos os dispositivos legais que disciplinam os condomínios são indistintamente
aplicáveis aos fundos de investimento, sujeitos a regramento específico; c) embora
destituídos de personalidade jurídica, aos fundos de investimento são imputados
direitos e deveres, tanto em suas relações internas quanto externas, e d) não
obstante exercerem suas atividades por intermédio de seu administrador/gestor, os
fundos de investimento podem ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações.
3.2) Da legitimidade passiva segundo a teoria da asserção
Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as condições da
ação, aí incluída a legitimidade, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à
luz das afirmações deduzidas na petição inicial.
No caso em apreço, em defesa da sua ilegitimidade passiva ad causam, a
recorrente indica como malferidos os arts. 1.314, 1.315 e 1.319 do Código Civil, aplicáveis ao
condomínio voluntário, alegando, em síntese, que "(...) se o direito alegado pelos autores
existiria 'em razão do implemento da condição suspensiva prevista no Contrato de Opção de
Compra' e esse contrato fora firmado pelo Fundo, isto é, pelo condomínio, logo são os
condôminos que têm de responder ao pleito da inicial, e não o mandatário dos condôminos"
(e-STJ fl. 2.844 - grifou-se).
Os arts. 1.315 e 1.319 do Código Civil, segundo os quais o condômino responde,
na proporção de sua cota-parte, pelos ônus a que estiver sujeita a coisa e, perante os demais
condôminos, pelo dano que a ela tiver causado, até poderiam justificar a presença do fundo
e/ou dos respectivos cotistas no polo passivo da demanda se estivessem os autores a
pleitear o próprio adimplemento do contrato de opção de compra de ações por preço
simbólico celebrado com o FUNDO GENOA.
Não é essa, contudo, a pretensão deduzida na petição inicial, como bem
salientou o órgão julgador na origem:
"(...)
Sucede que a questão central a ser analisada nos autos, a fim
de se concluir pela escorreita alocação do réu no polo passivo da lide, é a
causa de pedir constante na petição inicial, o que não tem relação com a
condição do administrador perante os cotistas do fundo, mas perante
terceiros.
Já se disse, para afastar a cláusula compromissória prevista no
ajuste de fls. 145/154, que a petição inicial está fundamentada na
responsabilidade do réu enquanto liquidante do Genoa Fundo de Investimento
em Participações.
Consta da exordial que 'a ré, administradora do FUNDO GENOA,
procedeu à liquidação integral do fundo sem antes honrar a opção de
compra firmada com os Autores, a despeito das inúmeras missivas que lhe
foram encaminhadas pelos demandantes. Ao assim, proceder, a SANTANDER
DTVM desrespeitou os deveres impostos ao administrador de fundos de
investimento pelas normas da Comissão de Valores Mobiliários ('CVM'),
devendo, pois, responder pelos prejuízos que o ato ilegal gerou aos Autores'
(fls. 02). Os autores também imputaram ao réu a indevida sonegação de
informações, posto que sustentaram ter a ele solicitado 'a relação
individualizada das ações alienadas e o retorno financeiro obtido com aquela
operação', mas afirmaram [que] o réu respondeu 'não ter a obrigação de
informar o retorno financeiro obtido com a venda das ações, na medida em
que a TAXA INTERNA DE RETORNO, não teria excedido o patamar de 40%
(quarenta por cento) ao ano' (fls. 07/08).
Os autores afirmaram, na inicial, ter reiterado a solicitação e
também requerido a realização de reunião para debater o assunto, já que
estão certos de que houve a valorização das ações na venda promovida pelo
Genoa Fundo de Investimento e Participações suficiente a implementar a
condição imposta no ajuste firmado, mas que nunca obtiveram sucesso em
seus pedidos (fls. 07/11).
Sustentaram os autores que o réu descumpriu regras legais e
as regulações da Comissão de Valores Mobiliários; que 'sua atuação era
crucial para garantir o cumprimento das obrigações do fundo perante
terceiros'; que 'tinha o dever de tomar as medidas necessárias para
promover a liquidação do fundo e de suas operações'; e que houve
comportamento negligente do réu 'que descumpriu os deveres que lhe
cabiam na qualidade de administradora do FUNDO GENOA, permitindo que
ele fosse liquidado e encerrado sem a prévia satisfação do crédito dos
AUTORES, oriundo do INSTRUMENTO DE OPÇÃO DE COMPRA' (fls. 11/13).
E em seu pedido principal, os autores requereram a
condenação do réu em 'indenização correspondente ao valor das ações da
EVEN que os AUTORES faziam jus em razão do implemento da condição
suspensiva prevista no CONTRATO DE OPÇÃO DE COMPRA, adotando-se o
maior número de ações que resultar dos dois modos de cálculo possíveis (...)'; e
'indenização correspondente ao valor dos dividendos que teriam sido percebidos
pelos AUTORES, desde a data em que os AUTORES deveriam ter sido
notificados das vendas das ações até a data em que as ações atingiram a sua
cotação máxima (...)' (fls. 17).
Verifica-se, assim, que os autores imputaram conduta indevida
ao réu como administrador e liquidante, vez que nessa qualidade teria
omitido informações e providenciado o encerramento do fundo sem que
tivesse cumprido todas as suas obrigações contratuais.
Como se disse, a responsabilidade civil que os autores imputam
ao réu não tem qualquer relação com sua conduta perante os cotistas
(relação essa que, como visto, grande parte da doutrina entende ser de
mandato). A responsabilidade civil imputada ao réu está relacionada à má
liquidação do fundo, que teria sido encerrado sem que todas as obrigações
estivessem quitadas, situação que teria causado prejuízo financeiro aos
autores, cujo ressarcimento pediram seja por ele promovido. Daí por que está
correto o chamamento do réu no polo passivo da lide" (e-STJ fls. 2.795-2.798 - grifou-se).
Vale ressaltar que, a partir da alienação total da participação societária do
FUNDO GENOA na empresa EVEN, tornou-se inexequível o contrato que garantia aos
autores a opção de compra de um determinado número de ações por um preço simbólico caso
verificada a condição suspensiva pactuada – retorno financeiro igual ou superior a 40% (quarenta por cento) na venda das ações da EVEN a terceiros.
Diante de tal perspectiva, os autores optaram pelo ajuizamento da demanda
contra a administradora do FUNDO GENOA (SANTANDER DTVM), elencando como causa
de pedir a liquidação do fundo antes de satisfeitas as obrigações contraídas perante
terceiros, e, como pedido, uma indenização correspondente ao valor das ações a que
fariam jus em virtude do suposto implemento da condição suspensiva.
É essa, portanto, a situação que, à luz da teoria da asserção, impõe a admissão
da ora recorrente como parte legítima para figurar no polo passivo da demanda.
Ao defender a prevalência da mencionada teoria, Alexandre Freitas Câmara
pontua:
"(...) As 'condições da ação' são requisitos exigidos para que o
processo vá em direção ao seu fim normal, qual seja, a produção de um
provimento de mérito. Sua presença, assim, deverá ser verificada em
abstrato, considerando-se, por hipótese, que as assertivas do demandante
em sua inicial são verdadeiras, sob pena de se ter uma indisfarçável adesão às
teorias concretas da ação. Exigir a demonstração das 'condições da ação'
significaria, em termos práticos, afirmar que só tem ação quem tenha o direito
material. Pense-se, por exemplo, na demanda proposta por quem se diz credor
do réu. Em se provando, no curso do processo, que o demandante não é titular
do crédito, a teoria da asserção não terá dúvidas em afirmar que a hipótese é de
improcedência do pedido. Como se comportará a outra teoria? Provando-se que
o autor não é credor do réu, deverá o juiz julgar seu pedido improcedente ou
considerá-lo 'carecedor de ação'? A se afirmar que o caso seria de
improcedência do pedido, estariam os defensores dessa teoria admitindo o
julgamento da pretensão de quem não demonstrou sua legitimidade; em caso
contrário, se chegaria à conclusão de que só preenche as 'condições da ação'
quem fizer jus a um provimento jurisdicional favorável.
Parece-nos, assim, que apenas a teoria da asserção se revela
adequada quando se defende uma concepção abstrata do poder de ação, como
fazemos. As 'condições da ação', portanto, deverão ser verificadas pelo juiz
in statu assertionis, à luz das alegações feitas pelo autor na inicial, as quais
deverão ser tidas como verdadeiras a fim de se perquirir a presença ou
ausência dos requisitos do provimento final." (Lições de Direito Processual
Civil, Volume I, 12. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, págs.
132-133 - grifou-se)
Sobre o tema:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE
PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO. SÚMULA Nº 83/STJ. CONTRATO DE
CONCESSÃO DE SERVIÇOS. GESTÃO COMERCIAL. REEXAME DO
CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ.
1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as condições da ação, aí incluída a legitimidade para a causa, devem ser
aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações
deduzidas na petição inicial.
2. O revolvimento quanto à gestão comercial dos serviços objeto de contrato de
concessão (esgotamento sanitário e abastecimento de água), firmado entre as
partes, esbarra nos enunciados das Súmulas nºs 5 e 7/STJ.
3. Agravo interno não provido." (AgInt no AREsp 966.393/RJ, Rel. Ministro
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 7/2/2017, DJe
14/2/2017 - grifou-se).
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AQUISIÇÃO
DE VALORES MOBILIÁRIOS POR INTERMÉDIO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
LEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. TEORIA DA
ASSERÇÃO. PRECEDENTES. PRESCRIÇÃO. PRAZO. TERMO INICIAL. CIÊNCIA
DA LESÃO. TEORIA DA ACTIO NATA. MOMENTO DA OCORRÊNCIA DA
CIÊNCIA INEQUÍVOCA. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL
IMPROVIDO.
1. Não há ilegitimidade passiva nas hipóteses em que a pertinência subjetiva
do réu em relação à pretensão deduzida em juízo torna-se evidente à luz da
teoria da asserção, segundo a qual as condições da ação devem ser aferidas
tomando como pressuposto, provisoriamente, apenas em juízo de
admissibilidade da demanda, as próprias afirmações ou alegações contidas
na petição inicial, dispensando-se qualquer atividade probatória.
(...)
3. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no AREsp 740.588/SP,
Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em
27/10/2015, DJe 16/11/2015 - grifou-se).
Sob um primeiro olhar, é, de fato, questionável se o administrador, à época da
liquidação do FUNDO GENOA, tinha meios de apurar a existência do passivo indicado na
petição inicial, sobretudo por se tratar de um débito sujeito a uma condição suspensiva e
resultante de um contrato celebrado entre os autores e o mencionado fundo.
Essa dúvida, no entanto, é dissipada pela seguinte alegação constante da
petição inicial:
"(...)
25. Uma vez ciente da venda de ações da EVEN por parte do
FUNDO GENOA, em 16.03.2012 os AUTORES enviaram-lhe missiva, aos
cuidados de seu administrador SANTANDER DTVM, solicitando a relação
individualizada das ações alienadas e o retorno financeiro obtido com aquela
operação (doc. 7).
26. Em 21.03.2012, o FUNDO GENOA, representado pela
SANTANDER DTVM, respondeu à notificação, afirmando, em suma, não ter a
obrigação de informar o retorno financeiro obtido com a venda das ações, na
medida em que a TAXA INTERNA DE RETORNO não teria excedido o patamar
de 40% (quarenta por cento) ao ano (doc. 8).
27. O pedido de informações acerca do retorno financeiro
experimentado com a venda das ações foi reiterado em 13.04.2012 (doc. 9). Uma semana depois, o FUNDO GENOA, representado pela SANTANDER
DTVM, manifestou-se e novamente deixou de prestar a informação prevista
no CONTRATO DE OPÇÃO DE COMPRA (doc. 10).
28. Em 09.08.2013, o FUNDO GENOA, desta vez em papel
timbrado da SANTANDER DTVM (então denominada CRV), enviou
correspondência a CARLOS, LUIS e KARY, na qual informava que o FUNDO
GENOA 'alienou a totalidade das ações de emissão da EVEN de que era
titular', deixando de ser acionista da EVEN (doc. 11).
29. Naquele mesmo documento, asseverou-se que o
CONTRATO DE OPÇÃO DE COMPRA supostamente deixara de produzir
efeitos, bem como que a TAXA INTERNA DE RETORNO dos investimentos
realizados pelo FUNDO GENOA na EVEN não superara o patamar mínimo
estabelecido na Cláusula 1.1 do CONTRATO DE OPÇÃO DE COMPRA." (e-STJ
fls. 7-8).
Com efeito, se o administrador do FUNDO GENOA foi por diversas vezes
notificado acerca da existência de um passivo e sustentou, em todas as oportunidades, que não
houve o adimplemento da condição suspensiva, já não se pode negar que ele tinha meios de
bem proceder à liquidação do fundo.
Assim, diante da pretensão específica deduzida na petição inicial, na qual não se
imputa ao fundo de investimento o descumprimento do contrato, mas, sim, a incorreta liquidação
do fundo pelo seu administrador, é inegável a legitimidade da recorrente para figurar no polo
passivo da demanda, não se aplicando, pelos mesmos motivos, os dispositivos legais
concernentes ao mandato (arts. 663, 675, 679, 668 e 682, I, do Código Civil), porque a
responsabilidade imputada à ré está fundada na sua atuação em nome próprio, na condição de
administradora e liquidante do FUNDO GENOA.
4) Da responsabilidade dos administradores de fundos de investimento
Tendo em vista que o acórdão recorrido, ao concluir pela legitimidade da ora
recorrente para figurar no polo passivo da ação, acabou por avançar em questões atinentes à
responsabilidade dos administradores de fundos de investimento, passa-se a abordar alguns
aspectos relacionados com o tema.
A classificação atribuída a cada modalidade de fundo de investimento varia
conforme os tipos de ativos financeiros admitidos para a composição da respectiva carteira.
Como o próprio nome diz, GENOA FUNDO DE INVESTIMENTO EM
PARTICIPAÇÕES é um Fundo de Investimento em Participações (FIP), modalidade de fundo criada pela Instrução CVM nº 391/2003, que assim o descreve:
"Art. 2º O Fundo de Investimento em Participações (fundo),
constituído sob a forma de condomínio fechado, é uma comunhão de recursos
destinados à aquisição de ações, debêntures, bônus de subscrição, ou outros
títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de
companhias, abertas ou fechadas, participando do processo decisório da
companhia investida, com efetiva influência na definição de sua política
estratégica e na sua gestão, notadamente através da indicação de membros do
Conselho de Administração." (grifou-se)
Advirta-se que a distinção que se costuma fazer entre as atividades do
administrador e do gestor não se mostra relevante para a solução da controvérsia porque o
regulamento do FUNDO GENOA (e-STJ fls. 432-458) previa que tanto a sua administração
quanto a sua gestão ficariam a cargo de CRV DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES
MOBILIÁRIOS S.A., posteriormente sucedida por SANTANDER SECURITIES SERVICES BRASIL
DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS S.A., ora recorrente.
Em sua obra, Eduardo Dotta destaca que
"(...) o administrador de fundos de investimento, ao captar poupança – por
intermédio da instituição distribuidora – mediante a oferta de cotas e,
posteriormente, o gestor, ao pôr em prática a aplicação dos recursos em
ativos financeiros diversos, deverá atentar, de acordo com o fundo
modelado, ao respectivo emaranhado normativo, emergindo daí suas
obrigações tanto para com as entidades regulatórias quanto para o público
poupador, para com terceiros e para com o próprio mercado." (ob. cit., pág.
117 - grifou-se)
A partir das disposições contidas na Instrução CVM nº 555/2014, o estudioso
afirma que o administrador e o gestor possuem obrigações de três ordens:
"(...)
i. Obrigações fiduciárias - ligadas à confiança que o investidor
deposita nos prestadores de serviços (administrador e gestor) enquanto seus
representantes junto ao mercado e guardião de seus recursos;
ii. Obrigações administrativas - ligadas à organização dos
negócios e do dia a dia do fundo e como interlocutor dos investidores junto à
CVM;
iii. Obrigações de empenho - ligada à credibilidade do
administrador e gestor no emprego dos melhores esforços na busca das
melhores condições de mercado para o investidor. Obrigações estas mais ligadas
atualmente à performance do gestor de recursos." (ibidem - grifou-se)
Levando em conta a especificidade da pretensão deduzida em juízo, não há
dúvida de que a responsabilidade atribuída ao réu, no caso, está inserida entre aquelas
obrigações de natureza puramente administrativa.
Ao concluir, em tese, pela responsabilidade da ora recorrente, o Tribunal de
origem assim consignou:
"(...)
Como administrador e liquidante do fundo, o réu tinha diversos
deveres que estavam regulamentados pela Instrução CVM nº 409, de
18.08.2004, que vigia ao tempo do ajuizamento da demanda e, tudo indica, ao
tempo do fato gerador que deu causa ao pedido em curso (alienação das
ações em agosto de 2013 fls. 180). Referida Instrução estabeleceu um plexo de deveres ao
administrador do fundo de investimento que preveem as regras que deve
adotar em relação aos cotistas, como a boa gestão dos investimentos (art. 65-A),
o gerenciamento de riscos a envolver a carteira (art. 65-B) e a prestação de
informações periódicas e de resultados (art. 68), e também estabeleceu os
deveres do administrador na constituição, na administração e na liquidação
do fundo de investimento, valendo observar que no art. 106, determinou a
Comissão de Valores Mobiliários que 'Na hipótese de liquidação do fundo por
deliberação da assembleia geral, o administrador deve promover a divisão de
seu patrimônio entre os cotistas, na proporção de suas cotas, no prazo
máximo de 30 (trinta) dias'.
E não há dúvidas de que, ao dispor ao administrador que
distribua o patrimônio do fundo aos cotistas, referida Instrução determina
que caberá a ele, com base na auditoria que deve ser realizada por
determinação do § 2º, verificar se todas as obrigações do fundo foram
cumpridas para, ao final, promover a distribuição dos lucros dos
investimentos aos cotistas que dele participaram. O mandatário age em nome e a favor do mandante e por isso
responde o mandante pelos atos que praticou. O liquidante do Fundo de
Investimento, como apontado, agiu em nome próprio, desempenhando funções
que não se identificam com os cotistas do Fundo. Nesse sentido o parecer de
fls. 2.477/2.516, do Professor Fabio Ulhoa Coelho, juntado pelos autores, no
qual se destaca as funções que devem ser realizadas pelos liquidantes das
massas patrimoniais em geral, de modo a deixar evidenciada a
responsabilidade do réu pelo correto encerramento do fundo: 'As funções
dos liquidantes de massas patrimoniais são bastante específicas e têm três
finalidades muito claras: (i) realização do ativo; (ii) satisfação do passivo; e
(iii) partilha do acervo líquido'.
E vai além o referido parecer ao anotar que 'De qualquer modo, se
o liquidante causa prejuízo no exercício de suas atribuições em decorrência de
'má liquidação', ele será direta e pessoalmente responsável (...) O essencial é
destacar que as atividades típicas da liquidação de qualquer massa patrimonial
(decorrente da dissolução de sociedade, término de condomínio, encerramento
de fundo de investimento etc), que são as de realização do ativo, satisfação do
passivo e partilha não se destinam à realização exclusiva dos interesses do seu
titular. Também não se destinam a atender apenas os interesses dos
destinatários da partilha. A liquidação e os atos em que se desenvolve também atendem aos interesses de terceiros, entre os quais avultam os dos credores.
Estes, enquanto titulares de posições ativas de obrigações componentes do
passivo do patrimônio liquidando, têm os seus direitos igualmente protegidos pelo
regime jurídico da liquidação. Quer dizer, ao dispor como se deve proceder à
liquidação de massas patrimoniais, a lei não está tutelando apenas os
interesses do titular do patrimônio, mas igualmente os dos destinatários da
partilha, dos credores e terceiros'.
Mais não é preciso dizer. O réu, enquanto administrador do
fundo de investimento com quem os autores celebraram o contrato de fls.
145/154, tinha o dever de bem exercer todos os atos de gestão e de
liquidação previstos na Instrução CVM, inclusive perante terceiros, o que
incluía, definitivamente, o pagamento do passivo para a satisfação do ativo
aos cotistas.
Ademais, também evidencia a legitimidade do réu o fato de os
autores terem pedido esclarecimentos e informações sobre o cumprimento do
contrato de venda das ações antes da liquidação do fundo pelo réu, como
demonstram as missivas de fls. 175/200. Não obstante as diversas
correspondências e notificações encaminhadas pelos autores ao réu e seus
representantes no ano de 2012, o réu liquidou o fundo em 02.09.2013 sem,
contudo, demonstrar o efetivo cumprimento do contrato de opção de compra de
ações firmado pelo fundo com os autores, como alegado na inicial.
Portanto, o réu é parte legítima para figurar no polo passivo da
demanda, na qual não se discute o descumprimento do ajuste pelo Fundo, mas a
má administração e a má liquidação do fundo contratante pelo réu, que teria
causado os prejuízos elencados na inicial" (e-STJ fls. 2.798-2.801 - grifou-se).
É bem verdade que a Instrução CVM nº 409/2004, citada pelo órgão colegiado,
enquanto vigente, excluía expressamente da sua disciplina os Fundos de Investimento em
Participações (FIPs):
"Art. 1º A presente Instrução dispõe sobre normas gerais que
regem a constituição, a administração, o funcionamento e a divulgação de
informações dos fundos de investimento e fundos de investimento em cotas de
fundo de investimento definidos e classificados nesta Instrução.
Parágrafo único. Excluem-se da disciplina desta Instrução os
seguintes fundos, regidos por regulamentação própria:
I – Fundos de Investimento em Participações;" (grifou-se)
No entanto, como bem destacado no voto condutor do aresto impugnado, com
supedâneo em parecer da lavra do Professor Fábio Ulhoa Coelho, a realização do ativo, a
satisfação do passivo e a partilha do acervo líquido entre os cotistas são atribuições
dos liquidantes das massas patrimoniais em geral.
No referido parecer, o renomado doutrinador destacou:
"(...)
3. A pessoa encarregada de proceder aos atos de liquidação (o liquidante) atua em nome próprio, no desempenho das funções típicas, acima
brevemente indicadas. O liquidante é direta e pessoalmente responsável por
eventuais danos que cause ao desempenhar as tarefas ínsitas à sua função.
4. O liquidante não é mandatário do titular do patrimônio que se
encontra em liquidação; tampouco o é dos destinatários da partilha do acervo
líquido. Age sempre em nome próprio.
(...)
11. De qualquer modo, se o liquidante causa prejuízo no
exercício de suas atribuições, em decorrência de 'má liquidação', ele será
direta e pessoalmente responsável. Nem sempre caberá, em acréscimo à
responsabilidade do liquidante, a responsabilização do titular da massa
patrimonial ou, sendo esta sociedade, de seus sócios. Eles também serão
responsabilizáveis pelos atos de liquidação em caso de culpa in eligendo apenas.
Por exemplo, ninguém terá direito de buscar o ressarcimento junto ao controlador
da instituição financeira liquidada extrajudicialmente, de prejuízos advindos de
atos de 'má liquidação', tendo em vista ser o liquidante escolhido, neste caso,
pelo Banco Central.
12. É certo que a lei não preceitua especificamente a
responsabilidade do liquidante por atos de 'má liquidação' para toda e qualquer
hipótese. Há aquelas a respeito da qual não se encontra norma legal específica,
como no caso de associações e fundações. Mas tal responsabilidade certamente
existe, até mesmo em função de remissão legal às normas de liquidação das
sociedades (CC, art. 51, § 2º).
13. O essencial é destacar que as atividades típicas da
liquidação de qualquer massa patrimonial (decorrente da dissolução de
sociedade, término de condomínio, encerramento de fundo de investimento
etc), que são as de realização do ativo, satisfação do passivo e partilha não
se destinam à realização exclusiva dos interesses do seu titular.
Também não se destinam a atender apenas os interesses dos
destinatários da partilha. A liquidação e os atos em que se desenvolve também
atendem aos interesses de terceiros, entre os quais avultam os dos credores.
Estes, enquanto titulares de posições ativas de obrigações componentes do
passivo do patrimônio liquidando, têm os seus direitos igualmente protegidos pelo
regime jurídico da liquidação. Quer dizer, ao dispor como se deve proceder à
liquidação de massas patrimoniais, a lei não está tutelando apenas os interesses
do titular do patrimônio, mas igualmente os dos destinatários da partilha, dos
credores e terceiros.
14. O liquidante, em suma, incumbe-se de realizar uma
atividade autônoma, equidistante dos diversos interesses que gravitam em
torno dela (titular do patrimônio, destinatários da partilha, credores etc).
Para serem justa e efetivamente protegidos, na liquidação, os direitos
correspondentes a tais interesses, o liquidante há de ser independente e, de
qualquer modo, responder pessoal e diretamente por eventuais danos
decorrentes dos atos que praticar" (e-STJ fls. 2.486-2.490 - grifou-se).
Ademais, a Instrução CVM nº 391/2003, que primeiro tratou especificamente dos
Fundos de Investimento em Participações (FIPs), já incluía entre as obrigações do administrador
o dever de "cumprir e fazer cumprir todas as disposições do regulamento do fundo" (art. 14,
XV).
O regulamento do FUNDO GENOA, por seu turno, em seu Artigo 23, dispunha
que, "(...) para efeito da determinação do valor do patrimônio líquido do Fundo, devem ser
observadas as normas e os procedimentos contábeis previstos na legislação em vigor,
especialmente no regulamento anexo à Instrução CVM 438/06" (e-STJ fl. 452 - grifou-se).
Conclui-se, desse modo, que a satisfação integral do passivo antes da partilha do
patrimônio líquido entre os cotistas está, em regra, inserida entre as atribuições do
administrador, sendo dele a responsabilidade, em tese, por eventuais prejuízos que guardem
nexo de causalidade com a inobservância desse mister.
Saber se a condição suspensiva foi de fato implementada, a ponto de conferir
existência ao passivo indicado pelos autores, e se a satisfação desse passivo específico estava,
de fato, entre as atribuições do administrador, é questão que diz respeito ao mérito da
demanda.
5) Do efeito devolutivo da apelação
Invocando contrariedade ao art. 1.013, caput e § 1º, do Código de Processo Civil
de 2015, a recorrente afirma que "(...) o acórdão recorrido avançou no exame de outras
questões que não haviam sido apreciadas na sentença e nem foram impugnadas na apelação,
tais como a aplicabilidade da cláusula compromissória e a prescrição" (e-STJ fl. 2.856).
Todavia, tanto o reconhecimento de que a lide se sujeita à jurisdição estatal
quanto o afastamento da prescrição são questões de ordem pública que podem ser examinadas
a qualquer tempo pelas instâncias ordinárias, independentemente de provocação.
6) Da cláusula compromissória
Em suas razões recursais, a recorrente afirma que, apesar de não ser parte no
contrato firmado entre os autores e o FUNDO GENOA, a cláusula compromissória dele
constante foi pactuada justamente para que a apreciação de eventual descumprimento das
obrigações assumidas ficasse excluída da jurisdição estatal.
Conforme já salientado, a pretensão deduzida na inicial não se confunde com o
adimplemento do contrato que garantia aos autores a opção de compra de um determinado
número de ações por um preço simbólico caso verificada a condição suspensiva pactuada. Se assim fosse, seria forçoso concluir pela incidência da referida cláusula compromissória.
No entanto, tratando-se de demanda em que a causa de pedir está relacionada
com a irregular liquidação do fundo de investimento antes de satisfeitas as obrigações
contraídas perante terceiros e na qual se pede a reparação dos supostos danos daí
resultantes, é completamente descabida a remessa dos autos ao juízo arbitral, como bem
pontuado pelo Tribunal estadual:
"(...)
Tivesse a demanda, por fundamento, a relação jurídica
estabelecida entre o fundo investidor e os sócios da companhia, outro seria
seu desfecho quanto à questão do compromisso arbitral. No entanto, a
pretensão encontrada na petição inicial é voltada contra a irregular
liquidação do fundo de investimento, dando ensejo, segundo sustentaram os
autores, à responsabilidade civil do réu, que o liquidou irregularmente, sem
observar o cumprimento das obrigações assumidas. Não tem incidência, portanto, a cláusula compromissória, porque a
responsabilidade que se imputa ao réu é distinta, fundada na sua atuação,
em nome próprio, como gestor e liquidante do Fundo" (e-STJ fl. 2.790 - grifou-se).
7) Da prescrição
Presente a circunstância de que a demanda se volta contra a irregular liquidação
do fundo de investimento, o termo inicial do prazo de prescrição para a respectiva pretensão de
natureza reparatória deve ser contado a partir da sobredita liquidação, ocorrida no final do ano
de 2013.
Ademais, tratando-se de relação extracontratual, deve ser aplicado o prazo de
que trata o art. 206, § 3º, V, do Código Civil, segundo o qual prescreve em 3 (três) anos a
pretensão de reparação civil.
Ajuizada a demanda em 2014, não se operou, no caso, a prescrição.
8) Da denunciação da lide
De acordo com a pacífica jurisprudência desta Corte Superior, somente é
obrigatória a denunciação da lide quando o litisdenunciado esteja obrigado, pela lei ou pelo
contrato, a indenizar a parte em ação regressiva, não sendo admitida tal modalidade de
intervenção de terceiros quando se pretende, pura e simplesmente, transferir responsabilidades
pelo evento danoso.
A propósito:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DENUNCIAÇÃO DA LIDE.
DESCABIMENTO. SÚMULAS N. 7 E 83 DO STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a denunciação da lide não é
cabível quando o réu pretende excluir a própria responsabilidade,
transferindo-a integralmente ao denunciado.
2. Inadmissível o recurso especial quando o entendimento adotado pelo Tribunal
de origem coincide com a jurisprudência do STJ (Súmula n. 83/STJ).
(...)
4. Agravo interno a que se nega provimento." (AgInt no AREsp 1.154.988/SP, Rel.
Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em
12/12/2017, DJe 19/12/2017 - grifou-se).
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÃO
CONTRATUAL CUMULADA COM PEDIDO DE REPARAÇÃO POR PERDAS E
DANOS. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL. COMPRADOR QUE SE VÊ
IMPOSSIBILITADO DE REGISTRAR O BEM JUNTO AO CARTÓRIO DE
REGISTRO DE IMÓVEIS COMPETENTE. DENUNCIAÇÃO DA LIDE AO
MUNICÍPIO E À OFICIALA DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS.
IMPOSSIBILIDADE.
(...)
2. Cinge-se a controvérsia em determinar se, na presente ação de rescisão de
contrato de compra e venda de imóvel cumulada com pedido de reparação por
perdas e danos, decorrente da impossibilidade de transferência da propriedade
do bem junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, é possível a
denunciação da lide à Municipalidade de Serra/ES e à Oficiala do Cartório do 1º
Ofício 2ª Zona de Serra/ES.
3. A denunciação da lide, baseada no art. 70, III, do CPC/73, restringe-se às
ações de garantia, isto é, àquelas em que se discute a obrigação legal ou
contratual do denunciado em garantir o resultado da demanda, indenizando
o garantido em caso de derrota.
4. Não cabe a denunciação da lide quando se pretende, pura e simplesmente,
transferir responsabilidades pelo evento danoso, não sendo a denunciação
obrigatória na hipótese do inciso III do art. 70 do CPC/73. Precedentes.
5. Consoante jurisprudência consolidada nesta Corte Superior, não é
admissível a denunciação da lide embasada no art. 70, III, do CPC quando
introduzir fundamento novo à causa, estranho ao processo principal, apto a
provocar uma lide paralela, a exigir ampla dilação probatória, o que
tumultuaria a lide originária, indo de encontro aos princípios da celeridade e
economia processuais, os quais esta modalidade de intervenção de terceiros
busca atender. Ademais, eventual direito de regresso não estará comprometido,
pois poderá ser exercido em ação autônoma. Precedentes.
6. Na hipótese dos autos, não se justifica o acolhimento do pedido de
denunciação da lide porque i) não está configurada qualquer obrigação legal ou
contratual dos denunciados em indenizar regressivamente o recorrente; ii)
perquirir acerca da responsabilidade dos denunciados implicaria na incontestável
necessidade de dilação probatória, o que atentaria contra os princípios
norteadores do instituto da denunciação da lide, quais sejam, princípios da
celeridade, da economia e da presteza na entrega da prestação jurisdicional; e iii)
o indeferimento do pedido de denunciação da lide não compromete eventual direito de regresso que possua o denunciante, ou seja, não impede a propositura
de ação autônoma contra os denunciados.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido." (REsp
1.635.636/ES, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
21/3/2017, DJe 24/3/2017 - grifou-se).
9) Dispositivo
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É o voto.