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10 de agosto de 2021

A equiparação de carreira de nível médio a outra de nível superior constitui ascensão funcional, vedada pelo art. 37, II, da Constituição Federal

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/08/info-1019-stf.pdf


SERVIDORES PÚBLICOS (ASCENSÃO E TRANSPOSIÇÃO) - A equiparação de carreira de nível médio a outra de nível superior constitui ascensão funcional, vedada pelo art. 37, II, da Constituição Federal 

É inconstitucional a interpretação de disposições legais que viabilizem a promoção a cargo de nível superior a servidores que ingressaram por concurso público para cargo de nível médio. STF. Plenário. ADI 6355/PE, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 28/5/2021 (Info 1019). 

O caso concreto foi o seguinte: 

No Estado de Pernambuco existe o cargo de Auditor Fiscal do Tesouro Estadual. Os cargos de AFTE foram estruturados em duas classes: AFTTE I e AFTTE II. Ocorre que esses cargos desempenham funções com graus de complexidade diferentes e requisitos de ingresso distintos. Para a investidura na classe AFTTE I, a Lei estadual nº 11.562/98 exigiu o nível médio de escolaridade. Para a classe AFTTE II, a Lei estadual nº 11.562/98 já exigiu o nível superior. Alguns anos mais tarde, a Lei estadual nº 12.569/2004 passou a exigir o diploma de nível superior para ambas as classes do cargo de AFTE. Ocorre que diversos servidores ingressaram como AFTTE I na época em que se exigia apenas o nível médio. Posteriormente, em 2008, foi editada a Lei Complementar estadual nº 107/2008, que permitiu que servidores admitidos como AFTTE I (que antes era nível médio) fossem promovidos a AFTTE II, cargo que sempre foi de nível superior. O PGR ajuizou ADI contra esses dispositivos da LC estadual nº 107/2008 afirmando que eles violariam as regras de concurso público. 

O STF concordou com o pedido formulado? A Lei Complementar de Pernambuco é inconstitucional? Em parte, sim. 

O Plenário, por maioria, julgou procedente, em parte, o pedido para: 

• conferir interpretação conforme à Constituição ao caput e ao § 2º do art. 27, ao art. 30, ao inc. I do art. 32 e ao § 1º do art. 61, todos da Lei Complementar 107/2008 do Estado de Pernambuco; 

• para reconhecer a inconstitucionalidade de interpretação desses dispositivos legais que vise possibilitar a promoção, para o cargo de auditor fiscal do tesouro estadual, classe II, aos servidores públicos que ingressaram por concurso nos cargos de nível médio existentes antes da vigência da Lei nº 11.562/98; 

• modulou os efeitos dessa decisão para preservar as promoções concedidas e os atos administrativos praticados até a publicação do acórdão. 

Vejamos com calma cada um dos pontos decididos. 

Ascensão funcional 

Ascensão funcional (também conhecida como acesso ou transposição) é a progressão funcional do servidor público entre cargos de carreiras distintas. Ocorre quando o servidor é promovido para um cargo melhor, sendo este, no entanto, integrante de uma carreira diferente. A ascensão funcional era extremamente comum antes da CF/88. Quando o servidor chegava ao último nível de uma carreira, ele ascendia para o primeiro nível de carreira diversa (e superior), sem necessidade de concurso público. Ex.1: o indivíduo é servidor público e ocupa o cargo de técnico judiciário; a lei previa que, se ele chegasse à última classe de técnico judiciário, poderia ser promovido à analista judiciário. Ex.2: o agente de polícia de último nível tornava-se delegado de polícia de nível inicial. Antes da CF/88, somente se exigia o concurso público para o ato da primeira investidura. 

A ascensão funcional é compatível com a CF/88? NÃO. 

A promoção do servidor por ascensão funcional constitui uma forma de “provimento derivado vertical”, ou seja, a pessoa assume um outro cargo (provimento) em virtude de já ocupar um anterior (ou seja, derivado do primeiro), subindo no nível funcional para um cargo melhor (vertical). A ascensão funcional é inconstitucional porque a CF/88 afirma que a pessoa somente pode assumir um cargo público após aprovação em concurso público (art. 37, II), salvo as hipóteses excepcionais previstas no texto constitucional. Desse modo, a ascensão viola o princípio do concurso público. Veja esta ementa bem elucidativa: 

(...) O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de banir o acesso ou ascensão, que constitui forma de provimento de cargo em carreira diversa daquela para a qual o servidor ingressou no serviço público. (...) STF. 2ª Turma. RE 602795 AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 16/03/2010. 

A fim de deixar muito explícito seu entendimento sobre o tema, o STF editou o seguinte enunciado: 

Súmula vinculante 43: É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investirse, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido. 

Equiparação de carreira 

A equiparação de carreira de nível médio a outra de nível superior constitui ascensão funcional, vedada pelo art. 37, II, da Constituição Federal: 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; 

A busca constante pela modernização e pelo aperfeiçoamento da administração pública é imprescindível para a consecução do princípio constitucional da eficiência. No entanto, isso não permite a inobservância da exigência constitucional da aprovação em concurso público para a investidura nos cargos públicos. Não se pode permitir a investidura de servidores públicos em cargos diversos daqueles para os quais prestaram concurso. Nas palavras da Relator, desde a edição da Lei estadual nº 11.562/98, houve ascensão dissimulada, a cargo de nível superior, de servidores que ingressaram em cargos de nível médio. Essa possibilidade inconstitucional de ascensão foi mantida pela Lei Complementar estadual nº 107/2008. Além desses argumentos, a Ministra Relatora apontou a existência de inúmeras diferenças entre os cargos. 

Promoção 

Por outro lado, o STF não constatou inconstitucionalidade na promoção dos servidores públicos que prestaram concurso público sob a égide da Lei estadual nº 11.562/98 para o cargo de auditor fiscal do tesouro estadual (AFTTE), classe I. A Lei estadual nº 11.562/98 previa o ingresso na carreira apenas no cargo de auditor fiscal do tesouro estadual, classe I, de nível médio, com possibilidade de promoção posterior à classe II àqueles que apresentassem certificado de conclusão de curso superior e preenchessem os demais requisitos. Assim, a promoção dos servidores públicos que prestaram concurso público a partir da vigência da Lei nº estadual nº 11.562/98 não ofende o inciso II do art. 37 da Constituição, pois, nesse caso, não há investidura em cargo diverso. 

Interpretação conforme à Constituição 

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente, em parte, o pedido para conferir interpretação conforme à Constituição ao caput e ao § 2º do art. 27, ao art. 30, ao inc. I do art. 32 e ao § 1º do art. 61, todos da Lei Complementar 107/2008, do Estado de Pernambuco, para reconhecer a inconstitucionalidade de interpretação desses dispositivos legais que vise possibilitar a promoção, para o cargo de auditor fiscal do tesouro estadual, classe II, aos servidores públicos que ingressaram por concurso nos cargos de nível médio existentes antes da vigência da Lei estadual nº 11.562/98, modulando os efeitos dessa decisão para preservar as promoções concedidas e os atos administrativos praticados até a publicação do presente acórdão. 

Em suma: 

É inconstitucional a interpretação de disposições legais que viabilizem a promoção a cargo de nível superior a servidores que ingressaram por concurso público para cargo de nível médio. STF. Plenário. ADI 6355/PE, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 28/5/2021 (Info 1019) 

Vale ressaltar que, no caso concreto, como a lei vigorou por mais de 20 anos, o STF decidiu modular os efeitos da decisão de modo a preservar, em respeito ao princípio da segurança jurídica e da confiança legítima, as promoções concedidas e, por consequência, os atos administrativos praticados por esses servidores públicos, até a publicação do acórdão.