Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2019/11/info-656-stj.pdf
AGRAVO DE INSTRUMENTO - A parte pede que o juiz suspenda o processo alegando prejudicialidade externa (art. 313, V, “a”,
CPC/2015); magistrado indefere; esse pronunciamento não pode ser equiparado a uma decisão
sobre tutela provisória; logo, não cabe agravo de instrumento contra ele com base no inciso I do
art. 1.015 do CPC/2015
A decisão interlocutória que indefere o pedido de suspensão do processo em razão de questão
prejudicial externa não equivale à tutela provisória de urgência de natureza cautelar e, assim,
não é recorrível por agravo de instrumento.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.759.015-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 17/09/2019 (Info 656).
Imagine a seguinte situação hipotética:
A empresa “A1” ingressou com execução de título extrajudicial contra a empresa “B2”. O título executado foi um contrato celebrado entre “A1” e “B2”.
Foi, então, que a empresa “B2” ajuizou ação de rescisão do contrato.
Além disso, a empresa “B2” formulou pedido ao juiz para suspender o processo de execução enquanto se
discute, na outra ação, a rescisão do negócio jurídico.
O pedido foi baseado no art. 313, V, “a”, do CPC/2015:
Art. 313. Suspende-se o processo:
(...)
V - quando a sentença de mérito:
a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de
relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente;
A empresa “B2” argumentou que está configurada a chamada “prejudicialidade externa” entre as ações.
Isso porque a existência da ação de rescisão é uma questão prejudicial (externa), cuja solução irá interferir
no resultado da execução.
Magistrado indefere o pedido e a parte interpõe agravo de instrumento
O juiz indeferiu o pedido de suspensão do processo de execução.
A empresa “B2” interpôs, então, agravo de instrumento contra esta decisão interlocutória afirmando que
a hipótese se amolda ao art. 1.015, I, do CPC/2015:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I - tutelas provisórias;
A tutela provisória é o gênero do qual decorrem duas espécies:
1) Tutela provisória de urgência;
2) Tutela provisória de evidência.
Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.
A tutela provisória de urgência divide-se em:
1.1) Tutela cautelar
1.2) tutela antecipada (satisfativa)
Art. 294 (...)
Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em
caráter antecedente ou incidental.
O pedido do recorrente foi aceito pelo STJ? Cabe agravo de instrumento neste caso? Pode-se dizer que
decisão que indefere o pedido de suspensão do processo é uma decisão que versa sobre tutela provisória
de urgência de natureza cautelar?
NÃO.
A decisão interlocutória que indefere o pedido de suspensão do processo em razão de questão prejudicial
externa não equivale à tutela provisória de urgência de natureza cautelar e, assim, não é imediatamente
recorrível por agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, I, do CPC/2015.
Conceito de decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória é amplo, mas não abrange pedidos
de suspensão do processo por prejudicialidade externa
Embora o conceito de “decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória” (art. 1.015, I) seja bastante
amplo e abrangente, ele não inclui a decisão que resolve se suspende ou não o processo por conta de uma
questão prejudicial externa. Isso não é tutela provisória. São institutos jurídicos ontologicamente distintos.
Suspensão de processo por prejudicialidade externa não envolve urgência
No caso concreto, estava sendo debatida a possibilidade de ser suspensa a execução de título extrajudicial
em virtude de alegada prejudicialidade externa gerada por ação de rescisão contratual.
A executada (autora da ação de rescisão) afirma que se a rescisão for julgada procedente, o título
executivo pode deixar de existir, razão pela qual a execução depende do resultado da ação de
conhecimento.
Embora exista, evidentemente, uma natural relação de prejudicialidade entre a ação de conhecimento em
que se impugna a existência do título e a ação executiva fundada nesse mesmo título, é preciso esclarecer
que a suspensão do processo executivo em virtude dessa prejudicialidade externa não está fundada em
urgência, nem tampouco a decisão que versa sobre a suspensão do processo versa sobre tutela de
urgência.
Com efeito, o valor que se pretende tutelar quando se admite suspender um processo ao aguardo de
resolução de mérito a ser examinada em outro processo é a segurança jurídica.
No ponto, ensinam Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque e Zulmar
Duarte de Oliveira Jr.:
9.6. O grande objetivo da suspensão pela prejudicialidade externa, como se pode vislumbrar, é
evitar que haja a prolação de decisões confliantes, especialmente porque, para decidir a questão
principal, o juiz terá de enfrentar a questão prejudicial – que é objeto de discussão em outro
processo, por outro juiz. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André
Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015. São
Paulo: Forense, 2015. p. 937).
Suspensão por prejudicialidade envolve segurança jurídica e não é obrigatória
Como vimos acima, a suspensão do processo pode ser decretada em nome da segurança jurídica (para
evitar a prolação de decisões conflitantes). Ocorre que não é uma medida obrigatória, até porque ela
subverte a lógica do sistema e mitiga a incidência dos princípios constitucionais da celeridade e da razoável
duração do processo.
Desse modo, a suspensão processual por prejudicialidade externa, além de excepcional, é regra não
cogente. A esse respeito, ensina José Roberto dos Santos Bedaque:
“Não se trata de regra cogente, pois, ainda que admissível, pode não ser conveniente a suspensão,
especialmente se o processo em que se discute a questão prejudicial esteja ainda em fase inicial
e o outro pronto para julgamento. Cabe ao juiz avaliar as circunstâncias e escolher pela solução
mais adequada ao caso concreto, fundamentando-a. Às vezes é preferível optar pela celeridade,
mesmo havendo risco de contradição entre julgados.” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos.
Comentários ao Novo Código de Processo Civil (Coords: Antonio do Passo Cabral e Ronaldo
Cramer). Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 496).
Desse modo, a decisão interlocutória que versa sobre suspensão do processo por prejudicialidade externa,
fundada em segurança jurídica, em nada se relaciona com a decisão interlocutória que versa sobre tutela
provisória, fundada em urgência ou evidência, não sendo o mero risco de prolação de decisões conflitantes
ou a hipotética e superveniente perda de objeto elementos hábeis a comprometer o resultado útil do
processo.
Executado poderá demonstrar a presença dos requisitos processuais para a suspensão dos efeitos do
título
Vimos acima que o executado não tem o direito subjetivo de conseguir a suspensão por prejudicialidade.
No entanto, o executado tem uma outra providência processual que pode ser manejada. Ele poderá, na
ação de conhecimento por ele ajuizada, demonstrar a presença dos requisitos processuais para a
concessão de tutela provisória que suste a produção de efeitos do título em que se funda a execução.
Veja bem. Nesta segunda hipótese, não se está buscando suspender a execução por prejudicialidade
externa. O que se está pedindo é a suspensão da exigibilidade do título. O autor da ação de rescisão
demonstra que seus argumentos são muito fortes e o juiz decide suspender a exigibilidade do título (não
por prejudicialidade externa), mas sim porque foi demonstrada a probabilidade do direito.
Neste segundo caso (pedido para suspender a exigibilidade do título), caso o juiz negue ou defira o pleito,
caberia agravo de instrumento com base no art. 1.015, I, do CPC/2015.
Esclarecimento adicional
O acórdão do STJ não menciona isso. No entanto, particularmente, penso que caberia agravo de
instrumento no caso concreto, com base no parágrafo único do art. 1.015 do CPC/2015:
Art. 1.015 (...)
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias
proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de
execução e no processo de inventário.
Isso porque o executado pediu ao juiz da execução a suspensão do processo e o magistrado indeferiu o
pleito. Logo, houve a prolação de uma decisão interlocutória no processo de execução, atraindo o
cabimento de agravo de instrumento, não com base no inciso I do art. 1.015, mas sim com fundamento
no parágrafo único.
O STJ não tratou sobre o tema porque o recorrente alegava violação do inciso I do art. 1.015, de forma
que não poderia o Tribunal “salvar” o cabimento do recurso, enquadrando-o em outro dispositivo legal.
Este último ponto, contudo, é apenas uma observação pessoal e que não constou no voto.