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11 de agosto de 2021

Propriedade industrial. Patente de fármacos. Art. 229-C da Lei n. 9.279/1996. Anuência prévia da ANVISA. Manifestação quanto ao eventual risco à saúde pública e aos requisitos de patenteabilidade. Necessidade.

 

Processo

REsp 1.543.826-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por maioria, julgado em 05/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO REGISTRAL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO MARCÁRIO

  • Saúde e Bem-Estar
  •  
  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Propriedade industrial. Patente de fármacos. Art. 229-C da Lei n. 9.279/1996. Anuência prévia da ANVISA. Manifestação quanto ao eventual risco à saúde pública e aos requisitos de patenteabilidade. Necessidade.

Destaque

Em se tratando de pedido de patente de fármacos, compete à Anvisa analisar - previamente à análise do INPI - quaisquer aspectos dos produtos ou processos farmacêuticos - ainda que extraídos dos requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) - que lhe permitam inferir se a outorga de direito de exclusividade (de produção, uso, comercialização, importação ou licenciamento) poderá ensejar situação atentatória à saúde pública.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia diz respeito aos "limites da análise" a ser efetuada pela agência reguladora para fins da anuência prévia imposta pelo artigo 229-C da Lei de Propriedade Industrial, ou seja: deve ficar adstrita a certificar se os produtos ou os processos farmacêuticos - objetos do pedido de patente - apresentam ou não potencial risco à saúde ou lhe é permitido adentrar os requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial -, cuja análise técnica, em linha de princípio, compete ao INPI.

Nos termos do artigo 6º da Lei da Anvisa, sua finalidade institucional consiste em promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.

Entre outras competências previstas no artigo 7º da lei, destaca-se a voltada à correção de falhas de mercado do setor de fármacos, mediante o monitoramento da evolução dos preços de medicamentos, podendo a agência reguladora, para tanto, requisitar informações, proceder ao exame de estoques ou convocar os responsáveis para explicarem conduta indicativa de infração à ordem econômica, tais como a imposição de preços excessivos ou aumentos injustificados (inciso XXV).

O relevante papel desempenhado pela Anvisa na esfera da regulação econômico-social do setor extrai-se, ainda, do fato de exercer a Secretaria-Executiva da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão interministerial criado pela Lei n. 10.742/2003 - integrado pelos Ministros da Saúde, da Casa Civil, da Fazenda, da Justiça e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - e que tem por objetivos a adoção, a implementação e a coordenação de atividades destinadas a promover a assistência farmacêutica à população, por meio de mecanismos que estimulem a oferta dos produtos e a competitividade entre os fornecedores.

Assim, conquanto não se possa descurar das atribuições legais do INPI - principalmente a execução, no âmbito nacional, de normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica -, em relação às patentes de fármacos, não há falar em invasão institucional por parte da Anvisa, quando a recusa da anuência prévia estiver fundamentada em qualquer critério demonstrativo do impacto prejudicial da concessão do privilégio às políticas de saúde pública, que abrangem a garantia de acesso universal à assistência farmacêutica integral.

Isso porque a diferença das perspectivas de análise das referidas autarquias federais sobre o pedido de outorga de patente farmacêutica afasta qualquer conflito de atribuições.

Com efeito, é certo que o INPI, vinculado atualmente ao Ministério da Economia, tem por objetivo garantir a proteção eficiente da propriedade industrial e, nesse mister, parte de critérios fundamentalmente técnicos, amparados em toda a sua expertise na área, para avaliar os pedidos de patente, cujo ato de concessão consubstancia ato administrativo de discricionariedade vinculada aos parâmetros abstratos e tecnológicos constantes da lei de regência e de seus normativos internos.

Por outro lado, a Anvisa, detentora de conhecimento especializado no setor de saúde, no exercício do "ato de anuência prévia", deve adentrar quaisquer aspectos dos produtos ou processos farmacêuticos - ainda que extraídos dos requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) - que lhe permitam inferir se a outorga do direito de exclusividade representará potencial prejuízo às políticas públicas do SUS voltadas a garantir a assistência farmacêutica à população.

A atuação da agência reguladora, no caso, traduz, marcadamente, uma função redistributiva, na qual se procura conciliar o interesse privado - direito de exclusividade da exploração lucrativa da invenção - com as metas e os objetivos de interesses públicos encartados nas políticas de saúde.

A tese ora proposta, portanto, decorre da interpretação sistemática das normas contidas no inciso I do artigo 18 da Lei de Propriedade industrial - proibição de outorga de patentes a invenções contrárias à saúde pública - e nas Leis n. 9.782/1999 e 10.742/2003, que delineiam as funções institucionais e as competências expressamente atribuídas à Anvisa no sentido de resguardar a viabilidade das políticas de saúde consideradas "de relevância pública" pela Constituição de 1988.

Nessa perspectiva, a estipulação da "anuência prévia" da autarquia especial, como condição para a concessão da patente farmacêutica, tem por base o seu papel de regulação econômico-social - ou socioeconômica - do setor de medicamentos, que se justifica pelos mandamentos extraídos da Carta Magna, no sentido da necessária harmonização do direito à propriedade industrial com os princípios da função social, da livre concorrência e da defesa do consumidor, assim como o interesse social encartado no dever do Estado de, observada a cláusula de reserva do possível, conferir concretude ao direito social fundamental à saúde (artigos 5º, incisos XXIII, XXIX, 6º, 170, incisos III, IV e V, e 196).

Em acréscimo, ressalta-se que, à luz da norma legal analisada (artigo 229-C da Lei n. 9.279/1996), a exigência de anuência prévia da Anvisa constitui pressuposto de validade da concessão de patente de produto ou processo farmacêutico - o que, por óbvio, decorre da extrema relevância dos medicamentos para a garantia do acesso universal à assistência integral à saúde -, não podendo, assim, o parecer negativo, em casos nos quais demonstrada a contrariedade às políticas de saúde pública, ser adotado apenas como subsídio à tomada de decisão do INPI. O caráter vinculativo da recusa de anuência é, portanto, indubitável.

Nada obstante, eventual divergência entre as autarquias sobre os fundamentos exarados no parecer desfavorável à pretensão patentária, deve ser dirimida sob uma ótica dialética e cooperativa - recomendável no âmbito da Administração Pública -, em que busquem equacionar "o propósito de estímulo da atividade inventiva conducente ao desenvolvimento tecnológico e econômico do País" e "o interesse social de concretização do direito fundamental à saúde objeto das políticas públicas do SUS".

28 de junho de 2021

É inconstitucional o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-1017-stf.pdf


DIREITO EMPRESARIAL - PATENTE 

É inconstitucional o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96 


É inconstitucional o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96: Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior. Essa norma contraria a segurança jurídica, a temporalidade da patente, a função social da propriedade intelectual, a duração razoável do processo, a eficiência da administração pública, a livre concorrência e a defesa do consumidor e o direito à saúde. STF. Plenário. ADI 5529/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 12/5/2021 (Info 1017). 

INPI 

O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Economia, sendo responsável, no Brasil, pela concessão e garantia dos direitos de propriedade intelectual para a indústria. 

Patente 

Patente é um título de propriedade temporária concedido pelo INPI para a pessoa que inventou um novo produto, um novo processo ou para quem fez aperfeiçoamentos destinados à aplicação industrial. A patente, concedida ao autor de uma invenção ou de um modelo de utilidade, é o direito de, durante determinado tempo, só ele explorar economicamente essa invenção ou modelo de utilidade. Veja o que diz o art. 6º Lei nº 9.279/96: 

Art. 6º Ao autor de invenção ou modelo de utilidade será assegurado o direito de obter a patente que lhe garanta a propriedade, nas condições estabelecidas nesta Lei. 

Direitos 

A patente confere os seguintes direitos ao seu titular: 

Art. 42. A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos: I - produto objeto de patente; II - processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado. § 1º Ao titular da patente é assegurado ainda o direito de impedir que terceiros contribuam para que outros pratiquem os atos referidos neste artigo. § 2º Ocorrerá violação de direito da patente de processo, a que se refere o inciso II, quando o possuidor ou proprietário não comprovar, mediante determinação judicial específica, que o seu produto foi obtido por processo de fabricação diverso daquele protegido pela patente. 

Depósito do pedido junto ao INPI 

O procedimento para obtenção da patente tem início com o depósito do pedido no INPI, que deverá ser instruído com uma série de documentos e informações. Em regra, a patente deverá ser requerida junto ao INPI pelo próprio autor, em nome próprio. Poderá também ser requerida pelos herdeiros ou sucessores do autor, pelo cessionário ou por aquele a quem a lei ou o contrato de trabalho ou de prestação de serviços determinar que pertença a titularidade (art. 6º, § 2º, da Lei nº 9.279/96). 

Proteção conferida pela patente retroage 

É importante destacar que, expedida a carta-patente, surge para o titular o direito de obter indenização pela exploração indevida do objeto patenteado, inclusive em relação ao período entre a publicação do pedido e a concessão da patente, como preceitua o art. 44 da Lei: 

Art. 44. Ao titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente. 

Assim sendo, uma vez concedida a patente, a proteção por ela conferida retroage a momento inicial do processo, o que funciona como uma contenção (um desestímulo) aos concorrentes que cogitem explorar indevidamente o objeto protegido durante a tramitação do pedido. A proteção patentária, portanto, não se inicia apenas com a decisão final de deferimento do pedido, sendo interessante notar que a lei considera o requerente como presumivelmente legitimado a obter a patente, salvo prova em contrário, conforme o art. 6º, § 1º, da LPI. 

Prazo de vigência das patentes 

Em regra, a vigência da patente observará os prazos fixos de 20 anos para invenções e de 15 anos para modelos de utilidade, contados da data de depósito, conforme o caput do art. 40 da Lei: 

Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito. 

A Lei de Propriedade Intelectual prevê, contudo, uma regra adicional no parágrafo único do mesmo dispositivo: a contar da data de concessão da patente, o prazo de vigência não será inferior a 10 anos para a patente de invenção e a 7 anos para a patente de modelo de utilidade: 

Art. 40 (...) Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior. 

Assim, por exemplo, se o INPI demorar 10 anos para deferir um requerimento de patente de invenção, essa patente vigerá por mais 10 anos, de modo que, ao final do período de vigência, terão transcorrido 20 anos desde o depósito. Repare que, neste caso, o prazo do caput foi respeitado. Por outro lado, se a autarquia demorar 15 anos para deferir o pedido, estando garantido que a patente vigerá por mais 10 anos desde a concessão (regra do parágrafo único), ao final do período de vigência terão transcorrido 25 anos desde a data do depósito. Repare que, neste segundo caso, o titular terá gozado dos privilégios da patente por mais tempo do que o previsto no caput do art. 40. 

Problema do parágrafo único: gera um prazo variável de proteção 

Vê-se, portanto, que o parágrafo único do art. 40 estabelece um prazo variável de proteção, pois esse depende do tempo de tramitação de cada processo administrativo. Ademais, caso o INPI demore mais de 10 anos, no caso da invenção, ou mais de 8 anos, no caso do modelo de utilidade, para proferir uma decisão final, o período total do privilégio ultrapassará o tempo de vigência previsto no caput do art. 40. 

E depois que terminar o prazo da patente? 

Findo o prazo de vigência da patente, a proteção extingue-se e seu objeto passa a ser considerado de domínio público, conforme o art. 78, I e parágrafo único, da Lei: 

Art. 78. A patente extingue-se: I - pela expiração do prazo de vigência; (...) Parágrafo único. Extinta a patente, o seu objeto cai em domínio público. 

ADI 

O Procurador-Geral da República ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial). O PGR alegou que o parágrafo único, ao impor esse prazo mínimo de vigência contado depois da concessão, acaba por tornar o prazo de proteção indeterminado, já que não se sabe quanto tempo demorará para o INPI conceder. Em caso de atraso na análise dos pedidos por muitos anos (o que acontece em alguns casos), a patente ultrapassaria os prazos máximos previstos no caput do art. 40. Para o autor, essa indeterminação do prazo viola o art. 5º, XXIX, da CF/88, que afirma que o privilégio de utilização dos inventos deve ser temporário: 

Art. 5º (...) XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; 

O STF concordou com os argumentos do PGR? 

SIM. O STF, por maioria, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96. Vencidos os ministros Roberto Barroso e Luiz Fux. A norma impugnada contraria a segurança jurídica, a temporalidade da patente, a função social da propriedade intelectual, a duração razoável do processo, a eficiência da administração pública, a livre concorrência e a defesa do consumidor e o direito à saúde. 

Segurança jurídica 

Como o prazo do parágrafo único só começa a ser contado a partir da data de concessão da patente e como não se sabe quando o INPI terminará a análise do pedido, a conclusão que se chega é a de que o parágrafo único do art. 40 traz a previsão de um prazo indeterminado. Ocorre que isso gera insegurança jurídica e ofende o próprio Estado Democrático de Direito. A previsibilidade quanto ao prazo de vigência das patentes é essencial para que os agentes de mercado (depositantes, potenciais concorrentes e investidores) possam fazer escolhas racionais. A ausência de regras claras dá margem ao arbítrio e à utilização oportunista e anti-isonômica das regras do jogo, tais como as estratégias utilizadas pelos depositantes para prolongar o período de exploração exclusiva dos produtos. 

Temporalidade da patente 

Para além de representar ofensa à segurança jurídica, a norma questionada subverte a própria essência do art. 5º, XXIX, da Constituição Federal, que determina que seja assegurada por lei a proteção à propriedade industrial mediante um privilégio temporário, com observância do interesse social e do desenvolvimento tecnológico e econômico do País. Conforme já demonstrado, o parágrafo único do art. 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI) não observa o quesito da temporariedade, pois, ao se vincular a vigência da patente à data de sua concessão, ou seja, indiretamente, ao tempo de tramitação do respectivo processo no INPI, se indetermina o prazo de vigência do benefício, o que concorre para a extrapolação dos prazos previstos no caput do art. 40 e para a falta de objetividade e previsibilidade de todo o processo. 

Função social da propriedade 

A norma questionada também enseja violação da função social da propriedade intelectual: 

Art. 5º (...) XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) III - função social da propriedade; 

Bens incorpóreos não são exceção à imposição constitucional de observância à função social da propriedade e, como tais, demandam a harmonização de interesses individuais e coletivos. A temporariedade da patente permite a harmonização da proteção à inventividade com o cumprimento da função social da propriedade, pois, apesar de resguardar os direitos dos autores de inventos ou modelos de utilidade por um período determinado, incentivando e remunerando os investimentos em inovação, garante ao restante da indústria e à sociedade a possibilidade de se apropriar dos benefícios proporcionados pelos produtos da criatividade, a partir da extinção dos privilégios de sua exploração. Se por um lado a CF/88 concede o privilégio da proteção à propriedade industrial, por outro, garante que, a partir de determinado prazo, os demais agentes da indústria venham a se igualar ao titular da patente na possibilidade de exploração do objeto protegido, liberando-o à lógica concorrencial do mercado. O prolongamento arbitrário do privilégio vem em prejuízo do mercado como um todo, pois proporciona justamente o que a Constituição buscou reprimir, ou seja, a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros, aprofundando a desigualdade entre os agentes econômicos e transformando o que era justificável e razoável em inconstitucional. 

Livre concorrência e a defesa do consumidor 

A falta de justa limitação temporal das patentes evidencia contrariedade à livre concorrência e à defesa do consumidor, pois o adiamento da entrada da concorrência no mercado possui sérios impactos sobre os preços dos produtos e, consequentemente, sobre o acesso dos consumidores a tais produtos. A CF/88, ao promover uma ordem econômica em que haja competição entre os agentes do mercado de forma igualitária, busca garantir, também, a liberdade de escolha dos consumidores, cujo exercício depende da multiplicidade de opções. 

Duração razoável do processo e eficiência da administração pública 

Observa-se, ademais, que a prorrogação do prazo de vigência da patente prevista no parágrafo único do art. 40 da LPI, ao tempo em que não contribui para a solução do atraso crônico dos processos submetidos ao INPI, acaba por induzir o descumprimento dos prazos previstos no caput do dispositivo. A norma ameniza as consequências da mora administrativa e prolonga o período de privilégio usufruído pelos depositantes, em prejuízo dos demais atores do mercado, além da Administração Pública, incorrendo, assim, em direta afronta aos princípios da razoável duração do processo e da eficiência administrativa. 

Direito à saúde 

Por fim, é necessário mencionar que o parágrafo único gera um prolongamento excessivo de patentes relacionadas com a indústria farmacêutica, o que faz com que haja uma violação ao direito à saúde. O domínio comercial proporcionado pela patente por períodos muito longos tem impacto no acesso da população a serviços públicos de saúde, uma vez que onera o sistema ao eliminar a concorrência e impor a aquisição de itens farmacêuticos por preço estipulado unilateralmente pelo titular do direito, acrescido do pagamento de royalties sobre os itens patenteados que o Poder Público adquire e distribui. Consequentemente, a extensão do prazo de vigência das patentes afeta diretamente as políticas públicas de saúde do País e obsta o acesso dos cidadãos a medicamentos, ações e serviços de saúde, dando concretude aos prejuízos causados não apenas a concorrentes e consumidores, mas principalmente àqueles que dependem do SUS para garantir sua integridade física e sua sobrevivência. Em suma: 

É inconstitucional o parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/96, segundo o qual os prazos de vigência de patentes e de modelos de utilidade podem ser prorrogados na hipótese de o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior. STF. Plenário. ADI 5529/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 12/5/2021 (Info 1017). 

Modulação dos efeitos 

O Plenário, por maioria, modulou os efeitos da decisão de declaração de inconstitucionalidade, nos seguintes termos: Em regra, a decisão proferida nesta ADI 5529 terá eficácia ex nunc. Assim, os efeitos da decisão de declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da LPI são ex nunc, contados a partir da publicação da ata de julgamento. Logo, ficam mantidas as extensões de prazo concedidas com base no art. 40, parágrafo único, mantendo, assim, a validade das patentes já concedidas e ainda vigentes em decorrência do aludido preceito. 

Exceções. Existem duas situações nas quais a decisão produzirá efeitos ex tunc: 

a) em relação às ações judiciais propostas até o dia 7 de abril de 2021, inclusive (data da concessão parcial da medida cautelar no presente processo); e 

b) as patentes que tenham sido concedidas com extensão de prazo relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde. 

Em ambas as situações, opera-se o efeito ex tunc, o que resultará na perda das extensões de prazo concedidas com base no parágrafo único do art. 40 da LPI, respeitado o prazo de vigência da patente estabelecido no caput do art. 40 da Lei nº 9.279/96 e resguardados eventuais efeitos concretos já produzidos em decorrência da extensão de prazo das referidas patentes. 

DOD PLUS – APROFUNDANDO 

Para quem se interessa pelo tema, recomendo ler o excelente voto proferido pelo Ministro Relator e também o parecer do Professor Eros Grau que consta no processo. O Professor Eros Grau sintetiza os desdobramentos do parágrafo único do art. 40: 

“(i) prolonga, injustificadamente, o privilégio de exploração exclusiva de produtos e processos industriais, em prejuízo de quantos possam concorrer como titulares da patente e, ainda, dos consumidores, beneficiários da livre concorrência nos mercados; 

(ii) impede que virtuais concorrentes do depositante do pedido de patente tenham conhecimento da data a partir da qual poderão explorar economicamente os produtos ou processos objeto da patente, o que compromete calculabilidade e previsibilidade indispensáveis à atuação dos agentes econômicos no mercado, vale dizer, certeza e segurança jurídica; e 

(iii) permite, viabiliza, incita comportamentos adversos à livre concorrência da parte de depositantes de pedidos de patente, comportamentos voltados, tanto quanto isso se torne possível, ao retardamento do processo de exame do pedido de patente conduzido pelo Poder Executivo; quanto mais lento for esse exame, mais extenso será o privilégio de utilização exclusiva dos produtos e processos patenteados”. 

 




9 de maio de 2021

AÇÃO DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. TRANSAÇÃO ENTRE AS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS LITIGANTES. DISCORDÂNCIA DO INPI, QUE INTEGRAVA O POLO PASSIVO DA LIDE. EXTINÇÃO DO FEITO. IMPOSSIBILIDADE

RECURSO ESPECIAL Nº 1.817.109 - RJ (2015/0268235-9) 

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. TRANSAÇÃO ENTRE AS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS LITIGANTES. DISCORDÂNCIA DO INPI, QUE INTEGRAVA O POLO PASSIVO DA LIDE. EXTINÇÃO DO FEITO. IMPOSSIBILIDADE. 

1. Consoante cediço nesta Corte, a atuação processual do INPI, na ação de nulidade de registro de marca, quando não figurar como autor ou corréu, terá a natureza de intervenção sui generis (ou atípica), por se dar de forma obrigatória, tendo em vista o interesse público preponderante de defesa da livre iniciativa, da livre concorrência e do consumidor, direitos constitucionais, essencialmente transindividuais, o que não apenas reclama o temperamento das regras processuais próprias das demandas individuais, como também autoriza a utilização de soluções profícuas previstas no microssistema de tutela coletiva. Precedentes. 

2. Nessa perspectiva, admite-se a chamada "migração interpolar" do INPI (litisconsórcio dinâmico), a exemplo do que ocorre na ação popular e na ação de improbidade, nas quais a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, pode abster-se de contestar o pedido ou atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, nos termos dos artigos 6º, § 3º, da Lei 4.717/65 e 17, § 3º, da Lei 8.429/92. 

3. Na espécie, a autarquia, após citada para integrar a relação processual, apresentou contestação, suscitando a sua ilegitimidade passiva ad causam, requerendo intervenção no feito na qualidade de assistente especial e aderindo à tese defendida pela autora. Posteriormente, insurgiu-se contra a transação extrajudicial celebrada entre as sociedades empresárias (autora e segunda ré), opondo-se à extinção da ação de nulidade de registro, ao argumento da existência de dano ao interesse público. 

4. Nesse quadro, configurou-se o deslocamento do INPI da posição inicial de corréu para o polo ativo da demanda — o que pode ser traduzido como um litisconsórcio ativo ulterior —, ressoando inequívoco que a transação extrajudicial, celebrada entre a autora originária e a segunda ré, não tem o condão de ensejar a extinção do processo em que remanesce parte legitimamente interessada no reconhecimento da nulidade do registro da marca. 

5. Nada obstante, cumpre ressalvar o direito da autora originária — que, por óbvio, não pode ser obrigada a permanecer em juízo — de pleitear desistência na instância de primeiro grau, em consonância com o acordo que não produz efeitos em relação ao INPI. 

6. Recurso especial não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi. Sustentaram oralmente a Dra. ROBERTA MOREIRA DE MAGALHÃES, pela parte REPR. POR DANNEMANN, SIEMSEN, BIGLER E IPANEMA MOREIRA, PROPRIEDADE INDUSTRIAL LTDA, e o Dr. GUSTAVO LEONARDO MAIA PEREIRA (ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO), pela parte RECORRIDA: INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. 

Brasília (DF), 23 de fevereiro de 2021(Data do Julgamento)