RECURSO ESPECIAL Nº 1.680.168 - SP (2017/0147426-8)
RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO RAUL ARAÚJO
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXIGIR
CONTAS (CPC/2015, ART. 550, § 5º). DECISÃO QUE, NA PRIMEIRA
FASE, JULGA PROCEDENTE A EXIGÊNCIA DE CONTAS.
RECURSO CABÍVEL. MANEJO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO
(CPC, ART. 1.015, II). DÚVIDA FUNDADA. FUNGIBILIDADE
RECURSAL. APLICAÇÃO. RECURSO PROVIDO.
1. Havendo dúvida fundada e objetiva acerca do recurso cabível e
inexistindo ainda pronunciamento judicial definitivo acerca do tema, deve
ser aplicado o princípio da fungibilidade recursal.
2. Na hipótese, a matéria é ainda bastante controvertida tanto na doutrina
como na jurisprudência, pois trata-se de definir, à luz do Código de
Processo Civil de 2015, qual o recurso cabível contra a decisão que julga
procedente, na primeira fase, a ação de exigir contas (arts. 550 e 551),
condenando o réu a prestar as contas exigidas.
3. Não acarretando a decisão o encerramento do processo, o recurso
cabível será o agravo de instrumento (CPC/2015, arts. 550, § 5º, e 1.015,
II). No caso contrário, ou seja, se a decisão produz a extinção do processo,
sem ou com resolução de mérito (arts. 485 e 487), aí sim haverá sentença e
o recurso cabível será a apelação.
4. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,
decide a Quarta Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos da
fundamentação do voto do Ministro Raul Araújo. Vencidos na fundamentação o relator e o Ministro
Luis Felipe Salomão. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e
Antonio Carlos Ferreira (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator, quanto ao mérito.
Votaram com o Sr. Ministro Raul Araújo, quanto à fundamentação, a Sra. Ministra Maria Isabel
Gallotti e o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Presidente). Sustentou oralmente o Dr. Matheus
Rezende Sampaio, pela parte recorrente.
Brasília, 09 de abril de 2019 (Data do Julgamento)
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):
Cuida-se de recurso especial interposto por ITAÚ UNIBANCO S/A em face
de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que em sede de
agravo regimental manteve a deliberação monocrática que não conheceu do agravo de
instrumento (art. 1.015 do NCPC) interposto contra o decisum que julgou procedente a
ação de prestação de contas (atual ação de exigir contas), em sua primeira fase.
Na origem, a autora REDENTOR - COMÉRCIO DE DERIVADOS DE
PETRÓLEO LTDA ajuizou ação (fls. 34-44) pretendendo compelir a casa bancária à
prestação de contas do cartão de crédito vinculado à sua conta corrente, em razão de
operações creditícias contraídas.
Em fevereiro de 2011, o magistrado a quo proferiu sentença indeferindo a
inicial com suporte no art. 284, parágrafo único, do CPC/73 e julgando extinto o
processo em razão da requerente não ter procedido à emenda da inicial determinada.
Contra referida deliberação, a autora interpôs apelação que foi provida pelo Tribunal
paulista (acórdão de fls. 47-49) para, anulando a sentença por entender inexistente a
alegada genericidade da peça e pedido, determinar o processamento da demanda.
Na data de 21 de março de 2016, portanto quando já em vigor o novo
diploma processual civil, o juízo de piso proferiu nova sentença (fls. 64-65), desta feita
julgando procedente a ação e condenando a financeira a prestar as contas pleiteadas
na inicial, no prazo de quinze dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que a
autora apresentar, de acordo com o artigo 550, parágrafo 5º, do Código de Processo
Civil. Referido decisum foi baixado ao cartório em 28 de março de 2016 conforme
certidão de fls. 67 com a classe ação de exigir contas, tendo sido publicado em
06/04/2016.
Opostos aclaratórios, foram rejeitados pela deliberação de fls. 66 proferida
em maio de 2016 e publicada em 01/06/2016, conforme certidão de fls. 70.
Irresignada, a financeira interpôs agravo de instrumento (fls. 1-15), com
amparo no art. 1.015 e seguintes do NCPC, aduzindo, além das questões meritórias, os
motivos pelos quais manejou o referido recurso:
Com a entrada em vigor do CPC/2015, o legislador não deixou clara a
natureza dessa decisão de primeira fase, que anteriormente era tida
como sentença, sendo impugnável por Apelação e dotada de duplo
efeito. No entanto, o CPC/2015 parece ter alterado esse entendimento, a
começar pelo aspecto formal, por ter prevalecido no § 5º do artigo 550 a
palavra “decisão” ao invés de “sentença”. (...)
Assim, temos que a decisão de primeira fase que encerra a cognição,
extinguindo o processo, tem natureza de sentença e deve ser atacada
através de recurso de Apelação, enquanto que a decisão que reconhece
o dever de o réu prestar contas, conduzindo o procedimento para fase
seguinte, possui natureza interlocutória de mérito, devendo ser
impugnada por meio de Agravo na modalidade de Instrumento. (...)
No caso da decisão de primeira fase da Ação de Exigir Contas, que
reconhece o dever de o Réu prestar contas, por ser uma decisão
interlocutória de mérito, conforme abordado acima, o Agravo de
Instrumento possui cabimento, com fundamento no artigo 1.015, II,
CPC/2015.
Inclusive, esse foi o entendimento explanado no Fórum Permanente de
Processualistas Civis, no Enunciado n. 177 – (arts. 550, § 5º e 1.015, inc.
II): “A decisão interlocutória que julga procedente o pedido para
condenar o réu a prestar contas, por ser de mérito, é recorrível por
Agravo de Instrumento”.
Asseverou, ainda, que caso não se entendesse cabível o agravo de
instrumento, que a Corte local recebesse o reclamo como apelação, em seu duplo
efeito, em homenagem ao princípio da fungibilidade recursal, nos termos do Enunciado
104 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: "O princípio da fungibilidade
recursal é compatível com o NCPC e alcança todos os recursos, sendo aplicável de
ofício".
O Desembargador relator do feito junto ao Tribunal paulista não conheceu do
recurso conforme deliberação de fls. 147-148, tendo na oportunidade afirmado:
A primeira fase da ação de prestação de contas (agora, conforme o Novo
Código de Processo Civil, ação de exigir contas) continua a ser decidida
por sentença; logo, impugnável por apelação.
Nada justifica atribuir-se ao ato judicial previsto no § 5º, do artigo 550, do
Novo Código de Processo Civil a natureza de decisão interlocutória de
mérito. Sempre fora e continua a ser sentença, já que, para dizer o
mínimo, esgota o exame da controvérsia (se há ou não o dever de
prestar contas, com ou sem o julgamento do mérito) até então
instaurada. A tão só designação do ato que julga procedente o pedido da ação de
exigir contas como decisão não a desnatura como sentença e não a
transforma em decisão interlocutória de mérito. Até porque, não se
subsumi (sic) a hipótese do artigo 356 do Novo Código de Processo Civil
a desafiar o agravo de instrumento (NCPC, art. 1015, II c.c. art. 356, §
5º). Até porque, criaria para a solução da primeira fase da ação de exigir
contas atos judiciais de naturezas distintas.
O Novo Código de Processo Civil não revolucionou o sistema processual
civil até então em vigor. Na medida do possível tentou aperfeiçoá-lo e
atualizá-lo, o que, na ação de exigir contas, não importou em modificação
da natureza da decisão que julga a primeira fase.
Acrescente-se, ainda, não ser o caso de aplicação do princípio da
fungibilidade recursal, até porque inexistente dúvida objetiva e escusável
a respeito da questão.
Em sede de agravo interno/regimental, a Corte a quo manteve a deliberação,
conforme revela a ementa do acórdão impugnado (fl. 179):
Agravo interno – Agravo de instrumento não conhecido por decisão
monocrática do Relator, pois interposto contra sentença que julgou
procedente a primeira fase da ação de prestação de contas – Sentença
que põe fim à primeira fase da ação – Recurso cabível é apelação – Ausência de justificativa a autorizar a aplicação do princípio da
fungibilidade recursal – Agravo interno desprovido.
A parte, então, interpôs recurso especial (fls. 184-191), apontando, além de
dissídio jurisprudencial, ofensa aos arts. 550, § 5º, 1.015, inciso II, e 277 do Novo Código
de Processo Civil - NCPC.
Sustenta, em síntese: a decisão que encerra a primeira fase da ação de
exigir contas é interlocutória de mérito, impugnável, portanto, por meio do agravo de
instrumento, e não por apelação, conforme concluído pelo Tribunal de origem.
Requer, de forma subsidiária, a aplicação do princípio da fungibilidade
recursal, pois a definição do recurso cabível, na hipótese, ainda estaria controversa, em
razão da vigência do NCPC.
Contrarrazões às fls. 225-236, pugnado pelo desprovimento do reclamo.
Admitido o recurso, os autos subiram ao exame do STJ.
É o relatório.
VOTO VENCIDO
O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):
O recurso especial merece acolhida.
1. Cinge-se a controvérsia em definir, à luz do NCPC, qual é o recurso
cabível em face da "decisão" - expressão empregada pelo art. 550, § 5º, do Código de 2015 - que encerra a primeira fase do procedimento da ação de exigir contas (antiga
ação de prestação de contas), e se é possível, na hipótese de interposição de um
recurso por outro, a aplicação, no caso, do princípio da fungibilidade.
Ressalta-se que, nessa etapa processual, a única questão submetida ao
crivo desta Corte Superior está limitada à averiguação do recurso apto à impugnação da
deliberação que condena o réu a prestar as contas, não estando em discussão a
matéria de fundo acerca do interesse de agir.
2. Pois bem, sob a égide do CPC/1973, não havia controvérsia quanto ao
cabimento do recurso de apelação, em face da "sentença" - termo utilizado no art. 915,
§ 2º, do Código revogado - que condenava o réu à obrigação de fazer, consistente no
esclarecimento de débitos, lançamentos ou operações de interesse do autor.
Confira-se a disposição do regramento anterior:
Art. 915. Aquele que pretender exigir a prestação de contas requererá a
citação do réu para, no prazo de 5 (cinco) dias, as apresentar ou
contestar a ação.
§ 1º Prestadas as contas, terá o autor 5 (cinco) dias para dizer sobre
elas; havendo necessidade de produzir provas, o juiz designará
audiência de instrução e julgamento; em caso contrário, proferirá desde
logo a sentença.
§ 2º Se o réu não contestar a ação ou não negar a obrigação de prestar
contas, observar-se-á o disposto no art. 330; a sentença, que julgar
procedente a ação, condenará o réu a prestar as contas no prazo
de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de não Ihe ser lícito
impugnar as que o autor apresentar.
O CPC/73 era expresso ao dispor, no art. 513, caber apelação em face de
sentença, motivo pelo qual eventual interposição de agravo de instrumento, era
considerado erro grosseiro, dada a disposição autoevidente empregada pela lei
processual.
Esse, inclusive é o entendimento desta Corte Superior:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO
(ART. 544, DO CPC/73) - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA
ORIGEM - EXTINÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO - FALÊNCIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO.
INSURGÊNCIA DA AGRAVANTE.
(...)
3.2. Havendo expressa disposição de lei, a interposição de
recurso diverso do estabelecido configura erro grosseiro,
insuscetível de se aplicar o princípio da fungibilidade
recursal.Precedentes.
4. Agravo interno desprovido.
(AgInt nos EDcl no AREsp 945.612/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI,
QUARTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 12/06/2018)
Na espécie, a "decisão" que encerrou a primeira fase do procedimento foi
publicada em 6 de abril de 2016 (fl. 68). Assim, como o NCPC entrou em vigência dia 18
de março de 2016, o recurso apresentado pela instituição financeira deve obedecer aos
requisitos de admissibilidade da lei nova, conforme inclusive precursiona o Enunciado
Administrativo n. 2/STJ ("Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 - relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016 - devem ser exigidos os
requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até
então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça."), razão por que necessário
perquirir, diante dos arts. 550, § 5º, 1.009 e 1.015 do NCPC, se o agravo de instrumento
interposto por ITAÚ UNIBANCO S.A pode ser admitido.
Inicialmente, cabe anotar que o debate acerca da natureza do rol do art.
1.015 do NCPC - hipóteses de cabimento do agravo de instrumento - afetado a
julgamento da Corte Especial do STJ no ProAfR no REsp 1.704.520/MT, já foi
amplamente realizado no âmbito daquele colegiado, que estabeleceu: "O rol do art.
1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de
instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da
questão no recurso de apelação." Na oportunidade, ficou definido, ainda, que a tese
jurídica somente seria aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação
do acórdão, a fim de não prejudicar as partes que confiaram na absoluta taxatividade do
artigo e a interpretação restritiva daquelas hipóteses legais.
Confira-se, por oportuno, a ementa do mencionado julgado:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART.
1.015 DO CPC/2015.
IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO
PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL.
POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA
IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI.
REQUISITOS.
1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o
rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do
art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua
interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de
admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão
interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente
previstas nos incisos do referido dispositivo legal.
2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas
na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador
salvaguardar apenas as "situações que, realmente, não podem aguardar
rediscussão futura em eventual recurso de apelação".
3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que
o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária
doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as
normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem
questões urgentes fora da lista do art.
1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol
seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo.
4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria
interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz
para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com
as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda
remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento
do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da
interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de
institutos jurídicos ontologicamente distintos.
5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente
exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime
recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora
conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que
estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a
vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo.
6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a
seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade
mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento
quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do
julgamento da questão no recurso de apelação.
7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta
taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas
pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis
que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o
recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido
pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição
que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese
jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias
proferidas após a publicação do presente acórdão.
8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para
determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de
admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de
instrumento no que tange à competência.
9- Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1704520/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL,
julgado em 05/12/2018, DJe 19/12/2018) - grifos nossos
Assim, esta Corte Superior já assentou entendimento acerca da taxatividade
mitigada do rol do art. 1.015 do NCPC, haja vista a possibilidade de haver a interposição
de agravo de instrumento quando se verificar a urgência decorrente da inutilidade do
julgamento da questão no recurso de apelação.
Feito esse intróito, e com base única e exclusiva no quanto deliberado pela
Corte Especial, seria possível, à primeira vista, notadamente em razão de o assunto
não possuir tratamento unânime no âmbito doutrinário, cogitar a viabilidade da
interposição do agravo de instrumento contra a decisão que encerra a primeira fase da
ação de exigir contas quando se verificasse a urgência face a eventual inutilidade do
pronunciamento, se tomado quando da apreciação do recurso de apelação.
Humberto Theodoro Júnior, por exemplo, entende que, uma vez empregada
pelo NCPC a expressão "decisão" (art. 515, § 5º), para nomear o último ato jurisdicional
da primeira fase da demanda, dando continuidade ao rito, o recurso adequado seria o
agravo de instrumento, com base no art. 1.015, inciso II, do NCPC, conforme se
observa do livro Curso de Direito Processual Civil:
Quando se acolhe o pedido de contas, o juiz não mais profere uma
sentença, mas uma decisão interlocutória como se deduz do art. 550, §
5º, o qual textualmente dispõe: “A decisão que julgar procedente o
pedido condenará o réu a prestar contas no prazo de 15 (quinze) dias,
sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar”.
A preocupação do legislador ao preferir, na espécie, falar em decisão em
vez de sentença não se deveu a uma mera opção léxica, pois a diferença
entre esses dois atos judiciais dentro do próprio Código produz efeitos
relevantes, no tocante ao regime recursal. Se fosse mantida a
sistemática de encerrar a primeira fase da ação por meio de sentença,
como queria o Código velho, o recurso interponível seria a apelação,
remédio que paralisaria a marcha do processo em primeiro grau, subindo
necessariamente os autos ao Tribunal de Justiça. Somente depois de
julgado definitivamente o apelo é que se retomaria a movimentação do
feito, iniciando a segunda fase.
Tendo, porém, a nova lei adotado o encerramento da primeira fase
por meio de decisão, o recurso contra esta será o agravo de
instrumento, já que embora não encerrando a atividade cognitiva do
processo, teria sido julgado parte do mérito da causa, qual seja, a
relativa ao direito de exigir contas (art. 1.015, II). O recurso manejável,
porém, não acarretará paralisação do processo em primeiro grau, nem
sequer será processado nos autos da causa, mas em autuação
apartada, formada diretamente no tribunal ad quem (THEODORO
JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 2017, págs.
134/135). grifo nosso
No mesmo norte jurídico segue Elpídio Donizetti ao afirmar:
Deve-se ressaltar que no procedimento previsto no CPC/1973, tanto a
primeira quanto a segunda fase eram decididas por sentença. (...)
No novo CPC, embora ainda haja possibilidade de o procedimento se
desdobrar em duas fases, a primeira é decidia por meio de decisão
interlocutória, que desafia agravo de instrumento (art. 1.015, II). (...)
O procedimento continua de duas fases, mas, diferentemente do que
ocorre com a ação demarcatória, a sentença será uma só, reservada ao
julgamento das contas em si. (...) A primeira fase é encerrada por decisão interlocutória (art. 550, § 5º) e a
segunda por sentença (art. 552). (...)
A primeira fase da ação de exigir contas encerra-se com um
pronunciamento judicial (decisão interlocutória, porquanto não pôs fim à
fase cognitiva do processo) acerca da existência ou não do direito de
exigir contas.
É possível contudo, o julgamento meramente terminativo, com o
reconhecimento de alguma das hipóteses do art. 485 do CPC. Nesse
caso, o ato judicial terá natureza de sentença, exatamente porque pôs
fim a toda a fase cognitiva do processo.
Há ainda a possibilidade de o mérito ser decidido com a declaração no
sentido da inexistência do direito material de exigir contas, alegado pelo
autor. Aqui também haverá sentença e, no caso, sentença que implica
resolução do mérito, uma vez que declara a inexistência do dever de
prestar contas por parte do réu. Assim se reconhece o dever de prestar
contas, a decisão será interlocutória, uma vez que a fase cognitiva do
processo terá prosseguimento. Ao revés, se prosseguimento não houver,
estaremos diante de sentença.
A sentença que julga improcedente a pretensão de exigir contas terá
natureza declaratória. A decisão de procedência é de conteúdo
condenatório, impondo ao réu a obrigação de fazer (prestar as contas
em 15 dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor
apresentar. Já disse, mas repito, porque este livro se destina a
estudantes de Direito, não a "cientistas" do Direito: de sentença cabe
apelação; de decisão interlocutória, cabe agravo. Simples assim.
(DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 19. ed.
São paulo: Atlas, 2016, p. 841-844)
Contudo, em análise aprofundada do tema, mediante o cotejo da lei e a
averiguação do instrumento processual bifásico da ação de exigir/prestar contas,
verifica-se que o recurso cabível é mesmo a apelação.
Tal assertiva encontra guarida nos ensinamentos de Teresa Arruda Alvim
Wambier, que, nos comentários ao art. 550, do Novo Código de Processo Civil, defende
o cabimento do recurso de apelação ante a decisão terminativa da primeira fase da
demanda (Wambier, Teresa Arruda Alvim et al, Primeiros Comentários ao Novo Código
de Processo Civil, 2016, pág. 1003).
No mesmo sentido Daniel Amorim Assumpção Neves:
A grande especialidade procedimental da ação de exigir contas é a
existências de duas fases procedimentais sucessivas, sendo a primeira
para se discutir o dever de prestação das contas e a segunda para a
discussão do valor do saldo devedor. Cada fase será decidida por
uma sentença, o que torna essa demanda de conhecimento
singular, pois o mérito será necessariamente decidido em dois
momentos distintos. São duas as sentenças, mas a petição inicial
é uma só, daí a necessidade de se fazer a cumulação de pedidos
já referida (cumulação sucessiva) (...)
Prestadas as contas voluntariamente pelo réu após a sua citação, o autor será intimado para se manifestar sobre elas no prazo de 15 dias,
sendo certo que nesse caso já se terá passado para a segunda fase do
processo. Estará, portanto, superada a primeira fase procedimental sem
a necessidade de prolação de sentença.(...)
Após o momento procedimental de reação do réu, o procedimento
sofrerá variação conforme a espécie de reação adotada no caso
concreto. Proferida a sentença, extinguindo o processo sem
resolução do mérito ou rejeitando o pedido do autor, caberá
recurso de apelação, e sendo definitiva a decisão, naturalmente
não haverá segunda fase procedimental. Na hipótese de
acolhimento do pedido do autor, o juiz condenará o réu a prestar
as contas no prazo de 15 dias, sob pena de não lhe ser lícito
impugnar as que o autor apresentar (art. 550, § 5º, do Novo CPC).
Dessa sentença cabe apelação, que será recebida no duplo
efeito, de forma que o prazo de 15 dias só passará a ser contado a
partir do julgamento desse recurso. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção - Novoc Código de Processo Civil Comentado - Salvador, JusPodivm,
2016, p. 973-975) - grifos nossos
Para Nelson Nery Junior, "contra a sentença proferida em qualquer fase da
ação de prestação de contas cabe apelação (RT 512/238)". (NERY JUNIOR, Nelson.
Código de processo Civil comentado. 17. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018,
p. 1554).
Inegavelmente, o procedimento da demanda de exigir contas não foi alterado
na sua essência pelo NCPC, continuando com natureza condenatória e dividido em
duas fases - uma para definir se há o dever de o réu prestar contas e outra para
averiguar se há saldo devedor/credor na relação jurídica. Não encerrada a primeira
etapa, não se prossegue na fase seguinte, visto ser essa inteiramente dependente
daquela, ou seja, não concordando o réu com a obrigação de fazer imposta na
deliberação no tocante ao dever de prestar contas, é crucial impugnar o ato judicial por
meio de apelação, que inclusive, por expressa disposição legal, terá efeito suspensivo
(art. 1.012 do NCPC).
A suspensividade atribuída à apelação retira o eventual caráter de urgência
que se poderia cogitar para admitir a interposição de agravo de instrumento na ação de
exigir contas, notadamente quando o interesse da parte ré, tal como no presente caso
no qual expressamente requereu a atribuição de efeito suspensivo ao reclamo, é o de
obstar o prosseguimento da demanda para a fase seguinte (prestação das contas
propriamente dita com a apuração do saldo).
Ademais, tal como referido pelo Tribunal a quo, não se justifica atribuir ao ato
judicial previsto no art. 550, § 5º do NCPC a natureza de decisão interlocutória de mérito como pretende a financeira, tão somente, em virtude da designação genérica conferida
pelo legislador ao ato judicial impugnado (decisão), porquanto, além de não ter havido
mudança quanto ao procedimento bifásico da ação de exigir/prestar contas, o recurso
cabível contra a deliberação que encerra a primeira fase já é, por expressa disposição
legal, munido de efeito suspensivo, ou seja, obsta o prosseguimento do feito para a
segunda fase, uma vez que imprescindível primeiramente estabelecer a
obrigação/dever de prestar as contas.
E ainda, a fixação da admissibilidade/cabimento do recurso de apelação em
face da decisão terminativa da primeira fase da ação de exigir contas confere maior
organização tanto ao procedimento bifásico quanto ao sistema recursal, isso
porque, diferenciar a natureza de uma decisão - e, consequentemente, o recurso
cabível em face dela - a depender apenas da apresentação ou não de contestação pela
parte ré e do resultado do julgamento, se procedente ou se improcedente, contraria a
lógica processual.
Explico.
No procedimento de exigir contas, estabeleceu o legislador no § 4º do art.
550 que se o réu não contestar o pedido, observar-se-á o disposto no art. 355 do
NCPC, o qual prevê: "o juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com
resolução de mérito". Nada justifica que, caso o réu apresente a contestação, o ato
judicial que delibera acerca do pedido seja considerado mera decisão interlocutória,
afinal, a natureza do ato judicial (havendo ou não contestação da parte ré) será sempre
o mesmo (seja com ou sem resolução de mérito) nos termos dos arts. 485 e 487 do
NCPC.
Relativamente ao resultado do julgamento, a deliberação judicial que encerra
a primeira fase do procedimento de exigir contas pode ser no sentido de condenar ou
isentar o demandado a prestá-las, distribuindo, em ambos os casos, a sucumbência.
Ora, por óbvio, se na hipótese de o magistrado isentar o réu de prestar as contas, ou
seja, julgar improcedente a demanda, não há dúvida sobre a prolação de uma sentença,
tanto que necessário o arbitramento de verba honorária, também não deve haver
controvérsia quanto ao cabimento da sentença para dar continuidade à marcha
processual, assim como ocorria no CPC/73, porém, em segunda fase.
Assim, a definição do recurso cabível, na situação dos autos, deve passar
pelo exame do conjunto do NCPC e, em especial, das características próprias da ação
de exigir contas, bem como dos efeitos jurídicos emanados do ato processual em questão, e não por mero apego à literalidade da expressão empregada pelo legislador,
ao nomear o último ato jurisdicional da primeira fase de "decisão", em vez de
"sentença".
A propósito, neste caso, o método de interpretação gramatical não
conduz, por si só, a uma conclusão segura a respeito da natureza do
pronunciamento judicial em questão, uma vez que, em contraste com a técnica
utilizada no caput do art. 1.015 do NCPC, no qual o legislador utilizou a
expressão "decisão interlocutória", o § 5º do artigo 550 refere-se apenas ao
termo "decisão" que, a rigor, em sentido amplo, pode designar tanto uma
sentença quanto uma decisão interlocutória.
Portanto, a definição do cabimento do recurso de apelação contra a
deliberação judicial acerca do dever de prestar as contas, na primeira fase da demanda,
prescinde de exame quanto ao sentido do comando jurisdicional, visto que não pode
depender da existência ou não de contestação, tampouco do acolhimento ou não do
pedido inicial.
Ressalta-se, inclusive, que no ordenamento jurídico brasileiro existem outras
demandas, tal como a de exigir contas, as quais também são subdivididas em duas
fases. Como exemplo, cita-se a ação de divisão e de demarcação de terras
particulares, cujo regramento está estabelecido nos artigos 569 a 598 do NCPC.
Nessas demandas, o procedimento meritório possui duas etapas distintas e o
pronunciamento judicial que encerra cada etapa, seja ele procedente ou improcedente
se dá por meio de sentença, não tendo o legislador efetuado qualquer modificação
terminológica ou redacional referente à deliberação.
Por oportuno, confiram-se os seguintes artigos referentes a essas
demandas:
Art. 579. Antes de proferir a sentença, o juiz nomeará um ou mais peritos
para levantar o traçado da linha demarcanda.
Art. 581. A sentença que julgar procedente o pedido determinará o
traçado da linha demarcanda.
Parágrafo único: A sentença proferida na ação demarcatória determinará
a restituição da área invadida, se houver, declarando o domínio ou a
posse do prejudicado, ou ambos.
Art. 582. Transitada em julgado a sentença, o perito efetuará a
demarcação e colocará os marcos necessários.
Conclui-se, portanto que, em face da decisão - para não modificar a palavra
usada pelo legislador - terminativa da primeira fase da ação de exigir contas cabe apelação, não importando se o juiz declara ausente ou presente o direito do autor de ter
acesso às informações postuladas ou se o réu contesta o feito.
Assim, seja levando em conta o produto da análise da lógica
implementada pela praxis forense, seja a contar do exame do regramento
jurídico pertinente, destacadamente ante o evidente procedimento bifásico
peculiar e típico da modalidade de demanda ora em evidência, não há como
compreender que o ato judicial em comento se trate de decisão interlocutória de
mérito, posto o exame exauriente do único pedido concernente à primeira fase
da ação de exigir contas.
3. Passa-se ao exame da questão referente à possibilidade de aplicação, no
caso, do princípio da fungibilidade recursal.
Por lealdade intelectual é importante mencionar que no âmbito do tratamento
definitivamente dado pela instituição ao caso concreto, seja interna corporis (cartórios,
serventuários, certificações e atos de publicação), seja pelo magistrado em seus
despachos e deliberação final, a designação dada ao ato sempre fora de categoria
nominal designada por "sentença".
Em análise à deliberação de fls. 64-65, verifica-se que o ato judicial foi
denominado "sentença", o magistrado a quo julgou "procedente a ação" para condenar
o réu a prestar as contas e, inclusive, fixou a sucumbência na primeira fase,
determinando-lhe que arcasse com o pagamento de custas, despesas processuais e
honorários advocatícios.
No decisum de fls. 66, que julgou os embargos de declaração, o juiz de piso
afirmou "não há na sentença contradição, obscuridade ou omissão a ser sanada em
embargos de declaração", pois "a adoção de determinado entendimento e não de outro
que, segundo a embargante, poderia alterar o conteúdo da sentença, não é
fundamento" para o acolhimento do recurso integrativo.
As certidões cartorárias constantes dos autos expressamente certificaram
que o processo foi baixado em cartório com a "r. sentença devidamente registrada" (fls.
67 e 69) e as informações disponibilizadas no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça
paulista, notadamente aquelas relacionadas ao dia 28/03/2016 de forma cristalina
trazem não apenas a natureza do ato judicial a ser impugnado como o recurso cabível,
inclusive com o valor do preparo.
Confira-se:
28/03/2016 Certidão de Cartório Expedida
CERTIFICO E DOU FÉ, em cumprimento à Lei 11.608, de 29/12/2003, que o valor do preparo, para o caso de recurso, é de R$ 800,00 (Valor
singelo) e de R$ 1.187,59 (Valor corrigido) - Código 230-6 (Guia GARE).
Certifico ainda, que o valor a ser recolhido para porte de remessa e
retorno do recurso de apelação é de R$ 32,70 por volume - Código
110-4 (Guia FEDTJ). Nada mais.
28/03/2016 Sentença Registrada
A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a
adoção do princípio da fungibilidade recursal está autorizada quando não houver erro
grosseiro, existindo dúvida objetiva do recurso cabível e desde que interposto o reclamo
dentro do correto prazo legal. Nesse sentido: AgRg no AREsp 769.304/SP, Rel. Ministro
HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe de 10/11/2015.
Theotônio Negrão, ao questionar o cabimento do agravo de instrumento
frente ao art. 550 do NCPC, preleciona que, até que haja definição com maior firmeza
acerca da natureza da decisão que julga o pedido de exigir contas e consequentemente
o recurso dela cabível, deve haver um recrudescimento da fungibilidade entre o agravo
de instrumento e a apelação:
No CPC/1973 rev., a decisão que julgava o dever de prestar contas era
rotulada como sentença (CPC rev. 915, § 2º). Agora, esse
pronunciamento é tratado simplesmente como decisão, a indicar que se
trataria de decisão interlocutória, agravável, por se tratar de ato que
examina o mérito (v. art. 1.015-II).
Todavia, o legislador não é suficientemente claro a respeito. No § 4º
deste art. 550, manda observar o art. 355 quando o réu não contestar a
ação de exigir contas. E o art. 355 determina que o juiz julgue
antecipadamente o pedido nessas circunstâncias, 'proferindo sentença
com resolução de mérito'. Assim, não se estaria diante de ato impugnável
por apelação, nos termos do art. 1.009-caput?
Mas não é só. Num processo em que se pede apenas a prestação de
contas, a decisão que julga esse pedido esgota, por ora, o exame da
pretensão formulada, de modo semelhante ao ato que 'põe fim à fase
cognitiva do procedimento comum' (art. 203, § 1º).
Nesse contexto, até que se defina com maior firmeza a natureza da
decisão que julga o pedido de exigir contas e consequentemente o
recurso contra ela cabível, deve haver um recrudescimento da
fungibilidade entre apelação (art. 1.009-caput) e agravo (art. 1.015-II)
(Negrão, Theotonio et al, Novo Código de Processo Civil, 2017, pág.
604).
Daniel Assupção Neves, diante da controvérsia, defende a aplicação do
princípio da fungibilidade, até a definição do tema pela jurisprudência.
Eis trecho do seu Manual de Processo Civil:
Registre-se que nesse tocante há séria divergência a respeito da natureza da decisão prevista no § 2º do art. 550 do Novo CPC, havendo
aqueles que defendem sua natureza de sentença, recorrível por
apelação, e outros que a entendem como decisão interlocutória de
mérito, sendo, portanto, recorrível por agravo de instrumento e não por
apelação.
Compreendo que à luz dos critérios de sentença e de decisão
interlocutória previstos nos §§ 1º e 2º do art. 203 do Novo CPC/1973 e a
admissão expressa da decisão interlocutória de mérito em nosso sistema,
essa conclusão parece ser a mais racional. Ocorre, entretanto, que é o
próprio art. 203, § 1º, do Novo CPC/1973 que prevê não ser o conceito
legal aplicável aos procedimentos especiais, o que somente se justifica
se aceitarmos que em alguns procedimentos a decisão que seria
interlocutória é na realidade uma sentença.
De qualquer forma, entendo que nesse caso deve ser aplicado o
princípio da fungibilidade recursal até que o tema seja pacificado
jurisprudencialmente (NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Manual de
Direito Processual Civil, 2018, pág. 931).
Como se pode ver, o tema afeto ao recurso cabível da deliberação que
encerra a primeira fase da ação de exigir contas (novo CPC) é inegavelmente
controvertido na doutrina e a tese sustentada pela parte insurgente possui amparo,
inclusive, no Enunciado 177 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis (A
decisão interlocutória que julga procedente o pedido para condenar o réu a prestar
contas, por ser de mérito, é recorrível por agravo de instrumento - arts. 550, § 5º e
1.015, inc. II), sede na qual são reunidos célebres nomes da Ciência Jurídica, motivo
pelo qual, seria de rigor exacerbado afastar nessa hipótese a aplicação do princípio da
fungibilidade recursal.
Por todas essas circunstâncias, embora seja cabível, como exposto, o
recurso de apelação contra a decisão que encerra a primeira fase da ação de exigir
contas, todavia, no caso ora em foco, em razão da controvérsia doutrinária existente
quanto ao tema, e de o emprego pelo legislador da palavra "decisão" no art. 550, § 5º,
do NCPC, na situação dos autos, considera-se aplicável o princípio da fungibilidade,
tornando necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem para o processamento
da irresignação.
4. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, determinando o
retorno dos autos ao Tribunal de origem para que, segundo sua livre convicção, julgue o
recurso interposto.
É como voto.
VOTO VENCEDOR
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO:
Senhor Presidente,
A questão aqui controversa consiste em definir, à luz do Código de Processo Civil de
2015, o recurso cabível da decisão que julga procedente a ação de exigir contas (prestação de
contas) na primeira fase, condenando o réu a prestar as contas exigidas pelo autor.
O eminente relator do recurso especial, Ministro MARCO BUZZI, realizando um
estudo aprofundado do tema, concluiu seu judicioso voto no sentido de que, da decisão que encerra a
primeira fase da ação de exigir contas, o recurso cabível é a apelação.
No entanto, como admite e bem demonstrou o eminente relator, a matéria é bastante
controvertida tanto na doutrina como na jurisprudência, pois ainda se dividem a respeito do recurso
cabível na hipótese: se seria o agravo de instrumento ou a apelação.
Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, a dúvida não existia. A redação do
art. 915, § 2º, definindo como sentença o provimento jurisdicional que punha fim à primeira fase da
ação de prestação de contas, não deixava dúvidas acerca do recurso cabível, qual seja, apelação.
Efetivamente, a norma revogada assim dispunha:
Art. 915. Aquele que pretender exigir a prestação de contas requererá a
citação do réu para, no prazo de 5 (cinco) dias, as apresentar ou
contestar a ação.
§ 1º Prestadas as contas, terá o autor 5 (cinco) dias para dizer sobre
elas; havendo necessidade de produzir provas, o juiz designará
audiência de instrução e julgamento; em caso contrário, proferirá desde
logo a sentença.
§ 2º Se o réu não contestar a ação ou não negar a obrigação de prestar
contas, observar-se-á o disposto no art. 330; a sentença, que julgar
procedente a ação, condenará o réu a prestar as contas no prazo de 48
(quarenta e oito) horas, sob pena de não Ihe ser lícito impugnar as que o
autor apresentar. [...]
Por sua vez, o art. 513 do vetusto Código era também bastante claro ao afirmar que
"da sentença caberá apelação".
Com a entrada em vigor do novo Código, contudo, a questão tornou-se mais
nebulosa, em vista da redação adotada pela nova norma processual.
Com efeito, o Código de Processo Civil de 2015, ao disciplinar a ação de exigir
contas, dispôs nos seguintes termos:
Art. 550. Aquele que afirmar ser titular do direito de exigir contas
requererá a citação do réu para que as preste ou ofereça contestação no
prazo de 15 (quinze) dias.
§ 1º Na petição inicial, o autor especificará, detalhadamente, as
razões pelas quais exige as contas, instruindo-a com documentos
comprobatórios dessa necessidade, se existirem.
§ 2º Prestadas as contas, o autor terá 15 (quinze) dias para se
manifestar, prosseguindo-se o processo na forma do Capítulo X do Título
I deste Livro.
§ 3º A impugnação das contas apresentadas pelo réu deverá ser
fundamentada e específica, com referência expressa ao lançamento
questionado.
§ 4º Se o réu não contestar o pedido, observar-se-á o disposto no
art. 355 . § 5º A decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a
prestar as contas no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não lhe ser
lícito impugnar as que o autor apresentar.
§ 6º Se o réu apresentar as contas no prazo previsto no § 5º,
seguir-se-á o procedimento do § 2º, caso contrário, o autor
apresentá-las-á no prazo de 15 (quinze) dias, podendo o juiz determinar
a realização de exame pericial, se necessário.
Art. 551. As contas do réu serão apresentadas na forma adequada,
especificando-se as receitas, a aplicação das despesas e os investimentos,
se houver.
§ 1º Havendo impugnação específica e fundamentada pelo autor, o
juiz estabelecerá prazo razoável para que o réu apresente os documentos
justificativos dos lançamentos individualmente impugnados.
§ 2º As contas do autor, para os fins do art. 550, § 5º , serão apresentadas na forma adequada, já instruídas com os documentos
justificativos, especificando-se as receitas, a aplicação das despesas e os
investimentos, se houver, bem como o respectivo saldo.
Art. 552. A sentença apurará o saldo e constituirá título executivo
judicial.
O art. 1.015 do CPC/2015, por sua vez, dispõe que:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões
interlocutórias que versarem sobre:
I - tutelas provisórias;
II - mérito do processo;
III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do
pedido de sua revogação;
VI - exibição ou posse de documento ou coisa;
VII - exclusão de litisconsorte;
VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos
embargos à execução;
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º ;
XII - (VETADO);
XIII - outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra
decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou
de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de
inventário.
A eg. Terceira Turma, em julgamento hoje proferido (REsp 1.746.337/RS) - e ao
qual se referiu, da tribuna, o il. advogado do recorrente -, decidiu que: se na primeira fase a decisão
é de improcedência da ação, ela está concluindo a demanda, pois não haverá a segunda fase; então,
o recurso será de apelação. Mas, se na primeira fase a decisão for de procedência da ação, esta
não estará sendo extinta, e o recurso cabível, então, será o agravo de instrumento, entendimento que
também se mostra bem razoável.
Nesse contexto, e considerando que o entendimento acerca do tema ainda se
encontra em formação, ouso divergir do ilustre relator.
Entendo que, não havendo a extinção do processo, não poderá haver uma
condenação nos ônus sucumbenciais, daí o novo Código, aprimorando a técnica do anterior,
referir-se a uma decisão, deixando mais claro que poderá não haver sentença, como sucede quando a ação é julgada procedente na primeira fase, para ter prosseguimento ainda. Na hipótese
contrária, ou seja, se a decisão der pela improcedência da ação de exigir contas, aí sim teremos uma
sentença pondo fim ao processo, inclusive com aplicação de ônus sucumbenciais.
Então, na primeira hipótese, ter-se-á uma decisão que desafia agravo de instrumento;
na segunda hipótese é que a decisão atrairia apelação.
Em qualquer caso, neste momento em que a jurisprudência e a doutrina ainda estão
debatendo o assunto, acho que temos obrigação, não só neste recurso, mas em qualquer outro como
este, de aplicar o princípio da fungibilidade.
Com efeito, havendo dúvida fundada e objetiva acerca do recurso cabível e
inexistindo ainda pronunciamento judicial definitivo acerca do tema, deve ser admitida a aplicação da
fungibilidade recursal, a fim de determinar ao eg. Tribunal de origem que conheça do agravo de
instrumento interposto pelo recorrente.
Nesses termos, rogando vênia ao eminente Relator, dou provimento ao recurso
especial para reformar o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal de
origem, para que conheça do agravo de instrumento interposto pelo recorrente, julgando-o como
entender de direito.
É como voto.
VOTO
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Senhor Presidente, peço a
máxima vênia ao eminente Relator, para acompanhar a divergência.
No meu entendimento, trata-se de decisão interlocutória que versa sobre
questão de mérito do processo. É interlocutória, na medida em que prosseguirá o
processo para que sejam prestadas as contas, uma vez decidido que há obrigação de
prestar contas. Nesse caso, penso eu, cabível o agravo de instrumento, diversamente
do que ocorreria se houvesse sentença extinguindo o processo por ausência do dever
de prestar contas.
Assim como o Ministro Raul Araújo, antecipo que qualquer que seja a
solução prevalente no presente julgamento a respeito do recurso cabível, como há
dúvida objetiva atualmente sobre o cabimento desse recurso, é de se aplicar a
fungibilidade pelo menos até que a Corte Especial decida a questão e não se possa
mais alegar dúvida plausível.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA: Rogando vênia
ao em. Ministro Relator, entendo que o ato decisório proferido na forma prevista pelo art.
550, § 5º, do CPC/2015 qualifica decisão interlocutória que versa sobre o mérito, e nessa
condição deve ser impugnada por meio de agravo de instrumento, conforme preceito
contido no art. 1.015, II, da lei processual:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que
versarem sobre:
(...)
II - mérito do processo;
(...)
De fato, na primeira fase do procedimento previsto para a agora
denominada "ação de exigir contas", limita-se o juiz a definir se o réu tem ou não a
obrigação de prestá-las, de modo que a solução dessa questão controvertida envolve,
sem dúvida, o mérito stricto sensu da pretensão inicial, porém coloca fim ao processo de
conhecimento (art. 203, §§ 1º e 2º), na medida em que, em continuidade, são praticados
os atos judiciais visando à apresentação e o julgamento das contas oferecidas (art. 550,
§§ 2º e 3º, 551, §§ 1º e 2º, e 552).
Além disso, não posso deixar de observar a precisão técnica do legislador
ao tratar como "decisão" o ato que julga procedente o pedido (art. 550, § 5º), condenando
o réu na obrigação de prestar contas – e com isso exclui a hipótese de improcedência, na
qual sem dúvida há um comando sentencial, com a consequente extinção do processo – e, logo em seguida (art. 552), designa como "sentença" a decisão que julga, na segunda
fase do procedimento, as contas apresentadas.
Ante o exposto, renovadas as vênias, adiro à divergência para DAR
PROVIMENTO ao recurso especial, determinando o retorno dos autos à origem para o
julgamento do agravo de instrumento como entender de direito.
É como voto.
D