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13 de novembro de 2021

A Justiça Federal é competente para processar e julgar os crimes ambientais e contra a vida decorrentes do rompimento da barragem em Brumadinho/MG

Processo

RHC 151.405-MG, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 19/10/2021.

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Tema

Rompimento da barragem em Brumadinho. Crimes conexos de âmbitos federal e estadual. Interesse direto e específico da autarquia federal - Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM. Competência da Justiça Federal. Súmula 122/STJ.

 

DESTAQUE

A Justiça Federal é competente para processar e julgar os crimes ambientais e contra a vida decorrentes do rompimento da barragem em Brumadinho/MG.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A questão referente à competência possui regramento próprio e específico (art. 95, II, art. 108 e 406, §3º, do CPP), tendo esta Corte Superior, em muitas oportunidades, se manifestado em habeas corpus sobre a competência da Justiça Federal, a fim de evitar julgamentos díspares de fatos correlatos ou até idênticos, não sendo razoável somente após longo período, com todos os desdobramentos na Justiça Estadual, demandando esforços de serventuários e peritos estaduais e federais, ter-se a certeza do interesse da União e declinar a competência.

Assim sendo, a competência deve ser aferida pelos fatos da causa de pedir narrados na denúncia com todas as suas circunstâncias, que devem ser analisados e julgados pelo Judiciário, e não pelo pedido ou pela capitulação do dominis litis, que é provisória, podendo ser mudada pela sentença (arts. 383 e 384 do CPP).

Com efeito, busca o MP a responsabilização penal porque não foi observada a Política Nacional de Segurança de Barragens, e, por isso, os réus não teriam garantido a observância de padrões de segurança de barragem de maneira a reduzir a possibilidade de acidentes e suas consequências, o que gerou o rompimento da barragem em Brumadinho-MG, com a morte de 270 pessoas, além de outros eventos.

Importante ressaltar que há várias manifestações desta Corte Superior, segundo as quais, a atividade fiscalizatória exercida pela autarquia federal não é suficiente, por si só, para atrair a competência federal, sendo possível cogitar da competência federal apenas quando evidenciado interesse direto e específico do ente federal no crime sob apuração.

No caso, há ofensa a bem e interesse direto e específico de órgão regulador federal e da União: as Declarações de Estabilidade da Barragem, apresentadas ao antigo DNPM (autarquia federal), seriam ideologicamente falsas; os acusados teriam omitido informações essenciais à fiscalização da segurança da barragem, ao não fazê-las constar do SIGBM, sistema de dados acessado pela Agência Nacional de Mineração - ANM; e danos a sítios arqueológicos, bem da União (art. 20, X, da CF), dados como atingidos pelo rompimento da barragem.

Dessa forma, considerando a apuração de fatos correlatos em ambas as esferas - federal e estadual - e, ainda, os indícios de danos ambientais aos "sítios arqueológicos", é de aplicar-se o verbete n. 122 da Súmula desta Corte Superior, pelo qual, "compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal".


7 de maio de 2021

DIREITO AMBIENTAL. DESASTRE DE BRUMADINHO. ROMPIMENTO DE BARRAGEM DA EMPRESA VALE DO RIO DOCE. AÇÃO POPULAR. LEI 4.717/1965. COMPETÊNCIA PARA JULGAR A AÇÃO POPULAR QUANDO JÁ EM ANDAMENTO AÇÃO CIVIL PÚBLICO COM OBJETO ASSEMELHADO. DISTINGUISHING. TEMA AMBIENTAL. FORO DO LOCAL DO FATO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 164.362 - MG (2019/0069556-8) 

RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DIREITO AMBIENTAL. DESASTRE DE BRUMADINHO. ROMPIMENTO DE BARRAGEM DA EMPRESA VALE DO RIO DOCE. AÇÃO POPULAR. LEI 4.717/1965. COMPETÊNCIA PARA JULGAR A AÇÃO POPULAR QUANDO JÁ EM ANDAMENTO AÇÃO CIVIL PÚBLICO COM OBJETO ASSEMELHADO. DISTINGUISHING. TEMA AMBIENTAL. FORO DO LOCAL DO FATO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. HISTÓRICO DA DEMANDA 

1. Trata-se, na origem, de Ação Popular proposta por Felipe Torello Teixeira, advogado qualificado nos autos, contra a União, o Distrito Federal, o Estado de Minas Gerais e a Vale S.A., objetivando liminarmente o bloqueio de ativos financeiros dos réus, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais) e, ao final, a confirmação da tutela liminar, cumulada com a declaração de nulidade dos atos comissivos da Vale S.A. e omissivos da União, do Distrito Federal e do Estado de Minas Gerais, bem como a condenação dos réus a: a) recuperar o meio ambiente degradado pelo rompimento da barragem da Vale S.A. no Município de Brumadinho – MG; b) pagar indenização pelos danos materiais e morais decorrentes do desastre, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais); c) a pagar multa civil por dano ambiental, em montante a ser arbitrado por este Juízo. Neste momento, o STJ aprecia apenas o Conflito de Competência. 

2. O juiz suscitado entendeu que o foro competente, na situação específica dos autos, não se enquadraria na regra geral do domicílio do autor, haja vista que, em virtude da defesa do interesse coletivo, o processamento da ação seria mais bem realizado no local da ocorrência do ato que o cidadão pretende ver anulado. O juiz suscitante, por sua vez, defende que o julgamento poderá ser atribuído à Vara Federal do domicílio do peticionante. 

A JURISPRUDÊNCIA DO STJ À LUZ DAS CIRCUNSTÂNCIAS PECULIARES DO CASO CONCRETO 

3. Não se desconhece a jurisprudência do STJ favorável a que, sendo igualmente competentes o juízo do domicílio do autor popular e o do local onde houver ocorrido o dano (local do fato), a competência para examinar o feito é daquele em que menor dificuldade haja para o exercício da Ação Popular. A propósito: CC 47.950/DF, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJ 7/5/2007, p. 252; CC 107.109/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe 18/3/2010. 

4. Malgrado isso, as circunstâncias do caso concreto devem ser analisadas de forma que se ajuste o Direito à realidade. Para tanto, mister recordar os percalços que envolveram a definição da competência jurisdicional no desastre de Mariana/MG, o que levou o STJ a eleger um único juízo para todas as ações, de maneira a evitar decisões conflitantes e possibilitar que a Justiça se realize de maneira mais objetiva, célere e harmônica. 

5. A hipótese dos autos apresenta inegáveis peculiaridades que a distinguem dos casos anteriormente enfrentados pelo STJ, o que impõe adoção de solução mais consentânea com a imprescindibilidade de se evitar tumulto processual em demanda de tamanha magnitude social, econômica e ambiental. Assim, necessário superar, excepcionalmente, a regra geral contida nos precedentes invocados, nos moldes do que dispõe o art. 489, § 1º, VI, do CPC/2015. De fato a tragédia ocorrida em Brumadinho/MG invoca solução prática diversa, a fim de entregar, da melhor forma possível, a prestação jurisdicional à população atingida. Impõe-se, pois, ao STJ adotar saída pragmática que viabilize resposta do Poder Judiciário aos que sofrem os efeitos da inominável tragédia. 

DISTINGUISHING: AÇÃO POPULAR ISOLADA E AÇÃO POPULAR EM COMPETIÇÃO COM AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM OBJETO ASSEMELHADO 

6. A solução encontrada é de distinguishing à luz de peculiaridades do caso concreto e não de revogação universal do entendimento do STJ sobre a competência para a ação popular, precedentes que devem ser mantidos, já que lastreados em sólidos e atuais fundamentos legais e justificáveis argumentos políticos, éticos e processuais. 

9 [7]. Assim, a regra geral do STJ não será aplicada aqui, porque deve ser usada quando a Ação Popular for isolada. Contudo, na atual hipótese, tem-se que a Ação Popular estará competindo e concorrendo com várias outras Ações Populares e Ações Civis Públicas, bem como com centenas, talvez milhares, de ações individuais, razão pela qual, em se tratando de competência concorrente, deve ser eleito o foro do local do fato. 

AÇÃO POPULAR EM TEMAS AMBIENTAIS 

8. Deveras a Lei de Ação Popular (Lei 4.717/1965) não contém regras de definição do foro competente. À época de sua edição, ainda não vigorava a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985); portanto se utilizava, até então, o CPC, subsidiariamente. Todavia, com a promulgação da retromencionada Lei 7.347/1985, a aplicação subsidiária do CPC passou a ser reservada àqueles casos para os quais as regras próprias do processo coletivo também não se revelassem suficientes. 

9. Nesse contexto, a definição do foro competente para a apreciação da Ação Popular, máxime em temas como o de direito ambiental, reclama a aplicação, por analogia, da regra pertinente contida no artigo 2º da Lei da Ação Civil Pública. Tal medida se mostra consentânea com os princípios do Direito Ambiental, por assegurar a apuração dos fatos pelo órgão judicante que detém maior proximidade com o local do dano e, portanto, revela melhor capacidade de colher as provas de maneira célere e de examiná-las no contexto de sua produção. 

10. É verdade que, ao instituir a Ação Popular, o legislador constituinte buscou privilegiar o exercício da fiscalização e da própria democracia pelo cidadão. Disso não decorre, contudo, que as Ações Populares devam ser sempre distribuídas no foro mais conveniente a ele; neste caso, o de seu domicílio. Isso porque, casos haverá, como o destes autos, em que a defesa do interesse coletivo será mais bem realizada no local do ato que, por meio da ação, o cidadão pretenda ver anulado. Nessas hipóteses, a sobreposição do foro do domicílio do autor ao foro onde ocorreu o dano ambiental acarretará prejuízo ao próprio interesse material coletivo tutelado por intermédio desta ação, em benefício do interesse processual individual do cidadão, em manifesta afronta à finalidade mesma da demanda por ele ajuizada. 

AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA O AUTOR DA AÇÃO POPULAR 

11. Cumpre destacar que, devido ao processamento eletrônico, as dificuldades decorrentes da redistribuição para local distante do domicílio do autor são significativamente minimizadas, se não totalmente afastadas, em decorrência da possibilidade de acesso integral aos autos por meio do sistema de movimentação processual. 

COMPETÊNCIA DO LOCAL DO FATO 

12. Na presente hipótese, é mais razoável determinar que o foro competente para julgamento desta Ação Popular seja o do local do fato. Logo, como medida para assegurar a efetividade da prestação jurisdicional e a defesa do meio ambiente, entende-se que a competência para processamento e julgamento do presente feito é da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais. 

CONCLUSÃO 

13. Conflito de Competência conhecido para declarar competente o Juízo suscitante. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça: ""Prosseguindo no jugamento, a Seção, por unanimidade, conheceu do conflito e declarou competente o Juízo da 17a. Vara da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, o suscitante, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator." Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves, Assusete Magalhães, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente o Sr. Ministro Og Fernandes e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão." 

Brasília, 12 de junho de 2019(data do julgamento). 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Cuida-se de Conflito Negativo de Competência instaurado entre o Juízo da 2ª Vara Federal de Campinas (SP), suscitado, e o da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, suscitante, para processar e julgar o feito 1001868-13.2019.4.01.3800. 

Trata-se, na origem, de Ação Popular proposta por Felipe Torello Teixeira, advogado qualificado nos autos, contra a União, o Distrito Federal, o Estado de Minas Gerais e a Vale S.A., objetivando liminarmente o bloqueio de ativos financeiros dos réus no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais), e, ao final, a confirmação da tutela liminar, cumulada com a declaração de nulidade dos atos comissivos da Vale S.A. e omissivos da União, do Distrito Federal e do Estado de Minas Gerais, bem como a condenação dos réus: (1) a recuperar o meio ambiente degradado pelo rompimento da barragem da Vale S.A. no Município de Brumadinho – MG; (2) a pagar indenização compensatória dos danos materiais e morais, decorrentes do referido rompimento, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais); (3) a pagar multa por dano ambiental, em montante a ser arbitrado por este Juízo. 

O juiz suscitado entendeu que o foro competente, na situação específica dos autos, não se enquadra na regra geral do domicílio do autor, haja vista que, em virtude da defesa do interesse coletivo, o processamento da ação seria mais bem realizado no local da ocorrência do ato que o cidadão pretende ver anulado. 

O juiz suscitante, por sua vez, defende que o julgamento poderá ser atribuído à Vara Federal do domicílio do peticionante. 

Parecer do Ministério Público, opinando pela competência do Juízo suscitado, às fls. 74-79. Cita-se sua ementa: Conflito Negativo de Competência. Ação Popular. Inteligência dos artigos 5º, inciso LXXIII, 109, §2º, ambos da CF/88; 51, § único, 52, § único, do CPC/2015, e 5º, §1º, da Lei 4.717/65. 

Competência Territorial. Aplicação do Princípio da “Perpetuatio Jurisdicionis”. Sendo igualmente competentes os Juízos do domicílio do autor ou onde houver ocorrido o dano (local do fato), o conflito encontra solução no princípio da “perpetuatio jurisdicionis. ” Precedentes. Parecer pelo conhecimento do conflito, proclamando-se a competência do Juízo suscitado. 

Na seção de julgamento do dia 22/5/2019, o Min. Og Fernandes apresentou voto-vogal, com a proficiência que lhe é costumeira, entendendo ser competente o Juízo suscitante. 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 16.4.2019. Voto realinhado após debates realizados na sessão de julgamento da Primeira Sessão de 22.5.2019, e voto-vogal lavrado pelo eminente Ministro Og Fernandes. 

Na instância de origem, o autor da ação pleiteou o deferimento de liminar para bloqueio de ativos financeiros dos réus no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais). 

Contudo, neste momento, o STJ aprecia apenas o Conflito de Competência. 

A respeito da competência para analisar este tipo de ação, verifica-se que há discussão acerca da possibilidade de os cidadãos ingressarem com pretensões do mesmo gênero por todo o Brasil, com decisões divergentes. E, por outro lado, questiona-se a existência do interesse do cidadão de ingressar com o remédio constitucional, com maior facilidade, em seu próprio domicílio. 

Portanto, cabe, no presente Conflito, determinar o foro competente para tanto: se o do local em que se consumou o ato danoso ou o do domicílio do autor. 

Dispõe a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LXXIII, que "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência". Tal ação é regulada pela Lei 4.717/1965, recepcionada pela Carta Magna. 

Dessarte, o art. 5º da referida norma legal determina que a competência para processamento e julgamento da Ação Popular será aferida considerando-se a origem do ato impugnado. Assim, caberá à Justiça Federal apreciar a controvérsia se houver interesse da União; e à Justiça Estadual se o interesse for dos Estados ou dos Municípios. A citada Lei 4.717/1965, entretanto, em nenhum momento fixa o foro em que a Ação Popular deve ser ajuizada, dispondo, apenas, no art. 22, serem aplicáveis as regras do Código de Processo Civil naquilo em que não contrarie os dispositivos da lei, nem a natureza específica da ação. Portanto, para fixar o foro competente para apreciar a ação em comento, mostra-se necessário considerar o objetivo maior da Ação Popular, isto é, o que esse instrumento, previsto na Carta Magna e colocado à disposição do cidadão, visa proporcionar. 

Consoante a doutrina, o direito do cidadão de promover a Ação Popular constitui um direito político fundamental, da mesma natureza de outros direitos políticos previstos na Constituição Federal. 

A Ação Popular caracteriza um instrumento que garante à coletividade a oportunidade de fiscalizar os atos praticados pelos governantes, de modo que possa impugnar qualquer medida tomada que cause danos à sociedade como um todo, ou seja, visa proteger direitos transindividuais. Não pode, por conseguinte, o exercício desse direito sofrer restrições, isto é, não se pode admitir a criação de entraves que venham a inibir a atuação do cidadão na proteção de interesses que dizem respeito a toda a coletividade. 

Não se desconhece a jurisprudência do STJ segundo a qual, sendo igualmente competentes o juízo do domicílio do autor e o do local onde houver ocorrido o dano (local do fato), a competência para examinar o feito em tela é daquele em que menor dificuldade haja para o exercício da Ação Popular. 

A propósito: 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO POPULAR AJUIZADA EM FACE DA UNIÃO. LEI 4.717/65. POSSIBILIDADE DE PROPOSITURA DA AÇÃO NO FORO DO DOMICÍLIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DOS ARTS. 99, I, DO CPC, E 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Não havendo dúvidas quanto à competência da Justiça Federal para processar e julgar a ação popular proposta em face da União, cabe, no presente conflito, determinar o foro competente para tanto: se o de Brasília (local em que se consumou o ato danoso), ou do Rio de Janeiro (domicílio do autor). 2. A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art. 5º, LXXIII, que "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência". Tal ação é regulada pela Lei 4.717/65, recepcionada pela Carta Magna. 3. O art. 5º da referida norma legal determina que a competência para processamento e julgamento da ação popular será aferida considerando-se a origem do ato impugnado. Assim, caberá à Justiça Federal apreciar a controvérsia se houver interesse da União, e à Justiça Estadual se o interesse for dos Estados ou dos Municípios. A citada Lei 4.717/65, entretanto, em nenhum momento fixa o foro em que a ação popular deve ser ajuizada, dispondo, apenas, em seu art. 22, serem aplicáveis as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não contrariem os dispositivos da Lei, nem a natureza específica da ação. Portanto, para se fixar o foro competente para apreciar a ação em comento, mostra-se necessário considerar o objetivo maior da ação popular, isto é, o que esse instrumento previsto na Carta Magna, e colocado à disposição do cidadão, visa proporcionar. 4. Segundo a doutrina, o direito do cidadão de promover a ação popular constitui um direito político fundamental, da mesma natureza de outros direitos políticos previstos na Constituição Federal. Caracteriza, a ação popular, um instrumento que garante à coletividade a oportunidade de fiscalizar os atos praticados pelos governantes, de modo a poder impugnar qualquer medida tomada que cause danos à sociedade como um todo, ou seja, visa a proteger direitos transindividuais. Não pode, por conseguinte, o exercício desse direito sofrer restrições, isto é, não se pode admitir a criação de entraves que venham a inibir a atuação do cidadão na proteção de interesses que dizem respeito a toda a coletividade. 5. Assim, tem-se por desarrazoado determinar-se como foro competente para julgamento da ação popular, na presente hipótese, o do local em que se consumou o ato, ou seja, o de Brasília. Isso porque tal entendimento dificultaria a atuação do autor, que tem domicílio no Rio de Janeiro. 6. Considerando a necessidade de assegurar o cumprimento do preceito constitucional que garante a todo cidadão a defesa de interesses coletivos (art. 5º, LXXIII), devem ser empregadas as regras de competência constantes do Código de Processo Civil - cuja aplicação está prevista na Lei 4.717/65 -, haja vista serem as que melhor atendem a esse propósito. 7. Nos termos do inciso I do art. 99 do CPC, para as causas em que a União for ré, é competente o foro da Capital do Estado. Esse dispositivo, todavia, deve ser interpretado em conformidade com o § 2º do art. 109 da Constituição Federal, de modo que, em tal caso, "poderá o autor propor a ação no foro de seu domicílio, no foro do local do ato ou fato, no foro da situação do bem ou no foro do Distrito Federal" (PIZZOL, Patrícia Miranda. "Código de Processo Civil Interpretado", Coordenador Antônio Carlos Marcato, São Paulo: Editora Atlas, 2004, p. 269). Trata-se, assim, de competência concorrente, ou seja, a ação pode ser ajuizada em quaisquer desses foros. 8. Na hipótese dos autos, portanto, em que a ação popular foi proposta contra a União, não há falar em incompetência, seja relativa, seja absoluta, do Juízo Federal do domicílio do demandante. 9. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 10ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, o suscitado. (CC 47.950/DF, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ 7/5/2007, p. 252) 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO POPULAR AJUIZADA CONTRA ATO DO PRESIDENTE DO BNDES, QUE, POR DISCIPLINA LEGAL, EQUIPARA-SE A ATO DA UNIÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, § 1º DA LEI 4.717/65. APLICAÇÃO DOS ARTS. 99, I, DO CPC, E 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICTIONIS. 1. Debate-se a respeito da competência para julgamento de ação popular proposta contra o Presidente do Sistema BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, empresa pública federal. Não se questiona, portanto, a competência da Justiça Federal para processamento e julgamento do feito, mas busca-se a fixação da Seção Judiciária competente, se a do Rio de Janeiro (suscitante), ou de Brasília (suscitada). 2. "O art. 5º da referida norma legal [Lei 4.717/65] determina que a competência para processamento e julgamento da ação popular será aferida considerando-se a origem do ato impugnado. Assim, caberá à Justiça Federal apreciar a controvérsia se houver interesse da União, e à Justiça Estadual se o interesse for dos Estados ou dos Municípios. A citada Lei 4.717/65, entretanto, em nenhum momento fixa o foro em que a ação popular deve ser ajuizada, dispondo, apenas, em seu art. 22, serem aplicáveis as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não contrariem os dispositivos da Lei, nem a natureza específica da ação. Portanto, para se fixar o foro competente para apreciar a ação em comento, mostra-se necessário considerar o objetivo maior da ação popular, isto é, o que esse instrumento previsto na Carta Magna, e colocado à disposição do cidadão, visa proporcionar" (CC 47.950/DF, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJU de 07.05.07). 3. Partindo da análise da importância da ação popular como meio constitucional posto à disposição "de qualquer cidadão" para defesa dos interesses previstos no inc. LXXIII do art. 5º da Constituição Federal/88, concluiu a Primeira Seção desta Corte pela impossibilidade de impor restrições ao exercício desse direito, terminando por fixar a competência para seu conhecimento consoante as normas disciplinadas no Código de Processo Civil em combinação com as disposições constitucionais. 4. Ato de Presidente de empresa pública federal equipara-se, por disciplina legal (Lei 4.717/65, art. 5º, § 1º), a ato da União, resultando competente para conhecimento e julgamento da ação popular o Juiz que "de acordo com a organização judiciária de cada Estado, o for para as causas que interessem à União" (Lei 4.717/65, art. 5º, caput). 5. Sendo igualmente competentes os Juízos da seção judiciária do domicílio do autor, daquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, do Distrito Federal, o conflito encontra solução no princípio da perpetuatio jurisdicionis. 6. Não sendo possível a modificação ex officio da competência em razão do princípio da perpetuatio jurisdicionis, a competência para apreciar o feito em análise é do Juízo perante o qual a demanda foi ajuizada, isto é, o Juízo Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, o suscitado. 7. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 7ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, o suscitado. (CC 107.109/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 18/3/2010) 

Não se pretende aqui revogar o retromencionado entendimento do STJ sobre a competência, haja vista ser ele indubitavelmente legal e ancorado em precedentes. Mas deve ser realizado um distinguishing, ante as peculiaridades do caso que levam a que se proceda a este julgamento nos termos da eficiência e da eficácia que se deseja no caso desses processos e com a complexidade inerente. 

Desse modo, a regra geral do STJ não será aplicada aqui, porque deve ser usada quando a Ação Popular for isolada. Contudo, na atual hipótese, tem-se que a Ação Popular estará competindo e concorrendo com várias outras Ações Populares e Ações Civis Públicas, bem como com centenas, talvez milhares, de ações individuais. 

Malgrado isso, as circunstâncias do caso concreto devem ser analisadas de forma que se ajuste o Direito à realidade. Para tanto, mister recordar dos percalços que envolvem a competência jurisdicional para apreciar o desastre de Mariana/MG, o que levou o STJ a eleger um único juízo para julgar todas as ações que versassem sobre o tema, precisamente um Juízo Federal em Minas Gerais, para evitar decisões conflitantes e possibilitar que a Justiça possa ser realizada de maneira mais objetiva. 

Assim, consoante o ínclito Min. Og Fernandes, em seu voto-vogal, a presente hipótese apresenta peculiaridades que a distinguem dos feitos anteriormente enfrentados pelo STJ, de modo que fica superada a regra geral contida nos precedentes invocados, nos moldes no que dispõe o art. 489, § 1º, VI, do CPC/2015. De fato a tragédia sem precedentes ocorrida em Brumadinho/MG traz à tona a necessidade de solução prática diversa, a fim de entregar, da melhor forma possível, a prestação jurisdicional à população atingida. Impõe-se ao STJ adotar saída pragmática que viabilize uma resposta do Poder Judiciário aos que sofrem os efeitos da inominável tragédia. 

Deveras a Lei 4.717/1965 não contém regras de definição do foro competente para o processamento das Ações Populares. À época de sua edição, ainda não vigorava a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), portanto utilizava-se até então o CPC, subsidiariamente. Todavia, com a promulgação da retromencionada Lei 7.347/1985, a aplicação subsidiária do CPC passou a ser reservada àqueles casos para os quais as regras próprias do processo coletivo também não se revelassem suficientes. 

Por conseguinte, a definição do foro competente para a apreciação da Ação Popular, máxime em temas como o de direito ambiental, reclama a aplicação, por analogia, da regra pertinente contida no seu artigo 2º: 

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001). 

Tal medida se mostra consentânea com os princípios do Direito Ambiental, por assegurar a apuração dos fatos pelo órgão judicante que detém maior proximidade com o local do dano e, portanto, revela melhor capacidade de colher as provas de maneira célere e de examiná-las no contexto de sua produção. 

É verdade que, ao instituir a Ação Popular, o legislador constituinte buscou privilegiar o exercício da fiscalização e da própria democracia pelo cidadão. 

Disso não decorre, contudo, que as Ações Populares devam ser sempre distribuídas no foro mais conveniente a ele; no caso, o de seu domicílio. Isso porque casos haverá, como o destes autos, em que a defesa do interesse coletivo será mais bem realizada no local do ato que, por meio da ação, o cidadão pretenda ver anulado. Nessas hipóteses, a sobreposição do foro do domicílio do autor ao foro onde ocorreu o dano ambiental acarretará prejuízo ao próprio interesse material coletivo tutelado por intermédio dessa ação, em benefício do interesse processual individual do cidadão, em manifesta afronta à finalidade mesma da demanda por ele ajuizada. 

No sentido do exposto, cito Celso Antônio Pacheco Fiorillo (Princípios do Direito Processual Ambiental, 4ª edição, São Paulo, Saraiva, 2010, p. 224), para quem, 

“tratando-se de meio ambiente, as regras de fixação de competência serão orientadas pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor, de maneira que será competente para o julgamento da ação popular o juízo do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, independente de onde o ato teve sua origem.” O referido autor reputa absoluta a competência mencionada, acrescentando (p. 169): 

Determina o art. 2º da Lei da Ação Civil Pública que o juízo competente para processar e julgar ações coletivas ambientais é o do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano. Trata-se de competência funcional, portanto, absoluta, que não pode ser prorrogada por vontade das partes e, se inobservada, acarreta a nulidade dos atos processuais decisórios (art. 113, § 2º, do CPC) e enseja, após o trânsito em julgado (respeitado o prazo de 2 anos), a propositura de ação rescisória, com fundamento no art. 485, II, do Código de Processo Civil. 

Também, para comentar a natureza absoluta da competência em questão, trago Hugo Nigro Mazzilli (A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, 25ª edição, São Paulo, Saraiva, 2012, p. 292): 

Diz a LACP que a competência para as ações civis públicas é funcional, do foro do local do dano. Como não foram sequer instituídos juízos com competência funcional para a defesa de interesses difusos ou coletivos, a nosso ver, quis a lei desde já assegurar que a competência nessas ações, embora fixada em razão do local do dano, é absoluta e, portanto, inderrogável e improrrogável por vontade das partes. 

Cumpre destacar, por fim, que, devido ao processamento eletrônico, as dificuldades decorrentes da redistribuição para local distante do domicílio do autor são significativamente minimizadas, se não totalmente afastadas, em decorrência da possibilidade de acesso integral aos autos por meio do sistema de movimentação processual. 

Assim, tem-se que, na presente hipótese, é mais razoável determinar que o foro competente para julgamento desta Ação Popular seja o do local do fato. Logo, como medida para assegurar a efetividade da prestação jurisdicional e a defesa do meio ambiente, entende-se que a competência para processamento e julgamento do presente feito é da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais. 

Pelo exposto, conhece-se do Conflito para declarar competente o Juízo suscitante. 

É o voto. 

VOTO-VOGAL 

O EXMO. SR. MINISTRO OG FERNANDES: Peço vênia para divergir do eminente Relator. Explico. 

O Min. Relator conclui pela competência do juízo suscitado (o Juízo Federal da 2ª Vara de Campinas-SP), como se lê na ementa: 

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DESASTRE DE BRUMADINHO. ROMPIMENTO DE BARRAGEM DA EMPRESA VALE DO RIO DOCE. AÇÃO POPULAR. LEI 4.717/1965. POSSIBILIDADE DE PROPOSITURA DA AÇÃO NO FORO DO DOMICÍLIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DOS ARTS. 99, I, DO CPC, E 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICTIONIS. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Na instância de origem, o autor da ação pleiteou o deferimento de liminar para bloqueio de ativos financeiros dos réus, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais), para indenizar os prejuízos sofridos no desastre de Brumadinho. Contudo, neste momento, o STJ aprecia apenas o Conflito de Competência. 2. Trata-se, na origem, de Ação Popular proposta por Felipe Torello Teixeira, advogado qualificado nos autos, contra União, Distrito Federal, Estado de Minas Gerais e Vale S.A., objetivando liminarmente o bloqueio de ativos financeiros dos réus, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais), e, ao final, a confirmação da tutela liminar, cumulada com a declaração de nulidade dos atos comissivos da Vale S.A. e omissivos da União, do Distrito Federal e do Estado de Minas Gerais, bem como a condenação dos réus: (1) à recuperação do meio ambiente degradado pelo rompimento da barragem da Vale S.A. no Município de Brumadinho – MG; (2) ao pagamento de indenização compensatória dos danos materiais e morais decorrentes do referido rompimento, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais); (3) ao pagamento de multa por dano ambiental, em montante a ser arbitrado por este Juízo. 3. O juiz suscitado entendeu que o foro competente, na situação específica dos autos, não seria a regra geral do domicílio do autor, haja vista que, em virtude da defesa do interesse coletivo, o processamento da ação seria mais bem realizado no local da ocorrência do ato que, por meio da ação, o cidadão pretende anular. O juiz suscitante, por sua vez, defende que o julgamento poderá ser atribuído à Vara Federal do domicílio do peticionante. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRINGIR A AÇÃO POPULAR 4. Partindo da análise da importância da Ação Popular como meio constitucional posto à disposição "de qualquer cidadão" para defesa dos interesses previstos no inc. LXXIII do art. 5º da Constituição Federal/1988, concluiu a Primeira Seção do STJ pela impossibilidade de impor restrições ao exercício desse direito, terminando por fixar a competência para seu conhecimento consoante as normas disciplinadas no Código de Processo Civil em combinação com as disposições constitucionais. Assim, nos termos do inciso I do art. 99 do CPC, para as causas em que a União for ré, é competente o foro da Capital do Estado. Esse dispositivo, todavia, deve ser interpretado em conformidade com o § 2º do art. 109 da Constituição Federal, de modo que, em tal caso, "poderá o autor propor a ação no foro de seu domicílio, no foro do local do ato ou fato, no foro da situação do bem ou no foro do Distrito Federal". Trata-se, assim, de competência concorrente, ou seja, a ação pode ser ajuizada em quaisquer desses foros (CC 47.950/DF, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJ 7/5/2007, p. 252). PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICIONIS 5. O STJ já apresentou seu entendimento sobre a matéria ao julgar caso que guarda similitude com o presente, no sentido de que, sendo igualmente competentes os Juízos do domicílio do autor ou onde houver ocorrido o dano (local do fato), o conflito encontra solução no princípio da perpetuatio jurisdicionis (CC 107.109/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe 18/3/2010). COMPETÊNCIA TERRITORIAL 6. Com efeito, não sendo possível a modificação ex officio da competência em razão do princípio da perpetuatio jurisdicionis, a competência para examinar o feito em tela é do Juízo perante o qual a demanda foi ajuizada, isto é, o Juízo Federal da 2ª Vara de Campinas – SJ/SP, o suscitado. CONCLUSÃO 7. Conflito de Competência conhecido para declarar competente o Juízo suscitado.” (grifos no original) 

Note-se que o eminente Relator embasa seu voto em dois fundamentos principais: 1) "o direito do cidadão de promover a Ação Popular constitui um direito político fundamental, da mesma natureza de outros direitos políticos previstos na Constituição Federal" e "tem-se por desarrazoado determinar-se como foro competente para julgamento da Ação Popular, na presente hipótese, o do local em que se consumou o ato. Isso porque tal entendimento dificultaria a atuação do autor, que vive em outro domicílio"; 2) a Primeira Seção tem precedentes no sentido da possibilidade de eleição de foro de domicílio do autor nas ações em que a União ou Estado forem os demandados, como, de fato, ocorreu no caso vertente. 

O caso concreto, no entanto, apresenta peculiaridades que o distinguem dos feitos anteriormente enfrentados por esta Corte Superior, de modo a superar a regra geral contida nos precedentes invocados pelo Min. Relator, nos moldes do que dispõe o art. 489, § 1º, VI, do CPC/2015. 

De fato, a tragédia sem precedentes ocorrida em Brumadinho/MG traz à tona a necessidade de solução prática diversa, a fim de entregar a prestação jurisdicional à população atingida da melhor forma possível. 

Entendo que a fixação do local em que se consumou o ato como foro competente para julgamento da ação popular não representa restrição ao manejo desse tipo especial de ação. Isso porque a ação popular prosseguirá, apenas não tramitando no domicílio do autor. A dificuldade de participação do autor na instrução é muito menos danosa do que o incremento nos custos financeiros e nas dificuldades da realização da instrução no feito em tela. 

A existência de foros concorrentes no art. 109, § 2º, da Constituição Federal, e nos arts. 51 e 52 do CPC/2015, não deve ser interpretado como uma regra absoluta, podendo sofrer restrições, como a que penso devamos realizar no caso concreto. 

A distância de Brumadinho/MG a Campinas/SP é de cerca de 540 km, o que dificultaria sobremaneira a produção da prova, lembrando que a instrução probatória no presente feito é de extrema complexidade técnica e envolve um número avassalador de vítimas. A distância de Brumadinho/MG a Belo Horizonte/MG, por outro lado, é de apenas 60 km. 

O apego a tecnicalidades jurídicas, no presente caso, resultaria em um imenso prejuízo ao interesse público e à participação dos cidadãos em sua defesa, justamente o contrário do que a previsão de foros concorrentes pretende evitar. 

Impõe-se ao STJ, segundo penso, a adoção de uma solução pragmática que viabilize uma resposta do Poder Judiciário à população que sofre os efeitos da inominável tragédia. 

Assim, rogando vênias por divergir do Exmo. Min. Relator, voto pela competência do juízo suscitante (17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais) para o processamento e julgamento do presente processo. 

É como voto. 

VOTO-VOGAL 

MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES: Senhor Presidente, quero registrar que acompanho o Ministro HERMAN BENJAMIN, na solução dada a esse caso. 

Efetivamente, estamos dando aqui uma solução análoga e consentânea com aquela que foi dada em relação às ações do desastre ambiental de Mariana. O local do dano, no caso, é onde se encontra todo o objeto da prova a ser colhida. 

Penso que é a solução, além de coerente com a dada ao desastre de Mariana, a mais adequada ao deslinde dos vários processos que gravitam em torno do trágico desastre. 

19 de abril de 2021

AÇÃO POPULAR - Em regra, o autor pode ajuizar a ação popular no foro de seu domicílio, mesmo que o dano tenha ocorrido em outro local; contudo, diante das peculiaridades, as ações envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho devem ser julgadas pelo juízo do local do fato

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2020/02/info-662-stj-1.pdf


AÇÃO POPULAR - Em regra, o autor pode ajuizar a ação popular no foro de seu domicílio, mesmo que o dano tenha ocorrido em outro local; contudo, diante das peculiaridades, as ações envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho devem ser julgadas pelo juízo do local do fato 

Em 2019, houve o rompimento de uma barragem de rejeitos de minério, localizada em Brumadinho (MG). O rompimento resultou em um terrível desastre ambiental e humanitário. Felipe, na condição de cidadão, ajuizou ação popular contra a União, o Estado de Minas Gerais e a Vale S.A., pedindo para que os réus fossem condenados a recuperar o meio ambiente degradado, pagar indenização pelos danos causados e pagar multa por dano ambiental. Como Felipe mora em Campinas (SP), ele ajuizou a ação no foro de seu domicílio e a demanda foi distribuída para a 2ª Vara Federal de Campinas (SP). Ocorre que na 17ª Vara Federal de Minas Gerais existem ações individuais, ações populares e ações civis públicas tramitando contra os mesmos réus e envolvendo pedidos semelhantes a essa ação popular ajuizada em Campinas. Quem é competente para julgar esta ação popular: o juízo do domicílio do autor ou o juízo do local em que se consumou o ato danoso? O juízo do local onde se consumou o dano (17ª Vara Federal de Minas Gerais). 

Regra geral: em regra, o autor pode ajuizar a ação popular no foro de seu domicílio, mesmo que o dano tenha ocorrido em outro local. Isso porque como a ação popular representa um direito político fundamental, deve-se facilitar o seu exercício. Exceção: o STJ entendeu que o caso concreto envolvendo Brumadinho era excepcional com inegáveis peculiaridades que impõem a adoção de uma solução diferente para evitar tumulto processual em uma situação de enorme magnitude social, econômica e ambiental. Assim, para o STJ é necessário superar, excepcionalmente, a regra geral. Entendeu-se que seria necessário adotar uma saída pragmática para permitir uma resposta do Poder Judiciário aos que sofrem os efeitos desta grande tragédia. A regra geral do STJ deve ser usada quando a ação popular for isolada. Contudo, no caso de Brumadinho havia uma ação popular em Campinas (SP) competindo e concorrendo com várias outras ações populares e ações civis públicas, bem como com centenas, talvez milhares, de ações individuais tramitando em MG, razão pela qual, em se tratando de competência concorrente, deve ser eleito o foro do local do fato. Em face da magnitude econômica, social e ambiental do caso concreto, é possível a fixação do juízo do local do fato para o julgamento de ação popular que concorre com diversas outras ações individuais, populares e civis públicas decorrentes do mesmo dano ambiental. 

STJ. 1ª Seção. CC 164.362-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/06/2019 (Info 662). 

Rompimento da barragem de Brumadinho 

Em 25 de janeiro de 2019, houve o rompimento de uma barragem de rejeitos de minério, localizada no Município de Brumadinho (MG). A barragem era de responsabilidade da mineradora Vale S.A. O rompimento resultou em um terrível desastre ambiental e humanitário, com inúmeros mortos e uma grande poluição. 

Ação popular 

Felipe, na condição de cidadão, ajuizou ação popular contra a União, o Estado de Minas Gerais e a Vale S.A., pedindo para que os réus fossem condenados a: 

1) recuperar o meio ambiente degradado pelo rompimento; 

2) pagar indenização pelos danos materiais e morais causados; 

3) pagar multa por dano ambiental. 

Como Felipe mora em Campinas (SP), ele ajuizou a ação no foro de seu domicílio e a demanda foi distribuída para a 2ª Vara Federal de Campinas (SP). Um dos dispositivos invocados para a firmar a competência foi o art. 51, parágrafo único do CPC: 

Art. 51. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autora a União. Parágrafo único. Se a União for a demandada, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou no Distrito Federal. 

Outras ações tramitando na Justiça Federal de MG 

Na 17ª Vara Federal de Minas Gerais existem ações individuais, ações populares e ações civis públicas tramitando contra os mesmos réus e envolvendo pedidos semelhantes a essa ação popular ajuizada em Campinas. Ao tomar conhecimento disso, o Juízo da 2ª Vara Federal de Campinas remeteu os autos da ação popular para a 17ª Vara Federal de Minas Gerais por entender que o foro competente, na situação específica dos autos, não se enquadra na regra geral do domicílio do autor, haja vista que, em virtude da defesa do interesse coletivo, o processamento da ação seria mais bem realizado no local em que ocorreu a tragédia.  

A questão chegou até o STJ. O que foi decidido? Quem é competente para julgar esta ação popular: o juízo do domicílio do autor ou o juízo do local em que se consumou o ato danoso? 

O juízo do local em que se consumou o ato danoso. Vamos entender com calma. 

Competência territorial da ação popular 

A ação popular é prevista no art. 5º, LXXIII, da CF/88: 

Art. 5º (...) LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; 

No âmbito infraconstitucional, esta ação é regulamentada pela Lei nº 4.717/65, recepcionada pela CF/88. O art. 5º da Lei nº 4.717/65 trata sobre a competência da ação popular, mas não traz nenhuma regra sobre a competência territorial. O art. 22 da Lei afirma que devem ser aplicadas, subsidiariamente, as regras do CPC, naquilo que não contrariar os dispositivos da lei nem a natureza específica da ação. 

Regra geral 

O art. 51, parágrafo único, do CPC autoriza que o autor da ação popular ajuíze a ação tanto no foro de seu domicílio como também no local onde ocorreu o fato. Sendo igualmente competentes o juízo do domicílio do autor popular e o do local onde houver ocorrido o dano (local do fato), o STJ afirma que, como regra, a competência para examinar o feito é daquele em que haja menor dificuldade para o exercício da ação popular. Veja o leading case sobre o tema no STJ: 

(...) 1. Não havendo dúvidas quanto à competência da Justiça Federal para processar e julgar a ação popular proposta em face da União, cabe, no presente conflito, determinar o foro competente para tanto: se o de Brasília (local em que se consumou o ato danoso), ou do Rio de Janeiro (domicílio do autor). 

2. A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art. 5º, LXXIII, que "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência". Tal ação é regulada pela Lei 4.717/65, recepcionada pela Carta Magna. 

3. O art. 5º da referida norma legal determina que a competência para processamento e julgamento da ação popular será aferida considerando-se a origem do ato impugnado. Assim, caberá à Justiça Federal apreciar a controvérsia se houver interesse da União, e à Justiça Estadual se o interesse for dos Estados ou dos Municípios. A citada Lei 4.717/65, entretanto, em nenhum momento fixa o foro em que a ação popular deve ser ajuizada, dispondo, apenas, em seu art. 22, serem aplicáveis as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não contrariem os dispositivos da Lei, nem a natureza específica da ação. Portanto, para se fixar o foro competente para apreciar a ação em comento, mostra-se necessário considerar o objetivo maior da ação popular, isto é, o que esse instrumento previsto na Carta Magna, e colocado à disposição do cidadão, visa proporcionar. 

4. Segundo a doutrina, o direito do cidadão de promover a ação popular constitui um direito político fundamental, da mesma natureza de outros direitos políticos previstos na Constituição Federal. Caracteriza, a ação popular, um instrumento que garante à coletividade a oportunidade de fiscalizar os atos praticados pelos governantes, de modo a poder impugnar qualquer medida tomada que cause danos à sociedade como um todo, ou seja, visa a proteger direitos transindividuais. Não pode, por conseguinte, o exercício desse direito sofrer restrições, isto é, não se pode admitir a criação de entraves que venham a inibir a atuação do cidadão na proteção de interesses que dizem respeito a toda a coletividade. 

5. Assim, tem-se por desarrazoado determinar-se como foro competente para julgamento da ação popular, na presente hipótese, o do local em que se consumou o ato, ou seja, o de Brasília. Isso porque tal entendimento dificultaria a atuação do autor, que tem domicílio no Rio de Janeiro. 6. Considerando a necessidade de assegurar o cumprimento do preceito constitucional que garante a todo cidadão a defesa de interesses coletivos (art. 5º, LXXIII), devem ser empregadas as regras de competência constantes do Código de Processo Civil - cuja aplicação está prevista na Lei 4.717/65 -, haja vista serem as que melhor atendem a esse propósito. (...) 

STJ. 1ª Seção. CC 47.950/DF, Rel. Min. Denise Arruda, julgado em 11/04/2007. 

Assim, como regra geral, o autor pode ajuizar a ação popular no foro de seu domicílio, mesmo que o dano tenha ocorrido em outro local. Isso porque como a ação popular representa um direito político fundamental, deve-se facilitar o seu exercício. 

Exceção 

O STJ entendeu que caso concreto envolvendo Brumadinho era excepcional com inegáveis peculiaridades que impõem a adoção de uma solução diferente para evitar tumulto processual em uma situação de enorme magnitude social, econômica e ambiental. Assim, para o STJ é necessário superar, excepcionalmente, a regra geral. Entendeu-se que seria necessário adotar uma saída pragmática para permitir uma resposta do Poder Judiciário aos que sofrem os efeitos desta grande tragédia. Diante disso, o STJ entendeu que: 

Em face da magnitude econômica, social e ambiental do caso concreto (responsabilidade civil e ambiental envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho), é possível a fixação do juízo do local do fato para o julgamento de ação popular que concorre com diversas outras ações individuais, populares e civis públicas decorrentes do mesmo dano ambiental. STJ. 1ª Seção. CC 164.362-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 12/06/2019 (Info 662). 

Distinguishing 

Vale ressaltar que a solução encontrada é de distinguishing à luz de peculiaridades do caso concreto. Isso significa que não houve uma “revogação universal” (superação) do entendimento do STJ sobre a competência para a ação popular. Logo, o entendimento tradicional do STJ (CC 47.950/DF) deve ser mantido como regra geral. O que se fez foi abrir uma exceção no caso de Brumadinho. A regra geral do STJ deve ser usada quando a ação popular for isolada. Contudo, no caso de Brumadinho havia uma ação popular em Campinas (SP) competindo e concorrendo com várias outras ações populares e ações civis públicas, bem como com centenas, talvez milhares, de ações individuais tramitando em MG, razão pela qual, em se tratando de competência concorrente, deve ser eleito o foro do local do fato. 

Ação popular em temas ambientais 

A definição do foro competente para a apreciação da ação popular em temas como o de direito ambiental exige a aplicação, por analogia, da regra pertinente contida no art. 2º da Lei da Ação Civil Pública: 

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. 

Tal medida se mostra consentânea com os princípios do Direito Ambiental, por assegurar a apuração dos fatos pelo órgão judicante que detém maior proximidade com o local do dano e, portanto, revela melhor capacidade de colher as provas de maneira célere e de examiná-las no contexto de sua produção. É verdade que, ao instituir a ação popular, o legislador constituinte buscou privilegiar o exercício da fiscalização e da própria democracia pelo cidadão. Disso não decorre, contudo, que as ações populares devam ser sempre distribuídas no foro mais conveniente a ele; neste caso, o de seu domicílio. Isso porque, casos haverá, como o destes autos, em que a defesa do interesse coletivo será mais bem realizada no local do ato que, por meio da ação, o cidadão pretenda ver anulado. Nessas hipóteses, a sobreposição do foro do domicílio do autor ao foro onde ocorreu o dano ambiental acarretará prejuízo ao próprio interesse material coletivo tutelado por intermédio desta ação, em benefício do interesse processual individual do cidadão, em manifesta afronta à finalidade mesma da demanda por ele ajuizada. 

Ausência de prejuízo para o autor da ação popular 

Vale ressaltar, por fim, que devido ao processamento eletrônico, as dificuldades decorrentes da redistribuição para local distante do domicílio do autor são significativamente minimizadas, se não totalmente afastadas, em decorrência da possibilidade de acesso integral aos autos por meio do sistema de movimentação processual. 

Conclusão 

Ante o exposto, na presente situação envolvendo o rompimento da barragem de Brumadinho, é mais razoável determinar que a ação popular que pede a responsabilização pelos danos ocorridos seja julgada pelo juízo do local do fato.