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17 de agosto de 2021

Aula Leonardo Greco - 07/03/08 - Legitimidade e Interesse como condições da ação

 

Legitimidade e Interesse de agir

A segunda condição da ação é a legitimidade. Legitimidade das partes. Também chamado de legitimatio ad  blábláblá ou também chamada de qualidade para agir.

Art 2° do CPC/73 diz que para propor uma ação é necessário interesse e legitimidade.

O que é a legitimidade? O professor Alfredo Buzaid dizia que é a legitimidade é a pertinência subjetiva da lide.

A quem pertence a causa? Quem são as partes no litígio? As partes do litígio é que serão as partes da ação. Normalmente, a legitimidade é a qualidade para assegurar tanto o autor como o réu de uma ação, que possuem as partes na relação jurídica de direito material.

Ação de despejo. Quem é que pode propor a ação? O locador. Contra quem?Contra o locatário. Legitimidade ativa, o locador. Legitimidade passiva o locatário. Quem é que tem direitos de credito no contrato de locação que possa exigir a desocupação do imóvel? È o locador. Da parte de quem ele pode exigir? Do locatário. São partes na ação, que normalmente, são as partes na lide, que são as partes na relação jurídica de direito material.

E por isso o art 6° do CPC/73 diz que ninguém pode vir a juízo em nome próprio defender interesse alheio, salvo nos casos expressos em lei. Porque essa legitimidade, que tem as partes da relação jurídica de direito material, de assegurar como partes na ação que é uma legitimidade atual, é uma legitimidade que nós chamamos de ordinária. Porque, afinal, todo aquele que alega ter o direito, deve ter o direito de postulá-lo em juízo contra aquele que ele entende que deve alguma coisa ou em parte do qual ele tem o direito.

 Entretanto, as vezes, a lei dá legitimidade a um sujeito postular em juízo um interesse que não é dele, mas de outro. Aí é preciso ter cuidado, porque este fenômeno que é a qualidade de ser parte na ação, sem ser parte na rel. jur. de direito material, ir a juízo em nome próprio para defender um interesse alheio, que nós chamamos de substituição processual não se confunde com a representação.

Na representação eu dou uma procuração a alguém. Para ir a juízo postular um direito meu, o mandatário, o meu representante ele ñ é parte processual, ele ñ age em nome próprio, mas sim no meu nome. Eu continuo sendo parte, embora representado por aquele a quem eu conferi o mandato.

Quando o pai do menor, em nome do menor, postula um direito em favor do menor, ele não é substituto processual. Porque a parte é o menor. È um representante. Aí nos não estamos no plano das condições da ação, mas da capacidade processual, do pressuposto processual. Será que o menor está bem ou mal representado? Vamos ver se é mesmo o pai dele, através da certidão de nascimento.

Na substituição processual a parte não é titular de direito material. É aquele que a lei permite que venha postular e defender o dir. material de outrem.

Art 1182 do CPC/73 ao tratar da interdição, diz que o interditando será defendido pelo MP. A lei usa mal a palavra “representado”, porque não é uma representação. A lei dá ao MP no dever de defender a capacidade do interditando, e portanto atuar nesse processo de interdição em defesa da capacidade do interditando, agir em nome próprio na defesa de interesses alheios.

Art. 9  II do CPC/73 ao falar do Curador especial do réu revel citado por edital ou com hora certa. O réu foi citado por edital, não se sabe se tomou conhecimento ou não. Há uma suspeita dele não ter tomado conhecimento, então a lei manda que o curador especial o defenda, que no caso do estado do Rio de Janeiro é o Defensor Público. O defensor não tem mandado do Réu para defende–lo, ele ñ age em nome do Réu, ele age em seu próprio nome na defesa de interesse alheio.

 Há casos de substituição processual exclusiva e há casos de substituição concorrente ou simultânea. Ou seja, há casos em que o substituto atua sozinho, como é o caso do curador especial, e há casos em que o substituto atua junto com o substituído, é o caso da interdição, o réu se defende, mas independentemente dele se defender o MP o defende.

Por exemplo, o Réu é revel vai ser defendido pelo curador especial porque ele não apareceu para se defender, de repente ele aparece, aí cessa a defesa pelo curador especial, o Réu fica sozinho, porque a parte na relação jur. de dir. material é ele, o Réu. Na interdição o MP vai defender o interditando até o fim, mesmo que com a presença dele.

A substituição processual é excepcional. Tem que ser excepcional, para ampliar as possibilidades de defesa de quem possa a ter alguma deficiência na sua defesa,como é o caso do interditando, que pode não ter discernimento para exercer bem a sua defesa ou no caso do réu revel citado por edital ou com hora certa, que pode não ter tomado conhecimento da ação.

Mas a lei estabelece outros casos de substituição processual, por exemplo, no regime dotal, uma das espécies do regime patrimonial, de bens do casamento, no regime do CC/16, não existe mais no CC/02, mas os casamentos anteriormente celebrados nesse regime continuam sujeitos a ele. Regime Dotal era usado principalmente pq a mulher ainda não tinha se emancipado.  O pai para desencalhar a filha, muitas vezes atraía candidatos dando a eles o dote. Esse dote era uma doação á filha, mas entregue a administração do marido. E se houvesse qualquer litígio a respeito desses bens dotais, quem tinha que defender em juízo os bens da mulher era o marido. A mulher era relativamente incapaz até 1962. Depois dessa data ele não é mais considerada incapaz, mas o regime dotal continua, quem vai defender os bens que o pai dela deu para ela é o seu marido. Eu acho que isso é inconstitucional para mulher, se a mulher quiser defender seus direitos, esta na CF o direito dela. Nenhuma ameaça de lesão ao direito pode ser subtraída da apreciação oficial, se o marido não defende o direito dela, ela não pode ser privada de pedir a tutela de seus direitos.

A substituição processual, diante da evolução do direito moderno, em favor da cidadania, em favor da dignidade humana, em favor dos dir. fundamentais, ainda é um instituto inchado de problemas.

 Porque, por exemplo, a doutrina tradicional costuma dizer que a sentença proferida na causa em que a parte foi defendida pelo substituto processual para fazer coisa julgada em relação a ele, substituto, também o faz em relação ao substituído. Ora, isso não pode acontecer sempre. Claro que no caso do substituído no caso de réu revel citado por edital foi chamado a se defender e não atendeu a citação, é razoável que a sentença faça coisa julgada em relação a ele. Mas se o substituído não se defendeu porque jamais foi chamado a se defender, como é que a sentença vai fazer coisa julgada?

E aí, outros tem defendido e eu mesmo, que em muitos casos de substituição processual, a sentença só faz coisa julgada quando for in utilibus, a favor do substituído, nunca contra. Porque ninguém pode perder o direito de uma sentença judicial pode por um processo de não se defendeu, que não teve possibilidade de se defender porque não foi chamado.

Na ação civil pública, que é aquela ação coletiva para a tutela de interesses difusos, coletivos strito sensu ou individuais homogêneos (regulada na lei 7347/85 do CDC, art. 81 e seguintes) a legitimidade do MP, das associações, para a defesa desses interesses coletivos ou difusos ou individuais homogêneos, a meu ver, é uma legitimidade extraordinária, como o substituto processual.

Mas esta matéria não esta pacificada, há autores como o prof. Paulo César Carneiro da UERJ, defendem que é uma legitimidade ordinária. Na verdade o MP não defende os interesses, por exemplo, dos cegos, numa ação coletiva ele não esta defendendo o interesse dele, nem esta defendendo o interesse geral de uma comunidade. Esta defendendo interesses de um grupo dentro da comunidade.

Ao meu ver, ele é um substituto processual e não um legitimado ordinário. É um legitimado extraordinário.

No Brasil a legitimação extraordinária ou substituição processual sempre depende de lei, porque ela esta expressa no art.6 do CPC/73. A regra é que a legitimidade é ordinária partes na rel. jur. de dir. material, partes na lide. Quem pode propor uma ação contra outrem? Quem alegar um dir. seu em face do qual ele está propondo a ação. Essa é a regra. Se eu alego meu dir. em relação contra A e proponho contra B eu sou carecedor da ação por falta de legitimidade passiva. Se eu alego um dir. que não é meu, eu sou carecedor da ação por falta de legitimidade ativa. A menos que a lei permita a minha legitimação extraordinária.

E a legitimação ordinária e a exigência que só a lei pode permitir a legitimação extraordinária nada mais é do que a proteção da liberdade de cada um. Se eu não quero propor ação nenhuma contra o meu vizinho de cima, ninguém pode ir a juízo reivindicar um dir. meu. Eu é que tenho que reivindicar se eu quiser. Ninguém pode me obrigar. As vezes eu tenho medo de brigar c meu vizinho de cima, eu sou mais fraco, eu não tenho condições de lutar com ele, então vem o MP ou uma associação e propõe uma ação em nome de todos do prédio contra o vizinho de cima, uma ação coletiva.

As ações coletivas dos sindicatos, das associações, do MP são uma muleta para dar condições de ingresso ao juízo, de acesso a justiça para pessoas que talvez até quisessem entrar na justiça, mas que não esta disposta a brigar c seu adversário ou ate para as pessoas para quem o litígio individual ia ser muito custoso.

Então, normalmente na legitimação ordinária, o autor tem que afirmar que ele é titular de um dir. material, e que esse dir. é contra o Réu.

 

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A 3° condição da ação é o interesse de agir. O conceito tradicional do interesse de agir é a necessidade de recorrer a jurisdição para alcançar o bem da vida. Por que eu preciso ir a juízo para alcançar o gozo de um determinado bem? Porque há uma pretensão resistida, há uma lide. È a resistência de alguém impedindo que eu me aposse de um bem que eu acho q é meu. Como a lei , a sociedade civilizada, regida pelo direito impede a auto tutela, fazer justiça com as próprias mãos, é até crime se justificar com as próprias razoes, então eu vou a justiça requerer este bem da vida. Aí é que nasce o interesse de agir. Ou nasce da lide ou nasce da própria lei.

Há certos direitos que mesmo sem lide,a lei não permite que o autor alcance seu gozo a não ser mediante uma ação judicial,mediante uma decisão judicial. É o que acontece na jurisdição voluntária, no que Carnellutti chamou de processos sem lide. Ex. Interdição. O réu não pode chegar no cartório e pedir: “anota aí, eu sou maluco”. Tem que ir a juízo, é a lei que impõe a quem quer obter a suspensão ou a supressão da capacidade civil . A mulher quer anular o casamento c seu marido, os dois querem anular o casamento, mas não podia sem ter uma sentença judicial. Não há lide entre elas, mas a lei diz que anulação de casamento só mediante a sentença judicial. O interesse de propor uma ação não decorre da resistência do outro, ocorre da imposição da lei.

Então o interesse de agir nasce lide ou da imposição da lei. Um determinado efeito jur. só pode ser alcançado através de uma decisão judicial.

O interesse de agir  suscita muitas controvérsias e nessa introdução a gente não pode tratar de todas as exceções. Mas hoje se fala no interesse- necessidade, utilidade e adequação.

Vejam que eu defini interesse como necessidade.

O interesse- utilidade se aplicaria à certas situações em que a lei permite que o efeito jurídico seja alcançado por provimento jurisdicional,mas ñ é estritamente necessário. Esse efeito jur. poderia ser alcançado por outras vias, mas ainda sim , a lei permite, ñ impõe. Ex. Separação consensual pode ser feita judicialmente ou extrajudicialmente. A escolha da via judicial pode ser justificada por fornecer mais segurança jurídica, pode haver alguma suspeita do outro. é uma garantia.

Esse interesse –utilidade também existe nas ações declaratórias. As ações meramente declaratórias. Eu peço ao juiz que declare a validade de um contrato. Ele existe. eu só quero que o juiz declare a validade do contrato. Eu tenho interesse de agir? As duas partes estão cumprindo o contrato. Qual a necessidade de ir ao juiz pedir que ele declare que ele seja valido? Ele já era válido com a presença judicial ou sem. Mas existe um dúvida, alguém esta questionando se o contrato é válido e isso pode me fazer sofrer riscos num momento futuro, então eu vou a justiça para que declare sua validade. Essa declaração não vai resultar em sentença, mas a medida vai ser útil para garantir a segurança jurídica. Então esse seria o interesse utilidade.

Na minha opinião, todo interesse utilidade é interesse necessidade. Necessidade de segurança jurídica, de obter o provimento jurídico.

Às vezes a gente também vê o interesse utilidade em certas ações que a parte não precisaria propor, mas propõe. Ex. A prefeitura pode, sem precisar ir a justiça, demolir qualquer prédio urbano ou rural que corre risco de desabamento. Isto esta na legislação urbanística de qualquer município. Ex Palace II, como havia muita polêmica, em relação ao desabamento e a prefeitura ñ queria sofrer desgaste de imagem, ela propôs uma ação judicial e pediu ao judiciário q autorizasse a demolição. Muitos dizem que a prefeitura não tinha interesse d agir , pq ela não tinha necessidade de ir a justiça, ela podia demolir. Ela foi a um órgão imparcial para que não fosse só ela que dissesse que aquele prédio deveria ser demolido. No momento em que ela entrou com a ação, ela renunciou ao poder de auto administração. E é bom que isso aconteça pq no estado democrático o estado deve justificar seus atos deve ser transparente.

Ex. O reitor Vilena tomou posse e os alunos acharam que ele era um interventor, um ditador. Então, os estudantes invadiram a reitoria. A UFRJ podia ter chamado a polícia para ter retirado os estudantes a força, mas já imaginaram se isso ocorre? Se algum estudante morre? A reitoria recorreu ao judiciário com uma ação de reintegração de posse. Aí é o oficial de justiça que estava acompanhado da policia que retira os estudantes. Se houver algum abuso de poder, não é pelo reitor. A Universidade não tinha interesse de agir para aqueles que acham que o poder de auto tutela da administraçao publica é irrenunciável, porque podia ela própria chamar a policia para retirar os estudantes. Mas ela por tolerância, para alimentar esse clima mais aberto e mais democrático ela buscou a justiça.

O interesse adequação, para mim não é condição da ação. É pressuposto processual. Este interesse é adequação do provimento ou do procedimento à obtenção do efeito jur. desejado, do bem da vida.

Se eu formulo um pedido que não é apto a alcançar aquele bem da vida, o provimento que eu estou pedindo é inadequado. E a minha petição inicial é inepta. Esta lá no art. 295.

Ex. inadequação de provimento - eu propus uma ação possessória alegando que o réu é esbulhador do meu imóvel ele invadiu meu imóvel, ai o juiz diz na sentença a partir das provas, da contestação do Réu, que não houve esbulho. O Réu era inquilino. a reintegração de posse é um procedimento inadequado. Para retirar um inquilino do imóvel é preciso rescindir o contrato de locação. O provimento para retirada do ocupante é inadequado.

O juizado especial, não segue essa regra. O Greco conta o caso da conta de telefone. Que o autor pega uma conta de telefone e pede R$ 6000,00 pq o vizinho dele conseguiu essa quantia. Ele nem sabe o que vai pedir. Mesmo assim o juiz percebe a ignorância do autor e orienta-o para conseguir esse direito, porque ele vê que a pessoa não possui nenhuma assistência jurídica. Há flexibilização do art. 264. Não desrespeita a autonomia de vontade do autor. Como disse Calamandrei a justiça não foi feita para fantoches, foi feita para seres humanos tal como eles são. Sobre a sobrecarga no judiciário devido a estas demandas Greco responde: O que é mais importante? O comodismo do Estado ou o cidadão ter seus direitos respeitados? O estado de dir. contemporâneo esta baseado em alicerces de respeito aos dir. fundamentais. O estado tem o dever de advertir, que os alemães chamam de blábláblá o juiz não vai impor sua visão à causa, ele só vai, como Sócrates, na maiêutica socrática, perguntar a parte se é isso ou aquilo que ela quer sem impor sua vontade. O juiz não pode impor o que o autor vai pedir, ele vai tentear conduzir a parte a esclarecer o que ela quer. ou então ele pede que a parte procure o defensor publico para que ele volte c a formulação de um pedido se ele conseguir ali mesmo o esclarecimento ele perceber q a parte tem condições de se defender ele deixa seguir assim.(art 9° & 2° da lei 9999)

Ex. Procedimento inadequado - Quando impetram um MS e o juiz na hora denega o pedido, pois não era caso de MS. Extinção do processo sem julgamento de mérito. Falta de dir. líquido e certo. Porque na verdade os fatos são controvertidos. O MS é um procedimento sumario, que não possibilita ação probatória, não possibilita realização de audiência, inquisição de testemunhas, estudos periciais. Ou os fatos são incontroversos ou são provados por prova documental. Fora disso não cabe MS.Os defensores do interesse adequação dizem que isso é falta de interesse de agir. Não. Esse autor que impetrou o MS errado, ele continua tendo interesse de agir para alcançar o bem da vida, só que ele deu o tiro errado. Ele usou o meio inadequado. Isso é falta de pressuposto processual. Pressuposto objetivo, subordinação do procedimento as normas legais, neste caso para se alcançar o dir. era necessário se adotar um outro procedimento.

O provimento ou procedimento inadequado para alcançar o bem da vida constitui o chamado interesse adequação, que ao meu ver, não soa falta de condição da ação, falta de dir. a jurisdição e sim falta de pressuposto de validade do processo. Pois o dir. a jurisdição existe, só que ele não é atingível por este provimento ou procedimento adotado.

Tem duas decisões da justiça italiana que se referem a estes casos em que o autor da o tiro errado. Foi decidido que seja aproveitado esse tiro errado e que ele se converta no procedimento adequado para que o autor não sofra um prejuízo maior da impossibilidade de tutela por aquela via, que muitas vezes ate impede que ela use outra via. E, portanto, vai privá-la da tutela do direito. No Brasil, essa idéia vai soar como absurda. Mas não é. É muito fácil para o judiciário lavar as mãos. Mas ele não deve fazer isto. Deve exercer a jurisdição na forma da lei, mas deve facilitar o julgamento do litígio, a tutela do dir. material. E não ficar com formalismos, só criando entraves.

Ex. carimbo ilegível - Centenas de recursos não foram reconhecidos porque o carimbo estava ilegível. Não dava para ver a data que o recurso foi pedido. Mas isso não é culpa do recorrente, a falta de tinta no carimbo do tribunal não é culpa do recorrente.  Batem a porta da justiça na cara do cidadão, porque o judiciário não foi capaz de ter tinta no carimbo. Essa é uma justiça egoísta que esta preocupada com o conforto do juiz.  É um justiça que é feita contra nós e não para nós.

Será que existem outras condições da ação? Pois o art 267 da a entender que não é uma enumeração exaustiva. Na minha opinião ñ há outras condições da ação.

O segundo problema é o do limite entre as condições da ação. Elas são questões processuais ou são questões de dir. material? Há sistemas processuais como o sistema alemão que só existem 2 tipos de questões: a processual e a de dir. material e não se fala de condições da ação. Nosso CPC/73 adotou a trilogia, 3 tipos de questões, pressupostos processuais, condições da ação e mérito.

Mas embora tenha adotado a trilogia de questões, o CPC/73 jogou as condições da ação junto com os pressupostos processuais nos motivos de extinção do processo sem a resolução de mérito. Então para nosso código, as condições da ação não são mérito. Mas aí vem a critica, mas como é que o juiz vai aferir se o pedido é licito, se a parte é legitima, se tem necessidade de tutela jurisdicional sem examinar qual é o dir material? É sob a luz do dir. material alegada pelas partes que o juiz afere se ela tem ou não as condições da ação. Como é que o dir. positivo diz que é uma questão processual? Quando na verdade elas são aferidas à luz do dir. material. Depois de longa discussão, de um longo processo, ele descobre que o autor não é titular de dir.material, ele deve julgar improcedente o mérito ou julgo carecedor da ação por falta de legitimidade.

A doutrina encontrou uma solução que é de que o exame de condições da ação realmente se dá olhando o juiz para o direito material tal qual alegado pelo autor, num juízo hipotético, in statu assertionis. Quando o juiz decide se o autor tem ou não condições da ação, ele não está julgando o mérito, definitivamente o dir. material, ele só está examinando em face da hipótese que o autor descreveu, se aquela hipótese se confirmar e ficar comprovada, se o pedido poderá ser acolhido.

O exame das condições da ação é um exame da procedência das alegações do dir. material do réu, da procedência hipotética das alegações do réu, se se confirmar a hipótese que o réu apresentou.

Ex. A mulher propõe uma ação de separação contra o marido. O marido vem e diz que a certidão de casamento é falsa. O juiz chega a conclusão que ele não é realmente o marido daquela mulher. Julga a autora carecedora de ação falta de blábláblá de causa ou julga o pedido improcedente? Julga improcedente. Porque em face da hipótese que a autora afirmou, ela era parte legitima, agora se essa hipótese for comprovada é julgamento de mérito.

Ex. A mulher afirmou que não era casada com o marido, mas que mesmo não sendo casada ela tem dir. a separação, com a partilhas dos bens, a guarda dos filhos, pensão. O juiz vai julgá-la carecedora da ação.

As condições da ação funcionam como filtro. Na verdade para limpar desde logo aquelas ações que são manifestamente inviáveis. Porque o pedido é ilícito ou a parte não tem legitimidade, que não tem interesse...Mas esse filtro pode ser desvirtuado. E esse é o perigo da teoria da asserção. Basta que o autor afirme que ele possui o dir material para colocar o réu na justiça. O réu não poderia ser molestado a não ser por uma ação viável. Essa é a justiça escancarada no Brasil. Ela deve estar de portas abertas, mas não escancarada. Não se pode transformar o acesso a justiça, dir a jurisdição, dir. de ação, num instrumento de perseguição do mais forte sobre o mais fraco, num instrumento de demandismo de quem, não tendo dir. algum, mente e fica bem. A justiça é tolerante com a ma fé e a mentira, permite que o inocente seja molestado.

 Para que as condições da ação não se transforme nesse instrumento de demandismo temerário, é preciso que a afirmação do dir pelo autor seja consistente. Que ele faça a afirmação de um dir. verossímil, ele tem que provar. É humilhante ter que submeter o réu a pagar adv., passar anos se defendendo, sair no jornal q ele é parte de processo, tudo isso por causa de um aventureiro que afirmou um fato completamente inverossímil. Mesmo se for verossímil , se o autor tem provas  ele tem que fornecê-las ao juiz. Conforme o art 293 do CPC/73, os documentos necessários a propositura da ação são os documentos que o autor deve ter em seu poder como prova pré constituída que demonstra a viabilidade da existência do dir material. A consistência da hipótese por ele formulada.

Às vezes o autor não tem documento nenhum. Não seria justo exclui-lo só porque ele não tem provas daquilo que ele afirmou,mas nesse caso o juiz deve exigir que ele explique de boa fé porque ele não tem documento nenhum e num 2° momento exigir outras provas.

15 de agosto de 2021

Aula Leonardo Greco - 03/08/2008: Condições da Ação

 03/03/08

CONDIÇÕES DA AÇÃO: O artigo 267 inciso VI do CPC/73 estabelece que o juiz extinguirá o processo sem resolução do mérito, sem examinar o direito material quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual (de agir). E o artigo 301 do CPC/73, ao tratar da contestação, estabelece que compete ao réu, na contestação, ou seja, na defesa, antes de discutir o mérito, antes de discutir o direito material, alegar, no inciso X, a carência da ação. O que é isso? É a falta de condições da ação. O autor não tem o direito de pedir do Estado o exercício da função jurisdicional sobre essa relação jurídica de direito material. Por quê? Ou porque o pedido é juridicamente impossível, ou por que ele não tem interesse de agir, ou porque ele não tem legitimidade. O réu deve alegar na contestação a falta de condições da ação, a carência da ação. O juiz também pode examinar de ofício, está expresso lá no artigo 267, § 3º. Mas se o réu não alegou e o processo foi adiante, o réu vai arcar com as custas a que deu casa por não ter alegado na contestação. Carência da ação é falta de alguma das condições da ação. E as condições da ação são questões que o juiz tem que apreciar antes de julgar o mérito do pedido, porque sem alguma delas o autor não tem direito a sentença de mérito, não tem direito a prestação jurisdicional sobre direito material. O que são as condições da ação? Qual é a natureza das condições da ação? Aqui também há uma divergência na doutrina, mas aqueles cinco significados que nós demos para o direito de ação ajudam a resolver essa divergência. Na minha opinião, nós podemos afirmar que as condições da ação são requisitos da existência do direito de ação. Sem alguma das condições da ação o autor não tem direito a jurisdição, não tem direito ao exercício da função jurisdicional sobre a demanda, e ele será julgado carecedor da ação e se extingue o processo sem resolução de mérito. No entanto, vocês vão encontrar em doutrina muito reputada, como José Carlos Barbosa Moreira, a noção de que as condições da ação são requisitos do regular exercício do direito de ação. Condições de existência ou condições de exercício? Condições de exercício significa que a ação existe, mas ela não pode ser exercida. Condições de existência significa que a ação não existe. Bom, aí na verdade, essa diferença decorre do uso em sentidos diversos da idéia do direito de ação. Como direito a jurisdição, as condições da ação são condições de existência. Agora como direito cívico, aqueles que falam que as condições da ação são condições para o regular exercício da ação estão admitindo que a ação exista sem as condições da ação. Na verdade é a ação como direito cívico que todo cidadão tem, mesmo que ele afirme uma hipótese absurda, que é o direito que ele tem de obter uma resposta. Mas não é ação como direito a qualquer resposta que nos interessa aqui no processo, e sim o direito a uma resposta sobre o direito material, reconhecendo ou não a existência do direito de ação e tutelando ou não esse mesmo direito. Portanto, me parece que as condições da ação são condições da existência do direito de ação como direito a jurisdição, como direito a prestação jurisdicional sobre a relação jurídica de direito. E quais são as condições da ação? O inciso VI do artigo 267 fala em possibilidade jurídica, interesse e legitimidade. Mas usa uma redação que gera a possibilidade de acreditar que possam existir outras condições da ação. E vocês vão encontrar em fecunda e relevante doutrina, até do professor Alfredo Buzaid que foi o autor do CPC/73. Alfredo Buzaid escreve um livro sobre ação renovatória e diz: olha os requisitos da ação renovatória, contrato e locação de cinco anos, que a locação seja comercial, etc, são condições existenciais da ação renovatória. Então, as condições da ação não são apenas três. Apesar da autoridade do professor Alfredo Buzaid, ele não tinha razão. As condições da ação são apenas três: possibilidade jurídica, interesse e legitimidade. As condições da ação renovatória são condições de procedência de acolhimento do pedido que o autor tem que afirmar na petição inicial, o autor tem que afirmar que a locação é de cinco anos, que era uma locação comercial, mas é o juiz que vai verificar se ficou comprovado ou não o que o autor confirmou. Se ele afirmou e não provou o seu pedido vai ser julgado improcedente, não vai ser extinto sem resolução de mérito, vai ser julgado, mas julgado contra ele. Isso é muito relevante porque normalmente quando o juiz extingue o processo sem julgamento de mérito a sua sentença não vai fazer coisa julgada. Lá está no artigo 268 que extinto o processo sem resolução do mérito, a demanda pode ser renovada, pode ser reiterada. Enquanto que quando o juiz extingue o processo com julgamento de mérito, de acordo com o artigo 467, a sentença vai atingir a imutabilidade da coisa julgada e aquele pedido não pode mais ser renovado. Então, vamos caminhar com cuidado nessa questão, não vamos cair na falácia em que caem alguns bons autores hoje.

O que é a possibilidade jurídica? Nós estamos caminhando num terreno movediço, porque aqui no artigo 267, inciso VI o código fala em possibilidade jurídica. Já lá no artigo 295, quando ele volta a mencionar as condições da ação, no seu parágrafo único, inciso III, a lei manda que o juiz indefira a petição inicial por inépcia quando o pedido for juridicamente impossível. Então, na verdade nós estamos com duas idéias, uma mais ampla e outra mais restrita, a de possibilidade jurídica ou a de possibilidade jurídica do pedido. Eu prefiro a delimitação dessa condição da ação como possibilidade jurídica do pedido e não como possibilidade jurídica que possa ser do pedido ou da causa de pedir. E é assim que eu vou tratar, em uma concepção mais restrita, menos extensa de possibilidade jurídica como condição da existência do direito de ação. A possibilidade jurídica ou possibilidade jurídica do pedido é a conformidade do pedido com a ordem jurídica vigente. Eu só posso pedir na justiça aquilo que a lei permite, eu não posso formular um pedido proibido pela lei. Quando não existia divórcio, que ingressou no Brasil em 1977 pela E.C. nº 09 e pela lei 6.515, dizia-se o pedido do divórcio é juridicamente impossível, porque era um pedido contrário a ordem jurídica, na constituição era escrito que o casamento era indissolúvel, então não podia haver divórcio. Hoje, há outros pedidos que podem ser considerados juridicamente impossíveis. Se eu pedir ao juiz que mande cortar a mão do meu vizinho porque ele coloca a vitrola muito alta e perturba o meu sossego noturno, ou pedir que ele seja preso por isso, será um pedido impossível juridicamente, pois o ordenamento jurídico brasileiro não permite a perda da liberdade de locomoção como sanção civil nem como sanção penal permite a mutilação do corpo humano. Se o meu vizinho me vendeu um rim e não quis me entregar e eu pedir na justiça que ele seja levado a força ao hospital pra extrair o rim pra poder fazer o transplante o pedido será juridicamente impossível, pois deve haver respeito ao corpo humano, não se deve admitir coações sobre o corpo humano. Ele poderia até ter ido voluntariamente ao hospital e ter tirado o rim. Houve um caso na França de uma mulher, uma bailarina que praticava sessões de strip-tease em um cabaré. Toda noite ela subia no palco e expunha seu corpo, voluntariamente. Um dia por uma razão qualquer ela não quis mais subir ao palco, mas ela tinha um contrato assinado que dizia que durante todo aquele mês ela iria subir todas as noites no palco. Aí o dono do cabaré entrou com uma ação na justiça contra ela para que ela fosse levada a força para se despir no palco. Pode? Fere a dignidade humana dela. Ela pode despir o corpo se ela quiser, mas ela não pode ser forçada a se despir nem com papel passado. Ela pode se arrepender do papel que ela assinou. Ela pode responder por perdas e danos pelo prejuízo que ela causou ao estabelecimento que deixou de faturar por causa de turistas que iriam lá para assistir o espetáculo. Foi assim que decidiu a justiça francesa. Então, hoje há muitos exemplos de pedidos juridicamente impossíveis, mas vocês vão encontra nos manuais muitos exemplos de impossibilidade jurídica que não é do pedido, mas é da causa de pedir. Por exemplo, a doutrina diz que não se pode cobrar na justiça dívida de jogo, se alguém cobrar na justiça dívida de jogo o seu pedido é juridicamente impossível? Na minha opinião, o pedido é possível sim, pois o pedido na cobrança de dívida de jogo é o pagamento de importância em dinheiro que é um pedido legalmente admitido. O que não é admitido é a causa de pedir, é o fundamento jurídico, é cobrar uma prestação de dinheiro decorrente de um jogo de azar. Para aqueles que têm uma concepção mais extensa de possibilidade jurídica, abrangendo a causa de pedir, toda vez que o fundamento for ilícito o autor é carecedor da ação. Mas eu acho que é um exagero, deve se limitar a inexistência de possibilidade jurídica como condição da ação apenas a ilicitude do pedido e não também da causa de pedir, por várias razões. A primeira é a de que se der uma extensão muito grande a impossibilidade jurídica o juiz, em muitos casos em que ele nega a existência do direito, ele poderá equivocadamente julgar o autor carecedor da ação por impossibilidade jurídica e a sentença não fará coisa julgada. Quando, na verdade, o interesse do Estado e também das partes é de que o juiz procure a sentença sobre a relação jurídica de direito material, sentença de mérito, que de fato sepulte definitivamente a questão. Então a possibilidade jurídica, ao meu ver, deve ser vista, hoje, como a ilicitude apenas do pedido. Além disso, se eu estendo muito a impossibilidade jurídica também para direitos que são alegados como fundamento do pedido, eu estou, de certo modo, frustrando a evolução da ordem jurídica. Há muitos direitos que só nasceram através da jurisprudência. Por exemplo, o direito da concubina a divisão dos bens adquiridos durante a união estável nasceu através da jurisprudência que a consagrou numa súmula do STF. Não foi a lei que criou. O direito evolui não apenas com a modificação da lei, mas também com as decisões que vão dando nova compreensão a lei. A hermenêutica moderna evolui muito através da jurisprudência. O que hoje pode parecer ser contrário ao ordenamento jurídico, amanhã pode não ser. Vejam aí a questão da mudança de nome ou até mesmo a mudança de sexo. Sem mudança de lei nenhuma nós começamos a observar uma evolução da jurisprudência. Primeiro ela era sempre negada e de repente começou a surgir um caso aqui outro acolá. Então, o direito evolui porque a sociedade evolui porque a compreensão da lei evolui e quem vai revelando essa evolução é a jurisprudência. Se nós dissermos que toda vez que a jurisprudência se deparar com um problema desses, ela deve simplesmente julgar o autor carecedor da ação, não vai haver julgamento de mérito, impedindo formação de coisa julgada, atrapalhando, dessa forma, a evolução do direito.

Aula Leonardo Greco - 03/08/2008: Poder de ação

 Aula 1 - 03/03/08

O Direito Processual moderno se assenta em três institutos fundamentais: Jurisdição, Ação e Processo. Jurisdição é a função preponderantemente estatal de tutela dos interesses dos particulares através de um órgão imparcial. Ação é o meio de exigir do Estado o exercício da jurisdição. Processo é o meio através do qual a jurisdição se exerce.

     A expressão direito de ação é usada em vários significados. É conveniente conhecê-los para não pensarmos que existem tantas divergências doutrinárias sobre seu conteúdo, pois muitas vezes as divergências resultam de os autores estarem se referindo a direitos diversos ou a conteúdos diversos da expressão direito de ação.

     O primeiro significado do direito de ação é o direito de acesso à justiça que está consagrado no inciso XXXV do artigo 5º da constituição: nenhuma lesão ou ameaça poderá ser subtraída a apreciação do poder judiciário. O direito de acesso à justiça ou a ação como direito cívico é um direito de todos os cidadãos. Todos têm o direito de se dirigir ao poder judiciário para obter uma resposta a respeito de qualquer postulação. É um direito que decorre da dignidade humana, da cidadania e que é conferido a todos indistintamente. O direito de ação como direito cívico nada mais é do que a projeção judiciária do direito de petição que também está consagrado nos incisos do artigo 5º: todos têm direito de se dirigir ao estado para formular postulações. O Estado tem o dever de responder essas postulações. O Estado serve ao cidadão. O Estado tem de responder a todas as provocações que os cidadãos dirigirem a ele. Mas dizer que todos têm o direito de ação como direito cívico não significa que todos que se dirigirem ao juiz formulando uma postulação vão receber uma resposta favorável. E também não significa que todos que se dirigirem ao juiz pedindo alguma coisa sejam realmente titulares do direito material. Podem não ser. Mas toda vez que alguém se dirigir ao juiz pedindo alguma coisa, o juiz tem o dever de dar uma resposta, ainda que seja uma resposta dizendo que não vai dar resposta. Esse direito de ação como direito cívico diz muito pouco ou quase nada em termos processuais, porque esse é um direito dado a todos. Assim, se eu me dirigir ao juiz dizendo: o meu vizinho de cima briga com a mulher hein. Acho que vossa excelência devia separar os dois. O Juiz vai me dizer: você não tem nada a ver com isso. Não se meta no casamento dos seus vizinhos. Mas ele vai ter que me dar uma resposta. Então, ele diz muito pouco como instrumento de acesso a jurisdição, porque se a jurisdição visa tutelar o direito dos envolvidos, nem sempre aquele que se dirige ao juiz obtém essa tutela, pois muitas vezes ele nem tem direito a essa tutela. Mas ele tem o direito de obter uma resposta.

     O segundo significado do direito de ação vigorou durante muito tempo na antiguidade, na idade média até meados do século XIX. Mas depois foi muito criticado e até abandonado com a emergência do direito processual como um direito autônomo e público, na segunda metade do século XIX e no século XX. Mas hoje emerge novamente como um significado garantistico muito importante. Isso é o que nós denominamos de ação de direito material. O Estado de Direito contemporâneo se compromete a colocar a disposição dos cidadãos meios eficazes de tutela dos seus direitos materiais, porque se assim o Estado não o fizer, os direitos dos cidadãos consagrados na própria constituição serão vazios, serão proclamações retóricas. Então quando o inciso XXXV do artigo 5º diz que nenhuma lesão ou ameaça de direito poderá ser subtraída a apreciação do poder judiciário e quando o §1º do mesmo artigo 5º diz que todos os direitos consagrados nesse artigo tem eficácia imediata, ele está instituindo o direito de ação como garantia de que todo aquele que for titular de direito material terá o direito de acesso a justiça para garantir a eficácia do seu direito material, para garantir que o seu direito subjetivo seja efetivamente respeitado, toda vez que ele for lesado ou ameaçado. Porque se o Estado de Direito não colocar a disposição do cidadão um meio de acesso a tutela do seu direito material, que ele mesmo consagra, então não é Estado de Direito. O Estado de Direito não é só aquele que declara que os cidadãos têm direitos, é aquele que assegura a eficácia desses direitos. Assegura de fato na prática. Assegura que todo aquele que tiver um direito lesado ou ameaçado será por ele tutelado, para garantir a eficácia, a efetividade, o gozo pleno dos direitos. A isso é que se chama ação de direito material. Esse conceito vigorou na antiguidade, na idade média, até boa parte da idade contemporânea, porque os romanos tinham essa idéia de que as ações serviam para garantir a eficácia dos direitos. Aliás, no século XIX, se travou uma grande discussão se na verdade o direito romano instituía direitos ou se instituía ações, porque, na prática, só quando ele instituía ações é que os direitos eram garantidos. O nosso CC/1916 seguiu essa filosofia quando lá no artigo 75 estabeleceu que a todo direito corresponde uma ação que o assegura. Mas em razão das criticas que toda a teoria geral do processo veio fazendo a esse conceito de ação como meio de garantia do direito material no sentido de afirmar que esse significado é retrógrado, o CC/2002 acabou não repetindo esse artigo. Mas ele decorre da própria constituição, da própria efetividade dos direitos fundamentais que está escrita em termos expressos no § 1º do artigo 5º. Se todos os que têm o direito material tem que ter ações para tutelá-los, então a lei não pode vir a dizer: olha esse direito aqui não pode ser acionado em juízo. Direito não acionável não é direito. Isso não significa que a lei tenha que prever expressamente qual é ação para tutela daquele direito, porque o direito processual irá dizer que meio pode utilizar o titular do direito para assegurar a eficácia do seu direito. Aliás, o conceito de acesso a justiça hoje está muito vinculado a eficácia dos direitos. O professor Carreira Alvim costuma dizer: falam tanto de acesso à justiça, mas o difícil não é entrar na justiça, mas sim sair da justiça com o direito protegido. Ele tem razão. Acesso à justiça não é só o direito de petição, isso é ação como direito cívico. Acesso à justiça significa obter a proteção, a garantia da eficácia do direito. E lá vou eu comprovar que tenho direito. Se eu assim provar, o Estado tem que efetivamente garantir o pleno gozo do meu direito. E por isso hoje se fala em processo de resultado. Expressão que não gosto não, mas que mostra esse pragmatismo, essa utilidade que tem que ter o processo, como meio de exercício da jurisdição, e essa noção de ação, como direito a exigir do Estado a tutela do direito material.

     O terceiro significado em que a ação é usada é impróprio: ação como direito a um processo justo. Claro que um processo que assegure o contraditório, a ampla defesa e que se forme e se desenvolva com o respeito a dignidade humana das partes, que assegure que o juiz seja imparcial, seja realmente alguém que seja alheio aos interesses do conflitos, que não tenha nenhum preconceito em relação as alegações das partes ou a elas próprias, é muito importante. Mas essa já é uma utilização da expressão direito de ação um pouco imprópria. Ela decorre de um direito de acesso a justiça e de um direito a um processo justo, tanto que as convenções européia e americana de direitos humanos ao definirem o acesso a justiça se referem a um julgamento justo e rápido perante um órgão imparcial. “Um julgamento justo e rápido”. Julgamento justo é um julgamento resultante de um processo que tenha sido assegurado as partes a garantia do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, da imparcialidade do juiz, da publicidade, da fundamentação das decisões. Mas aí não é propriamente de um direito de acesso a justiça que estamos falando, mas sim do meio através do qual esta jurisdição vai ser exercida, que é o processo.

     O quarto significado do direito de ação é importante teórica e tecnicamente. É o direito de ação como demanda. Conjunto de questões de fato e de direito sobre as quais vai se exercer a função jurisdicional. Quais são essas questões? São as questões que identificam, que individualizam uma determinada demanda: partes, pedido e causa de pedir. A mulher pediu contra o marido a decretação de sua separação porque o marido a injuriou. Quais são as partes? A mulher que pede e o marido em face do qual ela formulou o pedido. Qual é o pedido? É a separação conjugal, o término da sociedade conjugal, a dissolução do casamento. Qual é a causa de pedir? A grave infração do dever matrimonial de mútuo respeito praticada pelo marido contra a mulher. Esse é o litígio, essa é a demanda. É sobre essas questões que o juiz vai ter que exercer a jurisdição. Aí chega no dia da audiência e a mulher diz: olha ele também praticou adultério. Aí o juiz diz: eu num posso fazer nada. Proponha outra ação. Aqui nesse processo eu só posso examinar o pedido de separação com fundamento na injúria, na ofensa e não no adultério. Você não disse isso. Então, veja como a demanda é que vai delimitar o objeto da jurisdição. O objeto da jurisdição é o pedido, mas é um pedido delimitado em função daquelas partes e daquele direito, daquele fundamento jurídico que o autor utilizou para sustentar a procedência daquele pedido. É em relação a essas questões fático-jurídicas objetivas e subjetivas que o juiz vai exercer a jurisdição. Outras questões entre as mesmas partes ou entre essas partes e terceiros ou entre outras partes serão objetos demanda. A demanda individualiza uma determinada ação. E a individualização, a identificação de uma demanda é muito importante porque vai definir o alcance da decisão na hora do seu cumprimento e vai incidir sobre vários institutos processuais como a coisa julgada, por exemplo. Essa mulher não conseguiu provar a injúria. A separação foi julgada improcedente. Ela pode agora pedir a separação por causa do adultério? Pode. Não há coisa julgada quanto ao adultério, mas sim quanto à injúria. Houve julgamento em relação à injúria, mas não ao adultério. Amanhã ela renova o mesmo pedido: a separação, mas com base no adultério. É outra ação, é outra demanda. A extensão objetivo-subjetiva da prestação jurisdicional e sua imutabilidade vão depender dos elementos identificadores da demanda.

     O quinto sentido do direito de ação é o que mais no interessa. O quarto é importante, mas o quinto é ainda mais. Esse significado é o de ação como direito à jurisdição. Ou melhor, numa definição analítica, é a ação como direito subjetivo, público, autônomo e abstrato de exigir a prestação jurisdicional ou o exercício da jurisdição a respeito de uma determinada demanda ou a respeito de uma determinada pretensão sobre direito material. Essa é a minha definição. Que eu considero um aperfeiçoamento da definição que eu aprendi quando estudei com o meu professor Moacir Amaral dos Santos, um grande processualista. Naquela época se dizia: o direito de ação é o direito de provocar o exercício da jurisdição. Sim, eu provoco, mas será que o meu direito se esgota com a propositura, com a postulação? Não, o direito de ação não se esgota com a propositura da ação. O direito de ação só vai ser respeitado no momento em que o juiz exercer a função jurisdicional, acolhendo ou rejeitando o meu pedido, declarando se eu tenho ou não tenho razão e aplicando aquela situação jurídica as conseqüências todas do resultado do direito material, desde que eu tenha pedido. Então, na verdade o direito de ação não é simplesmente o direito de postular, o direito de provocar. Ah eu propus uma ação. Na verdade você não propôs uma ação, você propôs um pedido. Ah eu já exerci o meu direito de ação? Não, eu comecei a exercer o meu direito de ação, porque o meu direito de ação só estará plenamente exercido no momento em que eu receber a prestação jurisdicional. É por isso que o meu direito de ação não é simplesmente de provocar o exercício da jurisdição, mas também o direito de exigir do Estado a prestação jurisdicional. O direito de ação é um direito subjetivo público. É um direito subjetivo porque esta foi a grande descoberta de juristas alemães que em torno de 1856 e 1857 travaram aquela polêmica na Alemanha em torno da ação romana e chegaram a conclusão que o direito de ação não era o próprio o direito subjetivo material. Era um outro, com conteúdo diferente do direito material. Quando eu reivindico em juízo a propriedade, que é o direito de usar, gozar e dispor da coisa, o meu direito de ação não é o direito de usar, gozar e dispor da coisa, mas sim o direito de exigir do Estado que proteja o meu direito de usar, gozar e dispor da coisa. É um outro direito, não é o próprio direito subjetivo. É um direito subjetivo público porque é um direito subjetivo a que corresponde um dever do Estado: o dever que ele assumiu na constituição de garantir a eficácia de todos os direitos e de assegurar o acesso à justiça a todos aqueles que considerarem que tiveram um direito subjetivo material lesado ou ameaçado. Houve uma certa polêmica no final do século XIX, no inicio do século XX, se ação era um direito contra o Estado ou um direito contra o adversário. A demanda que é contra o adversário, o pedido que é em relação ao adversário. Então a ação naquele quarto sentido é um direito conferido a um sujeito que em face de outro sujeito do qual ele pretende exigir o respeito a seus direitos, mas a ação como direito a jurisdição é um direito em face do Estado, é o Estado que tem o dever de prestar a jurisdição. É um direito subjetivo público contra o Estado, ou seja, em face do Estado, a que corresponde um dever do Estado. Direito subjetivo público autônomo e abstrato. Esses dois atributos também foram duas conquistas da teoria geral do processo. Autônomo porque não é o próprio direito subjetivo material, é outro, é o direito à jurisdição. Abstrato porque o direito de ação existe independentemente da existência do direito subjetivo material. E aí os processualistas se dividiram entre os abstratistas e os concretistas. Predominou a concepção do direito de ação como direito abstrato. Para os concretistas, como Chiovenda e Calamandrei, a ação era um direito que só tinha quem tivesse razão. Só o titular do direito subjetivo material é que exercia adequadamente o direito de exigir a sua tutela na justiça. E aí como é que ficava a sentença de improcedência? Quando o juiz chegasse a conclusão que o autor não tinha razão, aí alguns deles diziam que aí era tutelado o direito do réu. Mas os abstratistas desprenderam o direito de ação da existência ou não do direito material. Basta que o autor afirme ser titular do direito material para que ele tenha direito de ação. Na verdade se ele tem ou não aquele direito material só será descoberto no final. Mas ainda que a sentença chegue a conclusão que ele não tem o direito material, que o pedido seja julgado improcedente, ele exerceu o seu direito de acesso à justiça, o direito de exigir do Estado que exercesse a jurisdição sobre aquela relação jurídica. Então ele teve o direito de ação, embora ele não tivesse o direito material. É por isso o direito de ação é um direito abstrato. A crítica que se fazia aos concretistas era a de que na verdade eles consideravam que aquele que fracassou na justiça, não conseguindo provar a existência do seu direito, tinha praticado um ato ilícito porque tinha provocado o exercício da jurisdição sem ter direito à jurisdição, pois não tinha o direito material. O que os abstratistas disseram foi que mesmo que ao final o autor não consiga provar que tinha o direito material, se ele afirmou que tinha ele possuía o direito de ação e, portanto, não praticou ato ilícito, mas sim lícito. Pode-se dizer que os abstratistas abrem um pouco mais as portas da justiça, mas será que eles escancaram para qualquer aventureiro? Aqui nós temos que enveredar um pouco na doutrina processual contemporânea que alguns chamam de teoria eclética, que, ao meu ver, não tem nada de eclética, que é a teoria dominante hoje. É uma teoria do direito de ação como direito abstrato, independe da existência do direito material, mas em que o autor tem que fundamentar sua afirmação de possuir o direito material desde o início ainda que de modo incompleto, através de apresentações de documentos (artigo 283 CPC/73). A existência do direito de ação se afere in statu assertionis, ou seja, de acordo com as afirmações fático-jurídicas feitas pelo autor na petição inicial. Assim, por exemplo, se a mulher se declara casada com o marido e pede a separação, ela tem direito de ação mesmo que depois no final do processo fique provado que ela não era casada com o marido. A existência ou não do direito de ação se afere com base na hipótese jurídica descrita pelo autor no momento em que iniciou a demanda. Essa é a chamada teoria da asserção. Se nós levarmos ao extremo a teoria da asserção nós vamos permitir que qualquer pessoa incomode outra propondo contra ela uma ação, mesmo sem ter nenhuma prova mínima da existência do seu direito material. Se eu afirmo que tenho um direito contra alguém eu posso propor uma ação contra ele. Sim, mas onde é que você se baseia pra dizer que tem um direito contra ele? Ah não importa, eu só estou afirmando. Isso numa sociedade como a nossa com tantas desigualdades econômicas e sociais pode ser um grande problema, pois alguém que queira molestar um inimigo o resto da vida poderia ficar contra ele demandando a vida toda na justiça sem nenhuma consistência. Uma coisa é a existência do direito material, outra coisa é a afirmação da existência do direito material. A segunda é apenas uma condição hipotética, pode existir ou não. A primeira só pode ser afirmada depois de ampla cognição, no momento da sentença. Já a segunda é verificada no momento da petição inicial, momento no qual se verifica se há as condições da ação. Para os concretistas só vai se aferir se houve direito de ação no momento da sentença. Enquanto que para os abstratistas você verifica desde a petição inicial de acordo com os fatos que o autor relatou. A teoria da asserção não pode ser uma teoria que isente o autor de qualquer ônus de comprovar minimamente a probabilidade de que ele tenha o direito material. Exemplo: se ele está propondo uma ação de separação ele tem que anexar a certidão de casamento. Se está propondo uma ação de despejo ele tem que anexar o contrato. Se alega que foi atropelado na rua deve juntar o boletim de ocorrência, os documentos do hospital. Por isso o artigo 283 diz que a petição inicial tem que ser instruída dos documentos indispensáveis à propositura da ação. O que são esses documentos? São os documentos comprobatórios da probabilidade de que realmente o direito do autor por ele afirmado exista ou possa existir. Caso contrário o autor levianamente poderia botar qualquer réu na justiça. Permitir isso é negar o dever do Estado de garantir a eficácia concreta dos direitos dos cidadãos. Porque se o Estado permite que eu seja molestado a vida toda por outro sem nenhuma razão convincente, se ele não garante o pleno gozo dos meus direitos, então ele não está cumprindo a promessa do Estado de Democrático de Direito de ser o guardião da eficácia dos direitos dos cidadãos. Então a ação nesse quinto sentido é um direito subjetivo público, autônomo e abstrato de exigir do Estado o exercício da jurisdição sobre uma determinada demanda. E se ação é o direito de exigir do Estado a prestação jurisdicional sobre uma determinada demanda, não são todos os cidadãos que tem todos os direitos de ação. Só tem o direito de ação cidadãos cujas demandas apresentarem algumas condições mínimas que são as chamadas condições da ação.