Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-713-stj.pdf
PROCESSO COLETIVO
O beneficiário de expurgos inflacionários pode promover cumprimento individual de nova
sentença coletiva para a cobrança dos juros remuneratórios não contemplados no anterior título
judicial coletivo já executado
Exemplo: a associação de defesa dos consumidores ajuizou ACP pedindo que a CEF fosse
condenada a pagar expurgos inflacionários decorrentes de planos econômicos. Em 2001, o juiz
julgou o pedido procedente, determinando o pagamento dos expurgos inflacionários em favor
dos consumidores. Vale ressaltar que essa sentença determinou o pagamento apenas do valor
principal, sem falar em juros remuneratórios, tendo em vista que não houve pedido expresso
nesse sentido. Houve o trânsito em julgado. Em 2004, João, um dos consumidores que se
enquadrava nessa situação, ingressou com pedido de cumprimento individual de sentença.
Ocorre que tramitava outra ACP, proposta por outra associação, pedindo o pagamento dos
expurgos inflacionários e também dos juros remuneratórios. Em 2007, outro juiz julgou o
pedido procedente, condenando os bancos a pagarem os expurgos inflacionários acrescidos
dos juros remuneratórios. Em 2008, João, sabendo disso, ingressou com nova execução
individual pedindo, agora, o pagamento exclusivamente dos juros remuneratórios não
contemplados na primeira ACP. Isso é possível, não havendo que se falar em violação à coisa
julgada.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.934.637-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/06/2021 (Info 700).
STJ. 3ª Turma. REsp 1.932.243-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/10/2021 (Info 713).
Imagine a seguinte situação hipotética:
IBDCI, associação de defesa dos consumidores, ajuizou ação civil pública pedindo que a Caixa Econômica
Federal fosse condenada a pagar expurgos inflacionários decorrentes de planos econômicos. Vamos
chamar esse processo de ACP 1.
Em 2001, o juiz julgou o pedido procedente, determinando o pagamento dos expurgos inflacionários em
favor dos consumidores. Vale ressaltar que essa sentença determinou o pagamento apenas do valor
principal, sem falar em juros remuneratórios, tendo em vista que não houve pedido expresso nesse
sentido. Houve o trânsito em julgado.
Em 2004, João, um dos consumidores que se enquadrava nessa situação, ingressou com pedido de
cumprimento de sentença.
Ocorre que tramitava outra ACP, proposta pela Pro-Just (Instituto Pró-Justiça Tributária), pedindo o
pagamento dos expurgos inflacionários e também dos juros remuneratórios. Vamos chamar esse processo
de ACP 2.
Em 2007, outro juiz julgou o pedido procedente, condenando os bancos a pagarem os expurgos
inflacionários acrescidos dos juros remuneratórios.
Em 2008, João, sabendo disso, ingressou com nova execução individual pedindo, agora, o pagamento
exclusivamente dos juros remuneratórios não contemplados na primeira ACP.
O juízo de primeiro grau extinguiu essa segunda execução individual (de 2008), sob o argumento de que
haveria “existência de coisa julgada material quanto à reparação dos danos”, em razão daquela primeira
execução individual de 2004.
Interposto recurso de apelação, João ressaltou que, naquela execução individual de 2004, não houve
pedido ou deliberação em matéria relativa a juros remuneratórios e, portanto, não impediria nova
execução baseada em sentença coletiva diversa, na qual houve pedido expresso contemplado sobre “juros
remuneratórios”. Ainda assim, o tribunal manteve a sentença.
O caso chegou ao STJ.
O pedido de João foi acolhido pelo STJ? Ele pode promover esse segundo cumprimento individual de
sentença?
SIM.
O beneficiário de expurgos inflacionários pode promover o cumprimento individual de sentença coletiva
para cobrança exclusiva de juros remuneratórios não contemplados em ação civil pública diversa, também
objeto de execução individual pelo mesmo beneficiário.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.934.637-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/06/2021 (Info 700).
O beneficiário de expurgos inflacionários pode promover cumprimento individual de nova sentença
coletiva para a cobrança dos juros remuneratórios não contemplados no anterior título judicial coletivo
já executado.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.932.243-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/10/2021 (Info 713).
Vamos entender com calma.
O que são juros?
Os juros podem ser conceituados como o rendimento do capital.
É o preço pago pelo fato de alguém estar utilizando o capital (dinheiro) de outrem.
Os juros têm por finalidade remunerar o credor por ficar um tempo sem seu capital e pelo risco que sofreu
de não o receber de volta.
Quanto à sua finalidade, os juros podem ser de duas espécies:
Juros compensatórios (remuneratórios)
São pagos pelo devedor como uma forma de remunerar (ou compensar) o credor pelo fato de ele ter ficado privado de seu capital por um determinado tempo.
É como se fosse o preço pago pelo “aluguel” do capital.
Ex: José precisa de dinheiro emprestado e vai até um banco, que dele cobra um percentual de juros como forma de remunerar a instituição financeira por esse serviço.
Dependem de pedido expresso para serem contemplados em sentença e, consequentemente, de condenação na fase de conhecimento para serem executados.
Juros moratórios
São pagos pelo devedor como forma de indenizar
o credor quando ocorre um atraso no
cumprimento da obrigação.
Veja o art. 395 do CC.
É como se fosse uma sanção (punição) pela mora
(inadimplemento culposo) na devolução do
capital.
São devidos pelo simples atraso, ainda que não
tenha havido prejuízo ao credor (art. 407 do CC).
Ex: José pactuou com o banco efetuar o
pagamento do empréstimo no dia 10. Ocorre que
o devedor somente conseguiu pagar a dívida no
dia 20. Logo, além dos juros remuneratórios, terá
que pagar também os juros moratórios, como
forma de indenizar a instituição por conta deste
atraso.
Não dependem de pedido expresso, nem de
condenação, porque são previstos em lei.
O que são “expurgos inflacionários”?
É a não aplicação (ou aplicação incorreta) dos índices de inflação sobre os montantes aplicados pela
população em suas contas bancárias e demais produtos financeiros.
No Brasil, tivemos alguns episódios marcantes, como, por exemplo, o Plano Verão e o Plano Collor.
Os juros remuneratórios envolvendo expurgos inflacionários dependem de pedido expresso na petição
inicial para que possam ser contemplados em sentença judicial e, posteriormente, executados?
SIM. Para que os juros remuneratórios possam ser objeto de liquidação ou execução individual, é
indispensável que tenham ficado expressamente previstos no título judicial:
Na execução individual de sentença proferida em ação civil pública, que reconhece o direito de
poupadores aos expurgos inflacionários decorrentes do Plano Verão (janeiro de 1989), descabe a inclusão
de juros remuneratórios nos cálculos de liquidação se inexistir condenação expressa, sem prejuízo de,
quando cabível, o interessado ajuizar ação individual de conhecimento.
STJ. 2ª Seção. REsp 1438263/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 28/04/2021.
(Promotor de Justiça MPE/RO 2013 Cespe) O STJ admite a inclusão de juros remuneratórios e moratórios
capitalizados nos cálculos de liquidação, se tal previsão não constar do título executivo. (incorreta)
(Promotor de Justiça MPE/RR 2012 Cespe) A inclusão de juros remuneratórios e moratórios capitalizados nos cálculos
de liquidação, sem a devida previsão no título executivo, não implica violação da coisa julgada, sendo considerada mero
erro de cálculo. (incorreta)
Há coisa julgada material que impede a nova execução individual da ACP 2, tendo em vista que já houve
a execução individual da ACP 1?
NÃO.
Não houve pedido expresso quanto aos juros remuneratórios na primeira ACP (proposta pelo IBDCI),
estando a execução individual, portanto, submetida tão apenas ao que constou do título.
Somente na sentença oriunda da segunda ACP (ajuizada pelo Pro-Just), os juros foram inseridos,
circunstância que motivou a propositura do cumprimento do novo título judicial que, por sua vez, embora
tenha condenado a Caixa Econômica Federal ao pagamento de expurgos coincidentes da primeira
execução, previu, de maneira inédita, a incidência dos juros remuneratórios.
Nessa linha, levando em conta as diretrizes do processo coletivo referidas, bem como os efeitos da coisa
julgada secundum eventum litis (ou res iudicata secundum eventum litis), nos termos do art. 103, §§ 2º e
3º, e 104 do CDC, não há como concluir que o trânsito em julgado da primeira ação civil pública - cuja
execução individual estava adstrita aos exatos termos do título judicial nesta formado - tenha o condão
de espraiar os efeitos preclusivos da coisa julgada de pedido não deduzido. Veja os dispositivos:
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:
I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese
em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de
nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;
II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por
insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no
inciso II do parágrafo único do art. 81;
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus
sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.
(...)
§ 2º Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que
não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a
título individual.
§ 2º Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei nº 7.347,
de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente
sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à
execução, nos termos dos arts. 96 a 99.
(...)
Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem
litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes
a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais,
se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do
ajuizamento da ação coletiva.
Se um pedido é rejeitado, o mesmo pedido poderá ser formulado em nova ação?
• No sistema do CPC: NÃO.
• No microssistema da tutela coletiva: SIM.
Conforme explica o Min. Luis Felipe Salomão:
(...) se um determinado pedido é rejeitado, o mesmo pedido não poderá ser formulado em nova
ação, ainda que relacionado a causa de pedir diversa.
Contudo, isso não se aplica às demandas coletivas.
O Direito Processual Coletivo, com base constitucional e legal (Lei n. 8.078/1990 - Código de
Defesa do Consumidor e Lei n. 7.347/1985 – Lei de Ação Civil Pública), possui inegável vertente
instrumentalista, afirmada pela disponibilização de institutos eficazes de garantia da ordem
jurídica justa.
Dessa feição plural do Direito, própria do processo coletivo, sobressai a ideia de solidariedade, que
impõe a transformação do modelo clássico de legitimação processual ativa, inadequado à
regulação dos conflitos de grupos e coletividades.
A coisa julgada nos processos coletivos, especialmente quando relativos aos direitos individuais
homogêneos, como no caso em análise, deve observar a conhecida regra da res iudicata secundum
eventum litis. É o que se extrai dos arts. 103, §§ 2° e 3°, e 104 do CDC: (...)”
Conclusão
Por tudo quanto apresentado, no regime próprio das demandas coletivas envolvendo direitos individuais
homogêneos, a ausência de pedido expresso em ação civil pública ajuizada por instituição diversa, na
qualidade de substituta processual, não impede a propositura do cumprimento de sentença pelo mesmo
beneficiário individual com base em novo título coletivo formado em ação civil pública diversa,
exclusivamente para o alcance de verbas cuja coisa julgada somente se operou com o novo título
proferido, do qual o autor seja também beneficiário