Da natureza da medida instituída pelo art. 942 do CPC/15 – técnica de julgamento adotada de ofício
Para a maior parte da doutrina, a natureza jurídica do instituto
previsto no art. 942 do CPC/15 é de técnica de julgamento, que independe da
iniciativa de qualquer das partes e que deve, pois, ser adotada de ofício pelo órgão
colegiado julgador, sempre que se verificar a divergência no julgamento da
apelação.
O instituto do art. 942 consiste, pois, na ampliação do quórum da
deliberação, no próprio órgão originário ou em outro de maior composição, o que,
em contraposição aos embargos infringentes do CPC revogado, dispensa a
iniciativa das partes, não ostentando, pois, natureza recursal.
Essa distinção entre a técnica do art. 942 do CPC/15 e os embargos
infringentes foi reconhecida pela jurisprudência desta e. Terceira Turma, que consignou que se “reconhece a existência de uma diferença ontológica entre
os embargos infringentes (art. 530 do CPC/73), reconhecidamente um
recurso, e a ampliação de colegiado na hipótese de divergência (art. 942
do CPC/15), indiscutivelmente uma técnica de julgamento” (REsp
1.720.309/RJ, Terceira Turma, DJe 09/08/2018).
De fato, além de não depender da iniciativa das partes, devendo ser
adotado de ofício, a ampliação do quórum é procedimento que deve ter início
antes mesmo do encerramento do julgamento, previamente, pois, à existência de
uma decisão recorrível.
Do momento da ampliação do julgamento
O art. 942, caput, do CPC/15 trata, portanto de técnica de ampliação
do quórum de julgamento da apelação, uma vez que basta ser verificada a
divergência, mesmo que relativa à matéria processual, para que o julgamento seja
suspenso para a convocação de novos julgadores, em número apto à modificação
do entendimento dissonante.
Nessa linha, observa-se que, verificada a dissonância de
entendimentos, a apelação ainda não está julgada, pois sua apreciação não vem a
termo nem se proclama seu resultado até que seja ampliado o quórum de
julgamento. É o que novamente se infere da doutrina, que assevera que:
[...] deve-se imediatamente determinar a ampliação do
colegiado.
Não se prossegue no julgamento com os três integrantes
originais da turma julgadora nem se proclama resultado (mesmo porque,
como facilmente se percebe, o julgamento ainda não acabou). A apelação,
insista-se nesse ponto, ainda não está julgada quando se constata a
divergência (ainda que esta se manifeste em um capítulo acessório do
julgamento, como seria o caso de haver divergência sobre qual deve ser a
majoração dos honorários nas hipóteses em que deve haver a fixação da assim
chamada sucumbência recursal). (CÂMARA, Alexandre Freitas., Op. Cit.).
Aliás, a jurisprudência desta Terceira Turma já se posicionou nesse
sentido: “o art. 942 do CPC enuncia uma técnica de observância obrigatória pelo
órgão julgador e deve ser aplicada no momento imediatamente posterior à
colheita dos votos e à constatação do resultado não unânime” (REsp
1.798.705/SC, Terceira Turma, DJe 28/10/2019).
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero também acrescentam que “se trata de simples prosseguimento, sem que tenha havido a
proclamação do resultado”, sendo essa, aliás, a circunstância que “permite a
todo e qualquer componente do órgão fracionário mudar a sua opinião
enquanto não encerrado o julgamento (art. 941, CPC/2015)” (Comentários ao
Código de Processo Civil. Vol. XV. 1ª. ed. em e-book. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2017, sem destaque no original).
Do julgamento do recurso de apelação e da possibilidade de
modificação dos votos – arts. 494 e 941, § 1º, do CPC/15
Se a ampliação do julgamento ocorre antes mesmo do final do
julgamento da apelação e da definição de seu resultado, a disposição do art. 942, §
2º, coaduna-se com a previsão do art. 941, § 1º, do CPC/15 de que “o voto poderá
ser alterado até o momento da proclamação do resultado pelo presidente, salvo
aquele já proferido por juiz afastado ou substituído”.
A previsão de que poderá haver a modificação do voto durante a
ampliação do julgamento também se harmoniza com o princípio da inalterabilidade
das decisões judiciais, previsto no art. 463 do CPC/73 e, atualmente, no art. 494 do
CPC/15.
Quanto ao tema, a doutrina pontua que:
[...] a publicação a sentença lhe dá existência jurídica.
Pela publicação torna-se público que o juiz apresentou a prestação jurisdicional e que está
encerrado o seu ofício. Outrossim, a publicação fixa o teor da sentença.
E porque encerrado está o ofício do juiz e fixado está o teor da
sentença, segue-se, como efeito da publicação, que a sentença se
torna irretratável. O juiz, ou o órgão jurisdicional que a proferiu, não mais
poderá revogá-la ou modificá-la na sua substância. (SANTOS, Moacyr
Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. IV vol. 2ª ed., Rio de Janeiro:
Forense, 1977, p. 447, sem destaque no original).
Da alteração de votos por meio do julgamento dos embargos
de declaração
O princípio da inalterabilidade das decisões judiciais contém duas
ressalvas expressas, consoante se infere dos incisos do art. 494 do CPC/15: i) a
correção de inexatidões ou erros de cálculo; ou ii) o julgamento de embargos de
declaração.
A modificação da decisão, passível de ser realizada em decorrência da
apreciação dos embargos de declaração, é restrita, no entanto, às hipóteses em
que a alteração seja decorrência do reconhecimento de um dos vícios que
autorizam a oposição de referido recurso de efeitos integrativos.
Com efeito, nos termos da jurisprudência desta Corte, os embargos
não podem veicular uma mera pretensão de revisão do acórdão embargado, haja
vista que “só se prestam a sanar obscuridade, omissão ou contradição porventura
existentes no acórdão, não servindo à rediscussão da matéria já julgada no
recurso” (EDcl no AgInt no AREsp 1.391.876/SP, Quarta Turma, DJe 16/03/2020,
sem destaque no original), sequer para “simples reexame de questões já
analisadas, com o intuito de dar efeito infringente ao recurso integrativo” (EDcl no
REsp 1.351.058/SP, Quarta Turma, DJe 17/03/2020).
O entendimento desta Corte, portanto, é de admitir que “os
embargos, ordinariamente integrativos, tenham efeitos infringentes desde que constatada a presença de um dos vícios do art. 1.022 do Código de
Processo Civil de 2015, cuja correção importe alterar a conclusão do
julgado” (EDcl no AgInt no REsp 1596092/RS, Terceira Turma, DJe 13/03/2020).
Do cabimento da técnica do julgamento ampliado no
julgamento dos embargos de declaração
Alinhavando as premissas anteriormente deduzidas, verifica-se que,
uma vez publicado o acórdão unânime do julgamento da apelação, não é mais
possível a alteração dos votos pelos desembargadores envolvidos em sua
apreciação, exceto se, em decorrência do reconhecimento da existência de
omissão, contradição ou obscuridade, se verificar a necessidade de se julgar
novamente a apelação.
A consequência lógica que pode ser deduzida é a de que a incidência
da técnica de julgamento ampliado do art. 942 do CPC/15 na apreciação dos
embargos de declaração – diferentemente da hipótese em que é a própria
apelação que está em exame – ocorre de acordo com o resultado do referido
julgamento – portanto, secundum eventum litis – e unicamente na hipótese de
serem acolhidos, por maioria, para nova análise da apelação.
A doutrina corrobora essa afirmativa, aduzindo que, na divergência
que resultar o não acolhimento dos embargos ou a que ensejar o acolhimento com
o mero esclarecimento do acórdão da apelação, não haverá ensejo para a
ampliação do julgamento, já que, nesses casos, não há novo exame da apelação.
Existe, pois, somente uma hipótese em que, por suas
peculiaridades, se pode cogitar da aplicação da técnica do art. 942 no
julgamento dos embargos de declaração, que é a de serem os embargos
acolhidos, por maioria, com efeitos infringentes.
É o que se infere do seguinte excerto doutrinário:
[...] sendo rejeitados os embargos, por unanimidade ou maioria,
pouco importa, não haverá a incidência da técnica. O mérito do
acórdão embargado, nestas circunstâncias, não se altera. Logo, não
existe qualquer respaldo legal para sua aplicação.
Quando houver provimento, apenas para esclarecer o julgado embargado,
parece-nos, do mesmo modo e pelo mesmo motivo, que a técnica não pode ser
cogitada.
A vexata quaestio surge no julgamento de embargos em que,
seja por unanimidade, seja por maioria, é emprestado efeito
infringente. (SAMPAIO, José Roberto de Albuquerque. Conversa sobre
processo: elogio ao Art. 942 do CPC: o uso saudável da técnica, Revista da
EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 159-180, maio/ago. 2017)
FREDIE DIDIER JR. e LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA se posicionam
no mesmo sentido, asseverando que “o art. 942 do CPC somente incide se o
julgamento dos embargos de declaração for não unânime e implicar
alteração do resultado do julgamento anterior”, pois, “se o órgão julgador
decidir, por maioria de votos, sobre a admissibilidade dos embargos de
declaração, não se aplica o disposto no referido art. 942”, da mesma forma que “se o órgão julgador rejeitar os embargos por maioria ou os acolher apenas para
esclarecer obscuridade, suprir uma omissão, eliminar uma contradição ou corrigir
um erro material, sem alterar o resultado anterior, ainda que por maioria
de votos, não incide o art. 942 do CPC” (DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo
Carneiro da. Curso de direito processual civil. 15. ed. v. 3. Salvador: Jus Podivm,
2018, pág. 99).
Essa orientação foi recentemente acolhida pela Terceira Turma (REsp
1.841.584/SP, Terceira Turma, DJe 13/12/2019).
Assim, somente com o efetivo acolhimento, por maioria, dos
embargos e com a atribuição de efeitos infringentes, do qual resulta nova
apreciação da apelação, é que o Tribunal de origem deve adotar a técnica de ampliação do julgamento.
Considerando, portanto, que, no particular, os embargos de
declaração foram, por maioria, parcialmente acolhidos, mas sem efeitos
infringentes, não incide a regra do art. 942 do CPC/15, como pretende a
recorrente.