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8 de agosto de 2021

Executado fez acordo homologado por meio do qual transferia seus bens para uma terceira pessoa; esse acordo, mesmo sendo homologado judicialmente em outro processo, é ineficaz perante o exequente, sem a necessidade de ação anulatória

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/07/info-699-stj.pdf


FRAUDE À EXECUÇÃO - Executado fez acordo homologado por meio do qual transferia seus bens para uma terceira pessoa; esse acordo, mesmo sendo homologado judicialmente em outro processo, é ineficaz perante o exequente, sem a necessidade de ação anulatória 

É prescindível a propositura de ação anulatória autônoma para declaração da ineficácia do negócio jurídico em relação ao exequente ante a caracterização da fraude à execução, com o reconhecimento da nítida má-fé das partes que firmaram o acordo posteriormente homologado judicialmente. STJ. 3ª Turma. REsp 1.845.558-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Pedro ajuizou ação de cobrança contra João. O pedido foi julgado procedente pelo juízo da vara cível condenando o réu a pagar R$ 200 mil ao autor. O credor ingressou com cumprimento de sentença exigindo o pagamento da quantia. Vale ressaltar que João era executado em outro processo, no qual sua ex-esposa Regina cobrava prestações alimentícias atrasadas. João fez um acordo com Regina por meio do qual transferiu 10 quadros de valor para a ex-esposa como forma de quitação da dívida. Esse acordo foi homologado pelo juízo da vara de família. Vale ressaltar que esses eram os únicos bens que João possuía. Logo em seguida, o juízo da vara cível deferiu o pedido de Pedro para penhorar 2 quadros que pertenceriam ao devedor João. Ocorre que esses quadros já haviam sido transferidos para Regina por meio do acordo acima mencionado. O juízo da vara cível não sabia disso. Regina ingressou nos autos do cumprimento de sentença e requereu o levantamento da penhora dos 2 quadros, sob o argumento de que eles agora pertenceriam a ela. O juízo da vara cível decidiu que esse acordo era ineficaz em relação a Pedro (exequente) e manteve a penhora. João e Regina recorreram alegando que seria necessário o ajuizamento de ação anulatória própria para a desconstituição do acordo homologado judicialmente em outra demanda, não sendo possível a sua desconstituição de forma incidental nos autos do cumprimento de sentença. 

O STJ concordou com os argumentos de João e Regina? No presente caso era necessário o ajuizamento da ação anulatória? 

NÃO. Não era necessário o ajuizamento de ação anulatória para desconstituição do acordo homologado judicialmente. Assim, é possível a prolação de decisão interlocutória nos autos do cumprimento de sentença que, reconhecendo a fraude à execução, declara o acordo ineficaz em relação ao exequente. Veja abaixo os argumentos. 

Ato processual x Ato processualizado 

ATO PROCESSUAL 

O ato processual típico se verifica com o conjunto de características que se coordenam entre si, quais sejam: i) possui como fonte normativa o direito processual civil; ii) sua estrutura se vincula à previsão legal, com a finalidade principal do efeito que o ato é preordenado a atingir; e iii) sua essência é instruir (em sentido amplo) o procedimento para que chegue ao seu final.

ATO PROCESSUALIZADO  

De outro lado, têm-se como atos processualizados os atos ou negócios jurídicos praticados pelas partes com amparo no direito material, mas que são inseridos na dinâmica da relação processual da ação por um ato típico. Esses atos se configuram como expressão da autonomia da vontade privada no âmbito processual, utilizando a metodologia do direito material para resultar no ato jurídico perfeito e, mediante o contraditório, inseri-los no processo para configurar a coisa julgada material. 

Essa dicotomia é importante para a construção do raciocínio de que o acordo firmado pelas partes e homologado judicialmente é um negócio jurídico que ingressa na relação processual por meio de um ato processual típico, ou seja, é um ato processualizado, o que, por conseguinte, impõe sua análise sob o espectro do direito material que o respalda. Assim, o ajuizamento da ação anulatória seria necessário para a declaração da invalidade do negócio jurídico. 

No caso concreto, não se busca a anulação do negócio jurídico, mas apenas a declaração de sua ineficácia perante o credor 

A alienação em fraude à execução é INEFICAZ em relação ao exequente, e não anula o ato ou negócio firmado pelas partes. No caso concreto, não se trata de fraude contra credores, mas sim de fraude à execução, que possui requisitos diferentes. Vamos entender melhor. Existem três espécies de fraude do devedor (alienações fraudulentas): a) fraude contra credores; b) fraude à execução; c) atos de disposição de bem já penhorado. 

Fraude contra credores (arts. 158 a 165 do CC/02) 

 É instituto de direito material (defeitos dos negócios jurídicos).

Ofende o direito dos credores. 

A alienação é feita quando ainda não há ação em curso. 

Para que seja reconhecida a fraude contra credores, é necessária a prolação de sentença em uma ação proposta pelo credor, chamada de “ação pauliana” (ou “ação revocatória”). 

A ocorrência de fraude contra credores exige (requisitos): a) a anterioridade do crédito; b) a comprovação de prejuízo ao credor (eventus damni); c) que o ato jurídico praticado tenha levado o devedor à insolvência e d) o conhecimento, pelo terceiro adquirente, do estado de insolvência do devedor (scientia fraudis).


Fraude à execução (art. 792 do CPC/2015) 

É instituto de direito processual. 

Atenta contra o bom funcionamento do Poder Judiciário. 

Só existe se a ação já estava em andamento. 

Para que seja reconhecida a fraude à execução, basta petição simples no processo pendente, salvo alienação judicial do bem. 

 Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução: I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver; II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828; III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude; IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência; V - nos demais casos expressos em lei. 

Enquanto o art. 966, § 4º, do CPC/2015 expressamente prevê o cabimento da ação anulatória para se declarar a nulidade do ato ou negócio firmado pelas partes, o § 1º do art. 792 do mesmo diploma legal prevê que “a alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente”. Isso quer dizer que não se anula o negócio jurídico que configurou o ato fraudulento, mas apenas se declara a sua ineficácia em relação ao exequente prejudicado. Assim sendo, o negócio jurídico é existente, válido e eficaz para as partes que o firmaram e, também, para terceiros, à exceção daquele exequente em favor de quem tenha sido reconhecida a fraude à execução, para o qual o negócio jurídico existe e é válido, porém ineficaz. Cuidando-se apenas da pretensão de declaração da ineficácia do negócio jurídico em relação ao exequente ante a inequívoca caracterização da fraude à execução, com o reconhecimento da nítida má-fé das partes que firmaram o acordo posteriormente homologado judicialmente, é prescindível a propositura de ação anulatória autônoma. 

Em suma: É prescindível a propositura de ação anulatória autônoma para declaração da ineficácia do negócio jurídico em relação ao exequente ante a caracterização da fraude à execução, com o reconhecimento da nítida má-fé das partes que firmaram o acordo posteriormente homologado judicialmente. STJ. 1ª Turma. REsp 1.845.558-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

Por conseguinte, diante dessas considerações e das peculiaridades do caso concreto, o STJ reconheceu que era dispensável o ajuizamento da ação anulatória, pois a pretensão que se buscava não era de declaração de invalidade do acordo, mas sim a declaração da ineficácia do negócio jurídico em relação ao credor, em virtude da fraude à execução, sendo suficiente a apresentação de mera petição nos autos do cumprimento de sentença.