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9 de maio de 2021

PARTILHA. ANULAÇÃO. IMÓVEIS. REGISTRO. HERDEIROS. COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. CITAÇÃO. CÔNJUGES. NECESSIDADE. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.706.999 - SP (2015/0264950-0) 

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA 

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PARTILHA. ANULAÇÃO. IMÓVEIS. REGISTRO. HERDEIROS. COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. CITAÇÃO. CÔNJUGES. NECESSIDADE. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. 

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

2. Cinge-se a controvérsia a definir se, em ação anulatória de partilha em que o título de transferência dos imóveis anteriormente recebidos pelos herdeiros já foi levado a registro, os cônjuges dos herdeiros casados sob o regime de comunhão universal de bens devem integrar a lide na qualidade de litisconsortes necessários. 

3. No caso de a anulação de partilha acarretar a perda de imóvel já registrado em nome de herdeiro casado sob o regime de comunhão universal de bens, a citação do cônjuge é indispensável, tratando-se de hipótese de litisconsórcio necessário. 

4. Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília (DF), 23 de fevereiro de 2021(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por PAULO ROBERTO CINTRA COELHO e JOSÉ CÉLIO CINTRA COELHO, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, impugnando acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado: 

"AGRAVO DE INSTRUMENTO – ANULAÇÃO DE PARTILHA – Insurgência em face de decisão que rejeitou preliminar de litisconsórcio necessário – Tentativa de incluir os cônjuges no polo passivo da demanda sob a alegação de serem casados pelo regime de comunhão universal de bens e, uma vez registrados os títulos imobiliários, não há que se falar que a demanda de origem não versa sobre direitos reais imobilários – Anulação de partilha que versa sobre direitos pessoais dos herdeiros, sendo os respectivos cônjuges atingidos apenas por via reflexa em virtude do regime de bens adotado – Condição de meeiras que não as transforma em herdeiras – Decisão mantida – Recurso não provido” (fls. 99, e-STJ). 

Os embargos de declaração foram rejeitados (fls. 116/119, e-STJ). 

No recurso especial, os recorrentes apontam violação dos artigos 47 do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973) e 1.667 do Código Civil. 

Afirmam que a partilha albergou imóveis e, tendo sido levada a registro, os imóveis passaram a ser de propriedade também de suas esposas, já que casados sob o regime de comunhão universal de bens. Entendem, por isso, que eventual anulação da partilha irá afetar os direitos dos cônjuges por se tratar de relação jurídica incindível. 

Ao final, requerem o provimento do recurso especial para que se reconheça ser o caso de litisconsórcio passivo necessário. 

Contrarrazões às fls. 149/154 (e-STJ). 

O recurso especial foi inadmitido, ascendendo a esta Corte por força da decisão de fls. 229/230 (e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O acórdão impugnado pelo presente recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

Cinge-se a controvérsia a definir se, em ação anulatória de partilha em que o título de transferência dos imóveis anteriormente recebidos pelos herdeiros já foi levado a registro, os cônjuges dos herdeiros casados sob o regime de comunhão universal de bens devem integrar a lide na qualidade de litisconsortes necessários. 

A insurgência merece acolhida. 

1. Breve histórico 

Trata-se, na origem, de ação anulatória de partilha promovida por Sebastião Machado Branquinho contra os ora recorrentes e Maria Alves da Silva Coelho (interditada). 

Na petição inicial o autor afirma ter mantido união estável com Maria Anésia da Silva Coelho no período entre 1992 e 2009. Porém, na fase em que a companheira adoeceu, não pode cuidar dela, que permaneceu internada sob a responsabilidade de seu irmão e curador, Paulo Roberto Cintra Coelho, vindo a falecer em 2.2.2011. 

Esclarece que a falecida não tinha ascendentes vivos e não deixou descendentes, nem disposição de última vontade. 

Alega que por desconhecer à época que era o único herdeiro da falecida, concordou com um plano de partilha amigável apresentado pelos irmãos da companheira falecida, ora réus, homologado em outubro de 2011. Entretanto, verificou que foi lesado em seus direitos, razão pela qual pretende que a partilha seja anulada. 

Requereu a procedência da ação para declarar a nulidade da partilha e sua qualidade de único herdeiro. 

Na contestação, os réus alegaram que os respectivos cônjuges deveriam compor a lide, pois são casados em regime de comunhão universal de bens e a partilha envolveu imóveis sobre os quais passaram a ter a propriedade. 

O Juízo de primeiro grau entendeu que não era o caso de litisconsórcio necessário, pois a ação não versa sobre direitos reais imobiliários. 

Contra essa decisão os ora recorrentes interpuseram agravo de instrumento, não provido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em vista dos seguintes fundamentos: 

“(...) 9. Consigno, inicialmente, que a demanda de origem não versa sobre direitos reais imobiliários, conforme bem salientado pelo i. magistrado singular e, dessa forma, não há que se falar em litisconsórcio necessário como querem fazer crer os agravantes. 10. Com efeito, trata-se de ação de anulação de partilha, na qual se discute os direitos dos herdeiros e, sendo ambos casados em regime de comunhão universal de bens, a decisão proferida na demanda de origem atingirá os respectivos cônjuges apenas por via reflexa, posto que a qualidade de meeiras não as transforma em herdeiras” (fl. 101, e-STJ). 

Sobreveio, então, o recurso especial. 

2. Do litisconsórcio necessário 

Nos termos do artigo 47 do Código de Processo Civil de 1973, há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. 

Entretanto, no artigo 999 do Código de Processo Civil de 1973, não há previsão para que os cônjuges dos herdeiros sejam citados para a ação de inventário e partilha, sendo relacionados apenas o cônjuge do falecido, os herdeiros, os legatários, a Fazenda Pública, o Ministério Público (se houver interesse de incapaz ou ausente), e o testamenteiro (se houver testamento). O Código de Processo Civil de 2015 incluiu ainda o companheiro(a) do de cujus (artigo 626). 

Apesar de não haver exigência expressa no supramencionado dispositivo legal, a citação dos cônjuges dos herdeiros é entendida como necessária nas hipóteses em que houver disposição de bens a partir da interpretação de outras normas. Isso porque a herança é tida como bem imóvel enquanto não ocorrer a partilha (art. 80, II, do CC). Assim, a alienação e a renúncia estariam submetidas às vedações do artigo 1.647 do Código Civil, que trata dos atos que necessitam de outorga uxória. 

“Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648 nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III - prestar fiança ou aval; IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.” 

Explica Carlos Roberto Gonçalves: 

“(...) Em regra, é dispensada a citação do cônjuge do herdeiro, assim como é considerada suficiente a outorga unilateral de procuração pelo herdeiro, tendo em vista ser o objeto do inventário o recebimento de bens por sucessão mortis causa, máxime se o regime de bens no casamento exclui a comunicação da herança. A participação do cônjuge é facultativa, por lhe faltar título hereditário. Se houver comunicação dos bens herdados, tratar-se á de relação não hereditária, mas concernente ao regime de bens do casamento. Haverá, no entanto, necessidade de citação do cônjuge, ou de sua representação no processo, em caso de disposição de bens, tais como renúncia, partilha diferenciada e quaisquer atos que dependam de outorga uxória”.(Direito civil brasileiro. Volume 7. 14ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, e-book - grifou-se). 

Euclides de Oliveira afirma: 

“(...) Dispensável a outorga de procuração pelo cônjuge do herdeiro, ante a situação de benefício aos sucessores que percebem a herança. Em certos casos, todavia, em que haja ato de disposição dos bens, como na renúncia translativa (em favor de terceiro), desistência, cessão de direitos, alienação de bens do espólio e, ainda, na partilha diferenciada (em que não se atende à proporção na atribuição de quinhões da herança), torna-se necessário o comparecimento do cônjuge herdeiro e dos outros interessados, assentindo com instrumento procuratório, para que se valide o ato de alienação. A herança é considerada bem imóvel, enquanto não partilhada (arts. 88 e 1.791 do CC). Daí não se admitir a venda de quinhão hereditário sem anuência do cônjuge, mesmo que se trate de casamento diverso do regime de comunhão dos bens (arts. 1.647, inc. I, do CC). Observe-se, porém, que a regra não incide ao caso de renúncia pura e simples, pois, não havendo recebimento de herança, descabe falar em ato de alienação que exija outorga uxória”. (Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim. Inventário e partilha: teoria e prática. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, e-book - grifou-se). 

Francisco José Cahali e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka comentam que: 

“(...) Tratando-se a sucessão aberta como imóvel (CC, art. 80, II), a renúncia à herança depende do consentimento do cônjuge, salvo se casado pelo regime de separação absoluta (CC, art. 1.647, I). Considera-se que a ausência do consentimento torna o ato anulável, uma vez passível de ratificação (RT 675/102)” (Direito das Sucessões. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, e-book). 

Vale citar, ainda, a doutrina de Leonardo Estevam de Assis Zanini e Odete Novais Carneiro Queiroz: 

“(...) Como afirmado anteriormente, o direito à sucessão aberta é classificado pelo Código Civil como bem imóvel por determinação legal (art. 80, II). Diante disso, a renúncia da herança, efetuada por pessoa casada, depende do consentimento do cônjuge (outorga conjugal), haja vista que existe uma equivalência entre a renúncia e a alienação do imóvel. Entretanto, a outorga conjugal não é necessária no regime de separação absoluta (arts. 1.647, caput, parte final, e 1.687), ou, se houver autorização expressa no pacto antenupcial, quando o regime de bens do casamento for o de participação final nos aquestos (art. 1.656). A questão gera polêmica na doutrina. Há na doutrina autores que reconhecem que a pessoa casada pode renunciar à herança independentemente de prévio consentimento do cônjuge. A corrente majoritária, entretanto, considera que o cônjuge necessita do consentimento do outro para renunciar à herança (art. 1.647, I). Recusada a outorga, admite-se sua supressão por autorização judicial (art. 1.648). Ademais, a jurisprudência entende que a ausência de consentimento torna o ato anulável (art. 1.649), uma vez que pode ser ratificado” (Aspectos Relevantes e Breves Anotações sobre a Aceitação e Renúncia da Herança. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Ano XVII, nº 98, set/out 2020). 

Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho entendem que é desnecessária a participação do cônjuge, mas reconhecem que sua posição é minoritária: 

“(...) A pessoa casada, entendemos, pode aceitar ou renunciar à herança ou legado independentemente de prévio consentimento do cônjuge, apesar de o direito à sucessão aberta ser considerado imóvel para efeitos legais por ser ela a herdeira do de cujus. Não é, todavia, o nosso pensamento que encontra guarida na jurisprudência desde a codificação anterior” (Novo Curso de Direito Civil, volume 7: direito das sucessões. 6ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019) 

De toda forma, o que norteia a conclusão de que o cônjuge do herdeiro deve participar do processo é a correspondência entre a renúncia, a cessão e a desistência com a alienação de bem imóvel. Essa situação fica ainda mais preponderante nos casos em que o herdeiro é casado sob o regime de comunhão universal de bens, pois tudo o que houver sido adquirido por herança passa imediatamente a integrar o patrimônio comum, cabendo ao outro cônjuge por metade. 

Explica Washington de Barros Monteiro: 

“(...) Todos os bens do casal, não importa a natureza, móveis e imóveis, direitos e ações, passam a constituir uma só massa, um só acervo, que permanece indivisível até a dissolução da sociedade conjugal. Cada cônjuge tem direito à metade dessa massa; formam ambos verdadeira sociedade, embora regida por normas especiais. Tudo quanto um deles adquirir transmite imediatamente, por metade, ao outro cônjuge; ainda que nada tenha trazido para a sociedade conjugal, ou nada tenha adquirido durante a sua constância, recebe a metade do que o outro trouxe ou adquiriu na vigência da mesma sociedade” (Curso de Direito Civil. Direito de Família. Volume 2. 43ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, e-book – grifou-se) 

Registre-se que não se trata de elevar o cônjuge à qualidade de herdeiro mas, sim, de permitir sua participação no processo que envolve a alienação de bem comum. 

No caso de ação de anulação de partilha, parece que o mesmo raciocínio deve orientar a verificação quanto à necessidade de participação do cônjuge do herdeiro no processo. Assim, se houver a possibilidade de ser atingido negativamente o patrimônio do casal, com a alienação (perda) de bem imóvel, o cônjuge do herdeiro deve ser chamado para integrar a lide. Caso contrário, é dispensada sua participação. 

Na hipótese dos autos, o regime de casamento dos herdeiros é a comunhão universal de bens e a partilha anteriormente realizada contemplou bens imóveis, conforme noticia o relatório do acórdão recorrido: 

“(...) 3. Alegam, outrossim, que a demanda de origem versa sobre direitos reais imobiliários, pois a partilha envolveu bens imóveis que foram partilhados entre os agravantes e suas esposas e, uma vez registrado o título imobiliário, não há que se falar que a demanda de origem não se refere a direito real imobiliário.” (fl. 100, e-STJ). 

Nessa situação, em que os imóveis recebidos pelos recorrentes por conta da anterior partilha já foram levados a registro, integrando o patrimônio comum do casal, mostra-se indispensável a citação do cônjuge do herdeiro para a ação de anulação de partilha. Isso porque poderá haver a perda do imóvel que atualmente pertence a ambos, devendo a lide ser decidida de forma uniforme para ambos. 

Vale lembrar, ainda, que de acordo com o artigo 10, §1º, I, do CPC/1973 (art. 73, § 1º, I, do CPC/2015), os cônjuges serão necessariamente citados para a ação que trate de direitos reais imobiliários (art. 1.225 do CC). Nesse contexto, se o imóvel passou a integrar o patrimônio comum, a ação na qual se pretende a anulação da partilha envolve a anulação do próprio registro de transferência da propriedade do bem, mostrando-se indispensável a citação. 

Nessas circunstâncias, merece reforma o acórdão que entendeu pela desnecessidade de citação dos cônjuges dos herdeiros. 

3. Do dispositivo 

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para declarar que a hipótese é de litisconsórcio necessário, de modo que os cônjuges dos recorrentes devem integrar o polo passivo da lide. 

É o voto. 

Filigrana doutrinária: Outorga uxória e Citação de cônjuge em inventário - Carlos Roberto Gonçalves

“(...) Em regra, é dispensada a citação do cônjuge do herdeiro, assim como é considerada suficiente a outorga unilateral de procuração pelo herdeiro, tendo em vista ser o objeto do inventário o recebimento de bens por sucessão mortis causa, máxime se o regime de bens no casamento exclui a comunicação da herança. A participação do cônjuge é facultativa, por lhe faltar título hereditário. Se houver comunicação dos bens herdados, tratar-se á de relação não hereditária, mas concernente ao regime de bens do casamento. Haverá, no entanto, necessidade de citação do cônjuge, ou de sua representação no processo, em caso de disposição de bens, tais como renúncia, partilha diferenciada e quaisquer atos que dependam de outorga uxória”.


GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Volume 7. 14ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, e-book. 

24 de abril de 2021

EXECUÇÃO. AVALISTA. CÔNJUGE. AUSÊNCIA DE GARANTIA REAL. NECESSIDADE DE CITAÇÃO. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.475.257 - MG (2014/0207179-2) 

RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. AVALISTA. CÔNJUGE. AUSÊNCIA DE GARANTIA REAL. NECESSIDADE DE CITAÇÃO. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. 

1. O cônjuge que apenas autorizou seu consorte a prestar aval, nos termos do art. 1.647 do Código Civil (outorga uxória), não é avalista. Dessa forma, não havendo sido prestada garantia real, não é necessária sua citação como litisconsorte, bastando a mera intimação, como de fato postulado pelo exequente (art. 10, § 1º, incisos I e II, do CPC de 1973). 

2. Recurso especial a que se nega provimento. 

ACÓRDÃO 

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi (Presidente) e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão. 

Brasília (DF), 10 de dezembro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Trata-se de recurso especial interposto de acórdão que recebeu a seguinte ementa (e-STJ fl. 160): 

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE EXECUÇÃO - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - AVAL - INCLUSÃO DO CÔNJUGE NO POLO PASSIVO - IMPOSSIBILIDADE - NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. Nos termos do art. 1647 do Código Civil, é necessária a autorização do outro cônjuge para prestação de aval, como se deu nesta seara. Contudo, por ser o aval garantia de natureza pessoal, não pode ser o cônjuge que presta consentimento, considerado avalista e por conseqüência, não se pode pretender a sua inclusão no pólo passivo da Ação de Execução. 

Alega-se ofensa ao art. 10 do Código de Processo Civil de 1973, bem como dissídio. 

Sustenta-se que "a não inclusão do cônjuge, bem como a não formação do litisconsórcio passivo necessário eivam de nulidade instransponível na Ação executiva proposta pelo Recorrido, devendo o presente Recurso Especial ser acolhido, no sentido de determinar a extinção do feito". 

Contrarrazões às e-STJ fls. 185/189. 

Destaco que a decisão recorrida foi publicada antes da entrada em vigor da Lei n. 13.105 de 2015, estando o recurso sujeito aos requisitos de admissibilidade do Código de Processo Civil de 1973, conforme Enunciado Administrativo 2/2016 desta Corte. 

É o relatório. 

VOTO MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI (Relatora): A questão jurídica tratada no presente recurso especial diz respeito à necessidade de citação do cônjuge que concede a outorga uxória em aval quando da execução do avalista, na condição de litisconsorte necessário. 

O Tribunal solucionou a questão jurídica tratada nos seguintes termos (e-STJ fls. 161/162): 

Compulsando os autos, vê-se que o agravante propôs exceção de pré-executividade pugnando pela inclusão de sua esposa no pólo passivo da ação de execução proposta pelo Banco Safra S/A, pois, a seu aviso, a não-formação do litisconsórcio passivo gerará nulidade na ação executiva. Tal pedido que foi negado pelo Juizo a quo. Dal o presente agravo de instrumento. Vejo que não assiste razão ao agravante. Em principio, o art. 1647 do Código Civil, disciplina a matéria trazida à apreciação: "Art.1.647: Ressalvado o disposto no artigo 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I - Alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II - Pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III - Prestar fiança ou aval; IV - Fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação." Dessa feita, exceto no regime de separação absoluta, o cônjuge precisa da autorização do outro cônjuge para se prestar aval, como é o caso dos autos. Tal consentimento foi devidamente prestado pela esposa do agravante, Patrícia Loureiro Campos, como se vê a f. 31-TJMG. Ocorre que não pode pretender o avalista a inclusão de sua esposa no pólo passivo da demanda executiva, pois o aval é uma garantia de pagamento de titulo de crédito que tem natureza pessoal e, com isso, o pagamento somente pode ser imputado a ele, avalista. (...) Dessa feita, por se tratar de obrigação de natureza pessoal, não pode o cônjuge que presta consentimento ser também considerado avalista. Por conseqüência, não pode figurar no pólo passivo da ação de execução. 

Entendo que o referido posicionamento não merece reformas. 

O art. 10 do Código de Processo Civil de 1973, invocado como norma violada, assim dispõe: 

Art. 10. O cônjuge somente necessitará do consentimento do outro para propor ações que versem sobre direitos reais imobiliários. § 1o Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para as ações: I - que versem sobre direitos reais imobiliários; II - resultantes de fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou de atos praticados por eles; III - fundadas em dívidas contraídas pelo marido a bem da família, mas cuja execução tenha de recair sobre o produto do trabalho da mulher ou os seus bens reservados; IV - que tenham por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges. § 2o Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nos casos de composse ou de ato por ambos praticados. 

O aval é ato jurídico de prestação de garantia. Poderia eventualmente ser praticado por ambos os cônjuges, na condição de avalistas. Mas consta do acórdão recorrido que foi praticado apenas pelo executado, assinando a sua esposa unicamente na condição de outorgante da autorização para a prestação da garantia. Trata-se da condição prevista no art. 1.647 do Código Civil: 

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: 

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; 

II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; 

III - prestar fiança ou aval; 

IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. 

Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada. 

Assim, tal como bem observou a Corte local, não há que se falar em litisconsórcio necessário porque o cônjuge do avalista não é avalista ou tampouco praticou ato visando à garantia. Não desconheço o precedente desta Corte nos autos do RESP 212.447/MS, de seguinte ementa: 

EXECUÇÃO. LEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA AD CAUSAM DA MULHER DO AVALISTA, QUE ANUIU À CONSTITUIÇÃO DA GARANTIA HIPOTECÁRIA, COMPROMETENDO INCLUSIVE A SUA MEAÇÃO. - O garante de dívida alheia equipara-se ao devedor. Quem deu a garantia deve figurar no pólo passivo da execução, quando se pretenda tornar aquela efetiva. Precedentes. - Caso em que, ademais, os executados nomearam o bem hipotecado à penhora. Litisconsórcio passivo necessário entre o garante hipotecário e seu cônjuge. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 212.447/MS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 17/08/2000, DJ 09/10/2000, p. 152) 

Em que pese o referido precedente tratar de legitimidade passiva ad causam em execução de cédula de crédito comercial em que o cônjuge recorrente não figura como emitente nem avalista, tem-se a peculiaridade de que foi anuente de hipoteca, gravame de direito real que atrai a incidência do art. 10, § 1º, I, do Código de Processo Civil de 1973, não tratado no presente caso e tampouco invocado pelo ora recorrente nas razões de seu especial. 

O mesmo ocorre nos seguintes precedentes, em que há garantia real ou penhora de imóvel: 

PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL HIPOTECÁRIA. EXECUÇÃO. NECESSIDADE DE CITAÇÃO DO CÔNJUGE DAQUELE QUE PRESTA AVAL NO TÍTULO. AUSÊNCIA. NULIDADE. 1. A jurisprudência deste Tribunal Superior é no sentido de que "não viola a disciplina processual o acórdão que anula o processo de execução de título executivo extrajudicial com garantia pignoratícia e hipotecária, pela ausência da citação do cônjuge do executado (REsp 87.853/MA, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, DJ de 15.12.1997) 2. Precedentes: REsp 468.333/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 1º/12/2009, DJe de 14/12/2009; REsp 49669/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 14/11/2000, DJ de 12/2/2001; REsp 212.447/MG, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, DJ de 9.10.2000. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1165048/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 16/06/2011, DJe 05/08/2011) 

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA DE BEM IMOVEL. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DO CONJUGE. 1. SEGUNDO ORIENTAÇÃO QUE VEIO A PREVALECER NESTA QUARTA TURMA, NO CASO DA PENHORA RECAIR SOBRE BEM IMOVEL TORNA-SE IMPRESCINDIVEL A INTIMAÇÃO DO CONJUGE, SOB PENA DE NULIDADE. 2. ANTE A FORMAÇÃO DE LITISCONSORCIO NECESSARIO, FICA O MARIDO-EXECUTADO LEGITIMADO PARA ARGUIR A EVENTUAL FALTA DA INTIMAÇÃO DE SUA MULHER EM SEDE DE EMBARGOS A EXECUÇÃO. 3. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. (REsp 11.699/PR, Rel. Ministro BUENO DE SOUZA, QUARTA TURMA, julgado em 06/06/1994, DJ 01/08/1994, p. 18651) 

Veja-se que no último precedente citado se fala em intimação do cônjuge, e não citação. No caso, o exequente postulou a intimação do cônjuge, conforme se depreende do pedido inicial da execução à e-STJ fl. 22 dos autos. Assim, não há que se declarar a extinção da execução como pretende a recorrente. Não sendo a hipótese dos autos, em que a instituição financeira apresenta sua inicial postulando o pagamento ou a indicação de bens à penhora, suficiente o pedido inicial de intimação. 

Ainda que transpostos os referidos óbices, não seria o caso de extinção do feito, como pretende a recorrente, mas mero retorno dos autos à origem para emenda à inicial, o que não é o caso. No mesmo sentido: 

PROCESSUAL CIVIL. EMENDA À INICIAL. MODIFICAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR E DO PEDIDO, APÓS OFERECIDA A CONTESTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DETERMINAÇÃO, EX OFFICIO, DE QUE O AUTOR PROMOVA A CITAÇÃO DO LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO. POSSIBILIDADE. ART. 47 DO CPC/1973. NORMA DE CARÁTER DE ORDEM PÚBLICA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência do STJ não se admite a emenda da inicial após o oferecimento da contestação quando tal diligência ensejar a modificação do pedido ou da causa de pedir. Isso porque a regra prevista no art. 284 do CPC/1973 deve ser compatibilizada com o disposto no art. 264 do CPC/1973, que impede ao autor, após a citação, modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu; e, em nenhuma hipótese, permite a alteração do pedido ou da causa de pedir após o saneamento do processo. 2. In casu, a emenda da inicial para possibilitar a inclusão no polo passivo da demanda de litisconsorte necessário não enseja modificação do pedido ou da causa de pedir. 3. Ademais, é assente o entendimento do STJ de que o litisconsórcio necessário é regido por norma de ordem pública, cabendo ao juiz determinar, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, a integração à lide do litisconsorte passivo. 4. Nos termos do art. 47 do Código de Processo Civil de 1973 há o litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. 5. O litisconsórcio necessário, à exceção das hipóteses de imposição legal, encontra sua razão de ser na natureza da relação jurídica de direito material deduzida em juízo, que implica produção dos efeitos da decisão de mérito de forma direta na esfera jurídica de todos os integrantes dessa relação. 6. Agravo Interno não provido. (AgInt no REsp 1593819/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/10/2016, REPDJe 03/05/2017, DJe 08/11/2016) 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DETERMINAÇÃO DE EMENDA DA PETIÇÃO INICIAL. DESCUMPRIMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO. PROVIMENTO NEGADO. 1. Nos termos do art. 284 do Código de Processo Civil, impõe-se o indeferimento da petição inicial se a parte autora, intimada à emendá-la, não leva a efeito tal incumbência. 2. Preclusa a matéria relacionada à necessidade de aditamento da petição inicial por força do reconhecimento da existência de litisconsórcio passivo necessário, outra alternativa não restava à impetrante, senão promover a emenda da petição inicial do mandado de segurança. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no RMS 27.720/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 12/05/2015, DJe 21/05/2015) 

Improsperável, a meu entender, a pretensão de reforma do acórdão recorrido para extinguir o feito de execução. Em face do exposto, nego provimento ao recurso especial. 

É como voto.