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8 de janeiro de 2022

STF determinou à União o restabelecimento dos leitos de UTI destinados ao tratamento da Covid-19 que estavam custeados pelo Ministério da Saúde até dezembro de 2020, e que foram reduzidos nos meses de janeiro e fevereiro de 2021

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/12/info-1037-stf.pdf


DIREITO À SAÚDE - STF determinou à União o restabelecimento dos leitos de UTI destinados ao tratamento da Covid-19 que estavam custeados pelo Ministério da Saúde até dezembro de 2020, e que foram reduzidos nos meses de janeiro e fevereiro de 2021 

A União deve prestar suporte técnico e apoio financeiro para a expansão da rede de UTI’s nos estados durante o período de emergência sanitária. STF. Plenário. ACO 3473/DF, ACO 3474/SP, ACO 3475/DF, ACO 3478/PI e ACO 3483/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 10/11/2021 (Info 1037). 

A situação concreta foi a seguinte: 

No início da pandemia da Covid-19, a União montou, com recursos federais, leitos de UTI exclusivos para o tratamento da Covid-19. Ocorre que esses leitos foram sendo desativados após dezembro de 2020. Com o recrudescimento dos casos, em 09/02/2021, cinco Estados-membros ajuizaram ações cíveis originárias no STF pedindo que a União fosse obrigada a reativar esses leitos, custeando a sua manutenção. 

Decisão monocrática 

Em 27/02/2021, a Min. Rosa Weber, monocraticamente, concedeu tutela provisória de urgência para determinar à União que restabeleça os leitos de UTI destinados ao tratamento da Covid-19 nos Estados requerentes que estavam habilitados (custeados) pelo Ministério da Saúde até dezembro de 2020, e que foram reduzidos nos meses de janeiro e fevereiro de 2021. 

Referendo pelo Plenário 

Em 07/04/2021, o Plenário do STF referendou as tutelas de urgência concedidas nas cinco ações cíveis originárias, propostas por estados-membros da Federação, para determinar à União que: 

a) analisasse, imediatamente, os pedidos de habilitação de novos leitos de UTI formulados pelos estadosmembros requerentes junto ao Ministério da Saúde; 

b) restabelecesse, imediatamente, de forma proporcional às outras unidades federativas, os leitos de UTI destinados ao tratamento da Covid-19 nos estados requerentes que estavam habilitados (custeados) pelo Ministério da Saúde até dezembro de 2020, e que foram reduzidos nos meses de janeiro e fevereiro de 2021; 

c) prestasse suporte técnico e financeiro para a expansão da rede de UTI’s nos entes estaduais requerentes, de forma proporcional às outras unidades federativas, em caso de evolução da pandemia. Em condições de recrudescimento da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), não é constitucionalmente aceitável qualquer retrocesso nas políticas públicas de saúde, como a que resulta em decréscimo no número de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) habilitados (custeados) pela União. STF. Plenário ACO 3473 MC-Ref/DF, ACO 3474 TP-Ref/SP, ACO 3475 TP-Ref/DF, ACO 3478 MC-Ref/PI e ACO 3483 TP-Ref/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 7/4/2021 (Info 1012).

Julgamento final de mérito 

No dia 10/11/2021, o STF julgou procedente o pedido para determinar que a União preste suporte técnico e apoio financeiro para a expansão da rede de UTI nos Estados requerentes durante o período de emergência sanitária, tornando definitiva a tutela de urgência concedida. Nos termos do art. 21, XVIII, da Constituição Federal, compete à União planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas e, em tema de saúde coletiva, impõe-se ao Governo federal “atuar como ente central no planejamento e coordenação de ações integradas (...), em especial de segurança sanitária e epidemiológica no enfrentamento à pandemia da COVID-19, inclusive no tocante ao financiamento e apoio logístico aos órgãos regionais e locais de saúde pública” (ADPF 672, Rel. Min. Alexandre de Moraes , Plenário). Esse dever da União de repassar aos entes subnacionais sua quota federal de abertura e manutenção dos leitos de UTI-Covid, enquanto programa excepcional próprio, decorre precisamente da posição central que deve exercer durante estado de emergência sanitária, o qual não se confunde com o repasse de verbas federais para ações universais de saúde nos estados e municípios, este decorrente do dever geral de cofinanciamento e da natureza tripartite do SUS (art. 198, § 1º, da CF/88). O enfrentamento de uma crise sanitária como a ora em vigor deve ser edificado com estratégia multilateral e planejamento estratégico. Ao Governo Federal se impõe a adoção de medidas com respaldo técnico e científico, e que sejam implantadas, as políticas públicas, a partir de atos administrativos lógicos e coerentes. A Relatora destacou que devem ser juridicamente repelidas, por inócuas, as medidas de improviso e sem comprovação científica para combater a pandemia do Coronavírus. Nesse contexto, uma vez identificada omissão estatal ou gerenciamento errático em situação de emergência, como restou comprovado no presente caso, é viável a interferência judicial para a concretização do direito social à saúde, cujas ações e serviços são marcadas constitucionalmente pelo acesso igualitário e universal (arts. 6º e 196, da CF/88). Portanto, não restam dúvidas sobre o dever constitucional da União em prestar suporte técnico e apoio financeiro para a expansão da rede de UTI nos Estados requerentes durante o período de emergência sanitária. 

Em suma: A União deve prestar suporte técnico e apoio financeiro para a expansão da rede de UTI’s nos estados durante o período de emergência sanitária. STF. Plenário. ACO 3473/DF, ACO 3474/SP, ACO 3475/DF, ACO 3478/PI e ACO 3483/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 10/11/2021 (Info 1037).

28 de junho de 2021

É possível condenar judicialmente Estado ou Município a investir na saúde os valores mínimos que não foram aplicados em anos anteriores

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-1017-stf.pdf


DIREITO FINANCEIRO - É possível condenar judicialmente Estado ou Município a investir na saúde os valores mínimos que não foram aplicados em anos anteriores 

É compatível com a Constituição Federal controle judicial a tornar obrigatória a observância, tendo em conta recursos orçamentários destinados à saúde, dos percentuais mínimos previstos no artigo 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, considerado período anterior à edição da Lei Complementar nº 141/2012. STF. Plenário. RE 858075/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 14/5/2021 (Repercussão Geral – Tema 818) (Info 1017). 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: 

O Ministério Público federal ajuizou ação civil pública contra o Município de Nova Iguaçu (RJ) e contra a União, alegando que, no ano de 2003, o Município não aplicou o percentual mínimo de recursos que deveriam ser destinados à saúde, conforme exigido pelo art. 198, § 2º, III, da Constituição, observados os parâmetros do art. 77, § 1º, do ADCT: 

Art. 198 (...) § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: (...) III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. 

Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes: (...) III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. (Incluído pela EC 29/2000) § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por cento. (Incluído pela EC 29/2000) 

O MPF alegou, ainda, que, diante do descumprimento do art. 198, § 2º, III, da CF/88, a União deveria ter deixado de repassar recursos financeiros para o Município. 

Sentença 

O magistrado jugou o pedido procedente para determinar ao Município de Nova Iguaçu que incluísse, no orçamento do exercício financeiro seguinte, os recursos que deixaram de ser investidos na saúde no ano de 2003. Em outras palavras, vamos imaginar que, em 2003, deveriam ter sido investidos R$ 4 milhões na saúde, mas só foram destinados R$ 3 milhões. O juiz determinou que esse R$ 1 milhão que faltou ser aplicado deverá agora ser investido no ano seguinte à publicação da sentença. Vale ressaltar que esse R$ 1 milhão será somado ao valor mínimo que já é destinado normalmente à saúde. O juiz condenou, ainda, a União dizendo que ela não deveria ter repassado as transferências voluntárias ao Município, tendo em vista que ele não cumpriu a aplicação mínima de recursos na área de saúde. 

Recurso extraordinário 

Após o esgotamento das instâncias ordinárias, foi interposto extraordinário dirigido ao STF. O Município sustentou a tese de que: 

- em 2003, ainda não havia sido editada nenhuma lei ou ato normativo prevendo a sanção aplicável pelo descumprimento do mínimo constitucional para a saúde; 

- a definição das sanções e do momento de sua aplicação somente surgiu com a Lei Complementar federal nº 141/2012, editada em cumprimento ao art. 198, § 3º, IV, da CF/88; 

- logo, o juiz não poderia ter proferido essa condenação, já que os fatos são anteriores à LC 141/2012. 

A União afirmou também que, naquela época, não havia norma autorizando que ela retivesse as transferências voluntárias devidas ao Município pelo simples fato de o referido ente local não ter aplicado o percentual mínimo de recursos na saúde. 

O argumento da União foi acolhido pelo STF? 

SIM. No ano de 2003, ainda não havia sido editada regra que estabelecesse a sanção aplicável pelo descumprimento do mínimo constitucional e regulasse o seu procedimento de aplicação. O art. 160, parágrafo único, II, da Constituição, incluído pela EC nº 29/2000, previu a possibilidade de União e Estados condicionarem a entrega dos recursos indicados nos arts. 158 e 159 ao cumprimento do art. 198, § 2º, II e III, mas não determinou que essa fosse a consequência direta e imediata do desrespeito aos percentuais mínimos: 

Art. 160. É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos. Parágrafo único. A vedação prevista neste artigo não impede a União e os Estados de condicionarem a entrega de recursos: (...) II – ao cumprimento do disposto no art. 198, § 2º, incisos II e III. 

Assim, o STF entende que, antes do advento da LC 141/2012, não se pode aplicar a sanção de restrição de transferência voluntária federal a Município ou Estado-membro em razão do descumprimento do percentual mínimo de gastos em saúde: STF. Plenário. ACO 2075 AgR, Rel. Dias Toffoli, julgado em 27/04/2018. 

Por outro lado, a alegação do Município foi aceita pelo STF? 

NÃO. A regra instituidora da sanção imputável ao ente federativo que descumpre o mínimo constitucional só sobreveio com a edição dos arts. 25 e 26 da LC 141/2012, mas a exigência de aplicação de um percentual mínimo em ações e serviços públicos de saúde decorre diretamente da Constituição, desde a edição da EC 29/2000. O art. 77, III e § 1º, do ADCT indica expressamente os percentuais mínimos a serem observados pelos Municípios desde o ano 2000, deixando claro o caráter autoaplicável da previsão, que deveria ser obedecida desde a sua promulgação. Assim, embora não se possa obrigar a União a restringir a entrega de recursos financeiros ao Municípioréu, é plenamente exigível desse último a compensação da diferença que deixou de ser aplicada em ações e serviços de saúde no ano de 2003. A condenação da União é impossível porque, à época dos fatos submetidos a julgamento, não havia lei que condicionasse a realização das transferências constitucionais determinadas nos arts. 158 e 159 ao cumprimento dos percentuais mínimos de gasto em saúde. Da mesma forma, não há previsão que condicione a transferência de receitas tributárias ao cumprimento de decisões judiciais. Por outro lado, desde a promulgação da EC nº 29/2000 há norma autoaplicável que exige dos Municípios a aplicação de um percentual mínimo em ações e serviços de saúde. Desse modo, tal providência é passível de ser exigida do Município-réu pelo Poder Judiciário, com o emprego dos meios coercitivos típicos para cumprimento de decisões judiciais. 

Em suma: É compatível com a Constituição Federal controle judicial a tornar obrigatória a observância, tendo em conta recursos orçamentários destinados à saúde, dos percentuais mínimos previstos no artigo 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, considerado período anterior à edição da Lei Complementar nº 141/2012. O controle judicial da exigência de aplicação de um percentual mínimo de recursos orçamentários em ações e serviços públicos de saúde, previsto no art. 77 do ADCT, é compatível com a Constituição Federal desde a edição da EC 29/2000. STF. Plenário. RE 858075/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 14/5/2021 (Repercussão Geral – Tema 818) (Info 1017).

26 de junho de 2021

Constatada a incapacidade financeira do paciente, o Estado deve fornecer medicamento que, apesar de não possuir registro sanitário, tem a importação autorizada pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para tanto, devem ser comprovadas a imprescindibilidade do tratamento e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação e dos protocolos de intervenção terapêutica do Sistema Único de Saúde (SUS)

 DIREITO CONSTITUCIONAL – ORDEM SOCIAL

DIREITO DA SAÚDE – SAÚDE PÚBLICA

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – DIREITO À VIDA E À SAÚDE

 

Direito à saúde: fornecimento de medicamento pelo Estado, ausência de registro sanitário e importação autorizada pela Anvisa - RE 1165959/SP 

 

Tese fixada:

 

“Cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na Anvisa, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS.”

 

Resumo:

 

Constatada a incapacidade financeira do paciente, o Estado deve fornecer medicamento que, apesar de não possuir registro sanitário, tem a importação autorizada pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para tanto, devem ser comprovadas a imprescindibilidade do tratamento e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação e dos protocolos de intervenção terapêutica do Sistema Único de Saúde (SUS).

No exame do Tema 6 (1) e do Tema 500 (2) da repercussão geral, o Tribunal estabeleceu algumas premissas consensuais para que o Poder Judiciário possa compelir o Estado a fornecer fármaco não constante das listas de dispensação do SUS, quais sejam: (i) a comprovação da imprescindibilidade do medicamento; (ii) a impossibilidade de substituição por outro similar; (iii) a incapacidade financeira do enfermo; e (iv) o impedimento de a demanda cuidar de medicamento experimental ou de uso não autorizado pela Anvisa.

No caso concreto, a respeito da substância terapêutica pleiteada, além de não ser proibida a comercialização no País, a importação de produtos à base de canabidiol, para uso pessoal, tem autorização da Anvisa, se cumpridos critérios específicos. O recorrido, inclusive, possui autorização individual da Agência.

Desse modo, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Edson Fachin, que fixaram tese diversa; e o ministro Nunes Marques, que não fixou tese.

(1) RE 566.471/RN, relator Min. Marco Aurélio, julgamento em 11.3.2020, tese pendente.

(2) RE 657.718/MG, relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Roberto Barroso (DJe de 25.10.2019).

RE 1165959/SP, relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 18.6.2021 (sexta-feira), às 23:59

8 de junho de 2021

STF determinou que a Anvisa, no prazo de 30 dias, decida sobre a importação excepcional e temporária da vacina Sputnik V contra a Covid-19

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-1015-stf-1.pdf


DIREITO À SAÚDE-  STF determinou que a Anvisa, no prazo de 30 dias, decida sobre a importação excepcional e temporária da vacina Sputnik V contra a Covid-19 

É possível que ente federado proceda à importação e distribuição, excepcional e temporária, de vacina contra o coronavírus, no caso de ausência de manifestação, a esse respeito, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA no prazo estabelecido pelo art. 16 da Lei nº 14.124/2021. Caso concreto: no dia 08/04/2021, o Estado do Maranhão ingressou com pedido de tutela provisória incidental alegando que a União estaria descumprindo o Plano Nacional de Vacinação, o que teria levado o Estado a adquirir 4 milhões e meio de doses da vacina Sputnik V, produzida pelo Instituto Gamaleya, da Rússia. O Estado afirmou que, para conseguir trazer regularmente as vacinas para o Brasil, protocolizou na Anvisa, no dia 29/03/2021, pedido de autorização excepcional de uso e de importação da Sputnik V. Ocorre que a agência ainda não teria examinado o requerimento, a despeito da situação de urgência. Diante disso, o Estado do Maranhão pediu ao STF, a título de tutela provisória incidental, que seja determinado à Anvisa que emita autorização excepcional de uso e importação da vacina Sputnik V, conforme requerimento apresentado. O STF deferiu em parte o pedido e determinou que a Anvisa, no prazo máximo de 30 dias, a contar de 29/3/2021, decida sobre a importação excepcional e temporária da vacina Sputnik V. Fundamento legal para a decisão: art. 16, § 4º da Lei nº 14.124/2021. STF. Plenário. ACO 3451 TPI-Ref/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 30/4/2021 (Info 1015). 

ACO 3451 

Em 09/12/2020, o Estado do Maranhão ingressou com ação cível originária contra a União, no STF, alegando que “o Governo Federal, por razões de índole política ou ideológica, tem deixado de adotar medidas necessárias à promoção do direito fundamental à saúde, em especial no que tange à elaboração e execução de um plano de imunização da população brasileira.” Ao final, o autor formulou dois pedidos principais: a) que fosse declarado que o Estado do Maranhão pode realizar um plano estadual de imunização buscando, inclusive, a celebração de acordos para aquisição direta de vacinas, nos termos do art. 3º, VIII, “a”, da Lei nº 13.797/2020; b) que a União fosse condenada a conceder auxílio financeiro ao Estado do Maranhão para a aquisição das vacinas necessárias a imunizar sua população ou, alternativamente, que fosse permitido que o Estado compensasse as despesas que ele terá com a vacinação com as dívidas que possui com a União (Estado gasta com a vacinação e depois pode descontar isso das dívidas que tem com a União). 

Liminar 

No dia 24/02/2021, o Plenário do STF concedeu parcialmente a medida cautelar e decidiu que: 

1) Em princípio, as vacinas a serem oferecidas contra a covid-19 são aquelas incluídas no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação elaborado pela União; 

2) Se o plano for descumprido pela União ou se ele não atingir cobertura imunológica tempestiva e suficiente contra a doença, os Estados, DF e Municípios poderão dispensar (conceder) à população as vacinas que esses entes possuírem, desde que tenham sido previamente aprovadas pela Anvisa; 

3) Se a Anvisa não expedir a autorização competente, no prazo de 72 horas, os Estados, DF e Municípios poderão importar e distribuir vacinas que já tenham sido registradas nos Estados Unidos (EUA), na União Europeia (EMA), no Japão (PMDA) ou na China (NMPA). Além disso, tais entes poderão também importar e distribuir quaisquer outras vacinas que já tenham sido aprovadas, em caráter emergencial (Resolução DC/ANVISA 444, de 10/12/2020), pela ANVISA. 

Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no caso de descumprimento do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 ou na hipótese de cobertura imunológica intempestiva e insuficiente, poderão dispensar às respectivas populações (a) vacinas das quais disponham, previamente aprovadas pela Anvisa; e (b) no caso de não expedição da autorização competente, no prazo de 72 horas, vacinas registradas por pelo menos uma das autoridades sanitárias estrangeiras e liberadas para distribuição comercial nos respectivos países, bem como quaisquer outras que vierem a ser aprovadas, em caráter emergencial. STF. Plenário. ADPF 770 MC-Ref/DF e ACO 3451 MC-Ref/MA, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 24/2/2021 (Info 1006). 

Vale ressaltar que essa decisão de 24/02/2021 foi apenas referente à medida cautelar. Não se julgou ainda definitivamente a ação. 

Tutela provisória incidental 

No dia 08/04/2021, o Estado do Maranhão ingressou com pedido de tutela provisória incidental alegando que a União estaria descumprindo o Plano Nacional de Vacinação, o que teria levado o Estado a adquirir 4 milhões e meio de doses da vacina Sputnik V, produzida pelo Instituto Gamaleya, da Rússia. O Estado afirmou que, para conseguir trazer regularmente as vacinas para o Brasil, protocolizou na Anvisa, no dia 29/03/2021, pedido de autorização excepcional de uso e de importação da Sputnik V. Ocorre que a agência ainda não teria examinado o requerimento, a despeito da situação de urgência. Diante disso, o Estado do Maranhão pediu ao STF, a título de tutela provisória incidental, que: a) seja determinado à Anvisa que emita autorização excepcional de uso e importação da vacina Sputnik V, conforme requerimento apresentado; b) seja fixada, em caso de eventual descumprimento, multa diária no valor de R$ 1 milhão. 

O que decidiu o STF? 

O Plenário do STF, por maioria, referendou decisão do Min. Relator Ricardo Lewandoswski e determinou que a Anvisa, no prazo máximo de 30 dias, a contar de 29/3/2021, decida sobre a importação excepcional e temporária da vacina Sputnik V. 

Qual é o fundamento legal para essa decisão? 

O § 4º do art. 16 da Lei nº 14.124/2021, que diz o seguinte: 

Art. 16. A Anvisa, conforme estabelecido em ato regulamentar próprio, oferecerá parecer sobre a autorização excepcional e temporária para a importação e a distribuição e a autorização para uso emergencial de quaisquer vacinas e medicamentos contra a covid-19, com estudos clínicos de fase 3 concluídos ou com os resultados provisórios de um ou mais estudos clínicos, além de materiais, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária, que não possuam o registro sanitário definitivo na Anvisa e considerados essenciais para auxiliar no combate à covid19, desde que registrados ou autorizados para uso emergencial por, no mínimo, uma das seguintes autoridades sanitárias estrangeiras e autorizados à distribuição em seus respectivos países: I - Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos da América; II - European Medicines Agency (EMA), da União Europeia; III - Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA), do Japão; IV - National Medical Products Administration (NMPA), da República Popular da China; V - Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency (MHRA), do Reino Unido da GrãBretanha e Irlanda do Norte; VI - Ministry of Health of the Russian Federation, da Federação da Rússia; VII - Central Drugs Standard Control Organization (CDSCO), da República da Índia; VIII - Korea Disease Control and Prevention Agency (KDCA), da República da Coreia; IX - Health Canada (HC), do Canadá; X - Therapeutic Goods Administration (TGA), da Comunidade da Austrália; XI - Administración Nacional de Medicamentos, Alimentos y Tecnología Médica (ANMAT), da República Argentina; XII - outras autoridades sanitárias estrangeiras com reconhecimento internacional e certificadas, com nível de maturidade IV, pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ou pelo International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use - Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos para Registro de Medicamentos de Uso Humano (ICH) e pelo Pharmaceutical Inspection Co-operation Scheme - Esquema de Cooperação em Inspeção Farmacêutica (PIC/S). § 1º Compete à Anvisa a avaliação das solicitações de autorização de que trata o caput deste artigo e das solicitações de autorização para o uso emergencial e temporário de vacinas contra a covid19, no prazo de até 7 (sete) dias úteis para a decisão final, dispensada a autorização de qualquer outro órgão da administração pública direta ou indireta para os produtos que especifica. § 2º Para fins do disposto no § 1º deste artigo, a Anvisa poderá requerer, fundamentadamente, a realização de diligências para complementação e esclarecimentos sobre os dados de qualidade, de eficácia e de segurança de vacinas contra a covid-19. § 3º O relatório técnico da avaliação das vacinas contra a covid-19, emitido ou publicado pelas autoridades sanitárias internacionais, deverá ser capaz de comprovar que a vacina atende aos padrões de qualidade, de eficácia e de segurança estabelecidos pela OMS ou pelo ICH e pelo PIC/S. § 4º Na ausência do relatório técnico de avaliação de uma autoridade sanitária internacional, conforme as condições previstas no § 3º deste artigo, o prazo de decisão da Anvisa será de até 30 (trinta) dias. 

O STF afirmou que, depois que ultrapassado o prazo legal de 30 dias, sem que a Anvisa tenha se manifestado, o Estado do Maranhão fica autorizado a importar e a distribuir o referido imunizante à população local, sob sua exclusiva responsabilidade, e desde que observadas as cautelas e recomendações do fabricante e das autoridades médicas. 

Em suma: É possível que ente federado proceda à importação e distribuição, excepcional e temporária, de vacina contra o coronavírus, no caso de ausência de manifestação, a esse respeito, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA no prazo estabelecido pelo art. 16 da Lei nº 14.124/2021. STF. Plenário. ACO 3451 TPI-Ref/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 30/4/2021 (Info 1015). 

Os Estados-membros e os Municípios não podem ser alijados do combate à Covid-19, notadamente porque estão investidos do poder-dever de empreender as medidas necessárias para o enfrentamento da emergência sanitária resultante do alastramento incontido da doença. Isso porque a Constituição outorgou a todos os entes federados a competência comum de cuidar da saúde, compreendida nela a adoção de quaisquer medidas que se mostrem necessárias para salvar vidas e garantir a higidez física das pessoas ameaçadas ou acometidas pela nova moléstia. Exige-se, mais do que nunca, uma atuação fortemente proativa dos agentes públicos de todos os níveis governamentais, diante do elevadíssimo número de novas mortes e infecções diárias, as quais têm crescido exponencialmente, bem como da falta de vagas em Unidades de Terapia Intensiva, da insuficiência de leitos hospitalares, do desabastecimento de oxigênio, da carência de sedativos, relaxantes musculares, antivirais e antibióticos, dentre outros fármacos, sobretudo para atender os pacientes mais graves, o que está a indicar um iminente colapso da rede de saúde pública e privada, com consequências sanitárias inimagináveis.

30 de abril de 2021

STF determinou à União o restabelecimento dos leitos de UTI destinados ao tratamento da Covid-19 que estavam custeados pelo Ministério da Saúde até dezembro de 2020, e que foram reduzidos nos meses de janeiro e fevereiro de 2021

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1012-stf.pdf


DIREITO À SAÚDE - STF determinou à União o restabelecimento dos leitos de UTI destinados ao tratamento da Covid-19 que estavam custeados pelo Ministério da Saúde até dezembro de 2020, e que foram reduzidos nos meses de janeiro e fevereiro de 2021 

Em condições de recrudescimento da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), não é constitucionalmente aceitável qualquer retrocesso nas políticas públicas de saúde, como a que resulta em decréscimo no número de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) habilitados (custeados) pela União. STF. Plenário. ACO 3473 MC-Ref/DF, ACO 3474 TP-Ref/SP, ACO 3475 TP-Ref/DF, ACO 3478 MCRef/PI e ACO 3483 TP-Ref/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 7/4/2021 (Info 1012). 

A situação concreta foi a seguinte: 

No início da pandemia da Covid-19, a União montou, com recursos federais, leitos de UTI exclusivos para o tratamento da Covid-19. Ocorre que esses leitos foram sendo desativados após dezembro de 2020. Com o recrudescimento dos casos, em fevereiro de 2021, cinco Estados-membros ajuizaram ações cíveis originárias no STF pedindo que a União fosse obrigada a reativar esses leitos, custeando a sua manutenção. A Min. Rosa Weber, monocraticamente, concedeu tutela provisória de urgência para determinar à União que restabeleça os leitos de UTI destinados ao tratamento da Covid-19 nos Estados requerentes que estavam habilitados (custeados) pelo Ministério da Saúde até dezembro de 2020, e que foram reduzidos nos meses de janeiro e fevereiro de 2021. 

Referendo pelo Plenário 

Em 07/04/2021, o Plenário do STF referendou as tutelas de urgência concedidas nas cinco ações cíveis originárias, propostas por estados-membros da Federação, para determinar à União que: 

a) analise, imediatamente, os pedidos de habilitação de novos leitos de UTI formulados pelos estadosmembros requerentes junto ao Ministério da Saúde; 

b) restabeleça, imediatamente, de forma proporcional às outras unidades federativas, os leitos de UTI destinados ao tratamento da Covid-19 nos estados requerentes que estavam habilitados (custeados) pelo Ministério da Saúde até dezembro de 2020, e que foram reduzidos nos meses de janeiro e fevereiro de 2021; 

c) preste suporte técnico e financeiro para a expansão da rede de UTI’s nos entes estaduais requerentes, de forma proporcional às outras unidades federativas, em caso de evolução da pandemia. 

O recrudescimento das taxas de contaminação, internação e letalidade em decorrência da pandemia da Covid-19 é incontroverso e notório. Nesse cenário, são preocupantes as alegações de estado federado no sentido de que a União não tem se posicionado sobre requerimento de habilitação de novos leitos de UTI e de que os leitos financiados com recursos federais, destinados exclusivamente ao tratamento de pacientes com Covid-19, têm sido desabilitados. A propósito da tramitação de crédito orçamentário extraordinário para fazer frente às vulnerabilidades, as vidas em jogo não podem ficar na dependência da burocracia estatal ou das idiossincrasias políticas. Estão em xeque cláusulas vitais de saúde coletiva. Além disso, a solução de conflitos sobre o exercício da competência deve pautar-se pela melhor realização do direito à saúde. Identificada omissão estatal ou gerenciamento errático, como aparentemente se apresenta, é viável a interferência judicial para a concretização do direito social à saúde, cujas ações e serviços são marcados constitucionalmente pelo acesso igualitário e universal. Deve ser exigido do governo federal que suas ações sejam respaldadas por critérios técnicos e científicos, e que sejam implantadas as políticas públicas a partir de atos administrativos lógicos e coerentes. Não é lógico, coerente ou cientificamente defensável a diminuição do número de leitos de UTI custodiados pela União em momento desafiador da pandemia, justamente quando constatado incremento das mortes e das internações hospitalares. Cumpre enfatizar que a programática constitucional não aceita retrocessos injustificados no direito social à saúde. Assim, em juízo de delibação, fica evidente a presença do requisito da probabilidade do direito. Mostra-se, ainda, presente o perigo da demora, que se revela intuitivo frente aos abalos causados pela pandemia. Não há nada mais urgente do que o desejo de viver. O não endereçamento ágil e racional do problema pode multiplicar o número de óbitos e potencializar a tragédia humanitária. 

Em suma: Em condições de recrudescimento da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), não é constitucionalmente aceitável qualquer retrocesso nas políticas públicas de saúde, como a que resulta em decréscimo no número de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) habilitados (custeados) pela União. STF. Plenário. ACO 3473 MC-Ref/DF, ACO 3474 TP-Ref/SP, ACO 3475 TP-Ref/DF, ACO 3478 MC-Ref/PI e ACO 3483 TP-Ref/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 7/4/2021 (Info 1012).


20 de abril de 2021

PESSOA IDOSA; ATENDIMENTO DOMICILIAR DE CUIDADOR; NECESSIDADE; PODER PÚBLICO; OBRIGAÇÃO DE FORNECER

APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. ART. 196 DA CRFB. AUTORA, PORTADORA HIPERTENSÃO ARTERIAL E DIABETES, E COM DEMÊNCIA DE ALZHEIMER, QUE FAZ JUS AO ATENDIMENTO DOMICILIAR DE CUIDADOR, PARA MANUTENÇÃO DE SUA SAÚDE E VIDA. INTELIGÊNCIA DO ART. 19-I, §1º DA LEI Nº 8.080/1990. CONJUNTO PROBATÓRIO DOS AUTOS QUE DEIXA EVIDENTE QUE O REFERIDO PROFISSIONAL É IMPRESCINDÍVEL AOS CUIDADOS DE SAÚDE DA AUTORA, UMA VEZ QUE RESTOU DEVIDAMENTE COMPROVADO QUE A AUTORA NÃO POSSUI OUTROS FAMILIARES QUE POSSAM AUXILIÁ-LA EM SUAS NECESSIDADES, BEM COMO QUE NÃO POSSUI RECURSOS SUFICIENTES PARA ARCAR COM O PAGAMENTO PELO SERVIÇO. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. PROVIMENTO DO RECURSO.



0000987-42.2018.8.19.0053 - APELAÇÃO

SÉTIMA CÂMARA CÍVEL

Des(a). ANDRE GUSTAVO CORREA DE ANDRADE - Julg: 27/10/2020 - Data de Publicação: 03/11/2020

18 de abril de 2021

Covid-19: leitos de UTI e custeio e financiamento pela União

 DIREITO DA SAÚDE – SAÚDE PÚBLICA

DIREITO CONSTITUCIONAL – SAÚDE

 

Covid-19: leitos de UTI e custeio e financiamento pela União - ACO 3473 MC-Ref/DF; ACO 3474 TP-Ref/SP; ACO 3475 TP-Ref/DF; ACO 3478 MC-Ref/PI e ACO 3483 TP-Ref/DF 

 

Resumo:

 

Em condições de recrudescimento da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), não é constitucionalmente aceitável qualquer retrocesso nas políticas públicas de saúde, como a que resulta em decréscimo no número de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) habilitados (custeados) pela União.

O recrudescimento das taxas de contaminação, internação e letalidade em decorrência da pandemia da Covid-19 é incontroverso e notório. Nesse cenário, são preocupantes as alegações de estado federado no sentido de que a União não tem se posicionado sobre requerimento de habilitação de novos leitos de UTI e de que os leitos financiados com recursos federais, destinados exclusivamente ao tratamento de pacientes com Covid-19, têm sido desabilitados. A propósito da tramitação de crédito orçamentário extraordinário para fazer frente às vulnerabilidades, as vidas em jogo não podem ficar na dependência da burocracia estatal ou das idiossincrasias políticas. Estão em xeque cláusulas vitais de saúde coletiva. Além disso, a solução de conflitos sobre o exercício da competência deve pautar-se pela melhor realização do direito à saúde. Identificada omissão estatal ou gerenciamento errático, como aparentemente se apresenta, é viável a interferência judicial para a concretização do direito social à saúde, cujas ações e serviços são marcados constitucionalmente pelo acesso igualitário e universal.

Deve ser exigido do governo federal que suas ações sejam respaldadas por critérios técnicos e científicos, e que sejam implantadas as políticas públicas a partir de atos administrativos lógicos e coerentes. Não é lógico, coerente ou cientificamente defensável a diminuição do número de leitos de UTI custodiados pela União em momento desafiador da pandemia, justamente quando constatado incremento das mortes e das internações hospitalares. Cumpre enfatizar que a programática constitucional não placita retrocessos injustificados no direito social à saúde. Em juízo de delibação, evidencia-se a presença do requisito da probabilidade do direito.

Afigura-se, ainda, o perigo da demora, que se revela intuitivo frente aos abalos causados pela pandemia. Não há nada mais urgente do que o desejo de viver. O não endereçamento ágil e racional do problema pode multiplicar o número de óbitos e potencializar a tragédia humanitária.

Em julgamento conjunto, o Plenário referendou tutelas de urgência concedidas em cinco ações cíveis originárias, propostas por estados-membros da Federação, para: (i) determinar à União Federal que analise, imediatamente, os pedidos de habilitação de novos leitos de UTI formulados pelos estados-membros requerentes junto ao Ministério da Saúde; (ii) determinar à União que restabeleça, imediatamente, de forma proporcional às outras unidades federativas, os leitos de UTI destinados ao tratamento da Covid-19 nos estados requerentes que estavam habilitados (custeados) pelo Ministério da Saúde até dezembro de 2020, e que foram reduzidos nos meses de janeiro e fevereiro de 2021; (iii) determinar à União Federal que preste suporte técnico e financeiro para a expansão da rede de UTI’s nos entes estaduais requerentes, de forma proporcional às outras unidades federativas, em caso de evolução da pandemia. O ministro Nunes Marques acompanhou com ressalvas o voto da ministra Rosa Weber (relatora).

ACO 3473 MC-Ref/DF, relatora Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 7.4.2021 (quarta-feira), às 23:59

ACO 3474 TP-Ref/SP, relatora Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 7.4.2021 (quarta-feira), às 23:59

ACO 3475 TP-Ref/DF, relatora Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 7.4.2021 (quarta-feira), às 23:59

ACO 3478 MC-Ref/PI, relatora Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 7.4.2021 (quarta-feira), às 23:59

ACO 3483 TP-Ref/DF, relatora Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 7.4.2021 (quarta-feira), às 23:59

11 de novembro de 2017

DA FARMACIALIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO: BREVES CONSIDERAÇÕES; Revista de Processo, vol. 270, p. 279 - 310, Ago / 2017

DA FARMACIALIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO: BREVES CONSIDERAÇÕES

Judiciary as pharmacy: brief considerations
Revista de Processo | vol. 270/2017 | p. 279 - 310 | Ago / 2017
DTR\2017\2588
_____________________________________________________________________________________
Zillá Oliva Roma
Mestre em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – Assistente Jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.  zilla.oliva@gmail.com

Área do Direito: Civil; Processual

Resumo: Este artigo tem por objeto abordar o acesso à Justiça e a judicialização do direito fundamental social à saúde, fenômeno este que denomino farmacialização do Judiciário. Far-se-ão algumas considerações críticas acerca da forma por meio da qual se dá o acesso à Justiça deste tipo de pedido, majoritariamente por meio do ajuizamento de ações individuais, visando-se ao fornecimento gratuito de medicamentos e tratamentos médicos por parte do Estado. É nisso que consistirá o presente estudo.

 Palavras-chave:  Acesso à Justiça - Judicialização da política - Direito à saúde - Controle jurisdicional de políticas públicas

Abstract: This article aims to address the access to Justice and the judicialization of the fundamental social right to health, a phenomenon which I call Judiciary as pharmacy. It will be done some critical remarks on the way through which this kind of demand accesses the Justice, mostly through the filing of individual actions for the free supply of medicines and medical treatment from the State. This is what this study consists in.

 Keywords:  Access to Justice - Judicialization of politics - Right to health - Judicial control of public policies - Judiciary as pharmacy.

Sumário:  
1De ordem geral - 2Do controle jurisdicional de políticas públicas - 3Considerações finais - 4Referências


1 De ordem geral

1.1 Do acesso à Justiça

O conceito de acesso à Justiça deve ser sempre contextualizado conforme os fins preconizados pelo modelo de Estado no qual inserido. Assim, este princípio/garantia/direito1, disposto no art. 5º, inc. XXXV2, da Constituição Federal, no Brasil, deve servir, sobretudo, para concretizar os objetivos fundamentais da República Federativa, insculpidos no ambicioso art. 3º da Carta Política3, precipuamente relacionados à prestação dos direitos fundamentais de segunda geração/dimensão4, que consistem em direitos econômicos, sociais, culturais, partindo do ideal de que o Estado deve atuar positivamente para intervir na ordem socioeconômica5.
Assim, o ângulo por meio do qual o acesso à Justiça é analisado depende da filosofia política adotada pelo Estado. Daí se infere que seu conceito não é estanque, muito menos universal.
Atualmente, o acesso à Justiça é compreendido de forma ampla, qualificando a função jurisdicional6, não sendo mais visto como um mero demandar. Como menciona Fredie Didier Junior7, “O conteúdo desta garantia era entendido, durante muito tempo, apenas como a estipulação do direito de ação e do juiz natural. Sucede que a mera afirmação destes direitos em nada garante a sua efetiva concretização. É necessário ir-se além. Surge, assim, a noção de tutela jurisdicional qualificada. Não basta a simples garantia formal do dever do Estado de prestar a justiça; é necessário adjetivar esta prestação estatal, que já de ser rápida efetiva e adequada”.
Ainda, esse acesso deve garantir uma tutela jurisdicional adequada à realidade do direito material veiculado, assegurando o procedimento, a espécie de cognição, a natureza do provimento e os meios executórios adequados às peculiaridades da situação fática apresentada em juízo.
Neste ponto, Luiz Guilherme Marinoni8 visualiza a adequação processual como uma imposição do direito fundamental à efetividade do processo: “A compreensão desse direito depende da adequação da técnica processual a partir das necessidades do direito material. Se a efetividade requer a adequação e a adequação deve trazer efetividade, o certo é que os dois conceitos podem ser decompostos para melhor explicar a necessidade de adequação da técnica às diferentes situações de direito substancial”.
Ainda, o magistrado não pode furtar-se de seu dever institucional (vedação do non liquet9), de modo que, uma vez instado a dirimir algum conflito, em sede de processo existente e válido, não poderá se abster de adentrar o meritum causae simplesmente porque a lide apresenta, v.g., um conflito de largos contornos.
Em suma, o conteúdo do comando constitucional ora analisado pode ser tomado sob acepções diversas, a depender do ângulo por meio do qual é analisado, merecendo releitura atualizada e contextualizada para que seja preservada sua utilidade e importância, principalmente com o intuito de moldá-lo às novas necessidades da massificada e conflituosa sociedade contemporânea.

1.2 Da judicialização da política

No contexto do acesso à Justiça, os conflitos multiplexos/policêntricos têm tido cada vez mais acesso ao Judiciário, desaguando no fenômeno da judicialização da política10 no Brasil. Trata-se de conflitos de largo espectro (político, social, econômico), polarizando grandes massas de interesses metaindividuais (difusos, coletivos strictu sensu, individuais homogêneos), nos quais a decisão deverá operar efeitos em face de segmentos da sociedade, quando não dela como um todo.
Assim, na expressão judicialização da política, o termo política não se refere ao sentido partidário, mas sim ao fato de que controvérsias envolvendo especialmente políticas públicas programadas ou implantadas pelo Poder Público têm acessado a Justiça11. Como menciona Rodolfo de Camargo Mancuso, esse fenômeno “radica, remotamente, na recusa, na leniência ou na oferta insatisfatória de prestações primárias que deveriam ser disponibilizadas pelo Poder Público à população”12.
A judicialização consiste, assim, na possibilidade de questões de larga repercussão política, social e/ou econômica serem decididas pelo Judiciário, no lugar das instâncias políticas tradicionais para executar esse mister (Congresso Nacional e Poder Executivo)13.
Como aponta Rodolfo de Camargo Mancuso14, “A conflitiva sociedade de massa em que hoje vivemos não mais encontra meio satisfatório de expressão de suas angústias, expectativas e frustrações nas instâncias executiva e legislativa, donde vir bater às portas do Judiciário, fazendo-se representar por entes exponenciais adrede credenciados por certas normas de regência. Todavia, nem sempre as demandas coletivas têm encontrado ambiente receptivo – e, pior, muita vez vêm manejadas em modo inadequado – em parte por conta da própria formação tradicional de nossos operadores do Direito, pouco afeiçoados às peculiaridades daquelas ações”.
Assim, os cidadãos ingressam no Judiciário quando não obtêm o que desejam por via administrativa ou legislativa. Em se tratando de demandas coletivas, é sabido que ainda há bastante dificuldade em seu trato por parte dos operadores do Direito e que o Judiciário, muitas das vezes, prefere sustentar a existência de supostos óbices formais para adentrar o mérito do pedido, principalmente em razão do processo judicial ainda ser compreendido sob o prisma tradicional e bilateral.
Nesse sentido, ressalta Márcio Flávio Mafra Leal15 que “(...) a maneira clássica do Poder Judiciário não reconhecer direitos e interesses difusos e coletivos é adotar a solução ‘técnica’, que esconde todas essas pré-compreensões já mencionadas num mecanismo pouco comprometedor: é a ‘impossibilidade jurídica do pedido’, ‘ilegitimidade de parte’, ‘a falta de interesse de agir’. Buscam desesperadamente o ‘indivíduo’ no conflito, pois sem ele não se consegue trabalhar a ideia de ação judicial”.
Pois bem. O gradativo acesso à Justiça de interesses de largo espectro social, notadamente relacionados aos direitos fundamentais sociais, pode ser justificado com base nas disfunções do sistema político, que não tem se mostrado devidamente competente para lidar com as reivindicações legítimas que se apresentam na sociedade, de modo que a população acaba procurando no instrumental jurídico as soluções para todas as deficiências sociais.
Portanto, a judicialização recorrente no Brasil é oriunda não de um exercício deliberado de vontade política pelo Poder Judiciário, mas sim do modelo constitucional que o país adotou, consistindo, em verdade, num fenômeno resultante de uma transformação cultural profunda pela qual passaram os países que se organizam politicamente em torno do regime democrático16.
Exemplo de como a agenda do país se deslocou do Legislativo ao Judiciário é o fato de que as audiências públicas e o julgamento acerca das pesquisas com células-tronco embrionárias pelo STF tiveram muito mais visibilidade e debate público que o processo legislativo que resultou na edição da referida lei.
Nesses casos, é natural que o comando judicial venha a se projetar extra autos, não por vontade do magistrado, mas sim porque essa eficácia expandida se mostra inevitável, não se tratando de ativismo judicial, nos moldes reprobatórios que se lhe tem emprestado.
E em se tratando desse tipo de judicialização, José Reinaldo de Lima Lopes ressalta que não basta o mero reconhecimento judicial do direito reclamado: “(...) a solução natural não é um ato de adjudicação (típico do Judiciário), mas uma política pública. Trata-se de uma solução que requer não apenas um reconhecimento de um direito subjetivo e de um dar/entregar ou obrigar a dar/entregar alguma coisa ou alguma quantia em dinheiro, mas um fazer ou prover um serviço público (contínuo, ininterrupto, impessoal etc.)”17.
Nesse sentido, a adjudicação judicial tradicional não se mostra compatível com a tutela jurisdicional de direitos e interesses metaindividuais, especialmente os difusos, vez que proferida em processo bilateral e retrospectivo, que se baseia no modelo de custo-benefício/perdedor-ganhador/tudo ou nada/soma zero, no qual uma coisa não pode pertencer concomitantemente a mais de uma pessoa, engendrando justiça retributiva18.

1.3 Da judicialização do direito fundamental à saúde

Os direitos fundamentais sociais, constantes do art. 6º da Carta Política, consubstanciam-se em direitos constitucionais subjetivos, ou seja, dotados de eficácia plena e de exigibilidade imediata, conforme dispõe o § 1º do art. 5º deste diploma, segundo o qual “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Ainda, esses direitos não são apenas os constantes da Constituição Federal, podendo estar previstos também em tratados internacionais, conforme soa o art. 5º, § 2º, da Carta Política brasileira.
Com efeito, após o fenômeno da constitucionalização dos direitos fundamentais, tornaram-se eles estrutura básica do Estado e da sociedade19, transformando-se em elementos limitadores da ação estatal, de modo que esta, para ser legítima, deve refletir e harmonizar os valores políticos e jurídicos reconhecidos constitucionalmente.
E, teoricamente, sendo as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais de aplicação imediata (art. 5º, § 1º, CF/1988 (LGL\1988\3)) 20, pode-se dizer que o direito à saúde deve ser entendido como imediatamente executável.
Todavia, como os direitos sociais demandam regulamentação e investimento para se tornarem concretizáveis, na classificação do direito constitucional acerca da eficácia das normas constitucionais, trata-se de normas constitucionais de eficácia/aplicabilidade limitada21, supostamente programática22, porquanto impõem ao Poder Público o dever jurídico de implementá-los mediante o planejamento de políticas públicas adequadas, cuja execução, como sabido, envolve a edição de normas legais e regulamentares, e a prestação material de serviços públicos, demandando a alocação e o dispêndio de recursos financeiros.
José Afonso da Silva23, numa tentativa de explicar a compatibilidade do art. 5º, § 1º, da Constituição Federal – que dispõe que os direitos fundamentais são de aplicação imediata – com a classificação atribuída às normas constitucionais fixando o dever jurídico do Poder Público de assegurar prestações materiais visando à concretização de direitos fundamentais sociais, sustenta: “Então, em face dessas normas, que valor tem o disposto no § 1º, do art. 5º, que declara todas de aplicação imediata? Em primeiro lugar, significa que elas são aplicáveis até onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento. Em segundo lugar, significa que o Poder Judiciário, sendo invocado a propósito de uma situação concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições existentes”.
Contudo, inviável se tachar de programática toda norma constitucional que causar “incômodo” ao Estado, com o intuito de o desincumbir de seus deveres. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar diversos recursos e incidentes envolvendo o direito à saúde (a título de exemplo, recurso extraordinário 271.286-AgR, agravo regimental no agravo de instrumento 550.530, recurso extraordinário 368.564, agravo regimental na suspensão de tutela antecipada 175, agravo regimental no agravo de instrumento 734.487), entendeu que uma norma constitucional programática não pode equivaler a uma promessa inconsequente.
No que toca ao direito à saúde, nos moldes em que constituído (arts. 6º, 196 e seguintes, CF/1988 (LGL\1988\3)), carecia de legislação e providências administrativas para completar sua conformação. Assim, adveio a Lei Federal 8.080/1990 (Lei do SUS), seu decreto regulamentador e outras normas correlatas, legislativas e administrativas, nos âmbitos federal, estaduais e municipais, permitindo a dispensação gratuita de fármacos como um direito social prestacional, tutelável, pois, na esfera jurisdicional.
Assim, passíveis de apreciação, e procedência, pedidos deduzidos em juízo relacionados ao fornecimento de tratamentos médicos pelo SUS, vez que a faceta do programa governamental de dispensação de medicamentos à população já possui regulamentação suficiente, mostrando-se imediatamente judicializável.
Contudo, o ajuizamento de ações relativas ao direito à saúde ocorre em maior parte pela ausência do tratamento prescrito pelo médico na rede pública de saúde, nos protocolos e diretrizes das políticas públicas existentes, sobre o que se passará a tratar.

1.4 Do fenômeno da farmacialização do Judiciário

Como mencionado, a busca judicial por tratamentos médicos gratuitos a serem oferecidos pelo Estado ocorre majoritariamente quando o medicamento visado não consta do rol de itens de dispensação obrigatória do SUS.
Nesse ponto, ante o modo pelo qual ocorre o fenômeno ora retratado, esta autora passou a denominá-lo de farmacialização do Judiciário, porque, na maioria das vezes, nesses processos, o tratamento judicial é muito parecido com o procedimento adotado em drogarias, nas quais o cidadão/paciente apresenta sua receita médica e o farmacêutico/atendente entrega/vende o medicamento, com a diferença de que, na rede pública de saúde, não há pagamento na forma direta, mas tão somente na indireta, no que toca à arrecadação tributária.
O fenômeno da farmacialização do Judiciário envolve, portanto, diversas partes, principalmente a Fazenda Pública, o Poder Judiciário e o Poder Executivo.
Há, aliás, inúmeras demandas judiciais veiculando esse tipo de pedido nos quais não há nem mesmo produção de prova pericial, bastando, para a concessão do provimento jurisdicional pretendido, a prova da recusa da Administração Pública em fornecer o item pleiteado, bem como o relatório médico indicando a necessidade do tratamento pleiteado.
Contudo, essa expressão (farmacialização do Judiciário), cunhada originariamente pela ora autora durante pesquisas realizadas durante o mestrado, não possui tom exclusivamente pejorativo. Quer-se com ela, tão somente, retratar o fenômeno do ajuizamento de um infindável número de ações individuais buscando a concessão de medicamentos não constantes das listas de dispensação obrigatória do SUS pelo Estado, casos em que raramente se tem a dilação probatória para se aferir a real necessidade do tratamento requerido, bem como a atual condição clínica do paciente/cidadão.
Com efeito, em determinados casos, o fornecimento gratuito desses medicamentos por parte do Estado pode gerar efeitos perversos nas políticas públicas de saúde então existentes, provocando prejuízos à sociedade como um todo. Isso porque, como regra, tais fármacos não são disponibilizados na rede pública de saúde, o que enseja gastos públicos para além dos anteriormente previstos à consecução das políticas públicas de saúde.
Nesse contexto, vislumbra-se, claramente, a demonstração prática da “lógica do cobertor curto”, cunhada por Octávio Luiz Motta Ferraz, segundo a qual, ao puxar o cobertor para cobrir a cabeça, acaba-se desprotegendo os pés. No caso das decisões judiciais determinando o fornecimento de tratamentos médicos, os recursos para financiá-los beneficiariam outras milhares de pessoas, “puxando o cobertor”, deixariam estes outros pacientes desamparados, “descobertos”.
Atualmente, há um assoberbamento de demandas judiciais, buscando prestações de saúde pelo Estado, julgadas procedentes, provocando a prolação de sentenças aditivas24 e transformando o Judiciário em ordenador de despesas estatais, atuando como um verdadeiro administrador público.
Ainda, ante a conhecida escassez de recursos, a consequência destes provimentos judiciais não significa, ao contrário do que se imagina, a ampliação do acesso aos serviços de saúde a camadas sociais anteriormente excluídas, mas sim uma parcial substituição das prioridades de investimento estatal, antes estabelecidas por especialistas em saúde pública do Executivo.
Como ressalta Octávio Luiz Motta Ferraz25, “como as camadas mais desfavorecidas da população ainda encontram obstáculos importantes no acesso à Justiça, essa atitude implica não só problemas de eficiência, mas também riscos à equidade na distribuição dos recursos escassos da saúde”.
Todavia, por outro lado, sabe-se que, no caso específico da saúde, a atuação judicial acaba sendo bastante delicada, porque decisões envolvendo alocação de recursos públicos são enquadradas como “escolhas trágicas” (tragic choices) que, segundo Guido Calabresi e Philip Bobbit26, geram conflitos: de um lado, entre aqueles valores pelos quais a sociedade determina os beneficiários da distribuição de determinados bens e o perímetro da escassez e, de outro lado, os valores humanísticos que prezam pela vida e o bem-estar.
Cass Sunstein27, no mesmo sentido, entende que, em muitas das vezes, os magistrados não percebem estarem diante de health-health trade-offs, ou seja, não notam que, ao proferir decisões obrigando o Estado a fornecer medicamentos para um paciente, estão, concomitante e possivelmente, restringindo o direito à saúde de outros pacientes, para os quais eventualmente não sobrarão mais recursos.
Noutro viés, a farmacialização do Judiciário acaba sendo fomentada pela indústria farmacêutica, que negocia com profissionais da área médica a distribuição de bônus (comissão sobre as vendas, viagens, cursos no exterior etc.) no caso de receitarem medicamentos por si produzidos que, como se sabe, não costumam constar das listas de dispensação obrigatória do SUS.
Sob outro ângulo, o Poder Judiciário também acaba sendo bastante afetado, principalmente em razão do elevado número de demandas afetas ao tema.
Neste diapasão, sendo a Constituição Federal de 1988 de cunho garantista, e constando de seu art. 196 que o direito à saúde é direito de todos e dever estatal, e de seu art. 5º, inc. XXXV, que qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito é passível de apreciação pelo Judiciário, não há dúvidas acerca da tendência quase que certeira da procedência deste tipo de demanda.
Em verdade, em se tratando de direito à saúde, sabe-se que há situações em que o paciente não pode esperar pela vontade política de implementar determinadas ações de saúde pública, motivo pelo qual muitos magistrados acabam concedendo o medicamento/tratamento pleiteado em ação judicial individual, justamente em razão da pressão psicológica e ético-moral que recai sobre o Judiciário, principalmente em se tratando de doenças mais graves e/ou avançadas28.
É de ser mencionado que o ajuizamento de ações individuais buscando o fornecimento de medicamentos gera um impacto aparentemente menor que a propositura de uma demanda coletiva, de modo que aquela forma de judicialização acaba fomentando a justiça de misericórdia, pela qual o magistrado determina o fornecimento do tratamento, em certas vezes, mais por motivos emocionais que verdadeiramente técnicos29.
O Poder Executivo, por sua vez, também acaba sendo atingido porque, de forma insuficiente ou não, programou políticas públicas a serem implementadas em longo prazo, que demandaram tempo e estudo, as quais tendem a ser atingidas pela mudança de alocação dos recursos determinada pelo Judiciário.
Nesse ponto, Luís Roberto Barroso30 explica que “(...) ao lado de intervenções meritórias, tem havido uma profusão de decisões extravagantes ou emocionais em matéria de medicamentos e terapias, que põem em risco a própria continuidade das políticas públicas de saúde, desorganizando a atividade administrativa e comprometendo a alocação dos escassos recursos públicos”.
Ainda, a concessão judicial individual de medicamentos ou tratamentos médico-hospitalares não consiste em promoção de política pública, vez que, neste caso, ocorre a mera satisfação de direitos subjetivos individuais, não se visando ao bem da sociedade como um todo, como preconiza o art. 3º da Constituição Federal.
Diferente seria se, através de ações coletivas, mais propriamente ações civis públicas, houvesse revisão de políticas públicas, com sua correção ou implementação de outras.
Isso porque, em que pese não haver dúvidas de que o Judiciário se encontra em delicada situação quando chamado para tutelar direitos fundamentais na forma individual – não podendo ignorar que dependem de políticas públicas complexas –, o direito à saúde deve ser interpretado como um direito à igualdade de condições, ou seja, como equidade no acesso aos serviços de saúde que determinada sociedade pode fornecer com os recursos disponíveis, o que somente ocorre por meio da implementação de políticas públicas.

2 Do controle jurisdicional de políticas públicas

Como sabido, os atos da Administração Pública são suscetíveis de controle por variados órgãos e modalidades. Isso porque ela se sustenta sobre dois pilares: a indisponibilidade e a supremacia do interesse público.
Assim, a sujeição das atividades (atos, condutas e opções) administrativas do Poder Público ao mais amplo controle, incluindo o controle judicial, é corolário do Estado de Direito, no qual a lei, manifestação da vontade do povo, deve pautar sua atividade.
Com efeito, da ideia de controle judicial dos atos administrativos advém, ipso facto, o controle judicial de políticas públicas, vez que estas são nada menos que atos administrativos por meio dos quais o Estado coordena os meios a sua disposição para o fim de harmonizar as atividades estatais e privadas, visando à realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.
No caso específico do direito à saúde, sua judicialização se dá principalmente quando inexiste política pública que atenda às necessidades do cidadão. Eventualmente também se ajuíza uma demanda para coagir o ente público a cumprir programas de saúde já existentes. Assim, da análise da jurisprudência afeta ao tema do direito à saúde, infere-se que os litígios judiciais a ele relativos decorrem basicamente das seguintes situações: (i) o SUS não fornece o medicamento requerido em razão da falta de registro, negando-o a ANVISA em virtude de se tratar de medicamento experimental, conforme o teor do art. 19-T, incs. I e II, da Lei Federal 12.401/201131 ou (ii) o SUS não fornece regularmente os medicamentos já constantes das listas de dispensação obrigatória.
Neste último caso, a solução se torna mais fácil, vez que já existe política pública contendo a obrigação do Estado disponibilizar certos fármacos à população. A situação mais delicada é a primeira mencionada, quando o cidadão pleiteia medicamento não constante das listas de dispensação obrigatória do SUS, quer quando há registro na ANVISA, quer quando não há.
Com efeito, inúmeros cidadãos pleiteiam, junto ao Poder Judiciário, cada vez mais, o fornecimento gratuito por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) de medicamentos, próteses, órteses, realização de exames médicos e cirurgias, suplementos vitamínicos, tratamentos médico-hospitalares, dentre outros, quanto não logram obtê-los por via administrativa, sustentando, usualmente, que as políticas públicas existentes não atendem as suas necessidades.
No contexto da judicialização do direito à saúde, o CEBEPEJ (Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais), juntamente à FGV (Fundação Getúlio Vargas), realizou ampla pesquisa de jurisprudência, a respeito do assunto ora estudado, dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, tendo tirado as seguintes conclusões32: (i) ações individuais de efeitos coletivos/ações pseudoindividuais são quase inexistentes; (ii) ações coletivas têm baixíssima incidência; (iii) preponderam as ações individuais, alimentando o fenômeno da litigância repetitiva, com todas suas desvantagens (acúmulo de trabalho, decisões contraditórias, condução atomizada de questões que poderiam ser agrupadas num tratamento único e uniforme); (iv) ausência de iniciativa dos legitimados às ações coletivas para aglutinarem as inúmeras demandas repetitivas, com pedidos idênticos e em face do mesmo réu, ajuizando uma única ação coletiva (seja em defesa de direitos coletivos, seja de direitos individuais homogêneos); e (v) a substituição da proposta anterior pela propositura canhestra de demandas de natureza individual, querendo que se passem por ações coletivas (ações pseudocoletivas).
A crítica a ser feita quanto ao resultado desta pesquisa é de que o poder do Judiciário, no caso das demandas relacionadas ao direito à saúde, não deveria ser apenas de reparar, individualmente, os danos causados por uma política pública deficiente ou equivocada, mas sim de forçar sua revisão, o que se tornaria possível em sede de processo coletivo.

2.1 Eventuais faixas de insindicabilidade judicial

Como críticas principais à judicialização do direito à saúde, tem-se: (i) a falta ou insuficiência de informação e conhecimento dos magistrados para intervirem em políticas públicas, também no que toca à alocação de recursos, que são escassos33; (ii) a ausência de legitimidade democrática dos juízes para alocar estes recursos; e (iii) a promoção de iniquidade social no que tange à distribuição dos recursos públicos.
Por primeiro, no debate sobre a tutela jurisdicional dos direitos sociais, um dos principais argumentos contrários a essa judicialização, ou ao menos a favor de uma judicialização restrita desses direitos, é a suposta ausência de informação e conhecimento dos magistrados para intervirem em políticas públicas.
Sabe-se que a efetivação dos direitos sociais se dá, originariamente, por meio da formulação de políticas públicas, não da mera adjudicação pelo Poder Judiciário, porque, ao menos em tese, incumbe ao processo político a tarefa de alocar recursos escassos, por possuir maior “qualidade decisória”34. Neste contexto, para promover a dignidade das pessoas por meio da concretização dos direitos sociais, faz-se necessário empregar recursos públicos, que são escassos frente aos compromissos estatais.   
Nessa linha de raciocínio, o magistrado, por meio da adjudicação, obriga os entes federados a empregarem recursos do modo que bem entende, sem ter informações e conhecimento suficientes para avaliar a oportunidade e a conveniência desta decisão (critérios para se aferir a adequação de um ato administrativo), de modo que não há análise dos custos de oportunidade em demandas individuais que representam o que se deixou de ganhar em A por ter se decidido investir em B35.
Essa crítica se faz frequentemente porque o Poder Judiciário é aparelhado originariamente para dirimir lides individuais, não de espectro coletivo, restando aparentemente remota a possibilidade de proferir decisões que ocasionem consequências econômicas razoáveis no contexto das políticas públicas.
Isso porque uma decisão judicial condenando o Estado a fornecer determinados medicamentos a uma pessoa ou a um grupo de pessoas possui, de fato, o condão de minar esforços de um planejamento de política pública de médio e longo prazo que beneficiaria um maior número de pessoas, abrangendo um maior leque de enfermidades.
Virgílio Afonso da Silva36 entende se tratar de ativismo judicial despreparado, ocasionado pela lógica credor-devedor do sistema liberal, que orienta as decisões judiciais a respeito desse assunto em sede de ações individuais.
A crítica relacionada à ausência de informações por parte do Judiciário para intervir em assuntos políticos também pode ser chamada de crítica de capacidade instrumental ou crítica instrumental, vez que, dado o aparato instrumental conferido ao Judiciário (inércia, princípio do dispositivo, independência do processo político, necessidade de fundamentação principiológica, instrumentos processuais vinculados à solução retrospectiva de conflitos bilaterais, preclusão, vedação de decisão ultra, extra ou infra petita etc.), em tese, este Poder não conseguiria lidar com macrolides.
Em verdade, a judicialização da política seria um falso problema surgido do dogma positivista da legalidade, segundo o qual a lei é fonte irrefutável e absoluta do Direito.
Segundo Elival da Silva Ramos, ativismo judicial consiste na conduta jurisdicional que excede os limites legais, ou seja, no “(...) exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos)”.
E continua, dizendo que o Poder Legislativo é o mais atingido pelo ativismo judicial, que “tanto pode ter o produto da legiferação irregularmente invalidado por decisão ativista (em sede de controle de constitucionalidade), quanto o seu espaço de conformação normativa invadido por decisões excessivamente criativas.”37
Luís Roberto Barroso38 entende que ativismo judicial é a escolha de interpretar a Constituição de modo a expandir seu sentido e alcance, restando associado a uma participação mais intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais.
Contudo, data venia, não se deve entender que o ativismo judicial decorre do fato do Judiciário procurar conferir o maior alcance possível às normas constitucionais, porque, em verdade, é isso que se espera deste Poder, principalmente em razão do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais (princípio da interpretação efetiva), que consiste em atribuir sentido de maior eficácia a normas constitucionais, usando todas suas potencialidades.
Disso se conclui que, quando o Judiciário determina que a Administração Pública realize determinadas prestações materiais para os cidadãos, não atua nos moldes do ativismo judicial, mas, tão somente, adequa a atuação jurisdicional aos comandos insculpidos na Constituição Federal, em razão da constante judicialização de direitos fundamentais sociais.
Noutros termos, a omissão de providências legislativas e administrativas reclamadas ao Poder Público para concretizar normas assecuratórias de direitos fundamentais sociais, de cunho prestacional, autorizaria o Judiciário a convolá-las em normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata, o que dá amparo a decisões condenatórias em face do ente federativo omisso.
Foi neste contexto das críticas à atuação judicial em sede de tutela do direito à saúde, em razão da suposta falta de capacidade institucional e de conhecimentos, que adveio a Recomendação 31/2010 do Conselho Nacional de Justiça39, como produto da audiência pública de saúde promovida pelo STF (audiência 04, em 28.04.2009), por meio da qual sugeriu aos Tribunais “a adoção de medidas visando melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde”.
O CNJ também editou a Resolução 107/2010, por meio da qual instituiu o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde.
De certa forma, sente-se falta de uma especialização mínima dos magistrados no tema do direito à saúde, envolvendo todos os aspectos de sua judicialização. Nesse ponto, conforme o art. 93, inc. II, c, da Constituição Federal, a aferição do merecimento dos juízes deve dar-se conforme seu desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição, bem como pela frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento40.
Assim, uma boa ideia seria oferecer cursos oficiais de aperfeiçoamento sobre essa temática, o que, aliás, restou definido pelos membros do Comitê Técnico de Formação e Pesquisa (CTAF) 41 e da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM)42, que determinaram a realização de pesquisa sobre a judicialização do direito à saúde, objetivando-se estudar o tema com base nas políticas públicas de saúde já previstas na legislação, de modo a assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelo Estado por meio de decisões judiciais.43
Em continuação, no que toca à dita falta de legitimidade democrática dos juízes para decidir sobre o destino dos recursos públicos, argumenta-se que, num Estado democrático, decisões relacionadas à alocação de verbas estatais devem ser tomadas, com participação e contestação públicas, pelas instâncias políticas, cujos membros foram democraticamente eleitos pelo povo (Legislativo como locus por excelência do processo político), o que não ocorre com os integrantes do Judiciário, que ingressam na carreira por meio de aprovação em concurso público de provas e títulos ou, nas instâncias superiores, pelo quinto constitucional.
Tratar-se-ia, pois, da aplicação da teoria democrática, argumento que repousa na seguinte premissa: “se o povo é o destinatário das políticas públicas e se é ele, povo, que contribui para tanto por meio do recolhimento tributário, é ninguém menos que ele, povo, quem deve decidir em que aplicar os recursos públicos”44.
Mas há contrapontos ao argumento da teoria democrática, destacando-se o fato de que (i) as decisões judiciais são melhor fundamentadas que aquelas tomadas pelos outros Poderes, conforme exigido pelo art. 93, inc. IX, da Constituição Federal; e (ii) o contraditório, marcando o debate processual, se mostra capaz de levar ao magistrado argumentos mais consistentes sobre o interesse sub judice.
Ainda, o processo judicial é um instrumento para levar ao debate público direitos de minorias que, por meio de processos políticos convencionais, provavelmente nunca seriam ouvidas. Assim, o Judiciário mostra-se como locus adequado para se definirem políticas públicas. Owen Fiss 45 sustenta que a função do juiz não é falar pela maioria46, mas, sobretudo, conferir significado aos valores constitucionais, buscando o que é justo, aduzindo que não cabe confundir majoritarismo com atividade jurisdicional, com o que se concorda.
Ainda que haja vozes resistentes quanto a esta nova função do Judiciário, o controle jurisdicional sobre políticas públicas é uma realidade. Contudo, a atuação judicial não pode ser absolutamente ilimitada, devendo pautar-se em critérios previamente estabelecidos.
No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 45, o Supremo Tribunal Federal, em que pese ter extinguido o processo em razão da superveniente perda do objeto, asseverou que a efetivação do direito à saúde se vincula à garantia de proteção ao mínimo existencial, devendo-se interpretar com reservas a alegação de reserva do possível, também conhecido como reserva do financeiramente possível, por parte do Estado.
Neste julgado, o STF elencou os limites básicos à intervenção judicial em políticas públicas, a saber: (i) a razoabilidade da pretensão deduzida perante o Poder Judiciário, que deve envolver o mínimo existencial; (ii) a irrazoabilidade da conduta da Administração Pública; e (iii) a suficiente disponibilidade orçamentário-financeira (cláusula da reserva do possível).
Esse julgamento acabou consistindo num controle de constitucionalidade de lei orçamentária, caso violasse comandos constitucionais, especialmente direitos fundamentais47. Ada Pellegrini Grinover entende que “a observação destes limites é suficiente para coibir os excessos na intervenção judicial em políticas públicas”.
Noutros termos, entende-se que, em sendo observadas tais restrições, não se consubstanciaria num ativismo judicial despreparado, mas sim num controle de constitucionalidade dos atos da Administração48, atos esses exteriorizados na forma de políticas públicas.
Em relação ao primeiro limite elencado, tem-se por pretensão razoável aquela que se pauta no princípio da proporcionalidade, ou seja, quando prima pelo justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados. José Joaquim Gomes Canotilho49 denomina o princípio da proporcionalidade como “princípio da proibição de excesso”, subdividindo-o em três subprincípios: (i) adequação/conformidade; (ii) necessidade/exigibilidade; e (iii) proporcionalidade strictu sensu. Assim, para aferir se a pretensão deduzida em juízo é razoável, devem ser aplicados os subprincípios numa ordem lógica e sucessiva, de modo que uma medida pode ser adequada, porém inexigível, logo, pois, desproporcional.
Em se tratando do direito à saúde, a jurisprudência nacional é mansa e pacífica no sentido de que o fato de um medicamento não estar incluído em programa oficial de distribuição de fármacos não pode comprometer seu fornecimento a quem dele precise.
Assim, eventual ausência do cumprimento de formalidade burocrática não pode obstaculizar o fornecimento de medicação indispensável à cura e/ou à minoração do sofrimento de portadores de moléstia grave que não dispõem de condições financeiras para custear o tratamento.
Em continuação, por pretensão que se refira ao mínimo existencial, deve-se entender aquilo que é essencial para a vida de uma pessoa, consistindo no núcleo duro central do princípio da dignidade humana50. Segundo Ana Paula de Barcellos51, constitui-se pelas condições básicas à existência e corresponde à parcela do princípio da dignidade da pessoa humana à qual se deve reconhecer eficácia jurídica e simétrica, podendo ser judicialmente exigida em caso de inobservância.
Contudo, não há definição única e/ou propriamente adequada, porque o mínimo existencial vai depender da situação apresentada em juízo, variando conforme o caso concreto. Em geral, consiste no direito à educação básica, à saúde básica, ao saneamento básico, à assistência social, à tutela do meio ambiente e ao acesso ao Judiciário52. Trata-se, assim, de conceito indeterminado, mas determinável no caso concreto.
Gustavo Amaral53, acompanhando posição esposada por Lobo Torres e Robert Alexy, afirma que “a determinação concreta do mínimo existencial seria fugidia e variável histórica e geograficamente. Haveria, portanto, uma ampla zona de transição entre o mínimo existencial e o ‘não mínimo’”. E conclui: “Caberá ao aplicador ponderar (...), de modo que se a essencialidade for maior que a excepcionalidade, a prestação deve ser entregue, caso contrário, a escolha estatal será legítima”.
Nessa seara, Kazuo Watanabe54 distingue três tipos de interesses/direitos fundamentais sociais sob a perspectiva de sua justiciabilidade imediata: (i) os correspondentes ao núcleo básico do princípio da dignidade humana; (ii) os previstos em normas constitucionais de densidade suficiente, de modo que passíveis de judicialização independentemente de prévia ponderação pelo Executivo e pelo Legislativo, ainda que não se refiram ao mínimo existencial; e (iii) os demais direitos fundamentais sociais, previstos em normas constitucionais de cunho programático. Assim, apenas as duas primeiras categorias mencionadas seriam imediatamente judicializáveis.
Por fim, independentemente de se tratar ou não do mínimo existencial, nos termos mencionados, como bem anotado por Ana Carolina Lopes Olsen55, esse mínimo jamais poderá ser entendido como o máximo a ser prestado pelo Estado: “(...) além da fundamentalidade formal reconhecida aos direitos sociais, não se pode deixar de observar que sua fundamentalidade material extravasa o conteúdo do mínimo existencial. Afinal, preocupou-se o constituinte com a dignidade da pessoa humana (como um todo, e não em sua versão minimalista), com o valor social do trabalho, com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com a erradicação da pobreza e da marginalidade, e, finalmente, com a promoção do bem de todos (CF (LGL\1988\3), arts. 1º e 3º)”.
Assim, o mínimo existencial não representa o máximo a ser prestado pelo Estado, mas sim o padrão mínimo a ser observado por ele.
No que toca ao segundo limite arrolado, tem-se por irrazoável a conduta desvirtuada dos fins estatais. Nesse ponto, a razoabilidade é mais fácil de ser sentida que definida. É o princípio que, cada vez mais, se mostra fundamental ao Estado de Direito contemporâneo, no âmbito de todos os Poderes estatais (o Legislativo, no tocante à constitucionalidade das leis; o Executivo, no tocante à discricionariedade dos atos administrativos; o Judiciário, que deve pautar suas decisões também nesse princípio).
A razoabilidade, portanto, possui a função de desenvolver a hermenêutica constitucional, transcendendo, pois, os limites do positivismo jurídico, permeando todo o Direito, com ele se confundindo.
Assim, em que pese de difícil conceituação, pode-se considerar uma conduta como irrazoável quando não se pauta no bom senso, nos valores de justiça e isonomia.
Já a cláusula da reserva do possível56 pode ser considerada um limite fático ou jurídico. Trata-se de limite fático quando compreendida em termos absolutos, pois, como sabido, os recursos estatais são finitos. Por outro lado, são infinitas as necessidades sociais, precipuamente em razão dos direitos fundamentais de segunda geração/dimensão (dare, facere, praestare), o que traz a necessidade da Administração Pública tomar delicadas decisões.
Como argumentam Octávio Luiz Motta Ferraz e Fabiola Sulpino Vieira57, “ainda que soubéssemos exatamente que políticas são eficazes para se garantir o mais alto grau de saúde possível a toda a população, seria impossível implementar todas essas políticas”.
Já a reserva do possível como limite jurídico se relaciona à necessidade de autorização orçamentária para se despender recursos públicos. Isso porque a Constituição Federal de 1988 transformou o orçamento público num relevante instrumento de governo, tanto para o desenvolvimento econômico, quanto para o sociopolítico58, tendo estabelecido um encadeamento de três leis que se sucedem e se complementam: a Lei do Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Nesse sistema, todos os programas governamentais devem estar em harmonia com o plano plurianual, nos termos do art. 165, § 4º, da Constituição Federal, e a LDO deverá estar em harmonia com o PPA, nos termos do art. 166, § 4º, da Carta Política.
Nesses moldes, em face do princípio da legalidade da despesa pública, o administrador deve observar as autorizações e limites constantes das leis orçamentárias (art. 167, inc. II, CF/1988 (LGL\1988\3)), sob pena de crime de responsabilidade (art. 85, inc. VI, CF/1988 (LGL\1988\3)). Ao mesmo tempo em que se deve atentar aos limites orçamentários, deve-se visar à consecução dos fins estatais. Como menciona Fernando Facury Scaff59, o legislador e o administrador não têm liberdade/discricionariedade total para incluir nesse sistema de planejamento o que bem entenderem.
Assim, para que o Judiciário determine o fornecimento gratuito de medicamentos por parte do Estado, deve ter alguma noção do impacto orçamentário para saber se, de fato, haveria condições do ente federado cumprir a ordem judicial. É certo, contudo, que a alegação de falta de disponibilidade financeira por parte do Estado não costuma impressionar os magistrados, porquanto notória a ausência de compromisso com as peças orçamentárias, bem como se sabe da ampla possibilidade de remanejar os recursos públicos.
Sabe-se que os entes federados frequentemente invocam a cláusula da reserva do possível numa tentativa de se esquivar do cumprimento de políticas públicas ou de decisões judiciais. Como assinala Ana Paula Barcellos60, “na ausência de um estudo mais aprofundado, a reserva do possível funcionou muitas vezes como o mote mágico, porque assustador e desconhecido, que impedia qualquer avanço na sindicabilidade dos direitos sociais”.
Nessa hipótese, em que pese ser de difícil comprovação, a eles caberá demonstrar essa ausência de recursos, quer relativa, quer absoluta, também conhecida como exaustão orçamentária. Ada Pellegrini Grinover61 entende que caberá a eles fazer prova do alegado, em analogia ao art. 6º, inc. VIII, do CDC (LGL\1990\40) e nos termos do art. 373 do CPC/2015 (LGL\2015\1656).
Nesse contexto, não se deve admitir a intervenção judicial a qualquer custo, porque prestações positivas, embora sempre reivindicáveis, não são passíveis de satisfação integral e permanente.
Todavia, ao se fazer uma análise mais realista, sabe-se que decisões judiciais na seara da saúde são especialmente delicadas, uma vez que se trata da vida. Assim, é compreensível a preocupação dos juízes sobre o risco dos direitos fundamentais serem negligenciados sob o pretexto de se tratarem de normas programáticas62, isto é, sem eficácia plena, o que faz com que desconsiderem, na maioria das decisões, a questão orçamentária63.
No caso de suposta incapacidade financeira do Poder Público, devidamente comprovada, José Reinaldo de Lima Lopes64 sugere que o Judiciário profira uma decisão progressiva, fixando metas e prazos ao Estado para que realize novos investimentos, à semelhança do que faz nos processos de falência, recuperação judicial de empresas e alimentos.
Pois bem. Da análise dos três critérios mencionados, elencados como limites do Judiciário no controle de políticas públicas, questiona-se: são suficientes para estabelecer claros limites a esta intervenção?
A resposta é negativa, restando nítida a necessidade de se fazer uma análise casuística da demanda, a depender da natureza dos direitos envolvidos. Por exemplo, o mínimo existencial em se tratando do direito à saúde é diferente do mínimo existencial em relação ao direito à educação. Além disso, o que um magistrado tem por bom senso pode não ser exatamente o que outro membro do Judiciário entenda, dentre diversos outros aspectos. Destarte, não há claros limites ao controle judicial de políticas públicas.
Por fim, sustenta-se que a tutela judicial do direito à saúde, na forma como vem ocorrendo, gera iniquidade na distribuição dos recursos, porque não beneficia principalmente os mais pobres, que acabaram ficando à margem do sistema, de modo que apenas uma pequena parcela, já favorecida, da população é protegida, pois facilmente supera os custos do processo (físicos, financeiros, sociais, culturais, de informação etc.).
Em suma, como se justificaria a grande quantidade de decisões judiciais determinando como o orçamento público65 deve ser gasto, sobrepondo-se tais provimentos às decisões tomadas pelos gestores públicos?
À medida que se foram estreitando as faixas de insindicabilidade judicial dos atos e condutas da Administração Pública, ocasionou-se uma potencialização da abordagem judicial, reconhecendo-se ao Judiciário, cada vez mais, legitimidade para participar das escolhas primárias do Estado e das opções políticas feitas na gestão da coisa pública.
Pode-se afirmar, ainda, que é o próprio processo judicial, com o devido contraditório, que legitima a intervenção em políticas públicas, bem como a independência funcional dos magistrados. Assim, a legitimação do Judiciário decorre da força normativa da Constituição e das leis, além de se tratar de um poder inerte e imparcial, estando sua autoridade fundamentada, ao menos na teoria, em sua capacidade de fundamentar racional e adequadamente suas decisões. É ai, pois, que reside sua legitimidade para coparticipar do processo de criação do Direito: na sua capacidade de justificar suas decisões com fulcro na Constituição.

2.2 Outras críticas ao controle jurisdicional de política pública

Outro óbice bastante empregado para se criticar a intervenção judicial em políticas públicas é a suposta impossibilidade do Judiciário se imiscuir nos atos administrativos, que são realizados conforme análise da conveniência e da oportunidade pelo administrador público, de modo discricionário.
Em síntese, o ato administrativo é passível de ser controlado pelo Poder Judiciário, inclusive seu mérito que, embora de cunho discricionário, deve observar a legalidade lato sensu, que envolve o Direito como um todo (normas e princípios), de modo a se adequar aos escopos constitucionais, especificamente para que os princípios que regem a Administração, como a moralidade, a legalidade, a impessoalidade, a publicidade e a eficiência, sejam devidamente observados.
Nesse contexto é que surge o controle judicial de políticas públicas, podendo ser compreendidas como um conjunto de atos administrativos (tomada de decisões, planejamento e execução dos programas).
O Judiciário possui legitimidade para intervir em assuntos políticos quando (i) for identificada uma disfunção política da Administração Pública66, devendo impedir a inércia dos demais Poderes para concretizar as garantias constitucionais67, e (ii) for capaz de fundamentar racionalmente suas decisões com fulcro na Constituição Federal.
O controle da legalidade e da adequação das políticas públicas pode ser realizado pelo Poder Judiciário, quando provocado e sempre a posteriori, por meio de qualquer espécie de demanda, sendo certo que, para efeitos processuais, é a natureza do provimento que realmente releva.
Assim, qualquer tipo de ação pode ser utilizada para provocar o Judiciário a exercer o controle das políticas públicas, não importando sua espécie: se meramente declaratória, se constitutiva ou condenatória, se mandamental ou executiva lato sensu.
E o direito à saúde, tendo natureza bidimensional, ou seja, possuindo uma dimensão coletiva e uma individual, é pedido juridicamente admissível tanto na forma de ação individual, estando o cidadão como detentor de direito subjetivo a medicamentos gratuitos, quanto na forma de ação coletiva (ação civil pública), quando um legitimado pleiteia correção ou implementação de política pública visando alcançar todos os beneficiários do SUS (em tese, a população como um todo).

3 Considerações finais

Um dos direitos fundamentais sociais que têm tido excessivo acesso à Justiça é o direito à saúde, via demandas individuais, por meio das quais inúmeros cidadãos buscam o fornecimento gratuito de medicamentos por parte do Estado, fármacos estes não incluídos nas listas oficiais dos programas oferecidos pelo governo.
Na esmagadora maioria das vezes, o Judiciário defere o pedido da parte autora, determinando o fornecimento do fármaco, de modo que, no plano macro, equivale à metáfora do “cobertor curto”, na qual, ao puxar o cobertor para cobrir a cabeça, acaba-se desprotegendo os pés. Ou seja, acaba-se deixando outros milhares de cidadãos desamparados, “descobertos”. Isso porque tão somente as pessoas que logram superar os custos do processo (físicos, emocionais, financeiros, sociais, culturais, de informação etc.) têm a chance de conseguir outros medicamentos, além do que, muito provavelmente, os recursos públicos necessários ao cumprimento das inúmeras ordens judiciais seriam retirados dos programas de saúde já existentes.
O que se deveria incentivar é a revisão ou implementação de políticas públicas de saúde pela via judicial, especificamente em sede de processo coletivo (ação civil pública), não a adjudicação judicial tradicional em face de demandas individuais sem a projeção de efeitos extra autos.

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1 O acesso à Justiça pode ser visto como um direito fundamental, vez que, ao mesmo tempo em que declara a existência de interesse dos cidadãos, é por meio dele que outros direitos fundamentais poderão ser concretizados (norma declaratória). Sob a ótica de garantia, ele assegura o exercício do interesse (norma assecuratória). Já como princípio, deve reger a interpretação e o desenvolvimento do ordenamento jurídico.

2 Art. 5º, inc. XXXV, CF/88 (LGL\1988\3). “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm].

3 Art. 3º, CF/88 (LGL\1988\3). “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm].

4 É preferível empregar o vocábulo “dimensão” em se tratando de direitos fundamentais, porque seu estudo deve ser orientado por uma visão integral, marcada pela indivisibilidade e pela interdependência dos direitos clássicos de liberdade e dos direitos sociais, econômicos e culturais. Nesse ponto, compactuamos da opinião de Paulo Bonavides, segundo o qual “o vocábulo ‘dimensão’ substitui com vantagem lógica e qualitativa, o termo ‘geração’, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade”. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 571-572.

5 Também são chamados de direitos prestacionais, classificados pela doutrina em (i) direitos à proteção; (ii) direitos à organização e procedimento; e (iii) direitos prestacionais em sentido estrito ou, simplesmente, direitos fundamentais sociais.

6 O complemento infraconstitucional do acesso à Justiça se encontra no art. 140 do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”. “No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”. BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm]. O art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) reitera esse dever, dispondo que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. BRASIL. Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm].

7 DIDIER JUNIOR, Fredie. Direito à inafastabilidade do Poder Judiciário. In: LEÃO, Adroaldo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo (coords.). Direitos constitucionalizados. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 172.

8 MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à efetividade da tutela jurisdicional na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Revista de Direito Processual Civil. n. 28, v. 8, Curitiba, abr.-jun. 2003.

10 Também chamada de governo dos juízes, judiciarismo, judiciocracia, ativismo judicial, judicização do fato político.

11 Por exemplo, a política de recursos hídricos e geração de energia (construção de hidrelétrica de Belo Monte) e de irrigação do semiárido mediante a captação das águas do Rio São Francisco.

12 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. 2. ed. São Paulo: RT, 2015. p. 83.

13 Com efeito, esses conflitos multiplexos envolvem, por exemplo, a política carcerária, o meio ambiente (art. 225, CF/88 (LGL\1988\3), “meio ambiente ecologicamente equilibrado”), o direito à moradia (art. 6º, CF/88 (LGL\1988\3)), o direito à educação, também a crianças especiais (arts. 6º, 205 e seguintes, CF/88 (LGL\1988\3)), o direito à saúde (arts. 6º, 196 e seguintes, CF/88 (LGL\1988\3)), o direito à probidade administrativa na gestão governamental (art. 37, caput, CF/88 (LGL\1988\3)), entre outros.

14 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A projetada participação equânime dos colegitimados à propositura da ação civil pública: da previsão normativa à realidade forense. Revista dos Tribunais. n. 796, fev. 2002.

15 LEAL, Márcio Flávio Mafra. A ação civil pública e a ideologia do Poder Judiciário: o caso do Distrito Federal. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul. n. 35, 1995.

16 “Ademais, há fatores políticos que condicionam o grau de judicialização vivenciado por uma dada sociedade. Dentre eles, podemos mencionar: a) o grau de (in)efetividade dos direitos fundamentais (núcleo compromissório da Constituição); b) o nível de profusão legislativa com o consequente aumento da regulamentação social; c) o nível de litigiosidade que se observa em cada sociedade. Na medida em que aumentam os indicadores de inefetividade dos Direitos Fundamentais, os índices de produção legislativa, e da litigiosidade social, também aumentará o nível de judicialização.” TOMAZ DE OLIVEIRA, Rafael. Judicialização não é sinônimo de ativismo judicial. Revista Consultor Jurídico. 01.12.2012. Disponível em: [www.conjur.com.br/2012-dez-01/diario-classe-judicializacao-nao-sinonimo-ativismo-judicial]. Acesso em: 02.12.2015.

17 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos sociais: teoria e prática. São Paulo: Método, 2006. p. 120.

18 Ana Cláudia Vergamini Luna enfatiza a necessidade das ações judiciais que impliquem o controle de políticas públicas não serem vistas sob a ótica do tudo ou nada, porque seu resultado deve beneficiar toda a sociedade, não trazer vitória ou derrota para um dos litigantes. LUNA, Ana Claudia Vergamini. Direitos sociais: controle jurisdicional de políticas públicas, limites e possibilidades. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2012.

19 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 379.

20 “Todas as normas definidoras de direitos fundamentais, sem exceção, têm aplicabilidade imediata, independentemente de concretização legislativa, o que permite que o titular do direito desfrute da posição jurídica por ele consagrada. Na hipótese de eventual omissão estatal, impeditiva de gozo desses direitos, pode e deve o Judiciário, como Poder apto a proporcionar a realização concreta dos comandos normativos quando provocado por qualquer meio processual adequado, suprir aquela omissão, completando o preceito consignador de direitos diante do caso concreto.” CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do Poder Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 664.

21 Para José Afonso da Silva, a clássica distinção acerca da eficácia das normas constitucionais estabelecido pelo Direito Constitucional estadunidense (self-executing provisions e not self-executing provisions) não se mostra adequado, sustentando que estas normas, em verdade, se classificariam em três categorias: eficácia plena, eficácia contida e eficácia limitada, sendo que nos dois primeiros grupos teriam elementos suficientes para incidir imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto, com a diferença de que, no que toca às normas de eficácia contida, poderia haver sua restrição por legislação superveniente. Já as normas de eficácia limitada careceriam de plenas condições técnico-jurídicas para a direta e imediata regulação da matéria que pretende disciplinar.

22 José Joaquim Gomes Canotilho se refere a quatro modelos de positivação dos direitos econômicos e sociais: (i) normas programáticas; (ii) normas de organização; (iii) normas que atuam como garantias institucionais; e (iv) normas que asseguram autênticos direitos públicos subjetivos. Este último consubstancia normas constitucionais de eficácia plena. Os dois modelos intermediários tratam de normas de eficácia limitada de cunho preceptivo. Predomina o primeiro modelo, que usa normas constitucionais de eficácia limitada de natureza programática na positivação de direitos sociais, quando se menciona que “as normas consagradoras de direitos sociais, econômicos e culturais são, segundo alguns autores, normas programáticas”.

23 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 165.

24 Entende-se por sentença aditiva aquela que implica aumento de custos ao erário, obrigando-o a reconhecer um direito social não previsto originalmente no orçamento. SCAFF, Fernando Facury. Sentenças aditivas, direitos sociais e reserva do possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (orgs.). Direitos Fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 133.

25 FERRAZ, Octávio Luiz Motta. Direito à saúde, escassez e Judiciário. Folha de São Paulo, 10.08.2007. Disponível em: [www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1008200709.htm].

26 CALABRESI, Guido; BOBBIT, Philip. Tragic choices. New York: W. W. Norton Company, 1978. p. 18.

27 SUNSTEIN, Cass. Health-health trade-offs. Free Markets and social justice. New York: Oxford University Press, 1997. p. 298.

28 “É preferível antecipar a esperança da vida do que (sic) abreviar o caminho da morte” (Rel. Des. Gaspar Rubik – AI n. 9872, Tribunal de Justiça de Santa Catarina.)

29 “A imagem de que o juiz, ao conceder um tratamento, está salvando um paciente da omissão estatal não corresponde à realidade do que é a judicialização da saúde. Diversos estudos acadêmicos têm apontado que grande parte das ações judiciais pedem tratamentos para os quais existem alternativas disponíveis no sistema de saúde, e tratamentos sem nenhuma comprovação científica, em fase experimental ou para um uso diferente daquele para o qual foram registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (o chamado off-label). Em outras palavras, os juízes estão concedendo tratamentos cuja necessidade, segurança e eficácia são, no mínimo, duvidosas.” FERRAZ, Octávio Luiz Motta; WANG, Daniel Wei Liang. Fosfoetanolamina – A proteção judicial à medicina sem base em evidência. JOTA, 08 nov. 2015. Disponível em: [http://jota.info/a-protecao-judicial-a-medicina-sem-base-em-evidencia]. Acesso em: 08 dez. 2015.

30 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Atualidades jurídicas. Revista do Conselho Federal da OAB. n. 4, jan.-fev. 2009.

31 Art. 19-T. “São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS: I – o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA; II – a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa.” Brasil. Lei n. 12.401, de 28 de abril de 2011. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12401.htm]. Acesso em: 23.12.2014.

32 GRINOVER, Ada Pellegrini; SICA, Ligia Paula Pires Pinto (coords.). Avaliação da prestação jurisdicional coletiva e individual a partir da judicialização da saúde. São Paulo: CEBEPEJ; FGV, 2014.

33 Para as instâncias políticas, o Judiciário intervém demais. Para o mercado, é muito oneroso. Para a sociedade, não funciona.

34 BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas e direito administrativo. Revista de Informação Legislativa. n. 133, v. 34, Brasília, 1997.

35 VASCONCELOS, Manuel Antonio S.; GARCIA, Manuel E. Fundamentos da economia. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 70.

36 AFONSO DA SILVA, Virgílio. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 596.

37 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 129.

38 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Atualidades Jurídicas. Revista do Conselho Federal da OAB. n. 4, jan.-fev. 2009.

39 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação nº 31, de 30 de março de 2010. Disponível em: [www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento="1195]." Acesso em: 13.08.2014.

40 Aliás, mister mencionar que o art. 29 do Código de Ética da Magistratura preceitua que um dos fundamentos do direito dos jurisdicionados e da sociedade em geral é a exigência de conhecimento e de capacitação permanente dos magistrados, visando-se à prestação de um serviço de qualidade pela Justiça.

41 Criado pela Resolução 6 da ENFAM, de 28 de abril de 2014, o Comitê Técnico de Formação e Pesquisa é formado por trinta e três magistrados indicados pelas escolas judiciais e da magistratura federal para exercer mandato de dois anos, funcionando como órgão auxiliar do Conselho Superior na definição de diretrizes e conteúdos programáticos dos cursos oficiais.

42 A Resolução 159/2012 do CNJ (DJE/CNJ 208, de 13.11.2012, p. 3-4), dispondo sobre a formação de magistrados e servidores do Judiciário, determinou que a regulamentação de cursos oficiais para o ingresso, formação inicial e o aperfeiçoamento de magistrados e servidores compete à Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), no âmbito das justiças estaduais e federal, à Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT), na justiça trabalhista e ao Centro de Estudos Judiciários da Justiça Militar da União (CEJUM), na justiça militar. Disponível em: [www.cnj.jus.br]. Acesso em: 28.10.2014.

43 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Judicialização da saúde será tema da primeira pesquisa da ENFAM e escolas judiciais. Disponível em: [www.enfam.jus.br/2015/03/judicializacao-da-saude-sera-tema-da-primeira-pesquisa-da-enfam-e-escolas-judiciais/]. Acesso em: 06.06.2015.

44 SABINO, Marco Antonio da Costa. Quando o Judiciário ultrapassa seus limites constitucionais e institucionais: o caso da saúde. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (coords.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 363.

45 FISS, Owen. Um novo processo civil: estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade. Trad. Daniel Porto Godinho da Silva. Coord. Carlos Alberto de Salles. São Paulo: RT, 2004. p. 36-37.

46 Aliás, um dos grandes papéis de uma Constituição é proteger valores e direitos fundamentais, mesmo que contra a vontade circunstancial de quem tem mais votos.

47 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 45. Rel. Min. Celso de Mello, j. 29.04.2004, p. 04.05.2004. Disponível em: [www.stf.jus.br]. Acesso em: 10.07.2014.

48 Outros conflitos de largo espectro político e social também já têm critérios definidos para que se considere necessária uma intervenção judicial para o fim de se implementar uma reforma estrutural. Segundo aponta Carlos Alexandre de Azevedo Campos, citado na petição da ADPF 347 (proposta em maio de 2015 pelo Partido Socialista e Liberdade – PSOL, que requereu ao STF que declarasse a situação atual do sistema penitenciário brasileiro, que viola preceitos fundamentais constitucionais e, em especial, dos presos), para reconhecer o estado de coisas inconstitucional, exige-se a presença dos seguintes requisitos: (i) vulneração massiva e generalizada de direitos fundamentais de um número significativo de pessoas; (ii) prolongada omissão das autoridades no cumprimento de suas obrigações para garantia e promoção dos direitos; (iii) a superação das violações de direitos pressupõe a adoção de medidas complexas por uma pluralidade de órgãos, envolvendo mudanças estruturais, que podem depender da alocação de recursos públicos, correção das políticas públicas existentes ou formulação de novas políticas, dentre outras medidas; e (iv) potencialidade de congestionamento da justiça, se todos os que tiverem os seus direitos violados acorrerem individualmente ao Poder Judiciário. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo 798. Disponível em: [www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo798.htm]. Acesso em: 10.12.2015.

49 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992. p. 617.

50 O art. 7º do PL 8.058/2014 dispõe que “se o pedido envolver o mínimo existencial ou bem da vida assegurado em norma constitucional de maneira completa e acabada, o juiz poderá antecipar a tutela, nos termos do art. 273 do Código de Processo Civil (...) Parágrafo único. (…) Considera-se mínimo existencial, para efeito desta lei, o núcleo duro, essencial, dos direitos fundamentais sociais garantidos pela Constituição Federal, em relação ao específico direito fundamento invocado, destinado a assegurar a dignidade humana”.

51 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 248, 252-253, passim.

52 ROCHA JUNIOR, Paulo Sergio Duarte da. Controle jurisdicional de políticas públicas. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2009.

53 AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha. São Paulo: Renovar, 2001. p. 213-216.

54 WATANABE, Kazuo. Controle jurisdicional das políticas públicas: mínimo existencial e demais direitos fundamentais imediatamente judicializáveis. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (coords.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 224.

55 OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos fundamentais sociais. Curitiba: Juruá, 2008. p. 324.

56 Explica Fernando Facury Scaff que “os economistas possuem uma expressão bastante interessante, denominada ‘limite do orçamento’, que depois foi trasladada para o Direito, a partir de uma decisão do Tribunal Constitucional Alemão, com o nome de ‘reserva do possível’. O significado é o mesmo: todo orçamento possui um limite que deve ser utilizado de acordo com as exigências de harmonização da economia geral”. Sentenças aditivas, Direitos sociais e Reserva do Possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (orgs.). Direitos Fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 169.

57 Brasil. Supremo Tribunal Federal. Direito à saúde, recursos escassos e equidade: os riscos da interpretação judicial dominante. Disponível em: [www.stf.jus.br]. Acesso em: 10.05.2015.

58 Os instrumentos orçamentários previstos na Constituição Federal são, por excelência, as expressões jurídicas de políticas públicas.

59 SCAFF, Fernando Facury. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos humanos. Interesse Público. n. 32, vl. 7, jul.-ago. 2005. p. 220, passim.

60 BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 237.

61 GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário. Revista de Processo (RePro). v. 164, São Paulo, 2008.

62 Podemos conceber como programáticas as “normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado”. TEIXEIRA, José Horácio Meirelles. Curso de direito constitucional. São Paulo: Conceito, 2011. p. 324.

63 “(...) não havendo comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, inexistirá empecilho jurídico para que o judiciário determine a inclusão de determina política pública nos planos orçamentários do ente público.” (REsp 1.041.197/MS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 25.08.2009.)

64 “Políticas são conjuntos integrados de iniciativas e ações unificadas por um propósito final (meta) e propósito de caráter coletivo que se avalia pela redução do risco. Isto é, uma solução que me parece adequada e que contornaria com bastante racionalidade a decisão tudo-ou-nada é a decisão progressiva, pela qual o juiz, à semelhança do que faz nos processos de falência, de recuperação judicial de empresas ou mesmo de alimentos, permite às partes chegarem a um acordo em que aos poucos se ajusta a conduta do Estado ao pedido.” LOPES, José Reinaldo de Lima. Em torno da reserva do possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang. TIMM, Luciano Benetti (orgs.). Direitos fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 189.

65 Art. 167, CF/1988 (LGL\1988\3): “São vedados: (...) II – a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais; (...) VI – a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa”.

66 “Uma primeira premissa para este controle da sindicabilidade judicial das políticas públicas é a identificação de uma ‘disfunção política’ da administração ou do legislativo, ou seja, um desvio do natural curso do interesse público, uma fuga do dever-poder que está na base do plexo de competências atribuído a cada um dos órgãos estatais como (re)presentantes do povo brasileiro e do projeto constitucional de sociedade”. ZANETI JUNIOR, Hermes. A teoria da separação de poderes e o Estado Democrático Constitucional: Funções de governo e funções de garantia. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (coords.). O controle jurisdicional de políticas públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

67 Em 20 e 21 de novembro, o Conselho da Justiça Federal (CJF) sediou em Brasília o seminário “Como a mediação e a arbitragem podem ajudar no acesso e na agilização da Justiça”, no qual Ada Pellegrini Grinover defendeu que a judicialização em geral decorre da insatisfação do povo com o que não obtém por via administrativa: “Por que tudo vai ao Judiciário? Porque as instituições não funcionam. Vai-se ao juiz por necessidade, porque não se coloca à mão do povo meios de solucionar o problema. A judicialização é a insatisfação da população com aquilo que podia obter administrativamente. O juiz brasileiro substitui-se ao administrador”. GRINOVER, Ada Pellegrini. A judicialização é a insatisfação do povo com o que não obtém administrativamente. Migalhas. 21.11.2014. Disponível em: [www.migalhas.com.br/]. Acesso em: 23.11.2015.

9 Non liquet (do latim non liquere, “não está claro”) é uma expressão oriunda do direito romano, no qual era aplicada nos casos em que o juiz não encontrava resposta clara, deixando de julgar a causa.