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5 de abril de 2022

Deve ser reconhecida a ilegitimidade ativa da parte para ajuizar demanda de resolução contratual de arrendamento rural quando se forma coisa julgada em processo em trâmite, no qual se reconhece a resolução do compromisso de compra e venda do imóvel no qual se fundava o alegado direito

Processo

REsp 1.237.567-MT, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

Tema

Imóvel rural. Compromisso de compra e venda. Resolução contratual reconhecida em posterior decisão judicial transitada em julgado. Resolução do contrato de arrendamento rural. Pressuposto lógico-jurídico não cumprido. Ilegitimidade ativa ad causam reconhecida.

 

DESTAQUE

Deve ser reconhecida a ilegitimidade ativa da parte para ajuizar demanda de resolução contratual de arrendamento rural quando se forma coisa julgada em processo em trâmite, no qual se reconhece a resolução do compromisso de compra e venda do imóvel no qual se fundava o alegado direito.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O Código de Processo Civil de 1973 preceituava em seu artigo 462 que: se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença.

A referida regra foi mantida no Novo Código de Processo Civil, cujo artigo 493 assim dispõe: "Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão."

Isso porque "a tutela jurisdicional deve retratar o contexto litigioso que existe entre as partes da maneira como esse se afigura no momento de sua concessão. Daí a razão pela qual nosso Código de Processo Civil empresta relevo ao direito objetivo e ao direito subjetivo supervenientes à postulação em juízo.

Assim, o julgamento deve refletir o estado de fato da lide no momento da entrega da prestação jurisdicional, de modo que a ocorrência de fato/circunstância jurídica superveniente deve ser considerada quando da apreciação da controvérsia, inclusive no âmbito dos recursos extraordinários, a fim de evitar decisões contraditórias ou violação à coisa julgada posteriormente formada.



24 de março de 2022

Nos casos em que já executado o título formado na primeira coisa julgada, ou se iniciada sua execução, deve prevalecer a primeira coisa julgada em detrimento daquela formada em momento posterior

Processo

AgInt nos EDcl no REsp 1.930.955-ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 08/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Conflito de coisas julgadas. Prevalência da última decisão que transitou em julgado. Exceção. Execução ou início da execução do primeiro título. Prevalência da primeira coisa julgada.

 

DESTAQUE

Nos casos em que já executado o título formado na primeira coisa julgada, ou se iniciada sua execução, deve prevalecer a primeira coisa julgada em detrimento daquela formada em momento posterior.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A Corte Especial deste Tribunal, ao julgar o EAREsp 600.811/SP, firmou o entendimento de que havendo conflito entre coisas julgadas deve prevalecer a última que se formou, desde que não desconstituída por ação rescisória.

Contudo, a referida regra deve ser afastada nos casos em que já executado o título formado na primeira coisa julgada, ou se iniciada sua execução, hipótese em que deve prevalecer a primeira coisa julgada em detrimento daquela formada em momento posterior, consoante expressamente consignado na ementa e no voto condutor do referido julgado.

Assim, no presente caso houve a execução do título formado na ação coletiva, primeiro a transitar em julgado. Logo, incide a exceção prevista no EAREsp 600.811/SP, devendo prevalecer a primeira coisa julgada formada, razão pela qual se mostra indevida a execução do título formado em momento posterior, ainda que se trate de período diverso, sobre o qual foi reconhecida a prescrição na primeira execução.



16 de fevereiro de 2022

Os critérios, os percentuais e a base de cálculo da verba honorária não podem ser modificados na fase de cumprimento da sentença, sob pena de indevida ofensa à coisa julgada

 STJ. 2ª Seção. AR 5869-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 30/11/2021 (Info 721).

Os critérios, os percentuais e a base de cálculo da verba honorária não podem ser modificados na fase de cumprimento da sentença, sob pena de indevida ofensa à coisa julgada

Caso Julgado

Demanda sobre juros abusivos em mútuo bancário

Pedidos

Declaração de nulidade das cláusulas contratuais que preveem juros abusivos (acima da média do mercado)

repetição do indébito (“devolução”) dos valores que foram cobrados pelo banco com base nos juros abusivos

Sentença de procedência dos pedidos

nulidade da cláusula por abusividade dos juros e

condenação de R$ 100 mil por repetição de indébito

Honorários sucumbenciais arbitrados 15% “sobre o valor da condenação” (R$ 100 mil)

Após o trânsito em julgado, deu-se início ao cumprimento de sentença

No cumprimento de sentença, juiz determinou honorários advocatícios deveriam incidir

não apenas sobre R$ 100 mil (valor da condenação)

mas também sobre todo valor que autor “economizou” com a redução dos juros restante contrato (aproximadamente R$ 200 mil)

honorários devem incidir sobre todo proveito econômico autor experimentou

STJ possui entendimento pacífico  - dispositivo da sentença exequenda pode ser interpretado pelo juízo da liquidação e essa interpretação envolve não apenas a parte dispositiva da sentença isoladamente, mas, igualmente, a sua fundamentação a fim de atingir o real sentido e alcance do comando sentencial

quando título judicial revela ambíguo, dando ensejo mais de uma interpretação, deve órgão julgador escolher aquela que mais harmoniza com ordenamento jurídico, sem que isso implique ofensa coisa julgada.

No caso, contudo, o dispositivo da sentença exequenda não apresenta nenhuma ambiguidade. Ao contrário, foi categórico ao fixar a condenação do réu “a pagar honorários em favor do patrono do autor em percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação”

Ademais, não é possível extrair da fundamentação nenhuma passagem que revele, ainda que minimamente, a intenção do magistrado sentenciante de fazer inserir na base de cálculo da verba honorária o capítulo atinente ao provimento declaratório

não havia margem para substituir o parâmetro adotado pela sentença exequenda (condenação) por “proveito econômico almejado pela demandante” - conceitos jurídicos sabidamente distintos -, alterando indevidamente a base de cálculo da verba honorária após o trânsito em julgado.

distinção entre os conceitos de “condenação” e de “proveito econômico” ficou ainda mais nítida após o advento do CPC de 2015, que, em seu art. 85, § 2º, acrescentou dois novos parâmetros de fixação dos honorários, além da condenação: proveito econômico obtido e valor atualizado da causa.

Art. 85, § 2º, CPC: “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:

I - o grau de zelo do profissional;

II - o lugar de prestação do serviço;

III - a natureza e a importância da causa;

IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço

doutrina majoritária reconhece que existe uma ordem de preferência desses critérios na fixação dos honorários advocatícios, de modo que, havendo condenação, devem os percentuais de 10 a 20% incidir sobre esse montante

Apenas na hipótese de não haver condenação, é que se cogita do proveito econômico e, por último, não sendo possível mensurar o proveito econômico, passa-se a considerar o valor atualizado da causa como base de cálculo dos honorários.

A jurisprudência do STJ encontra-se consolidada no sentido de que os critérios, os percentuais e a base de cálculo da verba honorária são insuscetíveis de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de indevida ofensa à coisa julgada

7 de janeiro de 2022

A substituição, na fase de cumprimento de sentença, do parâmetro da base de cálculo dos honorários advocatícios - de valor da condenação para proveito econômico - ofende a coisa julgada.

Processo

AR 5.869-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por maioria, julgado em 30/11/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Honorários advocatícios. Base de cálculo. Condenação. Art. 20, § 3º, do CPC/1973. Trânsito em julgado. Alteração para proveito econômico. Impossibilidade. Ofensa à coisa julgada.

 

DESTAQUE

A substituição, na fase de cumprimento de sentença, do parâmetro da base de cálculo dos honorários advocatícios - de valor da condenação para proveito econômico - ofende a coisa julgada.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

É certo que o STJ possui entendimento pacífico no sentido de que o dispositivo da sentença exequenda pode ser interpretado pelo juízo da liquidação e essa interpretação envolve não apenas a parte dispositiva da sentença isoladamente, mas, igualmente, a sua fundamentação a fim de atingir o real sentido e alcance do comando sentencial.

E que, além disso, quando o título judicial se revela ambíguo, dando ensejo a mais de uma interpretação, deve o órgão julgador escolher aquela que mais se harmoniza com o ordenamento jurídico, sem que isso implique em ofensa à coisa julgada.

No caso, contudo, o dispositivo da sentença exequenda não apresenta nenhuma ambiguidade. Ao contrário, foi categórico ao fixar a condenação dos réus "a pagarem honorários em favor do patrono do autor em percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação".

Ademais, não é possível extrair da fundamentação nenhuma passagem que revele, ainda que minimamente, a intenção do magistrado sentenciante de fazer inserir na base de cálculo da verba honorária o capítulo atinente ao provimento declaratório.

Nesse contexto, não havia margem para substituir o parâmetro adotado pela sentença exequenda (condenação) por "proveito econômico almejado pela demandante" - conceitos jurídicos sabidamente distintos -, alterando indevidamente a base de cálculo da verba honorária após o trânsito em julgado, afastando-se não apenas da legislação de regência (que prevê que "os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação"), mas também do pedido formulado pelo próprio requerente na sua petição inicial da ação declaratória ("honorários advocatícios de 20% sobre o valor total da condenação;").

A distinção entre os conceitos de "condenação" e de "proveito econômico" ficou ainda mais nítida após o advento do Código de Processo Civil de 2015, que, em seu artigo 85, § 2º, acrescentou dois novos parâmetros de fixação dos honorários, além da condenação: proveito econômico obtido e valor atualizado da causa: "Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (...)".

A doutrina majoritária reconhece que existe uma ordem de preferência desses critérios na fixação dos honorários advocatícios, de modo que, havendo condenação, devem os percentuais de 10 a 20% incidir sobre esse montante. Apenas na hipótese de não haver condenação, é que se cogita do proveito econômico e, por último, não sendo possível mensurar o proveito econômico, passa-se a considerar o valor atualizado da causa como base de cálculo dos honorários.

Logo, a determinação contida no acórdão rescindendo de que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (correspondente à repetição do indébito), outra parcela, de conteúdo declaratório (consistente no reconhecimento de quitação de dívida), além de ofender o comando expresso do § 3º do artigo 20 do CPC/1973, viola, ainda, a coisa julgada formada com o trânsito em julgado da referida sentença exequenda.

A jurisprudência desta Corte encontra-se consolidada no sentido de que os critérios, os percentuais e a base de cálculo da verba honorária são insuscetíveis de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de indevida ofensa à coisa julgada.

Assim, fixados os honorários, no processo de conhecimento, em percentual sobre determinada base de cálculo, não pode o juízo, na fase de execução, a pretexto de corrigir erro material ou eventual injustiça, modificar ou ampliar essa base de cálculo, sob pena de ofensa à coisa julgada.

15 de novembro de 2021

A coisa julgada formada no Mandado de Segurança Coletivo 2005.51.01.016159-0 (impetrado pela Associação de Oficiais Militares do Estado do Rio de Janeiro - AME/RJ, enquanto substituta processual) beneficia os militares e respectivos pensionistas do antigo Distrito Federal, integrantes da categoria substituída - oficiais, independentemente de terem constado da lista apresentada no momento do ajuizamento do mandamus ou de serem filiados à associação impetrante

Processo

REsp 1.865.563-RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. Acd. Min. Gurgel de Faria, Primeira Seção, por maioria, julgado em 21/10/2021. (Tema 1056)

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Mandado de Segurança Coletivo. Associação de Oficiais Militares do Estado do Rio de Janeiro - AME/RJ. Substituta processual. Limites subjetivos da coisa julgada. Integrantes da categoria substituída - oficiais. Lista apresentada no momento do ajuizamento ou filiação à associação impetrante. Irrelevância. Tema 1056.

 

DESTAQUE

A coisa julgada formada no Mandado de Segurança Coletivo 2005.51.01.016159-0 (impetrado pela Associação de Oficiais Militares do Estado do Rio de Janeiro - AME/RJ, enquanto substituta processual) beneficia os militares e respectivos pensionistas do antigo Distrito Federal, integrantes da categoria substituída - oficiais, independentemente de terem constado da lista apresentada no momento do ajuizamento do mandamus ou de serem filiados à associação impetrante.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente, no julgamento do ARE 1.293.130/RG-SP, realizado sob a sistemática da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a sua jurisprudência dominante, estabelecendo a tese de que "é desnecessária a autorização expressa dos associados, a relação nominal destes, bem como a comprovação de filiação prévia, para a cobrança de valores pretéritos de título judicial decorrente de mandado de segurança coletivo impetrado por entidade associativa de caráter civil". Esse, inclusive, é o teor da Súmula 629 do STF: "A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes".

Não obstante o entendimento acima indicado, não é suficiente para dirimir a questão travada nos presentes autos, devendo, também, ser observados os limites da coisa julgada.

No ponto, não andou bem a Corte a quo ao consignar que o título executivo teria se formado nos moldes delimitados pelas instâncias ordinárias no julgamento do writ - com a limitação da incorporação da vantagem aos associados da impetrante constantes na lista anexada à inicial.

Com efeito, consoante registrado pelo Tribunal de origem, no primeiro grau, a ordem foi parcialmente concedida para determinar que a autoridade coatora procedesse à incorporação da "Vantagem Pecuniária Especial instituída pela Lei n. 11.134/2005, nos proventos de reforma auferidos pelos Policiais Militares e Bombeiros do antigo Distrito Federal filiados à Impetrante, que tivessem adquirido o direito à inatividade remunerada até a vigência da Lei n. 5.787/1972, bem como nos proventos de pensão instituídos pelos referidos militares e percebidos por filiados à Associação Autora".

Em sede de apelação, a sentença foi parcialmente reformada para se reconhecer a isonomia entre os militares do Distrito Federal e os remanescentes do antigo Distrito Federal, tendo sido determinada a incorporação da Vantagem em comento aos associados da impetrante.

Interposto recurso especial pela União (REsp 1.121.981/RJ), o apelo nobre foi provido e denegada a ordem.

Entretanto, a Terceira Seção desta Corte acolheu embargos de divergência interpostos pela Associação "para que a Vantagem Pecuniária Especial - VPE, criada pela Lei nº 11.134/05, seja estendida aos servidores do antigo Distrito Federal em razão da vinculação jurídica criada pela Lei nº 10.486/2002".

Da simples leitura do decisum acima destacado, vê-se que, contrariamente ao explicitado pelo Tribunal de origem, esta Corte Superior reconheceu o direito de todos os servidores do antigo Distrito Federal, não havendo qualquer limitação quanto aos associados da então impetrante nem tampouco dos constantes em lista.

Assim, a configuração da legitimidade ativa, para fins de execução individual do título coletivo em comento, prescinde: a) da presença do nome do exequente individual na lista de associados eventualmente apresentada quando do ajuizamento do mandado de segurança e, assim também, b) da comprovação de filiação, no caso concreto, à Associação de Oficiais Militares Estaduais do Rio de Janeiro, autora da segurança coletiva.

O caso concreto, entretanto, guarda particularidade: a exequente é pensionista de ex-Praça da Polícia Militar do antigo Distrito Federal.

Conquanto o Tribunal de origem tenha utilizado fundamento equivocado quanto à limitação da coisa julgada formada no julgamento do mandado de segurança coletivo, registrou que a exequente não teria legitimidade, tendo em vista que o instituidor da pensão ostentava a condição de praça, na graduação de Terceiro Sargento, não podendo, portanto, ser filiado à AME/RJ, uma vez que a associação tem por objeto apenas a defesa de interesses dos Oficiais Militares.

Toda a fundamentação já anteriormente indicada permite uma única conclusão: a legitimidade para a execução individual do título coletivo formado em sede de mandado de segurança, caso o título executivo tenha transitado em julgado sem limitação subjetiva (lista, autorização etc), restringe-se aos integrantes da categoria que foi efetivamente substituída.

Dessa forma, ainda que nos embargos de divergência manejados na ação originária tenha a Terceira Seção desta Corte acolhido o recurso para que "a Vantagem Pecuniária Especial - VPE, criada pela Lei nº 11.134/05, seja estendida aos servidores do antigo Distrito Federal", a coisa julgada formada no título jamais poderia abarcar servidor militar não integrante da categoria que estava sendo substituída no writ.


21 de agosto de 2021

O beneficiário de expurgos inflacionários pode promover o cumprimento individual de sentença coletiva para cobrança exclusiva de juros remuneratórios não contemplados em ACP diversa, também objeto de execução individual pelo mesmo beneficiário

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/08/info-700-stj.pdf

 

PROCESSO COLETIVO - O beneficiário de expurgos inflacionários pode promover o cumprimento individual de sentença coletiva para cobrança exclusiva de juros remuneratórios não contemplados em ACP diversa, também objeto de execução individual pelo mesmo beneficiário 

Exemplo: a associação de defesa dos consumidores ajuizou ACP pedindo que a CEF fosse condenada a pagar expurgos inflacionários decorrentes de planos econômicos. Em 2001, o juiz julgou o pedido procedente, determinando o pagamento dos expurgos inflacionários em favor dos consumidores. Vale ressaltar que essa sentença determinou o pagamento apenas do valor principal, sem falar em juros remuneratórios, tendo em vista que não houve pedido expresso nesse sentido. Houve o trânsito em julgado. Em 2004, João, um dos consumidores que se enquadrava nessa situação, ingressou com pedido de cumprimento individual de sentença. Ocorre que tramitava outra ACP, proposta por outra associação, pedindo o pagamento dos expurgos inflacionários e também dos juros remuneratórios. Em 2007, outro juiz julgou o pedido procedente, condenando os bancos a pagarem os expurgos inflacionários acrescidos dos juros remuneratórios. Em 2008, João, sabendo disso, ingressou com nova execução individual pedindo, agora, o pagamento exclusivamente dos juros remuneratórios não contemplados na primeira ACP.Isso é possível, não havendo que se falar em violação à coisa julgada. 

STJ. 4ª Turma. REsp 1.934.637-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/06/2021 (Info 700). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

IBDCI, associação de defesa dos consumidores, ajuizou ação civil pública pedindo que a Caixa Econômica Federal fosse condenada a pagar expurgos inflacionários decorrentes de planos econômicos. Vamos chamar esse processo de ACP 1. Em 2001, o juiz julgou o pedido procedente, determinando o pagamento dos expurgos inflacionários em favor dos consumidores. Vale ressaltar que essa sentença determinou o pagamento apenas do valor principal, sem falar em juros remuneratórios, tendo em vista que não houve pedido expresso nesse sentido. Houve o trânsito em julgado. Em 2004, João, um dos consumidores que se enquadrava nessa situação, ingressou com pedido de cumprimento de sentença. Ocorre que tramitava outra ACP, proposta pela Pro-Just (associação de defesa dos consumidores), pedindo o pagamento dos expurgos inflacionários e também dos juros remuneratórios. Vamos chamar esse processo de ACP 2. Em 2007, outro juiz julgou o pedido procedente, condenando os bancos a pagarem os expurgos inflacionários acrescidos dos juros remuneratórios. Em 2008, João, sabendo disso, ingressou com nova execução individual pedindo, agora, o pagamento exclusivamente dos juros remuneratórios não contemplados na primeira ACP. O juízo de primeiro grau extinguiu essa segunda execução individual (de 2008), sob o argumento de que haveria “existência de coisa julgada material quanto à reparação dos danos”, em razão daquela primeira execução individual de 2004. Interposto recurso de apelação, João ressaltou que, naquela execução individual de 2004, não houve pedido ou deliberação em matéria relativa a juros remuneratórios e, portanto, não impediria nova execução baseada em sentença coletiva diversa, na qual houve pedido expresso contemplado sobre “juros remuneratórios”. Ainda assim, o tribunal manteve a sentença. O caso chegou ao STJ. 

O pedido de João foi acolhido pelo STJ? Ele pode promover esse segundo cumprimento individual de sentença? SIM. 

O beneficiário de expurgos inflacionários pode promover o cumprimento individual de sentença coletiva para cobrança exclusiva de juros remuneratórios não contemplados em ação civil pública diversa, também objeto de execução individual pelo mesmo beneficiário. 

STJ. 4ª Turma. REsp 1.934.637-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/06/2021 (Info 700). 

Vamos entender com calma. 

O que são juros? 

Os juros podem ser conceituados como o rendimento do capital. É o preço pago pelo fato de alguém estar utilizando o capital (dinheiro) de outrem. Os juros têm por finalidade remunerar o credor por ficar um tempo sem seu capital e pelo risco que sofreu de não o receber de volta. Quanto à sua finalidade, os juros podem ser de duas espécies: 

Juros compensatórios (remuneratórios) 

São pagos pelo devedor como uma forma de remunerar (ou compensar) o credor pelo fato de ele ter ficado privado de seu capital por um determinado tempo. 

É como se fosse o preço pago pelo “aluguel” do capital. 

Ex: José precisa de dinheiro emprestado e vai até um banco, que dele cobra um percentual de juros como forma de remunerar a instituição financeira por esse serviço. 

Dependem de pedido expresso para serem contemplados em sentença e, consequentemente, de condenação na fase de conhecimento para serem executados. 


Juros moratórios 

São pagos pelo devedor como forma de indenizar o credor quando ocorre um atraso no cumprimento da obrigação. Veja o art. 395 do CC. 

É como se fosse uma sanção (punição) pela mora (inadimplemento culposo) na devolução do capital. São devidos pelo simples atraso, ainda que não tenha havido prejuízo ao credor (art. 407 do CC). 

Ex: José pactuou com o banco efetuar o pagamento do empréstimo no dia 10. Ocorre que o devedor somente conseguiu pagar a dívida no dia 20. Logo, além dos juros remuneratórios, terá que pagar também os juros moratórios, como forma de indenizar a instituição por conta deste atraso. 

Não dependem de pedido expresso, nem de condenação, porque são previstos em lei. 

O que são “expurgos inflacionários”? 

É a não aplicação (ou aplicação incorreta) dos índices de inflação sobre os montantes aplicados pela população em suas contas bancárias e demais produtos financeiros. No Brasil, tivemos alguns episódios marcantes, como, por exemplo, o Plano Verão e o Plano Collor. 

Os juros remuneratórios envolvendo expurgos inflacionários dependem de pedido expresso na petição inicial para que possam ser contemplados em sentença judicial e, posteriormente, executados? 

SIM. Para que os juros remuneratórios possam ser objeto de liquidação ou execução individual, é indispensável que tenham ficado expressamente previstos no título judicial: 

Na execução individual de sentença proferida em ação civil pública, que reconhece o direito de poupadores aos expurgos inflacionários decorrentes do Plano Verão (janeiro de 1989), descabe a inclusão de juros remuneratórios nos cálculos de liquidação se inexistir condenação expressa, sem prejuízo de, quando cabível, o interessado ajuizar ação individual de conhecimento. 

STJ. 2ª Seção. REsp 1438263/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 28/04/2021. 

 (Promotor de Justiça MPE/RO 2013 Cespe) O STJ admite a inclusão de juros remuneratórios e moratórios capitalizados nos cálculos de liquidação, se tal previsão não constar do título executivo. (incorreta) 

 (Promotor de Justiça MPE/RR 2012 Cespe) A inclusão de juros remuneratórios e moratórios capitalizados nos cálculos de liquidação, sem a devida previsão no título executivo, não implica violação da coisa julgada, sendo considerada mero erro de cálculo. (incorreta) 

Há coisa julgada material que impede a nova execução individual da ACP 2, tendo em vista que já houve a execução individual da ACP 1? 

NÃO. Não houve pedido expresso quanto aos juros remuneratórios na primeira ACP (proposta pelo IBDCI), estando a execução individual, portanto, submetida tão apenas ao que constou do título. Somente na sentença oriunda da segunda ACP (ajuizada pelo Pro-Just), os juros foram inseridos, circunstância que motivou a propositura do cumprimento do novo título judicial que, por sua vez, embora tenha condenado a Caixa Econômica Federal ao pagamento de expurgos coincidentes da primeira execução, previu, de maneira inédita, a incidência dos juros remuneratórios. Nessa linha, levando em conta as diretrizes do processo coletivo referidas, bem como os efeitos da coisa julgada secundum eventum litis (ou res iudicata secundum eventum litis), nos termos do art. 103, §§ 2º e 3º, e 104 do CDC, não há como concluir que o trânsito em julgado da primeira ação civil pública - cuja execução individual estava adstrita aos exatos termos do título judicial nesta formado - tenha o condão de espraiar os efeitos preclusivos da coisa julgada de pedido não deduzido. Veja os dispositivos: 

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: 

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; 

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; 

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. 

(...) 

§ 2º Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual. 

§ 2º Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99. (...) 

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. 

Se um pedido é rejeitado, o mesmo pedido poderá ser formulado em nova ação? 

• No sistema do CPC: NÃO. 

• No microssistema da tutela coletiva: SIM. 

Conforme explica o Min. Luis Felipe Salomão: 

(...) se um determinado pedido é rejeitado, o mesmo pedido não poderá ser formulado em nova ação, ainda que relacionado a causa de pedir diversa. Contudo, isso não se aplica às demandas coletivas. O Direito Processual Coletivo, com base constitucional e legal (Lei n. 8.078/1990 - Código de Defesa do Consumidor e Lei n. 7.347/1985 – Lei de Ação Civil Pública), possui inegável vertente instrumentalista, afirmada pela disponibilização de institutos eficazes de garantia da ordem jurídica justa. Dessa feição plural do Direito, própria do processo coletivo, sobressai a ideia de solidariedade, que impõe a transformação do modelo clássico de legitimação processual ativa, inadequado à regulação dos conflitos de grupos e coletividades. A coisa julgada nos processos coletivos, especialmente quando relativos aos direitos individuais homogêneos, como no caso em análise, deve observar a conhecida regra da res iudicata secundum eventum litis. É o que se extrai dos arts. 103, §§ 2° e 3°, e 104 do CDC: (...)” 

Conclusão 

Por tudo quanto apresentado, no regime próprio das demandas coletivas envolvendo direitos individuais homogêneos, a ausência de pedido expresso em ação civil pública ajuizada por instituição diversa, na qualidade de substituta processual, não impede a propositura do cumprimento de sentença pelo mesmo beneficiário individual com base em novo título coletivo formado em ação civil pública diversa, exclusivamente para o alcance de verbas cuja coisa julgada somente se operou com o novo título proferido, do qual o autor seja também beneficiário. 

11 de agosto de 2021

Não há que se falar em coisa julgada material contra transação homologada em juízo pactuada entre a associação e entidade previdenciária para liquidação de sentença coletiva.

 

Processo

REsp 1.418.771-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 03/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Liquidação de sentença coletiva. Transação homologada em juízo. Coisa julgada material. Inocorrência.

Destaque

Não há que se falar em coisa julgada material contra transação homologada em juízo pactuada entre a associação e entidade previdenciária para liquidação de sentença coletiva.

Informações do Inteiro Teor

Inicialmente, a associação, representando os participantes e assistidos de plano de benefícios de previdência complementar administrado pela GEAP, ajuizou previamente ação coletiva vindicando a restituição de valores vertidos a título de pecúlio, tendo sido o pedido acolhido pelas instâncias ordinárias - decisão transitada em julgada.

Conforme apurado pela Corte local, na fase de liquidação, "diante da dificuldade e da complexidade de efetuarem-se os cálculos, relativos à liquidação do julgado (quantum debeatur), as próprias partes, de comum acordo, transigiram, de forma a advir o 'termo de acordo e quitação mútua', homologado pelo ilustre juiz da Nona Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília".

Quanto ao mérito do recurso, parece mesmo incorreta a invocação, pela Corte local, da coisa julgada material, pois sentença que se limita a homologar transação constitui mero juízo de delibação, nem sequer sendo, pois, sujeita à impugnação em ação rescisória.

De todo modo, isso não tem o condão de alterar o decidido, pois, malgrado não se possa falar em coisa julgada material, segundo a doutrina "o ato jurídico perfeito e a coisa julgada podem ser reconduzidos ao conceito de direito adquirido, que abrange os outros dois institutos".

Está presente o ato jurídico perfeito, consubstanciado em contrato de transação firmado entre as partes (legitimado, reconhecido pela lei como idôneo para defesa dos interesses individuais dos associados), com expressa e incontroversa cláusula de quitação geral.

Nessa linha de intelecção, é de todo oportuno salientar que a associação ajuizou uma nova ação condenatória referente à restituição de pecúlio, malgrado apenas mediante ação anulatória, embasada no artigo 486 do CPC/1973 (diploma aplicável ao caso), é que se poderia cogitar a desconstituição do acordo homologado por sentença. Vale conferir a redação: "[O]s atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil".

É que o art. 966, § 4º, do CPC/2015 também dispõe que os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.

Por fim, a Segunda Seção, em decisão unânime, perfilhou o entendimento de que, em havendo transação, o exame do juiz deve se limitar à sua validade e eficácia, verificando se houve efetiva transação, se a matéria comporta disposição, se os transatores são titulares do direito do qual dispõem parcialmente, se são capazes de transigir - não podendo, sem que se proceda a esse exame, ser simplesmente desconsiderada a avença (AgRg no AREsp 504.022/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 10/09/2014, DJe 30/09/2014).

7 de maio de 2021

AÇÃO DE GUARDA. ANTERIOR SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO QUE JULGOU PROCEDENTE PEDIDO DE AFASTAMENTO DO CONVÍVIO FAMILIAR. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL DIANTE DA COISA JULGADA ANTERIORMENTE FORMADA. INOCORRÊNCIA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.878.043 - SP (2019/0384274-4) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE GUARDA. ANTERIOR SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO QUE JULGOU PROCEDENTE PEDIDO DE AFASTAMENTO DO CONVÍVIO FAMILIAR. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL DIANTE DA COISA JULGADA ANTERIORMENTE FORMADA. INOCORRÊNCIA. PRETENSÕES DE GUARDA E DE AFASTAMENTO AMBIVALENTES, IRRELEVANTE O NOMEN IURIS PARA DEFINIÇÃO DA NATUREZA DA TUTELA JURISDICIONAL PLEITEADA. COISA JULGADA NAS AÇÕES QUE VERSAM SOBRE GUARDA QUE SE FORMA DE ACORDO COM A MOLDURA FÁTICO-TEMPORAL EXISTENTE AO TEMPO DE SUA PROLAÇÃO. SUPERVENIENTE AÇÃO DE GUARDA AJUIZADA APÓS LAPSO TEMPORAL CONSIDERÁVEL E QUE SE FUNDA EM DISTINTAS CAUSAS DE PEDIR E EM MODIFICAÇÕES DO QUADRANTE FÁTICO. INOPONIBILIDADE DA COISA JULGADA. FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE AFASTAMENTO DE CONVÍVIO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA COM ORIGEM EM ADOÇÃO À BRASILEIRA. REDISCUSSÃO DA QUESTÃO NA AÇÃO DE GUARDA. POSSIBILIDADE. MOTIVOS QUE NÃO FAZEM COISA JULGADA. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO, SEMPRE CONCRETA E CASUÍSTICA, DA REALIDADE SOCIAL E DA REALIDADE LEGAL. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO MELHOR INTERESSE DO MENOR E DA PROTEÇÃO INTEGRAL E PRIORITÁRIA DA CRIANÇA. IMPRESCINDIBILIDADE DA OITIVA E PARTICIPAÇÃO DE TODOS OS ENVOLVIDOS. IMPRESCINDIBILIDADE DOS ESTUDOS PSICOSSOCIAIS E INTERDISCIPLINARES, INCLUSIVE NAS HIPÓTESES DE ADOÇÃO À BRASILEIRA, DE MODO A PROMOVER A CONCRETIZAÇÃO DOS REFERIDOS PRINCÍPIOS. 

1- Ação proposta em 27/04/2018. Recurso especial interposto em 20/05/2019 e atribuído à Relatora em 20/04/2020. 

2- O propósito recursal consiste em definir se, transitada em julgado sentença de procedência em ação de afastamento de convívio familiar para determinar o acolhimento institucional de menor, há interesse processual para o superveniente ajuizamento de ação de guarda por quem pretende reavê-la. 

3- As ações de guarda e de afastamento do convívio familiar veiculam pretensões ambivalentes, pois, na primeira, pretende-se exercer o direito de proteção da pessoa dos filhos (guarda sob a ótica do poder familiar) ou a proteção de quem, em situação de risco, demande cuidados especiais (guarda sob a ótica assistencial), ao passo que, na segunda, pretende o legitimado a cessação ou a modificação da guarda em razão de estar a pessoa que deve ser preservada em uma situação de risco. 

4- Da irrelevância do nomen iuris dado às ações que envolvam a guarda do menor para fins da tutela jurisdicional pretendida se conclui que, por suas características peculiares, a guarda é indiscutivelmente modificável a qualquer tempo, bastando que exista a alteração das circunstâncias fáticas que justificaram a sua concessão, ou não, no passado. 

5- Transitada em julgado a sentença de procedência do pedido de afastamento do convívio familiar de que resultou o acolhimento institucional da menor, quem exercia irregularmente a guarda e pretende adotá-la possui interesse jurídico para, após considerável lapso temporal, ajuizar ação de guarda cuja causa de pedir seja a modificação das circunstâncias fáticas que ensejaram o acolhimento, não lhe sendo oponível a coisa julgada que se formou na ação de afastamento. 

6- A fundamentação adotada pela sentença que julgou procedente o pedido de afastamento do convívio familiar, no sentido de que seria juridicamente impossível o reconhecimento da filiação socioafetiva que tenha em sua origem uma adoção à brasileira, não impede o exame da questão na superveniente ação de guarda, pois os motivos que conduziram à procedência do pedido anterior, por mais relevantes que sejam, não fazem coisa julgada, a teor do art. 504, I, do CPC/15. 

7- A jurisprudência desta Corte, diante de uma ineludível realidade social, mas sem compactuar com a vulneração da lei, do cadastro de adotantes e da ordem cronológica, consolidou-se no sentido de que, nas ações que envolvem a filiação e a situação de menores, é imprescindível que haja o profundo, pormenorizado e casuístico exame de cada situação concretamente considerada, a fim de que, com foco naquele que deve ser o centro de todas as atenções – a criança – decida-se de acordo com os princípios do melhor interesse do menor e da proteção integral e prioritária da criança, sendo imprescindível, nesse contexto, que haja a oitiva e a efetiva participação de todos os envolvidos e a realização dos estudos psicossociais e interdisciplinares pertinentes, inclusive nas hipóteses de adoção à brasileira. 

8- Recurso especial conhecido e provido, com determinações. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 08 de setembro de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por R V DA R e M DA G V DA C, com base na alínea “a” do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/SP que, por unanimidade, negou provimento ao recurso de apelação por eles interposto. 

Recurso especial interposto e m: 20/05/2019. Atribuído ao gabinete e m: 20/04/2020. 

Ação: de guarda ajuizada pelos recorrentes, por meio da qual pretendem reaver a guarda fática irregularmente exercida sobre a menor B M R. 

Sentença: indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo sem resolução de mérito por litispendência (arts. 337, §3º e 485, V, ambos do CPC/15), ao fundamento de que a ação de guarda repetiria todos os fundamentos e questões que já haviam sido objeto de decisão de mérito em anterior ação de afastamento de convívio familiar ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face dos recorrentes (fls. 409/410, e-STJ). 

Acórdão: por unanimidade, afastou a ocorrência de litispendência, mas negou provimento ao recurso de apelação interposto pelos recorrentes por fundamentação distinta, nos termos da seguinte ementa: 

APELAÇÃO – Pedido de guarda – Sentença que julgou extinto o processo, sem julgamento de mérito, porque caracterizada a litispendência nos termos do art. 485, V, c.c. art. 337, § 3º, do CPC, com outra ação de acolhimento institucional – Alegado o desacerto do julgado, porque, entre outras questões, se afirma ausente hipótese de litispendência – Inexistência de litspendência, porquanto não coincidentes as ações – Extinção, todavia, do feito motivada na falta de interesse processual – Autores que buscam rediscutir questão de guarda já definida na ação para a aplicação de medida protetiva – Ausente interesse e utilidade do provimento judicial buscado – Hipótese que se amolda aos termos do art. 330, II, do CPC – Extinção do feito, sem resolução do mérito legitimado no art. 485, I e VI, do CPC Sentença mantida – Apelação não provida. (fls. 527/534, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se violação aos arts. 100, parágrafo único, I, II e XII, e 101, §4º e §5º, ambos do ECA (Lei 8.069/90), ao fundamento de que a ação de guarda não pretende rediscutir as mesmas questões anteriormente debatidas na ação de afastamento de convívio familiar, especialmente porque a pretensão de guarda está fundada em modificação de situação fática do menor e dos recorrentes cuja prova somente poderia ser produzida por intermédio de estudo psicossocial que fora negado na hipótese (fls. 540/561, e-STJ). 

Ministério Público Federal: opinou pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 653/659, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): O propósito recursal consiste em definir se, transitada em julgado sentença de procedência em ação de afastamento de convívio familiar para determinar o acolhimento institucional de menor, há interesse processual para o superveniente ajuizamento de ação de guarda por quem pretende reavê-la. 

DA POSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO DA GUARDA DIANTE DA ANTERIOR TRÂNSITO EM JULGADO DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO DE AFASTAMENTO DE CONVÍVIO FAMILIAR. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 100, PARÁGRAFO ÚNICO, I, II E XII, E 101, §4º E 5º, AMBOS DO ECA. 

01) Para melhor contextualização da controvérsia, destaque-se que os recorrentes ajuizaram a ação de guarda da qual se extrai o presente recurso especial em 27/04/2018, pretendendo reaver a guarda que exerciam irregularmente sobre a menor B M R no período compreendido entre 2014 e 2016, quando, deferindo tutela antecipatória formulada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em ação de afastamento de convívio familiar, foi a menor acolhida institucionalmente, situação que perdura até a presente data. 

02) A ação de afastamento de convívio familiar foi julgada procedente por sentença posteriormente confirmada por acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo que o recurso especial interposto pelos recorrentes, inadmitido na origem e objeto de agravo, não foi conhecido por meio de decisão unipessoal que transitou em julgado em 30/08/2018 (AREsp 1.279.731/SP). 

03) O fundamento adotado pelas instâncias ordinárias para, em definitivo, confirmar o acolhimento da menor B M R foi, essencialmente, a ilegalidade das condutas dos recorrentes (afirmação falsa sobre infertilidade do recorrente R V DA R e falsidade do registro civil por ele realizado, fraude ao cadastro de adotantes e à ordem cronológica de inscrição). 

04) Colhem-se da sentença os seguintes excertos que, em carregadíssimas tintas, sintetizam a única razão de decidir: 

Seguramente, o legislador teve por escopo por termo a esse abominável e despudorado escambo de crianças ou, no mínimo, ao indevido e inadequado acertamento direto entre interessados e genitores, e, de outro lado, afirmar a imperiosa necessidade de se prestigiar o cadastro de adotantes, em especial a ordem cronológica de inscrição, coibindo as fraudes. (...) De outra banda, pesem aos judiciosos entendimentos contrários, este Juízo sustenta que a integração em família substituta, em especial na forma de adoção, é ato típico e exclusivo do órgão jurisdicional, porque, notada e destacadamente, o ECA, especialmente com as modificações trazidas pela Lei n. 12.010/09, atribuiu ao Juiz toda a responsabilidade pela asseguração da medida, estabelecendo, para tanto, o cadastro de adotantes, criado para moralizar e organizar a chamada de interessados.Fê-lo o legislador, decerto, pensando que a autoridade judiciária, por sua imparcialidade, idoneidade e seriedade, seguirá fielmente o texto legal e, nesse passo, prestigiará o cadastro e sua ordem cronológica, de modo a garantir que somente pessoas previamente avaliadas e aprovadas possam, na oportunidade devida, adotar. (...) O legislador, em boa hora, pôs cobro a essa vetusta e incômoda situação, moralizando ainda que tardiamente, depois de vinte anos de vigência do ECA a integração em família substituta, via adoção. E, como cediço, dura lex sed lex, incumbindo ao Poder Judiciário, que não pode tornar morta a letra da lei, o fiel cumprimento das disposições legais, pena de se jogar por terra todo o esforço moralizador do legislador, se se continuar permitindo as denominadas “adoções prontas” com feição de intuitu personae, àqueles que burlam o cadastro ou sua ordem cronológica. (...) Fazendo um breve parêntese, por relevante, depreende-se que esses corréus tinham plena ciência dos pressupostos e requisitos para a adoção, entretanto fizeram ouvidos moucos e acolheram ilegalmente a criança em tela. Como corolário, não se sabe, nessa contemporaneidade, se ainda reúnem as necessárias condições psicossociais e a inafastável idoneidade para a realização de adoção futura, conforme rezam o art. 29, a contrario sensu, c.c. art. 50, § 2º, ambos do ECA. (...) E no caso em concreto merece destacar que a genitora, ao contestar a pretensão deixa claro o ardil perpetrado, além de confirmar com todas as letras que entregou a filha, ainda recém-nascida, ao corréu R e de afirmar textualmente que R e M da G devem permanecer com a guarda da criança em comento, cumprindo anotar que sequer esboçou um átimo de vontade de reassumir a guarda da filha (fls. 458/463). A propósito dessa concordância da genitora, não é demais lembrar que sua validade depende, de lege lata, de ouvida judicial precedida de orientação psicossocial, ex vi do disposto no art. 166, §§ 1º/4º, do ECA. Contudo, no presente caso, não quadra colher o consentimento da genitora na forma supramencionada, tendo em vista a irrefutável ilegalidade da adoção, de sorte que, a esta altura, sua anuência não merece perfunctória credibilidade. (...) Sob outro enfoque, dada a premissa de ilegalidade, como corolário lógico, indevida a permanência da criança em comento com os corréus M da G e R, quer por não preencherem os pressupostos próprios para a adoção, quer, por força disso, a irregular condição da criança, que remanescerá desassistida, ao menos sob o prisma legal, quer mais e principalmente, por ser absolutamente prejudicial à sua formação e ao seu desenvolvimento permanecer irregularmente com quem não pode lhe propiciar a necessária segurança jurídica, em face da impossibilidade de se regularizar tal situação, diante da assentada má-fé e da ilegalidade perpetrada, e também, repisando, por expressa vedação legal. (...) Lado outro, não há de se excogitar de paternidade socioafetiva, porquanto seu reconhecimento pressupõe, necessariamente, a legalidade e a boa fé na origem da relação paternal-filial, a permitir com o transcorrer do tempo a formação dos vínculos afetivos e de afinidade, não sendo demais acrescer que não se constitui regra nem tampouco garantia ou certeza. No caso em questão, o pretendido reconhecimento dessa modalidade de paternidade encontra óbice no limiar da relação, dada a premissa de ilegalidade, ante a falsa assunção da paternidade, o conluio entre os réus para burlar o cadastro de adotantes e sua ordem cronológica e a impossibilidade jurídica de se concretizar a adoção proposta por Maria da Guia, como suso examinado. Inadmissível e imoral transmudar atos ilegais em lícitos, por via reflexa, como pretendido. Nesse prisma, convicto das ilegalidades perpetradas pelos réus, da burla ao cadastro de adotantes e violação de sua ordem cronológica e da impossibilidade de concretização da adoção unilateral pretendida pela corré M da G, afigura-se, no nosso sentir, inexorável situação de risco em que estava inserida a criança em comento lamentavelmente, objeto de ilicitudes praticadas por quem deveria protegê-la e preservar sua integridade psíquica, considerando as condutas ilícitas e temerárias dos réus. Os tempos são outros. Com as informações correndo na velocidade da luz, tem-se como reprováveis, para se dizer o mínimo, as condutas ilegais e nocivas perpetradas pelos réus, que, indubitavelmente, agiram conscientes das ilicitudes praticadas rememorando, passaram, neste Juízo, pelo Curso de Preparação Jurídica e Psicossocial para pretendentes à adoção e empregaram meio ardiloso que vem se tornando prática repetitiva para burlar a ordem cronológica do cadastro de adotantes e obter a adoção. Não podem nem devem beneficiar-se da própria torpeza. Bem por isso, concessa venia, há de se modificar o entendimento de que, na proteção da criança, as ilegalidades devem ser relevadas, pena de perpetuação do ilícito no consciente coletivo das pessoas que pretendem adotar. O Brasil não pode ser mais o País do “jeitinho”, como acreditam e querem alguns. A ordem jurídica deve se sobrepor aos interesses escusos e ilegais. 

05) No mesmo sentido caminhou o acórdão proferido na ação de afastamento de convívio familiar, acrescentando ainda, mais especificamente quanto à impossibilidade de reconhecimento da relação socioafetiva entre os recorrentes e a menor: 

Tampouco socorre a defesa alusão a caracterização de suposta família socioafetiva, pois além de decorrer tal entidade de construção doutrinária e mesmo de alguns poucos entendimentos jurisprudenciais, o fato é que tal família não tem previsão legal, muito menos eventual modalidade de adoção, nos moldes pretendidos, conta com previsão no estatuto menorista. 

06) É importante destacar que, na referida ação, somente houve a produção de prova pericial de investigação de vínculo genético em relação ao recorrente R V DA R, não tendo havido, contudo, a produção de nenhuma prova que melhor elucidasse as circunstâncias em que se deu a entrega da criança e a tentativa de adoção à brasileira, a existência de vínculos entre a menor e os pretensos adotantes e a verdadeira aptidão do casal para o exercício da guarda do menor. 

07) De outro lado, é igualmente relevante destacar que a situação da menor B M R foi examinada nesta Corte no estrito âmbito do habeas corpus. Com efeito, por ocasião do julgamento do HC 409.623/SP, esta 3ª Turma, em acórdão unânime publicado no DJe de 02/03/2018, ressaltou, como razões de decidir: 

Anote-se que a sentença foi mantida pelo TJ/SP essencialmente pelos mesmos fundamentos, conforme se verifica no acórdão de fls. 146/152 (e-STJ), sendo que o recurso especial interposto pelos impetrantes (fls. 190/200, e-STJ) ainda não foi sequer distribuído perante esta Corte, não se podendo olvidar, ademais, que os fatos descritos no acórdão do TJ/SP são demasiadamente graves, sobretudo no que diz respeito a existência de provável fraude no registro de nascimento da menor e no aparente conluio engendrado pelos envolvidos acerca do destino da menor. De outro lado, verifica-se que ainda se encontra em tramitação a ação de destituição de poder familiar cumulada com adoção ajuizada pelos impetrantes em face da genitora biológica (fls. 223/233, e-STJ). A despeito de não se ter ciência detalhada acerca do andamento atualizado da referida demanda, especialmente no que diz respeito aos argumentos de defesa deduzidos pela genitora, fato é que a existência de litígio acerca da destituição do poder familiar, adoção, guarda e afastamento do convívio familiar, não é recomendável que se promova, por ora, absolutamente nenhuma alteração da guarda da menor. Isso porque não pode a menor, enquanto tramitam as ações judiciais que lhe envolvem e não há juízo definitivo e de certeza em relação ao seu destino, ser sucessivamente encaminhada do abrigo à residência de sua genitora biológica, da residência de sua genitora biológica à residência do casal de pretensos adotantes e, então, novamente retornar ao abrigo, o que, se porventura ocorresse, certamente causaria danos irreparáveis à sua formação humana, ética e social diante da impossibilidade de construção e de consolidação dos laços essenciais ao infante de tenra idade. É preciso, aliás, que se decidam conjuntamente as questões em debate – a destituição do poder familiar, a adoção, a guarda e o afastamento do convívio familiar – inclusive para evitar a prolação de decisões conflitantes acerca da mesma questão. Ademais, acerca do alegado vínculo socioafetivo entre os impetrantes e a menor, assim se pronunciou a sentença: Lado outro, não há de se excogitar de paternidade socioafetiva, porquanto seu reconhecimento pressupõe, necessariamente, a legalidade e a boa fé na origem da relação paternal-filial, a permitir com o transcorrer do tempo a formação dos vínculos afetivos e de afinidade, não sendo demais acrescer que não se constitui regra nem tampouco garantia ou certeza. No caso em questão, o pretendido reconhecimento dessa modalidade de paternidade encontra óbice no limiar da relação, dada a premissa de ilegalidade, ante a falsa assunção da paternidade, o conluio entre os réus para burlar o cadastro de adotantes e sua ordem cronológica e a impossibilidade jurídica de se concretizar a adoção proposta por M, como suso examinado. Inadmissível e imoral transmudar atos ilegais em lícitos, por via reflexa, como pretendido (fls. 89/90, e-STJ). Embora se possa examinar, oportunamente, se a solução dada até o momento acerca deste tema é adequada e efetivamente atende ao melhor interesse do menor, fato é que a retomada do convívio entre a menor e os impetrantes, nesse contexto e quando ainda pendente de admissibilidade, nesta Corte, o recurso especial por eles interposto, seria medida extremamente temerária e desprovida da indispensável cautela. Isso porque a convivência da menor com os impetrantes pelo período de Junho/2014 a Junho/2016, a despeito de, em tese, poder ser suficiente para a construção de vínculos aptos a configurar uma relação de cunho socioafetivo, foi efetivamente interrompida após a busca, apreensão e acolhimento institucional da menor – que, destaque-se, perdura por aproximadamente 20 (vinte) meses. Assim, havendo ampla litigiosidade sobre a vida, a família e o destino desta criança, não há mais nenhum espaço para súbitas mudanças. Apenas a segurança proporcionada por um juízo de certeza permitirá que o desenvolvimento do menor ocorra, assim que possível, de forma plena, completa e feliz, motivo pelo qual a manutenção do status quo ante é a medida que melhor atende aos interesses da menor. 

08) Essa inicial e longa contextualização da controvérsia é, todavia, necessária para solver a questão em debate, sobretudo porque, examinando-se a petição inicial da ação de guarda (que, aliás, foi ajuizada pelos recorrentes menos de 02 meses após o julgamento do referido habeas corpus), constata-se que as causas de pedir são, justamente, modificações de circunstâncias fáticas, quais sejam, a proximidade da menor com os 04 anos (idade que, segundo se alega, tornaria inviável ou muito difícil a adoção por terceiros) e o não rompimento dos vínculos de socioafetividade entre a menor B M R e os recorrentes, a despeito do longo período de albergamento ao tempo da propositura da ação – 02 anos, cuja constatação somente seria possível mediante a produção de prova pericial que foi expressamente requerida pelos recorrentes. 

09) Não obstante, foi proferida sentença de extinção da ação de guarda sem resolução de mérito e in initio litis, ao equivocado fundamento de que haveria litispendência entre a ação de guarda e a ação de afastamento de convívio familiar. 

10) Por oportuno, anote-se que alegada litispendência era, por óbvio, inexistente, quer seja porque, quando proferida a sentença na ação de guarda, já havia trânsito em julgado da ação de afastamento, quer seja ainda porque a ação de guarda possuía causas de pedir distintas e não pretendia, como se depreende da simples leitura da petição inicial, apenas rediscutir os fundamentos fáticos e jurídicos da sentença proferida na ação de afastamento. 

11) O acórdão recorrido, por sua vez, embora tenha acertadamente afastado a ocorrência de litispendência, manteve a sentença por fundamentação distinta, entendendo que, na hipótese, careceriam os recorrentes de interesse processual, na modalidade utilidade, para rediscutir as mesmas questões que já haviam sido objeto de decisão na ação de afastamento. Embora não se tenha usado exatamente esse termo, percebe-se, da ratio decidendi, que o acórdão recorrido, na realidade, opôs a coisa julgada que se formou na ação de afastamento aos recorrentes. 

12) Ocorre que, respeitada a convicção expendida no acórdão recorrido, não há que se falar em ausência de interesse processual, tampouco em pré-existência de coisa julgada oponível aos recorrentes na hipótese.

13) Com efeito, sublinhe-se, desde logo, que as ações de guarda e de afastamento do convívio familiar veiculam pretensões ambivalentes, na medida em que, na primeira, pretende-se exercer o direito de proteção da pessoa dos filhos (guarda sob a ótica do poder familiar) ou a proteção de quem, em situação de risco, demande cuidados especiais (guarda sob a ótica assistencial), ao passo que, na segunda, pretende o legitimado a cessação ou modificação da guarda em razão de estar a pessoa que deve ser preservada em uma situação de risco. 

14) Nesse contexto, sendo certo que o nomen iuris dado às ações que envolvam a guarda é irrelevante, não se pode olvidar que a guarda, por suas características peculiares, é indiscutivelmente modificável a qualquer tempo, bastando que exista a alteração das circunstâncias fáticas que justificaram a sua concessão, ou não, no passado. 

15) De fato, conquanto se verifique, em um determinado momento histórico, que certas pessoas possuíam a aptidão para o regular e adequado exercício da guarda de um menor, é absolutamente factível que, em outro e futuro momento histórico, não mais subsistam as razões que sustentaram a conclusão de outrora. A alternância e a volatividade, embora indesejáveis no âmbito da guarda que se pauta na constância e na segurança, são ínsitas à natureza humana e social, podendo ser causadas, inclusive, por circunstâncias fáticas alheias à vontade de quem a exercia. 

16) É por esse motivo que, em comezinha lição, a coisa julgada material, em determinadas hipóteses (como na ação de guarda, nos termos do art. 35 do ECA) sequer se forma ou, ao menos, fica sujeita à moldura fática que lhe serviu de base e à estritas limitações de natureza temporal. Acerca dessas posições, sublinhem-se as lições de Flávio Tartuce e Rennan Thamay, respectivamente: 

Por fim, sem qualquer alteração, determina o art. 35 da Lei 8.069/1990 que a guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamento, ouvido o Ministério Público, sempre tendo como parâmetro o princípio de proteção integral ou de melhor interesse da criança. Justamente por isso é que a jurisprudência tem apontado que a decisão quanto à guarda não faz coisa julgada material. (TARTUCE, Flávio. Direito Civil Vol. 5: direito de família. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 754). 

(...) 

Dessarte, Sérgio Gilberto Porto compreende que a ideia parte da premissa de que a relação jurídica é somente normada nos limites da situação substancial posta à apreciação, vez que pode, com o transcurso do tempo, sofrer alterações fáticas. Portanto, por essa razão, para o autor, é possível afirmar que a autoridade da coisa julgada tem sua capacidade eficacial, também, limitada pelo tempo da decisão e tempo dos fatos, que foram considerados ou que deveriam ter sido considerados pela decisão, portanto, pré-existentes a esta. Assim, os limites temporais estão ligados ao tempo pelo qual a coisa julgada imperará com sua imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo da decisão de mérito. A coisa julgada que se forma em relação às partes, por exemplo, está vinculada ao conteúdo meritório da decisão de mérito que será imutável em relação ao tempo em que a lide fora decidida, espraiando seus efeitos somente para o tempo determinado na decisão, não chegando a questão e a fatos futuros. (THAMAY, Rennan. Coisa julgada. São Paulo: Thomson Reuters, 2018, p. 112). 

17) Estabelecidas essas premissas, verifica-se que a sentença de mérito da ação de afastamento de convívio familiar foi proferida em 2016 (quando a menor possuía menos de 2 anos, logo após o seu albergamento provisório) e reputou desnecessário, naquele momento e contexto fático, a dilação probatória relacionada às circunstâncias em que se deu a entrega da criança e a tentativa de adoção à brasileira, a existência de vínculos entre a menor e os pretensos adotantes e a verdadeira aptidão do casal para o exercício da guarda do menor. 

18) Entretanto, tendo sido a ação de guarda ajuizada após lapso temporal considerável, no ano de 2018, assentada em causas de pedir distintas e em possíveis modificações fáticas que em princípio parecem críveis, é absolutamente inadequado, diante desse novo possível cenário, opor a coisa julgada que se formou na ação de afastamento do convívio familiar aos recorrentes, que, pois, tem o direito de ver as novas questões por eles suscitadas examinadas em seu mérito na ação de guarda. 

19) De outro lado, quanto aos fundamentos adotados pela sentença que julgou procedente o pedido de afastamento do convívio familiar, no sentido de que seria juridicamente impossível o reconhecimento da filiação socioafetiva que tenha em sua origem uma adoção à brasileira, anote-se não haver impedimento para que a questão seja examinada na presente ação de guarda. 

20) Com efeito, por mais relevantes que sejam, os motivos que conduziram à procedência do pedido de afastamento do convívio familiar não fazem coisa julgada, a teor da regra expressa contida no art. 504, I, do CPC/15. 

21) Assim, a concepção prévia das instâncias ordinárias, no sentido de que a burla ao cadastro de adoção ou à ordem cronológica tornaria, por si só, absolutamente inviável a adoção pelos recorrentes, porque se trataria, para usar as exatas palavras dos julgadores, de um ato abominável, nocivo, ardil, torpe, despudorado e imoral, tomado por pessoas inidôneas, sem credibilidade, de má-fé, movidas por interesses escusos e incapazes de dar segurança jurídica à criança, deve ser objeto de profunda revisitação, quer seja na presente ação de guarda, quer seja nas ações de destituição de poder familiar em trâmite. 

22) A esse respeito, sublinhe-se, em primeiro lugar, a precisa lição de Rolf Madaleno: 

A adoção à brasileira não é instituto regulado pelo Direito brasileiro, sendo fruto da prática axiológica, com respaldo doutrinário e jurisprudencial, decorrente de paternidade ou maternidade socioafetiva, criada pelas pessoas que se declaram perante o Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais como genitor ou genitora de filho biológico de outrem. São, em verdade, registros de falsidade ideológica, de acordo com o artigo 299 do Código Penal, cuja prática tipificada, em tese, como crime no ordenamento jurídico brasileiro, mais precisamente como crime contra o estado de filiação, consoante artigo 242 do Código Penal, mas cujo mote de dar afeto e ascendência à prole rejeitada constrói a paternidade ou maternidade socioafetiva e retira por sua intenção altruísta a conotação pejorativa e ilícita, porque trata dos pais do coração. (...) São as perfilhações de complacência, adotadas com frequência e suportadas por uma espécie de tradição popular de respeito ao afeto como valor jurídico na construção de um vínculo social de filiação. Não há, realmente, como distinguir um ato de adoção jurídica da denominada adoção à brasileira, consistente no registro direto da pessoa, como se fosse filho biológico, posto que uma e outra refletem um desejo de aproximação afetiva entre duas pessoas, e neste posicionamento o filho adotivo (de fato ou de direito) em nada diverge da filiação natural. (MADALENO, Rolf. Direito de família. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 689). 

23) Esta Corte, atenta a essa ineludível realidade, já consignou que “não se descura que a higidez do processo de adoção é um dos objetivos primordiais a ser perseguido pelo Estado, no que toca à sua responsabilidade com o bem-estar de menores desamparados, tampouco que, na busca desse desiderato, a adoção deve respeitar rígido procedimento de controle e fiscalização estatal...” (HC 274.845/SP, 3ª Turma, DJe 29/11/2013). Na mesma assentada, igualmente se assentou: 

Contudo, o fim legítimo não justifica o meio ilegítimo para sancionar aqueles que burlam as regras relativas à adoção, principalmente quando a decisão judicial implica evidente prejuízo psicológico para o objeto primário da proteção estatal para a hipótese: a própria criança. 

24) Não se está aqui, é preciso registrar textualmente, sendo condescendente com a transgressão ao cadastro de adotantes e à ordem cronológica. Não se está aqui, sublinhe-se, romantizando uma ilegalidade. Ao revés, somente se está reafirmando que, nas ações que envolvem a filiação e a situação de menores, é imprescindível que haja o profundo, pormenorizado e casuístico exame dos fatos da causa, pois quando se julgam as pessoas, e não os fatos, normalmente há um prejudicial distanciamento daquele que deve ser o maior foco de todas as atenções: a criança. 

25) Nesse contexto, a aplicação das medidas protetivas e de acolhimento devem, sempre, ser examinadas à luz do princípio da proteção integral e prioritária da criança (art. 100, parágrafo único, II, do ECA), sendo igualmente imprescindível a oitiva e a efetiva participação de todos os envolvidos (art. 100, parágrafo único, XII, do ECA) e a realização dos estudos psicossociais e interdisciplinares pertinentes para que se possa, ao final, serenamente encontrar a solução que atenda ao melhor interesse do menor. 

26) Na específica hipótese em exame, é relevante novamente destacar que, por ocasião do julgamento do habeas corpus impetrado pelos recorrentes, reconheceu-se que, naquele momento, não havia a segurança necessária para se conferir a guarda aos pretensos adotantes diante da gravidade dos atos que deveriam ser apurados em todas as suas circunstâncias e da simultaneidade de ações que envolviam a menor B M R (uma ação de afastamento de convívio familiar, uma ação de guarda e duas ações de destituição de poder familiar, bem como inquérito policial para investigação de ato tipificado como crime). 

27) Com isso se pretendeu, tão somente, impedir a ocorrência de sucessivas modificações de guarda aptas a causar graves traumas e prejuízos à formação social e humana da menor, relegando-se ao tempo oportuno – a sentença conjunta de todos os processos, após cognição e instrução exauriente – a deliberação definitiva acerca do destino de B M R. 

28) Entretanto, não tendo havido a adequada instrução das causas que envolvem a menor, porque não produzida nenhuma prova que melhor elucidasse as circunstâncias em que se deu a entrega da criança e a tentativa de adoção à brasileira, a existência de vínculos entre a menor e os pretensos adotantes e a verdadeira aptidão do casal para o exercício da guarda do menor, é preciso que haja uma imediata correção de rumo, especialmente porque se trata de criança que atualmente conta com mais de 06 anos e que se encontra acolhida há mais de 04 anos sem nenhuma perspectiva concreta de sair do albergamento. 

CONCLUSÃO. 

29) Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, a fim de anular o acórdão recorrido e a sentença, determinando-se que lhe seja dado regular prosseguimento à ação de guarda, bem como para determinar que sejam reunidas e sentenciadas todas as ações relacionadas à menor B M R que ainda se encontrem pendentes de julgamento no juízo de origem, a quem caberá, em até 90 dias, realizar todos os estudos psicossociais e interdisciplinares pertinentes com a menor, a família biológica e os pretensos adotantes, os quais, obrigatoriamente, deverão ser levados em consideração por ocasião do julgamento conjunto das ações que envolvem a referida menor, deixando de majorar os honorários por se tratar de anulação da sentença e do acórdão.