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5 de abril de 2022

A condição resolutiva de doação verbal estabelecida entre pai e filho e desconhecida por terceiros não produz efeitos jurídicos contra estes

Processo

REsp 1.905.612-MA, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 29/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Doação entre pai e filho. Cláusula resolutiva. Contrato verbal. Força obrigatória. Partes anuentes.

 

DESTAQUE

A condição resolutiva de doação verbal estabelecida entre pai e filho e desconhecida por terceiros não produz efeitos jurídicos contra estes.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Na hipótese, a doação foi formalizada por meio de um documento impróprio, em que o doador retirou-se de uma sociedade limitada e declarou "nada ter a receber dela ou dos seus sócios, pelo que dá a todos eles plena, geral e irrevogável quitação", não tendo constado desse documento a cláusula resolutiva invocada.

Optou o doador por deixar a empresa e, no mesmo instrumento, formalizar o ato de doação de sua participação societária para o seu filho, que passou a integrar a aludida sociedade limitada na proporção do capital social doado.

Como é sabido, a doação é um negócio jurídico benéfico, e como tal, de acordo com o disposto no art. 114 do Código Civil, deve ser objeto de interpretação restritiva.

Postos tais parâmetros, extrai-se, em primeiro lugar, que a doação formalizada em um instrumento de alteração de contrato social não corresponde à prática costumeira, haja vista a lei exigir a escrituração pública ou um documento particular, em regra, típico, com finalidade específica.

Da mesma forma, não é usual a cisão de um contrato em duas partes: uma escrita e outra verbal. Mais do que isso: não é possível que um contrato seja formalizado, ao mesmo tempo, de forma escrita e, de outra, de forma oral; menos ainda, por tratar-se de um encontro de vontades, se os pólos, nas duas frações do ajuste, não forem rigorosamente as mesmas.

Assim, claramente o que se observa é a existência de um ajuste formal, escrito, que reconhece a doação e oficializa a alteração societária; e outro, feito de forma verbal, que vincula apenas o filho donatário, que, com ele, segundo testemunhas, teria aquiescido de forma individual e apartada.

Fixada, portanto, a moldura fática, resta definir o tratamento jurídico a ser aplicado aos fatos comprovados no processo, isto é, o estabelecimento das consequências jurídicas que devem ser aplicadas ao caso concreto.

Inicialmente, deve ser considerado que, se a vontade real do doador era distinta daquela manifestada no instrumento de modificação societária, que também instrumentalizou a doação, é evidente a sua reserva mental. E ainda mais relevante: se as testemunhas comprovam, como, de fato, comprovaram, que o filho donatário sabia que a verdadeira intenção do pai era a de reaver a sua participação societária em momento futuro, pode-se concluir pela existência de claro indício de negócio simulado (art. 167, §1º, II, do Código Civil), pois os demais sócios não foram informados do verdadeiro propósito da transação entabulada, na surdina, apenas entre doador e donatário (pai e filho).

De acordo com o inciso V do art. 1.071 do Código Civil, a modificação do contrato social depende da deliberação dos sócios, que, nos termos do art. 1.076, I, deve ser tomada pelos votos correspondentes a, no mínimo, três quartos do capital social.

Logo, não tendo o doador retirante da sociedade manifestado de forma aberta e formal a sua verdadeira intenção no momento em que formalizou o negócio, não é possível afirmar se ele teria obtido a concordância dos demais sócios em relação àquela alteração societária, caso fosse revelado o real propósito do doador de reaver a sua condição de sócio após o implemento da condição por ele instituída, de forma verbal, unilateral e reservada, e aceita apenas pelo filho beneficiário, que o substituiu na sociedade.

Nesse passo, oportuno ponderar que, embora não se admita - exceto para bens móveis de pequena monta -, que as cláusulas de um contrato de doação possam ser constituídas verbalmente, é possível, na esteira do art. 446, I, do CPC/2015, a utilização da prova testemunhal para comprovar a divergência entre a vontade real e a vontade declarada nos contratos simulados.

Portanto, não pairam dúvidas acerca da existência da combinação entre pai e filho (doador e donatário), mas não é possível o reconhecimento de que o arranjo estabelecido entre os dois tenha o condão de atingir terceiros, que dele não participaram.

Evidentemente, em que pese a existência de comprovação dos ajustes entabulados entre as diferentes partes, não é possível submeter aos demais sócios uma condição inserida num acordo verbal do qual eles não fizeram parte. Como se sabe, o contrato faz lei entre as partes, mas não produz efeitos na esfera juridicamente protegida de terceiros que não tomaram parte na relação jurídica de direito material.



14 de maio de 2021

DOAÇÃO - É válida e eficaz a cláusula de reversão em favor de terceiro, aposta em contrato de doação celebrado à luz do CC/1916, ainda que a condição resolutiva se verifique apenas sob a vigência do CC/2002

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-693-stj.pdf


DOAÇÃO - É válida e eficaz a cláusula de reversão em favor de terceiro, aposta em contrato de doação celebrado à luz do CC/1916, ainda que a condição resolutiva se verifique apenas sob a vigência do CC/2002 

É válida a cláusula de reversão em favor de terceiro aposta em contrato de doação celebrado à luz do CC/1916. É válida e eficaz a cláusula de reversão estipulada em benefício de apenas alguns dos herdeiros do donatário, mesmo na hipótese em que a morte deste se verificar apenas sob a vigência do CC/2002. STJ. 3ª Turma. REsp 1.922.153/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/04/2021 (Info 693). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Em 1987, João, rico empresário, por meio de escritura pública, doou um imóvel para Cláudio. Na escritura constou, contudo, uma cláusula dizendo que, depois da morte de Cláudio, o imóvel doado reverteria em favor de Pedro (um dos filhos de João). 

Qual é o nome desta cláusula? Cláusula de reversão em favor de terceiro. 

É válida a cláusula de reversão EM FAVOR DE TERCEIRO, presente em contrato de doação? 

No CC/2002: NÃO 

O parágrafo único do art. 547 do CC/2002 proíbe expressamente: Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário. Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro. 

Somente admite a cláusula de reversão para o próprio doador, também denominada de cláusula de retorno ou de devolução. 


No CC/1916: SIM 

O tema era tratado no art. 1.174 e não havia proibição expressa sobre o tema: Art. 1.174. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário. Diante da lacuna legislativa, deve-se considerar que era possível a cláusula de reversão em favor de terceiro em prestígio à liberdade contratual e à autonomia privada. 

Admitia tanto a cláusula de reversão em favor do doador como também em favor de terceiro. 

Conforme explicada Ponte de Miranda: “Não se tire do art. 1.174 do Código Civil que só se permite a reversão ao doador. Pode ser estipulada a resolutividade a favor de terceiro, à semelhança dos fideicomissos. Por analogia, temse de interpretar que só se admite a transmissão a segundo outorgado (cf. Código Civil, art. 1.739). A outorga em segundo grau pode ser a um ou mais donatários. O que se veda é o terceiro grau.” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: direito das obrigações, seguros. t. 46. Atual. por Bruno Miragem. São Paulo: RT, 2012, p. 316-317) 

Voltando ao nosso exemplo hipotético: 

Cláudio faleceu em 2008, ou seja, quando já estava em vigor o Código Civil de 2002, que proibiu expressamente a cláusula de reversão em favor de terceiro. Veja, então, que estamos diante de um aparente conflito intertemporal: quando a doação foi celebrada, era permitida a cláusula de reversão em favor de terceiro; no entanto, no momento do óbito, esta cláusula já era não mais aceita pelo ordenamento jurídico em vigor. 

Diante disso, indaga-se: essa cláusula será válida e eficaz? Ela deverá ser aplicada no caso concreto? SIM. 

É válida e eficaz a cláusula de reversão em favor de terceiro, aposta em contrato de doação celebrado à luz do CC/1916, ainda que a condição resolutiva se verifique apenas sob a vigência do CC/2002. STJ. 3ª Turma. REsp 1.922.153/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/04/2021 (Info 693). 

Em se tratando de matéria relativa à direito intertemporal, incide o disposto no caput do art. 2.035 do CC/2002, segundo o qual a validade dos atos jurídicos subordina-se aos ditames da lei anterior, mas os seus efeitos, desde que produzidos após a vigência do novo Código, em regra, a ele estarão subordinados: 

Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. 

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos. 

Necessidade de proteger o direito adquirido 

Não é possível que o CC/2002 retroaja para atingir a validade de atos jurídicos já celebrados na vigência do Código anterior. Se isso fosse admitido, afrontaria a regra esculpida no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal, que impõe o respeito ao ato jurídico perfeito, o que, aliás, conduziu parcela da doutrina a apontar a inconstitucionalidade da segunda parte do dispositivo em comento. O art. 2.035 deve ser interpretado, sistematicamente, com o previsto no caput do art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que estabelece a proteção ao direito adquirido: “a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. O deslinde da presente crise de direito material, portanto, perpassa pela verificação da existência ou não, na espécie, de direito adquirido - o que afastaria a incidência do novel Diploma - ou de efeitos produzidos somente após a entrada em vigor do novo Código, o que atrairia a incidência de suas normas, a teor do art. 2.035. Com efeito, com o implemento da condição, ao mesmo tempo em que se resolve a propriedade, ocorre a atribuição desse direito subjetivo patrimonial aos terceiros em prol dos quais a cláusula foi pactuada. Não se trata, portanto, de sucessividade, mas sim de simultaneidade. A partir da interpretação do art. 126 do CC/2002 (correspondente ao art. 122 do CC/1916) e do § 2º do art. 6º da LINDB, parte da doutrina, influenciada pelo direito francês, sustenta a existência de efeito retroativo nas condições, motivo pelo qual poderia se falar em verdadeiros direitos adquiridos nas hipóteses de atos jurídicos sujeitos à condição suspensiva. Partindo dessas premissas, seria possível concluir que, em se tratando de direito adquirido, não poderia o novo Código Civil retroagir, prejudicando o direito dos beneficiários da cláusula de reversão, a teor do disposto no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal e do caput do art. 6º da LINDB, notadamente porque, ao tempo da celebração da doação, não havia qualquer vedação à referida cláusula. 

Necessidade de proteger o direito expectativo 

Existe parcela da doutrina que rechaça a existência de direito adquirido na hipótese de atos jurídicos sujeitos à condição suspensiva. De fato, dispõe o art. 125 do CC/2002 (correspondente ao art. 118 do CC/1916), que “subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa”. Desse modo, tratando-se de condição suspensiva, os efeitos do negócio jurídico – ou de determinada cláusula negocial - só se verificariam após o implemento da condição. No período de pendência, ou seja, no lapso temporal entre a celebração do negócio e a realização da condição, muito embora não exista já direito adquirido, há a atribuição ao sujeito beneficiado, de um direito expectativo, que representa a eficácia mínima dos atos jurídicos condicionados. Trata-se, a rigor, de posição jurídica que se traduz no direito à aquisição de um outro direito - o chamado direito expectado - e que não se confunde com a mera expectativa de direito, que é minus e conceito préjurídico. Assim, ainda que não se reconheça, antes do implemento da condição, hipótese de verdadeiro direito adquirido, não há como se afastar a caracterização, ao menos, de direito expectativo digno de tutela jurídica. No caso, portanto, não incidem as disposições do CC/2002, isto é, o fato de o implemento da condição suspensiva haver ocorrido após o advento do novo Código, em nada afeta a eficácia da cláusula de reversão, que permanece hígida e garantida pela ultratividade da lei pretérita. Por fim, importa destacar que, fosse a referida cláusula nula toda a doação seria maculada de nulidade, porquanto tratar-se-ia de condição juridicamente impossível, nos termos do inciso I do art. 123 do CC/2002 (correspondente ao art. 166 do CC/1916). Assim, seja por se tratar de verdadeiro direito adquirido, seja por estar cristalizado o direito expectativo em favor dos herdeiros beneficiados, é imperioso concluir, a partir de uma interpretação sistemática dos arts. 125, 126 e 2.035 do CC/2002 e art. 6º, caput e § 2º da LINDB, que não incide, na espécie, as normas previstas no CC/2002, o que, como corolário lógico, conduz ao reconhecimento da validade e da eficácia da cláusula de reversão em apreço.

27 de abril de 2021

É válida e eficaz a cláusula de reversão em favor de terceiro, aposta em contrato de doação celebrado à luz do CC/1916, ainda que a condição resolutiva se verifique apenas sob a vigência do CC/2002.

 REsp 1.922.153/RS, Rel. min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/04/2021.

Doação. Direito intertemporal. Cláusula de reversão em favor de terceiro. Validade à luz do código civil de 1916. Doação com cláusula de reversão em favor de herdeiros do donatário. Implemento da condição após a entrada em vigor do código civil de 2002. Possibilidade.


Cinge-se a controvérias a dizer se é válida e eficaz a doação com cláusula de reversão, celebrada sob a vigência do CC/1916, em benefício de apenas alguns dos herdeiros do donatário, na hipótese em que a morte deste se verificar apenas sob a vigência do CC/2002.

Na hipótese, levando-se em consideração que o contrato de doação foi celebrado em 1987, a validade da cláusula de reversão em apreço deve ser aferida à luz das disposições do CC/1916, não havendo que se cogitar da aplicação do novo Código Civil para esse mister.

Feita essa consideração, cumpre verificar, portanto, se, no sistema anterior ao advento do CC/2002, era possível inserir a referida cláusula em contrato de doação.

No que diz respeito ao seu conteúdo, tanto o art. 1.174 do CC/1916, quanto o caput do art. 547 do CC/2002, admitem a denominada cláusula de reversão, também denominada de cláusula de retorno ou de devolução: CC/1916, Art. 1.174. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário; CC/2002, Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário. Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro.

Observa-se dos dispositivos legais acima mencionados que, ao contrário do CC/2002, o diploma anterior, a despeito de autorizar a cláusula de reversão em favor do doador, nada dizia acerca da reversão em favor de terceiro.

Muito embora existam respeitáveis opiniões em contrário, ante a lacuna legislativa, deve-se admitir a cláusula de reversão em favor de terceiro na hipótese de doações celebradas na vigência do CC/1916 em prestígio à liberdade contratual e à autonomia privada.

Assim, não obstante a validade da cláusula em apreço, cumpre verificar se a cláusula de reversão estipulada em benefício de apenas alguns dos herdeiros do donatário é eficaz na hipótese em que a morte deste - fato que representa o implemento da condição - se verificar apenas sob a vigência do CC/2002.

De início, importa consignar que, em se tratando de matéria relativa à direito intertemporal, incide o disposto no caput do art. 2.035 do CC/2002, segundo o qual que a validade dos atos jurídicos subordina-se aos ditames da lei anterior, mas os seus efeitos, desde que produzidos após a vigência do novo Código, em regra, a ele estarão subordinados.

Observa-se que a impossibilidade de retroação dos efeitos da lei nova para atingir a validade de atos jurídicos já celebrados coaduna-se com a regra esculpida no inciso XXXVI, do art. 5º da Constituição Federal, que impõe o respeito ao ato jurídico perfeito, o que, aliás, conduziu parcela da doutrina a apontar a inconstitucionalidade da segunda parte do dispositivo em comento.

O mencionado dispositivo legal deve ser interpretado, sistematicamente, com o previsto no caput do art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que estabelece a proteção ao direito adquirido: "a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada".

O deslinde da presente crise de direito material, portanto, perpassa pela verificação da existência ou não, na espécie, de direito adquirido - o que afastaria a incidência do novel Diploma - ou de efeitos produzidos somente após a entrada em vigor do novo Código, o que atrairia a incidência de suas normas, a teor do art. 2.035.

Com efeito, com o implemento da condição, ao mesmo tempo em que se resolve a propriedade, ocorre a atribuição desse direito subjetivo patrimonial aos terceiros em prol dos quais a cláusula foi pactuada. Não se trata, pois, de sucessividade, mas sim de simultaneidade.

A partir da interpretação do art. 126 do CC/2002 (correspondente ao art. 122 do CC/1916) e do § 2º do art. 6º da LINDB, parte da doutrina, influenciada pelo direito francês, sustenta a existência de efeito retroativo nas condições, motivo pelo qual poderia se falar em verdadeiros direitos adquiridos nas hipóteses de atos jurídicos sujeitos à condição suspensiva.

Partindo dessas premissas, seria possível concluir que, em se tratando de direito adquirido, não poderia o novo Código Civil retroagir, prejudicando o direito dos beneficiários da cláusula de reversão, a teor do disposto no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal e do caput do art. 6º da LINDB, notadamente porque, ao tempo da celebração da doação, não havia qualquer vedação à referida cláusula.

Não se olvida, é verdade, que parcela da doutrina rechaça a existência de direito adquirido na hipótese de atos jurídicos sujeitos à condição suspensiva: "a condição suspensiva, até que se cumpra, impede o direito adquirível, só dá ao credor a esperança".

16. De fato, dispõe o art. 125 do CC/2002 (correspondente ao art. 118 do CC/1916), que "subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa". Desse modo, tratando-se de condição suspensiva, os efeitos do negócio jurídico - ou de determinada cláusula negocial - só se verificariam após o implemento da condição.

Diante dessas considerações, importa consignar que, no período de pendência, isto é, no lapso temporal entre a celebração do negócio e a realização da condição, muita embora não exista já direito adquirido, há a atribuição ao sujeito beneficiado, de um direito expectativo, que representa a eficácia mínima dos atos jurídicos condicionados.

Trata-se, a rigor, de posição jurídica que se traduz no direito à aquisição de um outro direito - o chamado direito expectado - e que não se confunde com a mera expectativa de direito, que é minus e conceito pré-jurídico.

Assim, ainda que não se reconheça, antes do implemento da condição, hipótese de verdadeiro direito adquirido, não há como se afastar a caracterização, ao menos, de direito expectativo digno de tutela jurídica.

No caso, portanto, não incidem as disposições do CC/2002, isto é, o fato de o implemento da condição suspensiva haver ocorrido após o advento do novo Código, em nada afeta a eficácia da cláusula de reversão, que permanece hígida e garantida pela ultratividade da lei pretérita.

Por fim, importa destacar que, fosse a referida cláusula nula toda a doação seria maculada de nulidade, porquanto tratar-se-ia de condição juridicamente impossível, nos termos do inciso I do art. 123 do CC/2002 (correspondente ao art. 166 do CC/1916).

Assim, seja por se tratar de verdadeiro direito adquirido, seja por estar cristalizado direito expectativo em favor dos herdeiros beneficiados, é imperioso concluir, a partir de uma interpretação sistemática dos arts. 125, 126 e 2.035 do CC/2002 e art. 6º, caput e § 2º da LINDB, que não incide, na espécie, as normas previstas no CC/2002, o que, como corolário lógico, conduz ao reconhecimento da validade e da eficácia da cláusula de reversão em apreço.

5 de abril de 2021

Se não exceder herança, valor doado antes da morte não é partilhável

 Para ser decretada a nulidade é imprescindível que resulte provado que o valor dos bens doados exceda o que o doador podia dispor por testamento, no momento da liberalidade, bem como qual o excesso. Em caso contrário, prevalece a doação.

A matéria foi objeto de Agravo em Recurso Especial.

Eis a decisão agravada:

“Ação de inventário Decisão agravada reconhecendo que a doação feita em espécie pelo “de cujus” a uma das herdeiras deve ser imputada na parte disponível, dispensada a colação Insurgência das requerentes Não acolhimento Montante doado, com o devido pagamento do ITCMD, a uma das herdeiras que não ultrapassou a legítima Dicção do disposto no artigo 2.005 do Código Civil Decisão mantida Recurso não provido.” (fl. 187)

Afirmou o min. Relator:

“Nesse contexto, a modificação do entendimento lançado no v. acórdão recorrido no que tange a formalização da doação por parte do genitor da agravada por meio de recolhimento do ITCMD, sendo que o montante doado não atingiu o valor da legítima (ou seja, realizado nos limites da parte disponível), demandaria revolvimento do suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do que dispõe a súmula 7 deste Pretório.

A propósito:

 “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. DOAÇÃO INOFICIOSA. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

  1. Não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação do art. 1.022 do CPC/2015. Isso porque, embora rejeitados os embargos de declaração, todas as matérias foram devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente. 2. O Tribunal de origem, amparado no acervo fático – probatório dos autos, concluiu que: “Diferentemente do sustentado pelas embargantes, não há que se falar em preclusão, visto que as matérias objeto da apelação que deu ensejo ao acórdão embargado, também foram matéria da apelação anteriormente interposta que ensejou a nulidade da sentença proferida anteriormente (fl. 298/303) e que sequer foram objeto de análise ante a cassação de oficio, da sentença (fl. 350/352).”. Assim, alterar o entendimento do acórdão recorrido sobre a não ocorrência da preclusão, demandaria, reexame de fatos e provas, o que é vedado em razão do óbice da Súmula 7 do STJ.
  2. O STJ possui firme o entendimento no sentido de que não é possível o conhecimento de recurso especial em que os recorrrentes afirmam que a doação feita pelo de cujus é inválida, e a Corte de origem alega que doações feitas pelo falecido às recorridas não teriam sido inoficiosas, não violando o princípio da intangibilidade da legítima dos herdeiros necessários, pois para alterar a decisão do tribunal a quo é necessário o reexame de matéria fático – probatória dos autos, o que é vedado em razão do óbice da Súmula 7 do STJ.
  3. O v. acórdão recorrido está assentado em mais de um fundamento suficiente para mantê-lo e o recorrente não cuidou de impugnar todos eles, como seria de rigor. A subsistência de fundamento inatacado apto a manter a conclusão do aresto impugnado impõe o não-conhecimento da pretensão recursal, a teor do entendimento disposto na Súmula nº 283/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.”.
  4. Agravo não provido.” (AgInt no AREsp 1359787/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 08/04/2019, g.n.)

“DIREITO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA NO ART. 485, V, DO CPC. SUCESSÃO. DOAÇÕES SUPOSTAMENTE INOFICIOSAS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA LITERAL AO ART. 1.176 DO CCB/2002. Preliminar de incidência da Súmula 343/STF afastada, por maioria. Não incorre em ofensa literal ao art. 1.176 do Código Civil/2002 o acórdão que, para fins de anulação de doação por suposta ofensa à legítima dos herdeiros necessários, considera preciso observar se no momento da liberalidade o doador excedeu a parte de que poderia dispor em testamento. “Para ser decretada a nulidade é imprescindível que resulte provado que o valor dos bens doados exceda o que o doador podia dispor por testamento, no momento da liberalidade, bem como qual o excesso. Em caso contrário, prevalece a doação” (SANTOS, J. M. Carvalho, in Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. XVI, 12 ed., Editora Livraria Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1986, p. 402). “O sistema da lei brasileira, embora possa resultar menos favorável para os herdeiros necessários, consulta melhor aos interesses da sociedade, pois não deixa inseguras as relações jurídicas, dependentes de um acontecimento futuro e incerto, tal o eventual empobrecimento do doador” (RODRIGUES, Silvio. in Direito Civil – Direito das Sucessões, vol. 7, 19 ed., Editora Saraiva, São Paulo, 1995, p. 189). Ação rescisória improcedente.” (AR 3.493/PE, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/12/2012, DJe 06/06/2013, g.n.)”

Com esses argumentos negou provimento ao Agravo para manter a doação que não ultrapassou o limite da herança.

STJ