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11 de fevereiro de 2022

Para se iniciar a execução provisória da multa cominatória não é mais necessário aguardar a prolação da sentença, no entanto, o levantamento só é possível com o trânsito em julgado

 PROCESSO CIVIL – MULTA ou ASTREINTES

STJ. 3ª Turma. REsp 1.958.679-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/11/2021 (Info 719)

Para se iniciar a execução provisória da multa cominatória não é mais necessário aguardar a prolação da sentença, no entanto, o levantamento só é possível com o trânsito em julgado

execução provisória da multa cominatória fixada em tutela provisória de urgência

CPC/1973

CPC/2015

multa cominatória fixada em antecipação de tutela somente podia ser objeto de execução provisória

após a sua confirmação pela sentença de mérito e;

Art. 537, § 3º: “A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte”

desde que o recurso eventualmente interposto não fosse recebido com efeito suspensivo

REsp 1.200.856-RS (Corte Especial), Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 1º/7/2014 (Tema 743).

não se aplica a tese firmada no julgamento do REsp 1.200.856/RS, considerando que o novo CPC inovou na matéria, permitindo a execução provisória da multa cominatória mesmo antes da prolação de sentença de mérito

Para se iniciar a execução provisória, era necessário aguardar a prolação da sentença de mérito confirmando a procedência da multa.

Para se iniciar a execução provisória não é mais necessário aguardar a prolação da sentença. No entanto, o levantamento do valor só é possível com o trânsito em julgado.

Astreintes

escopo garantir a efetivação da tutela específica da obrigação ou o resultado prático equivalente

almeja-se induzir as partes a cumprir determinações judiciais que lhes foram impostas

natureza patrimonial e função inibitória ou coercitiva

princípio da efetividade dos provimentos jurisdicionais no contexto do moderno processo civil resultados

CPC/15 ao permitir a execução provisória da decisão que fixa a multa mesmo antes da sentença de mérito, acentua o seu caráter coercitivo e inibitório, tornando ainda mais oneroso ou arriscado o descumprimento de determinações judiciais

Ao condicionar o levantamento (“saque”) ao trânsito em julgado da sentença favorável à parte, o CPC/2015 prestigiou a segurança jurídica

“Apesar de consagrar a eficácia imediata da multa, o § 3º do art. 537 do Novo CPC consagra um cumprimento de sentença incompleto, já que exige para o levantamento dos depósitos realizados em juízo o trânsito em julgado da sentença favorável à parte. (...) O legislador aparentemente encontrou uma solução que prestigia a efetividade e a segurança jurídica. A executabilidade imediata reforça o caráter de pressão psicológica da multa porque o devedor sabe que, descumprida a decisão em tempo breve, poderá sofrer desfalque patrimonial. Por outro lado, ao exigir para o levantamento de valores em favor do exequente o trânsito em julgado o legislador prestigia a segurança jurídica.” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil: volume único. 10. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 1201).

Não é necessária caução para o levantamento do valor, pois o legislador já tomou a cautela necessária ao exigir que o levantamento do valor somente ocorra após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.

6 de janeiro de 2022

À luz do novo Código de Processo Civil, não se aplica a tese firmada no julgamento do REsp 1.200.856/RS, porquanto o novo Diploma inovou na matéria, permitindo a execução provisória da multa cominatória mesmo antes da prolação de sentença de mérito

Processo

REsp 1.958.679-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021, DJe 25/11/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Astreintes. Execução provisória antes da sentença de mérito. Possibilidade. Art. 537, § 3º, do CPC/2015.

 

DESTAQUE

À luz do novo Código de Processo Civil, não se aplica a tese firmada no julgamento do REsp 1.200.856/RS, porquanto o novo Diploma inovou na matéria, permitindo a execução provisória da multa cominatória mesmo antes da prolação de sentença de mérito.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

As astreintes têm por escopo garantir a efetivação da tutela específica da obrigação ou o resultado prático equivalente. Por meio de sua imposição almeja-se induzir as partes a cumprir determinações judiciais que lhes foram impostas (em tutela provisória ou não), em prestígio ao princípio da efetividade dos provimentos jurisdicionais no contexto do moderno processo civil de resultados, motivo pelo qual possuem natureza patrimonial e função inibitória ou coercitiva.

Nesse contexto, importa consignar que, no julgamento do REsp 1.200.856/RS, de relatoria do Ministro Sidnei Beneti, submetido ao rito dos recursos repetitivos, a Corte Especial fixou o entendimento de que a multa diária, "devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo."

Examinando a ratio decidendi do referido precedente, observa-se que a tese se encontra alicerçada, sobretudo, em dois fundamentos principais, a saber: a) busca-se evitar que a parte se beneficie de importância em dinheiro que deverá, posteriormente, em caso de derrota, ser devolvida, o que promoveria insegurança jurídica; e b) o termo "sentença" previsto no art. 475-N, I e no art. 475-O, do CPC/1973, deve ser interpretado restritivamente, evitando-se a possibilidade de cobrança de multa fixada por meio de decisão interlocutória em antecipação de tutela, notadamente porque, na sentença, a ratificação do arbitramento da multa cominatória decorre do reconhecimento da existência do próprio direito material perseguido.

Infere-se, desse modo, que o mencionado precedente qualificado não veda, absolutamente, a execução provisória da multa cominatória, limitando-a, no entanto, a momento posterior à prolação de sentença de mérito favorável à parte e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo.

Verifica-se, assim, que o deslinde da controvérsia, a rigor, demanda que se defina se a execução provisória das astreintes deve aguardar a prolação de sentença de mérito ou se, ao revés, seria possível ocorrer em momento anterior, tão logo ocorra sua incidência.

De início, deve-se ressaltar que a tese fixada no julgamento do REsp 1.200.856/RS, o foi à luz das disposições do Código de Processo Civil de 1973, que não continha dispositivo semelhante ao § 3º do art. 537 do Código de Processo Civil de 2015.

Da simples leitura do dispositivo em comento, exsurge a conclusão de que o novo Diploma Processual inovou na matéria, autorizando, expressamente, a execução provisória da decisão que fixa as astreintes, condicionando, tão somente, o levantamento do valor ao trânsito em julgado da sentença favorável à parte.

Ademais, importa destacar que não mais subsiste, no novo Código de Processo Civil, a redação que constava do art. 475-N, I, do CPC/1973, que serviu de fundamento para o acórdão proferido no julgamento do REsp 1.200.856/RS.

De fato, o atual art. 515, I, considera título executivo judicial "as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa", tendo sido substituída, portanto, a palavra "sentença" por "decisões".

A mencionada alteração redacional harmoniza-se com o disposto no § 3º do art. 537 do CPC/2015, que autoriza a execução provisória da decisão que fixa a multa cominatória, sendo certo que, na linha das boas regras de hermenêutica, não se pode olvidar que "verba cum effectu, sunt accipienda" (não se presumem, na lei, palavras inúteis).

A inovação legislativa em mote, portanto, amolda-se, à perfeição, à própria finalidade do instituto, na medida em que, ao permitir a execução provisória da decisão que fixa a multa mesmo antes da sentença de mérito, acentua o seu caráter coercitivo e inibitório, tornando ainda mais oneroso ou arriscado o descumprimento de determinações judiciais.


4 de setembro de 2021

É possível a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada em ação de improbidade administrativa, inclusive nas demandas ajuizadas com esteio na prática de conduta prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos.

Processo

REsp 1.862.792-PR, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 25/08/2021. (Tema 1055)

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação de improbidade administrativa. Indisponibilidade de bens. Inclusão do valor da multa civil no importe a ser bloqueado. Incidência nas ações ancoradas no art. 11 da Lei n. 8.429/1992. Possibilidade. Tema 1055.

 

DESTAQUE

É possível a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada em ação de improbidade administrativa, inclusive nas demandas ajuizadas com esteio na prática de conduta prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A questão submetida à análise é definir se é possível - ou não - a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada na ação de improbidade administrativa, inclusive naquelas demandas ajuizadas com esteio na prática de conduta prevista no art. 11 da Lei 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos.

Quanto à primeira questão levantada, é preciso, para logo, assinalar que, ao que revelam os julgados desta Corte Superior alusivos ao tema, não há dissídio jurisprudencial entre os órgãos Fracionários especializados na temática, que apontam para a admissibilidade de inclusão da multa civil na indisponibilidade de bens na ação de improbidade.

Mesmo ao tempo do julgamento repetitivo acerca da dispensa de demonstração de dissipação patrimonial como requisito para a concessão da medida de indisponibilidade (REsp 1.366.721/BA), já havia pronunciamentos dos Julgadores desta Corte Superior acerca da inclusão da multa civil no importe a ser constrito na ação de improbidade. Essa posição se mostrou dominante, uníssona, pacífica e atual.

Assim, muito embora a premissa para o não cômputo do valor da multa civil, para certos ilustrativos de alguns Tribunais, como do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, concentre-se em alegada antecipação de pena, a interpretação que se deu neste colendo Superior Tribunal de Justiça é de que devem ser empreendidas providências para que o processo esteja assegurado quanto à eventual condenação futura, no que engloba a reprimenda pecuniária.

Essa concepção ficou bem revelada no entendimento que se formou acerca da solidariedade passiva nessa determinação constritiva, ou seja, se é certo que não é possível promover a totalidade do bloqueio sobre todos os acionados (uma supergarantia), lado outro qualquer réu está sujeito a experimentar sobre si a integralidade da medida, ainda que haja na demanda outros réus que não tenham suportado qualquer efeito da indisponibilidade. Isso porque o objetivo é, tão logo detectada a plausibilidade da pretensão, que se tenha a garantia nos autos: uma vez alcançada a integralidade da garantia sobre qualquer réu, nada mais há de ser indisponibilizado, até que se resolva a responsabilidade - se houver - de cada qual.

Em desdobramento, na segunda questão suscitada no aresto de afetação ao tema 1.055, busca-se saber se a medida constritiva também poderia incidir nos casos de ações ancoradas exclusivamente na potencial prática de atos tipificados como violadores a princípios administrativos (art. 11 da Lei n. 8.429/1992).

A pergunta se situa no fato de que, em casos tais, pode não ocorrer lesão alguma aos cofres públicos, nem mesmo proveito pessoal ilícito, isto é, a repercussão patrimonial do fato reputado ímprobo seria limitada ou inexistente.

Pela pesquisa de jurisprudência dos órgãos Fracionários desta Corte Superior, essa questão desdobrada da primeira não é causa suficiente para apartar a compreensão de que, igualmente, o valor da multa civil é passível de ser bloqueado, ainda que seja o único montante a gerar bloqueio nessas ações fundadas em ofensa a princípios nucleares administrativos.

Noutras palavras, ainda que inexistente prova de enriquecimento ilícito ou lesão ao patrimônio público, é possível a decretação da providência cautelar, notadamente pela possibilidade de ser cominada, na sentença condenatória, a pena pecuniária de multa civil como sanção autônoma, cabendo sua imposição, inclusive, em casos de prática de atos de improbidade que impliquem tão somente violação a princípios da Administração Pública.

Essa providência de inclusão da multa civil na medida constritiva em ações de improbidade administrativa exclusivamente amparadas no art. 11 da Lei n. 8.429/1992 não implica violação do art. 7º, caput e parágrafo único, da citada lei, pois destina-se, de todo modo, a assegurar a eficácia de eventual desfecho condenatório à sanção de multa civil.

24 de agosto de 2021

Ação personalíssima. Morte da parte autora. Extinção do processo sem resolução de mérito. Tutela antecipada. Cobrança de astreintes. Transmissão aos herdeiros do autor da ação.

Processo

EREsp 1.795.527-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 18/08/2021. Com pedido de vista.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação personalíssima. Morte da parte autora. Extinção do processo sem resolução de mérito. Tutela antecipada. Cobrança de astreintes. Transmissão aos herdeiros do autor da ação. Impossibilidade. Pedido de vista.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se a multa cominatória conserva sua exigibilidade após a extinção do processo sem resolução de mérito, podendo ser transferida aos herdeiros do autor da ação.

A relatora concluiu que se a ação é personalíssima como na hipótese dos autos e sobrevém a morte da parte autora, a consequência inexorável é a extinção do processo sem resolução de mérito nos termos do art. 485, IV e IX, do CPC/2015. Nesse caso, as astreintes fixadas em tutela antecipatória não subsistem, sendo incabível a adição de herdeiros da autora nos autos para cobrar o que não é mais devido. O eventual dano causado pela parte ré decorrente da recalcitrância em cumprir a obrigação no tempo e mora devidos é questão a ser deduzida em ação própria.

A ministra reconheceu os embargos de divergência, mas os rejeitou.

O ministro Luis Felipe Salomão pediu vista, argumentando que o tema é muito relevante, pois se discute se o direito às astreintes é passível de ser transferível aos herdeiros. Segundo a jurisprudência pacífica, não é possível a execução provisória das astreintes e ela pode ser modificada a qualquer tempo. Porém, não há discussão sobre a natureza jurídica para efeito de transmissão.

Pediu vista antecipada o ministro Og Fernandes.


11 de agosto de 2021

Cominação de astreintes na exibição de documentos requerida contra a parte ex adversa. Cabimento na vigência do CPC/2015. Necessidade de prévio juízo de probabilidade e de prévia tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva. Tema 1000/STJ.

 

Processo

REsp 1.777.553-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 26/05/2021, DJe 01/07/2021. (Tema 1000)

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Cominação de astreintes na exibição de documentos requerida contra a parte ex adversa. Cabimento na vigência do CPC/2015. Necessidade de prévio juízo de probabilidade e de prévia tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva. Tema 1000/STJ.

Destaque

Desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibido, apurada em contraditório prévio, poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa com base no art. 400, parágrafo único, do CPC/2015.

Informações do Inteiro Teor

Trata a controvérsia sobre a possibilidade de cominação de multa em ação de exibição incidental ou autônoma de documentos requerida contra a parte ex adversa em demanda de direito privado.

O procedimento da exibição de documentos encontra-se disciplinado nos arts. 396 a 404 do CPC/2015, sendo que o pagamento de multa somente foi previsto na exibição contra terceiro (art. 403), não tendo havido semelhante previsão do art. 400, que trata da exibição deduzida contra a parte.

Sobre o tema, vale dizer que a presunção de veracidade seria insuficiente para compelir a parte a atender à ordem de exibição, pois entre o mero risco de sucumbência (no caso de recusa de exibição) e a certeza da derrota (no caso de exibição do documento essencial para o desfecho do litígio), a parte tenderia a assumir a primeira postura, recusando-se a exibir o documento pretendido.

Sob a ótica da ampla defesa e o dever de cooperação, a cominação de astreintes seria cabível na exibição de documentos, pois aumenta-se a probabilidade de sucesso da ordem de exibição.

Por outro lado, o direito de não produzir prova contra si mesmo se restringe à não autoincriminação em matéria penal, prevalecendo no âmbito do direito privado garantia da ampla defesa conjugada com o dever de cooperação das partes com a instrução probatória.

Sob perspectiva histórica, verifica-se que o avanço em termos de efetividade dos provimentos jurisdicionais serviu de norte para o novo codex, como bem apontou a DPU, de modo que esse norte interpretativo conduz ao entendimento de que a previsão do gênero "medidas coercitivas" no art. 400, parágrafo único, também abrange a multa pecuniária, pois essa interpretação confere maior eficácia à ordem de exibição.

Ainda, vale destacar que não se trata de silêncio eloquente do artigo 400, mas sim de excesso de zelo do legislador no artigo 403 ao ressaltar a possibilidade de incidência de multa em desfavor de um terceiro estranho à relação processual, já que, em relação às partes, a aplicação dessa medida coercitiva é natural.

Por fim, não se justifica a impossibilidade de aplicação das astreintes sob o fundamento de que haveria estímulo ao enriquecimento sem causa, pois, se a recusa da parte em exibir o documento for reputada ilegítima (art. 399 do CPC), basta a sua apresentação para que a multa não incida.

Com efeito, firma-se a tese do recurso repetitivo para que, desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibido, apurada mediante contraditório prévio, poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa, com base no art. 400, parágrafo único, do CPC/2015.



9 de maio de 2021

INTERCEPTAÇÃO DE DADOS. ASTREINTES. POSSIBILIDADE EM ABSTRATO. CRIPTOGRAFIA DE PONTA A PONTA. IMPOSSIBILIDADE FÁTICA, NO CASO CONCRETO, DE CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 60.531 - RO (2019/0099392-7) 

RELATOR : MINISTRO NEFI CORDEIRO 

R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO RIBEIRO DANTAS 

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INTERCEPTAÇÃO DE DADOS. ASTREINTES. POSSIBILIDADE EM ABSTRATO. CRIPTOGRAFIA DE PONTA A PONTA. IMPOSSIBILIDADE FÁTICA, NO CASO CONCRETO, DE CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL. RECURSO PROVIDO. 

1. A possibilidade de aplicação, em abstrato, da multa cominatória foi reconhecida, por maioria, nesta Terceira Seção (REsp 1.568.445/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Rel. p/ Acórdão Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/6/2020, DJe 20/8/2020). 

2. No caso concreto, porém, há de se fazer uma distinção ou um distinguishing entre o precedente citado e a situação ora em análise. Diversamente do precedente colacionado, a questão posta nestes autos objeto de controvérsia é a alegação, pela empresa que descumpriu a ordem judicial, da impossibilidade técnica de obedecer à determinação do Juízo, haja vista o emprego da criptografia de ponta a ponta. 

3. Criptografia de ponta a ponta é a proteção dos dados nas duas extremidades do processo, tanto no polo do remetente quanto no outro polo do destinatário. Nela, há "dois tipos de chaves são usados para cada ponta da comunicação, uma chave pública e uma chave privada. As chaves públicas estão disponíveis para as ambas as partes e para qualquer outra pessoa, na verdade, porque todos compartilham suas chaves públicas antes da comunicação. Cada pessoa possui um par de chaves, que são complementares. [...] O conteúdo só poderá ser descriptografado usando essa chave pública (...) junto à chave privada (...). Essa chave privada é o único elemento que torna impossível para qualquer outro agente descriptografar a mensagem, já que ela não precisa ser compartilhada." (COUTINHO, Mariana. O que é criptografia de ponta a ponta? Entenda o recurso de privacidade. Tectudo. Disponível em: . Acesso em: 24 mar. 2020). 

4. Não obstante a complexidade técnica, a resposta jurídica deve ser simples e direta: sim, é possível a aplicação da multa, inclusive nessa hipótese; ou, por outro lado, não, a realização do impossível, sob pena de sanção, não encontra guarida na ordem jurídica. Note-se que não há espaço hermenêutico para um meio termo. 

5. Em determinado aspecto, a solução parece ser pela negativa: ad impossibilia nemo tenetur, ou seja, ninguém pode ser obrigado a fazer o impossível. 

6. Porém, o Direito, como fruto do intelecto humano e indispensável ao convívio coletivo sadio e com capacidade prospectiva, nem sempre se contenta com o nexo natural das coisas. Ou seja, a responsabilidade jurídica nem sempre é derivada do raciocínio lógico. Por vezes, faz-se necessário o juízo de valor normativo, a exemplo da figura do garante no Código Penal, que, sem dar causa direta ao resultado típico, responde como se o tivesse (art. 13, §2º, “b”, do CP). 

7. Conforme relatado pelo em. Min. Edson Fachin, em seu voto, na ADPF 403, a Ciência corrobora a impossibilidade técnica de se interceptar dados criptografados de ponta a ponta. Realizadas audiências públicas para debate público sobre a matéria: "Um dos especialistas acadêmicos convocados para a audiência, o Professor Anderson Nascimento explicou em linhas gerais em que consiste a criptografia, afirmando que seu objetivo é a garantia da integridade, autenticidade e confidencialidade. Segundo ele, o WhatsApp utiliza a criptografia de chave pública ou assimétrica, onde cada usuário possui duas chaves, uma para cifrar e outra para decifrar. O objetivo de tais sistemas é criar um túnel criptográfico entre os usuários, sendo que as mensagens enviadas e recebidas passam por um servidor que tem a função de estabelecer protocolos de sinalização, descobrir os endereços IPs das partes, auxiliar na troca de chaves, dentre outros. O Professor esclareceu que não é possível a interceptação de mensagens criptografadas do WhatsApp devido à adoção de criptografia forte pelo aplicativo. Explica que esse tipo de criptografia utiliza o Protocolo Signal que, no entendimento da comunidade científica, não possui vulnerabilidade, ou seja, é um protocolo seguro, não podendo ser quebrado. Em relação às alternativas para a interceptação, discorreu o seguinte. Sobre a possibilidade de espelhamento das conversas travadas no aplicativo para outro smartphone ou computador em face de um usuário específico, indicou que seria preciso, para tal intento, que fosse criado um ponto central de falha, o qual, por sua vez, poderia ser utilizado por parte não autorizadas. Quanto à desabilitação da criptografia ponta a ponta de um ou mais usuários específicos, seria preciso modificar o protocolo criptográfico. Destacou, ainda, a existência de outros aplicativos de mensagens que não possuem representação no Brasil e que poderiam ser utilizados pelos usuários, inclusive com a possibilidade de facilmente criptografar as mensagens e, posteriormente, colar tal mensagem no WhatsApp, para enviá-la a outro usuário, de modo que, mesmo que houvesse a interceptação da mensagem pelo WhatsApp, seria impossível desencriptá-la. Quanto aos demais instrumentos que podem auxiliar as investigações, aponta a importância da utilização dos metadados e da geolocalização, ressaltando a riqueza de dados a serem explorados pelas autoridades públicas". 

8. Com forte apelo lógico, essa argumentação apresenta-se quase que irrefutável, não fossem as razões jurídicas relacionadas aos deveres e às obrigações derivadas do nexo causal normativo. Entretanto, é importante salientar que a tese contrária à imposição da multa também é prodigiosa em fundamentos jurídicos. 

9. Inicio dizendo que, ao buscar mecanismos de proteção à liberdade de expressão e comunicação privada, por meio da criptografia de ponta a ponta, as empresas estão protegendo direito fundamental, reconhecido expressamente na Carta Magna. A propósito, confira-se interessante reflexão da em. Min. Relatora Rosa Weber, em seu voto na ADI 5527: "Considerações sobre o direito às liberdades de expressão e de comunicação (art. 5º, IX, da CF). Integra o pleno exercício das liberdades de expressão e de comunicação a capacidade das pessoas de escolherem livremente as informações que pretendem compartilhar, as ideias que pretendem discutir, o estilo de linguagem empregado e o meio de comunicação. O conhecimento de que a comunicação é monitorada por terceiros interfere em todos esses elementos componentes da liberdade de informação: os cidadãos podem mudar o modo de se expressar ou até mesmo absteremse de falar sobre certos assuntos, no que a doutrina designa por efeito inibitório (chilling effect) sobre a liberdade de expressão. Nesse sentido, 'A comunicação desinibida é também uma precondição do desenvolvimento pessoal autônomo. Seres humanos desenvolvem suas personalidades comunicando-se com os demais.' As consequências da ausência dessa precondição em uma sociedade vão desde a desconfiança em relação às instituições sociais, à apatia generalizada e a debilitação da vida intelectual, fazendo de um ambiente em que as atividades de comunicação ocorrem de modo inibido ou tímido, por si só, uma grave restrição à liberdade de expressão. Sob enfoque diverso, considerando que software é linguagem, e como tal, protegido pela liberdade de expressão, indaga-se se compelir o desenvolvimento compulsório de uma aplicação para se implementar a vulnerabilidade desejada, a determinação para a escrita compulsória de um programa de computador não configuraria, ela mesma, uma violação do direito à liberdade de expressão do desenvolvedor? De toda sorte, transformar o Brasil em um país avesso à liberdade de expressão não é o melhor caminho para combater os usos irresponsáveis das ferramentas de comunicação." 

10. Ainda nos valendo do valoroso trabalho citado, tem-se a seguinte indagação: de que vale a liberdade de expressão sem o resguardo devido à intimidade privada? A propósito: "Se aos cidadãos não for assegurada uma esfera de intimidade privada, livre de ingerência externa, um lugar onde o pensamento independente e novo possa ser gestado com segurança, de que servirá a liberdade de expressão? O direito à privacidade tem como objeto, na quase poética expressão de Warren e Brandeis, 'a privacidade da vida privada'. O escopo da proteção são os assuntos pessoais, em relação aos quais não se vislumbra interesse público legítimo na sua revelação, e que o indivíduo prefere manter privados. 'É a invasão injustificada da privacidade individual que deve ser repreendida e, tanto quanto possível, prevenida'. Vale observar, ainda, que os maiores desafios contemporâneos à proteção da privacidade nada têm a ver com a imposição de restrições à liberdade de manifestação, enquanto relacionados, isto sim, aos imperativos da segurança nacional e da eficiência do Estado, à proliferação de sistemas de vigilância e à emergência das mídias sociais, juntamente com a manipulação de dados pessoais em redes computacionais por inúmeros, e frequentemente desconhecidos, agentes públicos e privados. Nesse contexto, pertinente, ainda, a contribuição de Alan Westing à doutrina jurídica da privacidade no mundo contemporâneo, ao caracterizar a estrutura desse direito como controle sobre os usos da informação pessoal. Nesse sentido, a privacidade, afirma, 'é a pretensão de indivíduos, grupos ou instituições de determinarem para si quando, como e em que extensão a informação sobre eles será comunicada a outros'. Tal concepção do direito à privacidade está alinhada com o reconhecimento do seu papel social na própria preservação da personalidade e no desenvolvimento da autonomia individual." (Voto da em. Min. Relatora Rosa Weber na ADI 5527). 

11. Complementando os fundamentos expostos até aqui, o em. Ministro Edson Fachin, na Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 403, traz três balizas necessárias para o exame da questão: "A precisa definição do objeto da arguição permite, de plano, identificar três premissas que emergem da manifestação dos amici curiae e que orientam a presente manifestação. A primeira conclusão é a de que, como atestam os participantes da sociedade civil que participaram da audiência, a demanda pela criptografia é especialmente derivada da proteção que se espera ter da liberdade de expressão em uma sociedade democrática. A criptografia é, portanto, um meio de se assegurar a proteção de direitos que, em uma sociedade democrática, são essenciais para a vida pública. A segunda é a de que todos os órgãos de Estado, assim como a sociedade civil, reconhecem que a criptografia protege os direitos dos usuários da internet, garantindo a privacidade de suas comunicações, e que, portanto, é do interesse do Estado brasileiro encorajar as empresas e as pessoas a utilizarem a criptografia e manter o ambiente digital com a maior segurança possível para os usuários. Essa premissa é evidenciada tanto pela manifestação dos peritos da Polícia Federal que participaram da audiência pública e quanto da Associação de Magistrados Brasileiros: a internet segura é direito de todos. A terceira é a de que o desafio a esse modelo de proteção da privacidade emerge basicamente de casos como o dos autos, isto é, quando o acesso a mensagens protegidas por criptografia depende da autorização exclusiva do próprio usuário do serviço. Ele também se faz presente na proteção de criptografia que fica disponível para equipamento específicos, como um telefone celular smartphone, ou um computador portátil. Em ambos os casos a preocupação é justificada pelas dificuldades técnicas na apuração de crimes que gravemente violam direitos fundamentais, como, por exemplo, os casos de pornografia infantil e de condutas antidemocráticas, como manifestações xenófobas, racistas e intolerantes, que ameaçam o Estado de Direito. Os órgãos de segurança do Estado ficam, pois, privados de instrumento tido por indispensável – e que é reconhecido como plenamente legítimo em relação às chamadas telefônicas – na solução dessas violações." 

12. A partir daí, o Ministro lança a questão: "a partir das premissas aqui indicadas é possível localizar a questão que se afigura chave para enfrentar o mérito desta arguição, qual seja, saber se o risco público representado pelo uso da criptografia justifica a restrição desse direito por meio da imposição de soluções de software, como, por exemplo, a proibição da criptografia ou a criação de canais excepcionais de acesso ou pela diminuição do nível de proteção"? 

13. Antes de apresentar sua conclusão, Fachin ressalta a importância do direito à privacidade na internet, cita inclusive, Relatório Especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU: "Na linha inaugurada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o Conselho de Direitos Humanos aprovou o Relatório Especial sobre o Direito à Liberdade de Expressão na Era Digital. Nele, o Relator Especial David Kaye reconhece que o alcance do direito à privacidade na internet é instrumental para a garantia da liberdade de expressão. O receio da exposição que diminui a riqueza do ambiente plural da internet decorre tanto de ingerências governamentais, quanto da possibilidade de manipulação de dados, diminuindo a própria esfera de autonomia e determinação, ou, nos termos da jurisprudência alemã, diminuindo o direito à autodeterminação informacional". 

14. Convém ressaltar que, tanto o Ministro Edson Fachin quanto a Ministra Rosa Weber, ao fim de seus votos, chegam, ambos, à mesma conclusão: o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza, em detrimento da proteção gerada pela criptografia de ponta a ponta, em benefício da liberdade de expressão e do direito à intimidade, sejam os desenvolvedores da tecnologia multados por descumprirem ordem judicial incompatível com encriptação. 

15. Após pedido de vista do em. Min. Alexandre de Moraes, porém, ambas as ações constitucionais foram suspensas, aguardando-se, portanto, a matéria a posição definitiva dos demais membros da Corte. 

16. Entretanto, não é mais possível esperar. Diante desse estado de coisas, esta Corte de justiça é posta a decidir sobre o tema: é ou não legal aplicar astreintes ao agente econômico que desenvolve e aplica a criptografia de ponta-a-ponta em seus serviços de comunicação. A vedação ao non liquet, prevista no art. 140 do CPC, nos impede de nos abster. É nosso dever julgar. 

17. Por isso, embora chamando atenção para os graves aspectos que neste meu voto inicialmente levantei, curvo-me aos argumentos apresentados pelos em. Ministros Rosa Weber e Edson Fachin, os quais representam, ao menos até a presente altura, o pensamento do Supremo Tribunal Federal na matéria. E, assim, endosso a ponderação de valores realizada pelos aludidos Ministros, que, em seus votos, concluíram que os benefícios advindos da criptografia de ponta a ponta se sobrepõem às eventuais perdas pela impossibilidade de se coletar os dados das conversas dos usuários da tecnologia. 

18. Recurso ordinário provido, para afastar a multa aplicada ante a impossibilidade fática, no caso concreto, de cumprimento da ordem judicial, haja vista o emprego da criptografia de ponta-a-ponta.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, após o voto-vista divergente, quanto à fundamentação, do Sr. Ministro Ribeiro Dantas, dando provimento ao recurso ordinário para afastar a multa aplicada ante a impossibilidade fática, no caso concreto, de cumprimento da ordem judicial, haja vista o emprego da criptografia de ponta-a-ponta, e os votos dos Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior (com ressalva) e Rogerio Schietti Cruz no mesmo sentido, por maioria, dar provimento ao recurso ordinário para afastar a multa aplicada ante a impossibilidade fática, no caso concreto, de cumprimento da ordem judicial, haja vista o emprego da criptografia de ponta-a-ponta, nos termos do voto do Sr. Ministro Ribeiro Dantas, que lavrará o acórdão. Votou vencido o Sr. Ministro Nefi Cordeiro. Votaram com o Sr. Ministro Ribeiro Dantas os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior (com ressalva) e Rogerio Schietti Cruz. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Felix Fischer e João Otávio de Noronha. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. 

Brasília (DF), 09 de dezembro de 2020 (data do julgamento)

CUMPRIMENTO DEFINITIVO DE SENTENÇA QUE RECONHECE A EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA. PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. INCIDÊNCIA DE MULTA. CRITÉRIOS. INTEMPESTIVIDADE. RESISTÊNCIA MEDIANTE IMPUGNAÇÃO. DEPÓSITO INTEGRAL NO PRAZO DE 15 DIAS ÚTEIS SEM RESISTÊNCIA DA PARTE EXECUTADA. NÃO APLICAÇÃO DA MULTA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.834.337 - SP (2019/0066322-0) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL EM FASE DE CUMPRIMENTO DEFINITIVO DE SENTENÇA QUE RECONHECE A EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA. PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. INCIDÊNCIA DE MULTA. CRITÉRIOS. INTEMPESTIVIDADE. RESISTÊNCIA MEDIANTE IMPUGNAÇÃO. DEPÓSITO INTEGRAL NO PRAZO DE 15 DIAS ÚTEIS SEM RESISTÊNCIA DA PARTE EXECUTADA. NÃO APLICAÇÃO DA MULTA. 

1. Ação ajuizada em 2/5/17. Recurso especial interposto em 28/5/18. Autos conclusos ao gabinete em 28/6/19. Julgamento: CPC/15. 

2. O propósito recursal consiste em dizer da violação do art. 523, §1º, do CPC/15, acerca do critério de quando deve incidir, ou não, a multa de dez por cento sobre o débito, além de dez por cento de honorários advocatícios. 

3. São dois os critérios a dizer da incidência da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC, a intempestividade do pagamento ou a resistência manifestada na fase de cumprimento de sentença. 

4. Considerando o caráter coercitivo da multa, a desestimular comportamentos exclusivamente baseados na protelação da satisfação do débito perseguido, não há de se admitir sua aplicação para o devedor que efetivamente faz o depósito integral da quantia dentro do prazo legal e não apresenta impugnação ao cumprimento de sentença. 

5. Na hipótese dos autos, apesar de advertir sobre o pretendido efeito suspensivo e da garantia do juízo, é incontroverso que a executada realizou tempestivamente o depósito integral da quantia perseguida e não apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, fato que revela, indene de dúvidas, que houve verdadeiro pagamento do débito, inclusive com o respectivo levantamento pela exequente. Não incidência da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC e correta extinção do processo, na forma do art. 924, II, do CPC. 

6. Recurso especial conhecido e não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. 

Brasília (DF), 03 de dezembro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por NEUSA CARLOS PEREIRA, com fundamento, unicamente, na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/SP. 

Ação: de rescisão contratual, em fase de cumprimento definitivo de sentença, ajuizada pela recorrente, em face de S/A O ESTADO DE SÃO PAULO. 

Sentença: julgou extinta a fase de cumprimento de sentença, ante a satisfação da obrigação e levantamento da quantia pela credora, nos termos do art. 924, II, do CPC/15. 

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pela recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

*MULTA – Artigo 523, § 1º do CPC – Depósito judicial realizado após a intimação para pagamento – Embora o depósito tenha sido feito inicialmente a título de garantia, não foi ofertada a impugnação – Ausência de resistência à satisfação do crédito que impede a imposição da multa – Extinção da obrigação reconhecida - Recurso não provido* 

Recurso especial: alega violação do art. 523, §1º, do CPC/15, bem como dissídio jurisprudencial. Insurge-se contra a não incidência da multa de 10%, além de 10% de honorários advocatícios pelo não pagamento voluntário da dívida, pois o devedor apenas depositou o valor para garantia do juízo visando ao recebimento da execução no efeito suspensivo, não para o efetivo pagamento. 

Admissibilidade: o recurso não foi admitido pelo TJ/SP. Interposto agravo da decisão denegatória, determinei sua conversão em recurso especial. 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal consiste em dizer da violação do art. 523, §1º, do CPC/15, acerca do critério de quando deve incidir, ou não, a multa de dez por cento sobre o débito, além de dez por cento de honorários advocatícios. 

- Da moldura fática da hipótese dos autos 

O recorrido pediu o cumprimento de sentença, que havia devido trânsito em julgado em 9/3/17, cujo valor apurado total (com atualização, juros e verbas sucumbenciais) perfazia R$ 1.113.893,97. Em 11/5/17 foi publicado o despacho determinando o seu cumprimento, sob pena de multa, nos termos do art. 523, do CPC/15. 

Em 5/6/17, foi colacionado aos autos comprovante de depósito no valor preciso de R$ 1.113.893,97, em petição que mencionava garantir o juízo e evitar a incidência de multa. 

Transcorrido o prazo para impugnação, a recorrente-credora pugnou pela expedição de guia para levantamento do valor depositado que lhe foi deferido mediante alvará. A recorrente, todavia, pleiteou a diferença relativa a multa de 10% do débito e juros no valor de R$ 113.775,07 para abril de 2017. 

O juízo de primeiro grau de jurisdição julgou extinto o cumprimento de sentença, declarando satisfeitos os débitos perseguidos pela credora, na forma do art. 924, II, do CPC, pois não havia nenhuma diferença a ser recebida além dos valores depositados nos autos. Este raciocínio foi mantido pelo acórdão recorrido. 

A recorrente se insurge contra a solução dada à hipótese, sob o argumento de que “a recorrida apenas depositou o valor para garantia do juízo visando o recebimento da execução no efeito suspensivo, não para o efetivo pagamento” (e-STJ fl. 170). E conclui sua tese recursal no sentido de que “não houve o pagamento voluntário bem como não houve impugnação, assim, deverá a recorrida arcar com a multa e honorários sucumbenciais” (e-STJ fl. 171). 

- Da violação do art. 523, §1º, do CPC 

A redação do artigo apontado como violado pela recorrente tem o seguinte teor: 

Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver. § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento. 

A questão jurídica pendente de apreciação por esta Corte diz respeito ao critério a dizer quando deve incidir, ou não, a multa de dez por cento sobre o débito, além de dez por cento de honorários advocatícios. 

Considerando a semelhança do disposto no CPC/15 com o art. 475-J, do CPC/73, é interessante observar a jurisprudência do STJ quanto ao discernimento na interpretação do que constitui “pagamento” ou “garantia do juízo”. A origem desse entendimento remonta a precedente da Quarta Turma, no REsp 1175763/RS, (DJe 05/10/2012), em interpretação do art. 475-J, do CPC/73, cuja ementa foi redigida nos seguintes termos: 

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE ADIMPLEMENTO CONTRATUAL - FASE DE IMPUGNAÇÃO A CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - ACÓRDÃO LOCAL DETERMINANDO A EXCLUSÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 475-J DO CPC. INSURGÊNCIA DO EXEQUENTE. 1. Não conhecimento do recurso especial no tocante à sua interposição pela alínea "c" do art. 105, III, da CF. Cotejo analítico não realizado, sendo insuficiente para satisfazer a exigência mera transcrição de ementas dos acórdãos apontados como paradigmas. 2. Violação ao art. 535 do CPC não configurada. Corte de origem que enfrentou todos os aspectos essenciais ao julgamento da lide, sobrevindo, contudo, conclusão diversa à almejada pela parte. 3. Afronta ao art. 475-J do CPC evidenciada. A atitude do devedor, que promove o mero depósito judicial do quantum exequendo, com finalidade de permitir a oposição de impugnação ao cumprimento de sentença, não perfaz adimplemento voluntário da obrigação, autorizando o cômputo da sanção de 10% sobre o saldo devedor. A satisfação da obrigação creditícia somente ocorre quando o valor a ela correspondente ingressa no campo de disponibilidade do exequente; permanecendo o valor em conta judicial, ou mesmo indisponível ao credor, por opção do devedor, por evidente, mantém-se o inadimplemento da prestação de pagar quantia certa. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido em parte. (REsp 1175763/RS, Quarta Turma, DJe 05/10/2012) 

Do inteiro teor se destaca a seguinte base fática: “In casu, é ponto incontroverso o fato de que a devedora procedeu ao depósito da quantia executada, com a observância do lapso de 15 dias previsto no art. 475-J, do CPC, porém, ressalvando de forma expressa que o ato restringia-se à garantia do juízo. Deste modo, considerando que o depósito deu-se a título de garantia do juízo, não há falar em isenção da devedora ao pagamento da multa de 10%, prevista no art. 475-J, do CPC”. 

No referido julgado, a parte executada efetivamente ofereceu impugnação ao cumprimento de sentença e, por esta razão, teve de arcar com a multa do art. 475-J, do código revogado. É importante acentuar este critério para afastar ambiguidades na interpretação dos precedentes desta Corte, sobretudo quando se pretende reiterar o entendimento jurisprudencial para sedimentar a interpretação também do CPC/15. 

Na sessão de julgamento do dia 12/11/19, no REsp 1803985/SE trouxe a este colegiado o debate sobre o Código de Processo Civil de 2015, ocasião em que se definiu a tese de que "a multa a que se refere o art. 523 será excluída apenas se o executado depositar voluntariamente a quantia devida em juízo, sem condicionar seu levantamento a qualquer discussão" (DJe 21/11/19). 

A hipótese aqui em julgamento revela situação fática relevante para esclarecer ainda mais precisamente o alcance do disposto no art. 523, §1º, do CPC/15. 

No particular, a executada diligenciou o depósito em conta judicial no valor exato do débito perseguido pela credora, entretanto, textualmente informou que “o depósito ora comprovado, que não é pagamento e sim garantia do Juízo, terá o condão, juntamente com as razões que serão apresentadas pelo Executado, de conferir efeito suspensivo à impugnação que será ofertada no prazo a que alude o artigo 525 do CPC”. 

Apesar de advertir sobre o pretendido efeito suspensivo e da garantia do juízo, é incontroverso que realizou o depósito integral da quantia perseguida dentro do prazo de 15 dias e não apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, fato que revela, indene de dúvidas, que o depósito importou verdadeiro pagamento do débito, inclusive com o respectivo levantamento pela exequente (e-STJ fl. 126). 

Nessa linha, são dois os critérios a dizer da incidência da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC, a intempestividade do pagamento ou a resistência manifestada na fase de cumprimento de sentença. Estes dois critérios estão ligados ao antecedente fático da norma jurídica processual, pois negam ou o prazo de 15 dias úteis fixado no caput ou a ação voluntária de pagamento, abrindo margem à incidência do consequente sancionador. 

Considerando o caráter coercitivo da multa, a desestimular comportamentos exclusivamente baseados na protelação da satisfação do débito perseguido, não há de se admitir sua aplicação para o devedor que efetivamente faz o depósito integral da quantia dentro do prazo legal e não apresenta impugnação ao cumprimento de sentença. A propósito, considerando a natureza processual do prazo de 15 dias para pagamento, sua contagem deve ser feita em dias úteis, na forma do art. 219, do CPC/15 (REsp 1708348/RJ, Terceira Turma, DJe 01/08/2019). 

Desse modo, não basta a mera alegação de que o executado pondera se insurgir contra o cumprimento de sentença para automaticamente incidir a multa. É preciso haver efetiva resistência do devedor por meio do protocolo da peça de impugnação para, então, estar autorizada a incidência da multa do §1º, do art. 523. 

Na espécie, a recorrida não ofereceu resistência, realizando o pagamento voluntário e integral da quantia perseguida pela recorrente em cumprimento de sentença (R$ 1.113.893,97) com o seu respectivo levantamento, razão suficiente para afastar a incidência da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC/15. Irrepreensível, portanto, o raciocínio decisório do TJ/SP, afinal “considerando o depósito efetuado e a ausência de resistência ao cumprimento de sentença, não se justifica a incidência da multa” (e-STJ fl. 164). 

Forte nessas razões, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. 

Considerando que não houve fixação de sucumbência pelas instâncias ordinárias, não há majoração de honorários advocatícios recursais. 

8 de maio de 2021

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DO DÉBITO. ACRÉSCIMO DE MULTA E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PERCENTUAL DE 10% (DEZ POR CENTO) QUE NÃO PODE SER REDUZIDO À LUZ DOS ARTS. 85, § 2º E § 8º, DO CPC/2015.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.701.824 - RJ (2017/0246322-0) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO VOLUNTÁRIO DO DÉBITO. ACRÉSCIMO DE MULTA E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PERCENTUAL DE 10% (DEZ POR CENTO) QUE NÃO PODE SER REDUZIDO À LUZ DOS ARTS. 85, § 2º E § 8º, DO CPC/2015. 

1. Ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença. 

2. Ação ajuizada em 03/03/2009. Recurso especial concluso ao gabinete em 23/10/2017. Julgamento: CPC/2015. 

3. O propósito recursal é definir se é absoluto o percentual de 10% (dez por cento) de honorários advocatícios, previsto pelo art. 523, § 1º, do CPC/2015 para ser acrescido ao débito nas hipóteses em que não ocorrer o pagamento voluntário, ou se o mesmo pode ser relativizado à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e dos critérios estabelecidos pelo art. 85, § 2º, do CPC/2015. 

4. Em sede de cumprimento de sentença, não ocorrendo pagamento voluntário no prazo de 15 (quinze) dias, o débito será acrescido de multa de 10% (dez por cento) e, também, de honorários de advogado de 10% (dez por cento), nos termos do art. 523, § 1º, do CPC/2015. 

5. O percentual de 10% (dez por cento) previsto no art. 523, § 1º, do CPC/2015 não admite mitigação porque: i) a um, a própria lei tratou de tarifar-lhe expressamente; ii) a dois, a fixação equitativa da verba honorária só tem lugar nas hipóteses em que constatado que o proveito econômico é inestimável ou irrisório, ou o valor da causa é muito baixo (art. 85, § 8º, do CPC/2015); e iii) a três, os próprios critérios de fixação da verba honorária, previstos no art. 85, § 2º, I a IV, do CPC/2015, são destinados a abalizar os honorários advocatícios a serem fixados, conforme a ordem de vocação, no mínimo de 10% (dez por cento) ao máximo de 20% (vinte por cento) do valor da condenação, do proveito econômico ou do valor atualizado da causa. 

6. Recurso especial conhecido e não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 09 de junho de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de recurso especial interposto por CAIXA DE ASSISTENCIA DOS ADVOGADOS DO ESTADO DO R J, fundamentado exclusivamente na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TRF – 2ª Região. 

Recurso especial interposto em: 16/09/2016. Concluso ao gabinete em: 23/10/2017. 

Ação: de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, ajuizada por ASSOCIACAO CONGREGACAO DESANTA CATARINA, em desfavor da recorrente, por meio da qual objetiva a condenação desta ao pagamento de serviços prestados e não pagos, no valor de R$ 3.051.427,47 (três milhões, cinquenta e um mil, quatrocentos e vinte e sete reais e quarenta e sete centavos) (e-STJ fls. 73-79 e 80-83). 

Decisão interlocutória: não tendo ocorrido o pagamento voluntário, determinou à recorrida que apresentasse planilha com o valor atualizado do débito, com acréscimo da multa de 10% (dez por cento), bem como dos honorários advocatícios no percentual de 10% (dez por cento), nos termos do art. 523, § 1º, do CPC/2015. Após cumprida a determinação, deferiu a penhora online, por meio do BACEN-JUD, de saldos existentes em contas bancárias e aplicações financeiras da recorrente, até o valor do quantum devido, uma vez que a recorrida não concordou com os bens oferecidos à penhora pela executada (e-STJ fl. 11). 

Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto pela recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ARTIGO 523, § 1º, DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. I – O novo Código de Processo Civil estabeleceu expressamente, em seu artigo 523, § 1º, que, não ocorrendo o pagamento voluntário do débito, no prazo de 15 (quinze) dias, este será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento, não dando margem ao magistrado para reduzir ou majorar os referidos percentuais. II – O artigo 523, § 1º, do novo Código de Processo Civil, foi instituído com o objetivo de estimular o devedor a realizar o pagamento da dívida objeto de sua condenação, evitando assim a incidência da multa pelo inadimplemento da obrigação constante do título executivo, bem como a condenação em honorários advocatícios, não havendo que se falar em aplicação, nesta fase processual, do artigo 85, § 8º, do novo Código de Processo Civil, ou dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, como justificativa para reduzir os percentuais fixados pelo Estatuto Processual Civil. III – Assim sendo, uma vez que a parte agravante não efetuou o pagamento voluntário do débito, no prazo de 15 (quinze) dias, não merece reparo a decisão agravada que, atendendo aos ditames do novo Código de Processo Civil,, determinou que a parte exequente apresentasse “planilha com o valor exequendo atualizado, com o acréscimo da multa de 10%, bem como dos honorários advocatícios no percentual de 10%, nos termos do art. 523, § 1º do CPC.” IV – Agravo de instrumento desprovido (e-STJ fl. 195). 

Recurso especial: alega violação dos arts. 85, § 2º e § 8º, e 523, § 1º, do CPC/2015. Sustenta que: 

i) é necessária a aplicação, na fase de cumprimento de sentença, do mesmo entendimento utilizado para a fase de conhecimento no que diz respeito à fixação dos honorários de sucumbência, devendo o seu montante, quando porventura excessivo, ser adequado de acordo com os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade; 

ii) o percentual de 10% (dez por cento) previsto no art. 523, § 1º, do CPC/2015 não é absoluto e comporta flexibilização a critério do julgador, devendo-se aplicar ao cumprimento de sentença os critérios previstos nos arts. 85, § 2º e § 8º, do CPC/2015; 

iii) os critérios listados no art. 85, § 2º, do CPC/2015 devem ser levados em conta, não somente quando o valor da causa, da condenação ou do benefício econômico se revelem inestimáveis ou irrisórios; e 

iv) na espécie, os honorários fixados no cumprimento de sentença representam mais de 12 (doze) vezes a verba honorária fixada na fase de conhecimento (e-STJ fls. 197-212). 

Prévio juízo de admissibilidade: o TRF – 2ª Região admitiu o recurso especial interposto por CAIXA DE ASSISTENCIA DOS ADVOGADOS DO ESTADO DO R J (e-STJ fl. 227). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATOR): O propósito recursal é definir se é absoluto o percentual de 10% (dez por cento) de honorários advocatícios, previsto pelo art. 523, § 1º, do CPC/2015 para ser acrescido ao débito nas hipóteses em que não ocorrer o pagamento voluntário, ou se o mesmo pode ser relativizado à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e dos critérios estabelecidos pelo art. 85, § 2º, do CPC/2015. 

A propósito, convém transcrever o disposto nos dispositivos legais tidos por violado pela recorrente: 

Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo de sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver. § 1 º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento. 

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. (...) § 2 º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I – o grau de zelo do profissional; II – o lugar de prestação do serviço; III – a natureza e a importância da causa; IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. (...) § 8 º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º. 

Aplicação do Código de Processo Civil de 2015, pelo Enunciado administrativo n. 3/STJ. 

1. DA POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DO PERCENTUAL FIXADO PELO ART. 523, § 1º, DO CPC/2015 (arts. 85, § 2º e § 8º, e 523, § 1º, do CPC/2015) 

1. Nos termos do art. 523, § 1º, do CPC/2015, não ocorrendo o pagamento voluntário do débito no prazo de 15 (quinze) dias, o mesmo será acrescido de multa de 10% (dez por cento) e, também, de honorários de advogado no percentual de 10% (dez por cento). 

2. Quanto à sucumbência na fase de cumprimento de sentença, resume Humberto Theodoro Júnior que, à falta de cumprimento espontâneo da obrigação de pagar quantia certa, o devedor será intimado a pagar o débito em 15 (quinze) dias, acrescido de custas e honorários advocatícios de 10% (dez por cento), sem prejuízo daqueles impostos na sentença. Nesta altura, portanto, dar-se-á a soma de duas verbas sucumbenciais: a da fase cognitiva e a da fase executiva. Esta última incide sob a forma de alíquota legal única de 10% (dez por cento) (Curso de Direito Processual Civil, volume 3. 52 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 37) (grifos acrescentados). 

3. Nesse rumo, inclusive, firmou-se a jurisprudência deste STJ, que reconhece que a ultrapassagem do termo legal de cumprimento voluntário da sentença, sem que este tenha sido promovido, acarreta a sujeição à multa legal prevista no art. 523, § 1º, do CPC/2015, como também à verba honorária: REsp 1.834.337/SP, 3ª Turma, DJe 05/12/2019; REsp 1.803.985/SE, 3ª Turma, DJe 21/11/2019; e AgInt no AREsp 1.435.744/SE, 4ª Turma, DJe 14/06/2019. 

4. A controvérsia a ser dirimida nestes autos é, justamente, definir se o percentual de 10% (dez por cento) de honorários advocatícios a ser acrescido ao débito, nas hipóteses de ausência de pagamento voluntário, é um valor absoluto ou se ele pode ser relativizado, a depender do caso concreto e da eventual observância de desproporcionalidade ou não razoabilidade de seu valor. 

5. Ressalte-se que, na hipótese dos autos, a recorrente afirma que, com a aplicação do percentual fixo de 10% (dez por cento) previsto no art. 523, § 1º, do CPC/2015, os honorários fixados na fase de cumprimento de sentença representam, em valores atualizados, mais de 12 (doze) vezes o valor fixado na fase de conhecimento, “(...) R$ 901.769,03 na fase de execução contra R$ 74.206,78 na fase de conhecimento” (e-STJ fl. 201). 

6. Por esta razão, defende a possibilidade de sua ponderação, para que sejam reduzidos de forma equitativa (art. 85, § 8º, do CPC/2015), levando-se em conta, ainda, os critérios estabelecidos pelo art. 85, § 2º, do referido código, tais quais o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. 

7. A análise acerca das alterações realizadas pelo CPC/2015 na disciplina da fixação dos honorários advocatícios já foi, inclusive, objeto de debate pela 2ª Seção desta Corte Superior que concluiu que, dentre as alterações, o novo Código reduziu, visivelmente, a subjetividade do julgador, restringindo as hipóteses nas quais cabe a fixação dos honorários de sucumbência por equidade. 

8. Isso porque, enquanto no CPC/73 a fixação equitativa da verba era possível i) nas causas de pequeno valor; ii) nas de valor inestimável; iii) naquelas em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública; e iv) nas execuções, embargadas ou não (art. 20, § 4º); reconheceu-se que no CPC/2015 tais hipóteses são restritas, havendo ou não condenação, às causas em que i) o proveito econômico foi inestimável ou irrisório ou, ainda, quando ii) o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º) (REsp 1.746.072/PR, 2ª Seção, DJe 29/03/2019). 

9. Com efeito, o art. 85, § 8º, do CPC/2015 é comando excepcional, de aplicação subsidiária, que se restringe às supracitadas hipóteses (AgInt no REsp 1.843.721/RS, 3ª Turma, DJe 19/02/2020). 

10. Ao debater sobre a questão, então, a 2ª Seção desta Corte Superior chegou à conclusão de que o CPC/2015, de fato, tornou mais objetivo o processo de determinação da verba sucumbencial, introduzindo, na conjugação do § 2º e do § 8º do art. 85, uma ordem decrescente de preferência de critérios (ordem de vocação) para a fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para a outra categoria. 

11. Assim, reconhece-se que há uma seguinte ordem de preferência ser analisada quando da fixação da verba honorária sucumbencial, qual seja: i) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) sobre o montante desta (art. 85, § 2º); ii) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) das seguintes bases de cálculo: (ii.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor; ou (ii.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); e iii) terceiro e, por fim, havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º). 

12. Em arremate, ainda quando do julgamento do REsp 1.746.072/PR (2ª Seção, DJe 29/03/2019), concluiu-se que da expressiva redação legal depreende-se que o § 2º do art. 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de 10% a 20%, subsequentemente calculados sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou do valor atualizado da causa, e que o § 8º - que prevê a fixação por equidade -, por sua vez, representa regra de caráter excepcional, de aplicação subsidiária, para as hipóteses em que, havendo condenação ou não, o proveito econômico for inestimável ou irrisório, ou o valor da causa for muito baixo. 

13. No cumprimento de sentença, vale lembrar, a incidência de novos honorários advocatícios só se dará se o devedor deixar fluir o prazo de 15 (quinze) dias para pagamento voluntário do débito. 

14. Assim, reitera-se, vencido o prazo sem pagamento do valor devido, haverá acréscimo, por força de lei, da multa de 10% (dez por cento) sobre o valor do débito atualizado, mais honorários advocatícios que o julgador deverá fixar, nos termos da lei, também em 10% (dez por cento) sobre o valor devido. 

15. Com efeito, a lei não deixou dúvidas quanto ao percentual de honorários advocatícios a ser acrescido ao débito nas hipóteses de ausência de pagamento voluntário. Diz-se, o percentual de 10% (dez por cento) foi expressamente tarifado em lei. 

16. Ao comentar sobre o cumprimento parcial da obrigação, Araken de Assis destaca que o valor previsto no art. 523, § 1º, do CPC/2015 é mesmo valor fixo, senão veja-se: Vencido o prazo de espera do art. 523, caput, sem o cumprimento da obrigação, incidem honorários do percentual de dez por cento, a teor do art. 523, § 1º. Se o cumprimento é parcial, a multa e os honorários, nesse percentual fixo de dez por cento, incidirão sobre a parcela não satisfeita (art. 523, § 2º) (Manual da execução. 18 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2016, p. 784). 

17. Ademais, constatada Dorival Renato Pavan quanto ao tema: 

Questão a ser objeto de definição pela jurisprudência é a de aferir se esses honorários poderão ser fixados em valor certo, considerando-se o elevado valor da causa. Em princípio, a lei não deixa margem a dúvidas ao tarifar a verba honorária em percentual certo e determinado sobre o valor da obrigação. É certo que poderão existir situações em que os honorários, fixados em 10% sobre o valor do débito sejam discordantes dos elementos indicados nos incisos I a IV do art. 85, que se constituem nos critérios delineadores da fixação da verba honorária entre 10 e 20% do valor da condenação, proveito econômico ou (quando for o caso) do valor atualizado da causa. Todavia, não vejo espaço para que o juiz possa fixar o valor dos honorários em percentual inferior ou em quantia certa, em valor inferior ao que corresponderiam os 10% previstos na norma sob enfoque, porque se trata de uma valoração feita pelo legislador que positivou a norma exatamente com o objetivo de proporcionar uma remuneração adequada ao advogado que atua no processo e consegue obter proveito econômico em face de seu cliente. A própria valoração dos elementos contidos nos incisos I a IV do art. 85 são destinados à fixação de honorários que sempre haverá de ser, no mínimo, de 10% do valor da condenação, proveito econômico ou valor atualizado da causa (quando não existir outro elemento de valoração) (Comentários ao código de processo civil – volume 2 (arts. 318 a 538). Cassio Scarpinella Bueno (coord.). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 683). 

18. Sob essa ótica, citam-se três fundamentos que concretizam a ideia de que o percentual de 10% (dez por cento) previsto no art. 523, § 1º, do CPC/2015 é mesmo absoluto, sendo inviável a sua mitigação: i) a um, a própria lei tratou de tarifar-lhe expressamente; ii) a dois, a fixação equitativa da verba honorária só tem lugar nas hipóteses em que constatado que o proveito econômico é inestimável ou irrisório, ou o valor da causa é muito baixo (art. 85, § 8º, do CPC/2015); e iii) a três, os próprios critérios de fixação da verba honorária, previstos no art. 85, § 2º, I a IV, do CPC/2015, são destinados a abalizar os honorários advocatícios a serem fixados, conforme a ordem de vocação, no mínimo de 10% (dez por cento) ao máximo de 20% (vinte por cento) do valor da condenação, do proveito econômico ou do valor atualizado da causa. 

19. Desta feita, os argumentos da recorrente caem por terra, sendo inviável a modificação do percentual. 

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial interposto por CAIXA DE ASSISTENCIA DOS ADVOGADOS DO ESTADO DO R J e NEGO-LHE PROVIMENTO, para manter o acórdão recorrido que reconheceu pela aplicabilidade do percentual de 10% (dez por cento) de honorários advocatícios a serem acrescidos ao débito, nos termos do art. 523, § 1º, do CPC/2015. 

Deixo de majorar os honorários de sucumbência recursal, visto que não foram arbitrados na instância de origem.