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24 de março de 2022

São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento

Processo

REsp 1.863.973-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 09/03/2022. (Tema 1085)

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO BANCÁRIO

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Empréstimo comum em conta-corrente. Limitação dos descontos das parcelas. Não cabimento. Lei n. 10.820/2003. Aplicação analógica. Impossibilidade. Tema 1085.

 

DESTAQUE

São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia está em definir se, no bojo de contrato de mútuo bancário comum, em que há expressa autorização do mutuário para que o pagamento se dê por meio de descontos mensais em sua conta-corrente, é aplicável ou não, por analogia, a limitação de 35% (trinta e cinco por cento) prevista na Lei n. 10.820/2003, que disciplina o contrato de crédito consignado em folha de pagamento (chamado empréstimo consignado).

O empréstimo consignado apresenta-se como uma das modalidades de empréstimo com menores riscos de inadimplência para a instituição financeira mutuante, na medida em que o desconto das parcelas do mútuo dá-se diretamente na folha de pagamento do trabalhador regido pela CLT, do servidor público ou do segurado do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, sem nenhuma ingerência por parte do mutuário/correntista, o que, por outro lado, em razão justamente da robustez dessa garantia, reverte em taxas de juros significativamente menores em seu favor, se comparado com outros empréstimos.

Uma vez ajustado o empréstimo consignado em folha de pagamento, não é dado ao mutuário, por expressa disposição legal, revogar a autorização concedida para que os descontos afetos ao mútuo ocorram diretamente em sua folha de pagamento, a fim de modificar a forma de pagamento ajustada.

Nessa modalidade de empréstimo, a parte da remuneração do trabalhador comprometida à quitação do empréstimo tomado não chega nem sequer a ingressar em sua conta-corrente, não tendo sobre ela nenhuma disposição. Sob o influxo da autonomia da vontade, ao contratar o empréstimo consignado, o mutuário não possui nenhum instrumento hábil para impedir a dedução da parcela do empréstimo a ser descontada diretamente de sua remuneração, em procedimento que envolve apenas a fonte pagadora e a instituição financeira.

É justamente em virtude do modo como o empréstimo consignado é operacionalizado que a lei estabeleceu um limite, um percentual sobre o qual o desconto consignado em folha não pode exceder. Revela-se claro o escopo da lei de, com tal providência, impedir que o tomador de empréstimo, que pretenda ter acesso a um crédito relativamente mais barato na modalidade consignado, acabe por comprometer sua remuneração como um todo, não tendo sobre ela nenhum acesso e disposição, a inviabilizar, por consequência, sua subsistência e de sua família.

Diversamente, nas demais espécies de mútuo bancário, o estabelecimento (eventual) de cláusula que autoriza o desconto de prestações em conta-corrente, como forma de pagamento, consubstancia uma faculdade dada às partes contratantes, como expressão de sua vontade, destinada a facilitar a operacionalização do empréstimo tomado, sendo, pois, passível de revogação a qualquer tempo pelo mutuário. Nesses empréstimos, o desconto automático que incide sobre numerário existente em conta-corrente decorre da própria obrigação assumida pela instituição financeira no bojo do contrato de conta-corrente de administração de caixa, procedendo, sob as ordens do correntista, aos pagamentos de débitos por ele determinados, desde que verificada a provisão de fundos a esse propósito.

Registre-se, inclusive, não se afigurar possível - consideradas as características intrínsecas do contrato de conta-corrente - à instituição financeira, no desempenho de sua obrigação contratual de administrador de caixa, individualizar a origem dos inúmeros lançamentos que ingressam na conta-corrente e, uma vez ali integrado, apartá-los, para então sopesar a conveniência de se proceder ou não a determinado pagamento, de antemão ordenado pelo correntista.

Essa forma de pagamento não consubstancia indevida retenção de patrimônio alheio, na medida em que o desconto é precedido de expressa autorização do titular da conta-corrente, como manifestação de sua vontade, por ocasião da celebração do contrato de mútuo. Tampouco é possível equiparar o desconto em conta-corrente a uma dita constrição de salários, realizada por instituição financeira que, por evidente, não ostenta poder de império para tanto. Afinal, diante das características do contrato de conta-corrente, o desconto, devidamente avençado e autorizado pelo mutuário, não incide, propriamente, sobre a remuneração ali creditada, mas sim sobre o numerário existente, sobre o qual não se tece nenhuma individualização ou divisão.

Ressai de todo evidenciado, assim, que o mutuário tem em seu poder muitos mecanismos para evitar que a instituição financeira realize os descontos contratados, possuindo livre acesso e disposição sobre todo o numerário constante de sua conta-corrente.

Não se encontra presente nos empréstimos comuns, com desconto em conta-corrente, o fator de discriminação que justifica, no empréstimo consignado em folha de pagamento, a limitação do desconto na margem consignável estabelecida na lei de regência, o que impossibilita a utilização da analogia, com a transposição de seus regramentos àqueles. Refoge, pois, da atribuição jurisdicional, com indevida afronta ao Princípio da Separação do Poderes, promover a aplicação analógica de lei à hipótese que não guarda nenhuma semelhança com a relação contratual legalmente disciplinada.

Não se pode conceber, sob qualquer ângulo que se analise a questão, que a estipulação contratual de desconto em conta-corrente, como forma de pagamento em empréstimos bancários comuns, a atender aos interesses e à conveniência das partes contratantes, sob o signo da autonomia da vontade e em absoluta consonância com as diretrizes regulamentares expedidas pelo Conselho Monetário Nacional, possa, ao mesmo tempo, vilipendiar direito do titular da conta-corrente, o qual detém a faculdade de revogar o ajuste ao seu alvedrio, assumindo, naturalmente, as consequências contratuais de sua opção.

A pretendida limitação dos descontos em conta-corrente, por aplicação analógica da Lei n. 10.820/2003, tampouco se revestiria de instrumento idôneo a combater o endividamento exacerbado, com vistas à preservação do mínimo existencial do mutuário.

Essa pretensão, além de subverter todo o sistema legal das obrigações - afinal, tal providência, a um só tempo, teria o condão de modificar os termos ajustados, impondo-se ao credor o recebimento de prestação diversa, em prazo distinto daquele efetivamente contratado, com indevido afastamento dos efeitos da mora, de modo a eternizar o cumprimento da obrigação, num descabido dirigismo contratual -, não se mostraria eficaz, sob o prisma geral da economia, nem sequer sob o enfoque individual do mutuário, ao controle do superendividamento.

Tal proceder, sem nenhum respaldo legal, importaria numa infindável amortização negativa do débito, com o aumento mensal e exponencial do saldo devedor, sem que haja a devida conscientização do devedor a respeito do dito "crédito responsável", o qual, sob a vertente do mutuário, consiste na não assunção de compromisso acima de sua capacidade financeira, sem que haja o comprometimento de seu mínimo existencial. Além disso, a generalização da medida - sem conferir ao credor a possibilidade de renegociar o débito, encontrando-se ausente uma política pública séria de "crédito responsável", em que as instituições financeiras, por outro lado, também não estimulem o endividamento imprudente - redundaria na restrição e no encarecimento do crédito, como efeito colateral.

Por fim, a prevenção e o combate ao superendividamento, com vistas à preservação do mínimo existencial do mutuário, não se dão por meio de uma indevida intervenção judicial nos contratos, em substituição ao legislador. A esse relevante propósito, sobreveio - na seara adequada, portanto - a Lei n. 14.181/2021, que alterou disposições do Código de Defesa do Consumidor, para "aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.

16 de fevereiro de 2022

A Lei 1.046/1950 não ampara a extinção do débito de empréstimo consignado em razão do óbito de servidor público estadual ou municipal

 ADMINISTRATIVO – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO

STJ. 2ª Turma. REsp 1.835.511-SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 07/12/2021(Info 721).

A Lei 1.046/1950 não ampara a extinção do débito de empréstimo consignado em razão do óbito de servidor público estadual ou municipal

Art. 16, Lei 1.046/1950: “Ocorrido o falecimento do consignante, ficará extinta a dívida do empréstimo feito mediante simples garantia da consignação em folha”.

Esse dispositivo nunca se aplicou aos servidores públicos municipais ou estaduais/distritais porque não foi pensado para eles.

Ao se analisar o Projeto de Lei nº 63/1947, que deu origem à Lei nº 1.046/1950, bem como sua respectiva exposição de motivos, é possível constatar que a intenção do legislador era disciplinar o empréstimo consignado tão somente na esfera dos servidores públicos da União

Obs: a 3ª Turma do STJ entende que o art. 16 da Lei nº 1.046/1950 também não pode ser aplicado aos servidores públicos federais porque foi revogado pela Lei nº 8.112/90.

Empréstimo consignado

empréstimo de forma mais fácil, rápida e com taxas de juros menores porque o servidor aceita que parcelas de pagamento deste mútuo sejam descontadas diretamente da sua remuneração

consignação em folha de pagamento - há um desconto direto no salário, remuneração ou aposentadoria

Antes mesmo de a pessoa receber sua remuneração/proventos, já há o desconto da quantia, o que é efetuado pelo próprio órgão ou entidade pagadora

interpretação histórica

Análise do Projeto de Lei nº 63/1947, que deu origem à Lei nº 1.046/1950

exposição de motivos - intenção do legislador

Apesar das significativas alterações promovidas no Projeto de Lei nº 63/1947, no texto final que deu origem à Lei nº 1.046/1950 foi mantida a pretensão original do legislador no sentido de que ela se aplicaria, como regra, tão somente aos servidores públicos federais, ressalvada a expressa hipótese prevista em seu art. 4º, III.

Com a edição da Lei nº 8.112/90, foi revogada a Lei nº 1.046/50, pois ela disciplinou a consignação em pagamento envolvendo servidores públicos federais

ab-rogação tácita ou indireta da Lei nº 1.046/50, na medida em que a Lei nº 8.112/90 tratou, inteiramente, da matéria contida naquela

A Lei nº 8.112/90 não trouxe nenhum dispositivo semelhante ao art. 16 da Lei nº 1.046/50

STJ. 3ª Turma. REsp 1.498.200-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 05/06/2018 (Info 627): “O falecimento do consignante não extingue a dívida decorrente de contrato de crédito consignado em folha de pagamento”

3 de setembro de 2021

VALORES DECORRENTES DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DEPÓSITO EM CONTA SALÁRIO. NATUREZA SALARIAL NÃO CONFIGURADA. IMPENHORABILIDADE AFASTADA

RECURSO ESPECIAL Nº 1931432 - DF (2020/0235304-6) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

EMENTA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. NÃO CABIMENTO. VALORES DECORRENTES DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DEPÓSITO EM CONTA SALÁRIO. NATUREZA SALARIAL NÃO CONFIGURADA. IMPENHORABILIDADE AFASTADA. JULGAMENTO: CPC/2015. 

1. Ação de execução de título extrajudicial ajuizada em 2018, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 25/05/2020 e concluso ao gabinete em 08/04/2021. 

2. O propósito recursal é decidir sobre a penhora de valores oriundos de empréstimo consignado, depositados na conta salário do executado. 

3. É incabível a interposição de recurso especial fundada em suposta violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 

4. O fato de o pagamento das parcelas incidir diretamente sobre a contraprestação recebida como fruto do trabalho não equipara os valores oriundos de empréstimo consignado aos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios, montepios, ou às quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, aos ganhos de trabalhador autônomo e aos honorários de profissional liberal, aos quais o legislador conferiu a proteção da impenhorabilidade (art. 833, IV, CPC/2015). 

5. Se nem mesmo o salário e verbas assemelhadas, que têm natureza alimentar, gozam de impenhorabilidade absoluta, não é razoável que se confira tal blindagem aos valores decorrentes de empréstimo consignado, apenas porque se encontram depositados na conta salário do devedor. 

6. Hipótese em que, diferentemente do decidido pela Terceira Turma no REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), o Tribunal de origem, ao analisar o conjunto fático-probatório dos autos, registrou que a penhora recaiu sobre valores cuja origem não foi comprovada pelo devedor, não havendo, pois, falar em impenhorabilidade. 

7. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília, 08 de junho de 2021. MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora 

RELATÓRIO 

Cuida-se de recurso especial interposto por ROBERTO MIGUEL BULAT, fundado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/DFT. 

Ação: de execução de título extrajudicial ajuizada por COOPERATIVA DE ECONOMIA E CREDITO MUTUO DOS SERV DO PODER EXEC FED, DOS SERV DA SEC DE SAUDE E DOS TRAB EM ENSINO DO DF LTDA - SICOOB EXECUTIVO em face de BRAZUNI GESTÃO E ADMINISTRAÇÃO DE BENEFÍCIOS EIRELI – ME, ROBERTO MIGUEL BULAT e ISABEL SARAIVA DE SOUZA, referente à cédula de crédito bancário no valor de R$ 74.508,39 (setenta e quatro mil quinhentos e oito reais e trinta e nove centavos). 

Decisão: o Juízo de primeiro grau rejeitou a impugnação oferecida por ROBERTO à penhora, via Bacenjud, das quantias de R$ 11.929,94 (Banco BRB) e R$ 251,57 (Banco do Brasil) existentes em suas contas bancárias (fls. 262-263, e-STJ). 

Acórdão: o TJ/DFT, à unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento interposto por ROBERTO, nos termos da seguinte ementa: 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO QUE REJEITA IMPUGNAÇÃO E MANTÉM PENHORA REALIZADA NA CONTA DO DEVEDOR. VALORES BLOQUEADOS SE REFEREM A EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INEXISTÊNCIA DE NATUREZA SALARIAL. FALTA DE PROVAS DE QUE A PENHORA RESULTOU EM SALDO NEGATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de liminar, interposto contra decisão proferida na execução de título extrajudicial, em que o juiz determinou o levantamento apenas da restrição do valor comprovadamente de salário e manteve penhora realizada em parte do valor constante em conta bancária do executado, por entender que inexiste previsão legal que confira natureza salarial a empréstimos consignados. 1.1. Em seu agravo, o recorrente pede que seja julgada insubsistente e indeferida a penhora dos autos principais, que recaiu sobre numerário impenhorável de verba de caráter estritamente salarial, de empréstimo consignado e de saldo negativo em conta salarial do agravante. 2. Os empréstimos consignados não estão relacionados no inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil, que prevê quais são as verbas impenhoráveis. 2.1. Precedentes deste Tribunal: “A proteção conferida às verbas de natureza salarial não pode ser estendida aos empréstimos consignados disponibilizados pela instituição financeira ao correntista, por absoluta falta de previsão legal.” (07005606520198070000, Relator: Eustáquio De Castro, 8ª Turma Cível, PJe: 7/6/2019).” 3. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.837.702 – DF, passou a permitir a constrição de percentual dos proventos dos devedores, de modo a garantir a efetividade do processo, sem afrontar a dignidade ou a subsistência destes e de sua família. 4. Não consta nos autos comprovação de que os valores bloqueados sejam verbas salariais. Ademais, não há no extrato do executado qualquer informação que possa denotar que o bloqueio culminou com o saldo negativo da conta. 5. Agravo improvido 

Recurso especial: aponta violação do art. 1º, III, da CF/1988, do art. 833, IV, do CPC/2015, bem como dissídio jurisprudencial. 

Alega que a penhora recaiu sobre “valor disponibilizado em conta a título de empréstimo consignado de natureza salarial, que fora depositado em sua conta justamente para cobrir o valor que o Recorrente devia à Recorrida, não caracterizado como uma fonte de renda, tampouco renda estável do Recorrente, bem como valor de sua propriedade (R$ 11.929,94)”, e que “tal numerário, enquanto não utilizado pelo correntista, constitui patrimônio da própria SICOOB, retirado de sua conta devido a penhora deferida nos autos n° 0703098- 44.2018.8.07.0003” (fls. 413-414, e-STJ). 

Afirma que “todos os empréstimos, taxados como consignados, como no caso dos presentes autos, são descontados diretamente da aposentadoria do ora Recorrente, o que lhe confere natureza salarial e impenhorável” e que “não se considerou a real situação de penúria do Recorrente, porque já vem cumprindo outra decisão judicial de pagar pensão alimentícia à sua ex-esposa, fixada em 40% (quarenta por cento) de seus rendimentos, conforme sentença de divórcio/alimentos (ID n° 11817571) e demais deduções na fonte demonstradas nos contracheques, que, somados, estão comprometendo 60% (sessenta por cento) da sua renda mensal” (fl. 414, e-STJ). 

Pleiteia o provimento do recurso especial para que seja reconhecida a impenhorabilidade dos valores bloqueados. 

Juízo prévio de admissibilidade: o TJ/DFT inadmitiu o recurso, dando azo à interposição do AREsp 1.757.790/DF, do qual não conheceu a e. Presidência do STJ. 

Agravo interno: interposto por ROBERTO, foi provido para reconsiderar a decisão agravada e determinar a autuação em recurso especial. 

É o relatório.

VOTO 

O propósito recursal é decidir sobre a penhora de valores oriundos de empréstimo consignado, depositados na conta salário do executado. 

DA VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL 

É incabível a interposição de recurso especial fundada em suposta violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 

DA POSSIBILIDADE DE PENHORA DE VALORES ORIUNDOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, DEPOSITADOS NA CONTA SALÁRIO DO EXECUTADO 

Sustenta o recorrente ROBERTO que os valores depositados em sua conta salário, decorrentes de empréstimo consignado, são impenhoráveis, por força do disposto no art. 833, IV, do CPC/2015. 

Para o TJ/DFT, no entanto, “os empréstimos consignados não estão relacionados no inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil” (fl. 379, e-STJ), razão pela qual foi mantida a penhora realizada. 

Sobre o tema, a Lei 10.820/2003 estabelece que os empregados regidos pela CLT, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. 

Assim também previu o legislador quanto aos benefícios da Previdência Social (art. 115, da Lei 8.213/1991) e à remuneração ou proventos dos servidores públicos civis federais (art. 45, § 2º, da Lei 8.112/1990). 

Nessa toada, o empréstimo consignado, como informa o Banco Central do Brasil, “é uma operação de crédito (empréstimo pessoal) cujo pagamento é descontado diretamente, em parcelas mensais fixas, da folha de pagamento ou do benefício previdenciário do contratante” (informação disponível em: https://www.bcb.gov.br/pre/pef/port/folder_serie_I_emprestimo_consignado.pdf, acesso em 23/04/2021). 

Trata-se, portanto, de uma espécie de empréstimo com garantia, sendo esta representada pela própria remuneração do trabalhador, o que explica ser uma das linhas de crédito mais baratas do mercado, na medida em que o risco reduzido de inadimplência possibilita a cobrança de taxas de juros mais baixas. 

E, justamente por incidir diretamente sobre a remuneração do trabalhador, o percentual de comprometimento desta renda com o pagamento das parcelas do empréstimo consignado é limitado por lei, no intuito de preservar a dignidade do devedor: a Lei 14.131/2021 aumentou, até 31/12/2021, de 35% para 40% o percentual máximo de consignação. 

O fato de essas parcelas incidirem diretamente sobre a contraprestação recebida pelo trabalho, entretanto, não equipara os valores oriundos de empréstimo consignado aos vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios, montepios, aos ganhos de trabalhador autônomo e aos honorários de profissional liberal, aos quais o legislador conferiu a proteção da impenhorabilidade (art. 833, IV, CPC/2015). 

Como afirmado por esta Turma, no julgamento do REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), “o recebimento desses valores [salário e crédito decorrente do empréstimo consignado] encontra respaldo em bases jurídicas distintas: o salário tem origem no contrato de trabalho ou na prestação do serviço; o empréstimo tem origem em contrato de mútuo celebrado entre o trabalhador (mutuário) e a instituição financeira ou cooperativa de crédito (mutuante)”. 

Logo, não há falar em natureza salarial dos valores decorrentes de empréstimo consignado, como afirma o recorrente. 

De mais a mais, se nem mesmo o salário e verbas assemelhadas, que têm natureza alimentar, gozam da proteção da impenhorabilidade absoluta, segundo decidiu a Corte Especial no julgamento do EREsp 1.582.475/MG (julgado em 3/10/2018, DJe de 16/10/2018), não é razoável que se confira tal blindagem aos valores decorrentes de empréstimo consignado, apenas porque se encontram depositados na conta salário do devedor. 

Firmadas essas premissas, verifica-se, no particular, que o TJ/DFT, ao analisar o conjunto fático-probatório dos autos, concluiu que “havia diversos créditos sem a comprovação da sua origem, totalizando R$ 18.633,68 (R$ 819,00 + 4.928,34 + 12.886,34)”; que se “determinou a manutenção da penhora do valor de R$ 12.181,51, que seria uma quantia inferior aos créditos sem a demonstração da sua origem”; que “no extrato de ID 12931030 - Pág. 239 há informação de que apenas o montante de R$ 6.559,50 é decorrente de salário, os demais depósitos são decorrentes de empréstimos consignados ou verbas em que não houve comprovação da origem”; que “não há no extrato de ID 12931030 - Pág. 239 qualquer informação que possa denotar que o bloqueio culminou com o saldo negativo da conta”; e, por fim, que “está claramente demonstrado que o valor penhorado não se refere a verba salarial” (fl. 379, e-STJ). 

Nesse contexto, diferentemente do decidido pela Terceira Turma no REsp 1.820.477/DF, (julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020), constata-se que a penhora recaiu sobre valores cuja origem não foi comprovada pelo devedor, não havendo, pois, falar em impenhorabilidade. 

DA CONCLUSÃO 

Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e, nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO. 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA 

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

8 de maio de 2021

EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO. FOLHA DE PAGAMENTO. PENHORABILIDADE. REGRA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.820.477 - DF (2019/0170723-2) 

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA 

RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO. FOLHA DE PAGAMENTO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PENHORABILIDADE. REGRA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. 

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

2. Cinge-se a controvérsia principal a definir se os valores oriundos de empréstimo consignado em folha de pagamento, depositados em conta bancária do devedor, recebem a proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos e pensões, conforme disposto no art. 833, IV, do CPC/2015. 

3. A quantia decorrente de empréstimo consignado, embora seja descontada diretamente da folha de pagamento do mutuário, não tem caráter salarial, sendo, em regra, passível de penhora. 

4. A proteção da impenhorabilidade ocorre somente se o mutuário (devedor) comprovar que os recursos oriundos do empréstimo consignado são necessários à sua manutenção e à da sua família. 

5. Na hipótese, o Tribunal de origem não analisou a necessidade do empréstimo para a manutenção do devedor e da sua família, limitando-se a concluir pela possibilidade da penhora do numerário em conta bancária, não havendo nos autos elementos que permitissem ao julgador verificar a condição financeira do devedor. 

6. Recurso especial parcialmente provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília (DF), 19 de maio de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por MARIA DO CARMO DOS SANTOS, com base no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios assim ementado: 

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA. CRÉDITO PROVENIENTE DE EMPRÉSTIMO. IMPENHORABILIDADE NÃO CONFIGURADA. NATUREZA ALIMENTAR NÃO CONSTATADA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. MANUTENÇÃO DA CONSTRIÇÃO. 1. Ao alegar a impenhorabilidade de recursos encontrados em sua conta corrente, é ônus do devedor provar a correspondente causa impeditiva. Diante da inexistência de provas, mantém-se a constrição. 2. Não há como reconhecer nos valores disponibilizados por instituição bancária, decorrentes de empréstimo consignado, a proteção conferida às verbas alimentares, por absoluta falta de previsão legal, tendo em vista as hipóteses enumeradas no artigo 833 do Código de Processo Civil. 3. Recurso desprovido” (fl. 66 e-STJ). 

Os embargos de declaração opostos (fls. 73-74 e-STJ) foram rejeitados (fls. 81-87 e-STJ). 

Nas presentes razões (fls. 89-100 e-STJ), a recorrente alega, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 489, IV e V, 833, IV, e 1.022 do Código de Processo Civil de 2015. 

Sustenta a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, pois os vícios indicados nos declaratórios não foram sanados pelo Tribunal de origem. 

Defende que o valores decorrentes de empréstimo consignado em folha de pagamento recebe a mesma proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos de aposentadoria e pensões. 

Assevera que “a existência de saldo proveniente de empréstimo consignado não descaracteriza a natureza salarial da conta, sobretudo porque esse mesmo montante será pago mediante desconto de parcelas no salário do devedor” (fl. 95 e-STJ). 

Acrescenta que, “por via transversa, estar-se-ia permitindo a penhora da própria remuneração do devedor, porque houve o bloqueio de todo o saldo existente, deixando-o sem os recursos mínimos necessários à própria subsistência” (fl. 96 e-STJ). 

Aduz que a manutenção da penhora afronta a dignidade da pessoa humana, deixando-a sem os recursos mínimos necessários à sua subsistência. 

Com as contrarrazões (fls. 128-131 e-STJ), a Presidência do Tribunal local admitiu o processamento do presente apelo (fls. 132-133 e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

A irresignação merece prosperar parcialmente. 

Cinge-se a controvérsia a definir se (i) houve a negativa de prestação jurisdicional e se (ii) os valores oriundos de empréstimo consignado em folha de pagamento, depositados em conta bancária do devedor, recebem a proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos e pensões, conforme dispõe o art. 833, IV, do CPC/2015. 

1. Do histórico da demanda 

Na origem, em autos de execução de título extrajudicial, o magistrado de piso determinou a constrição de quantia depositada em conta bancária também utilizada para o recebimento de salário, ao fundamento de que “o crédito ora penhorado, ao que tudo indica decorreu de saldo de empréstimo, que caiu na conta da requerida no dia 12/07/2018, não sendo crédito oriundo de empréstimo impenhorável” (fl. 26 e-STJ). 

Interposto agravo de instrumento (fls. 46-52 e-STJ), o Tribunal de origem negou provimento ao recurso, nos termos da seguinte fundamentação: 

“(...) Na oportunidade da análise do pedido de antecipação dos efeitos da tutela, externei o seguinte raciocínio: Estabelece o inciso I do art. 1.019 do Código de Processo Civil, que o relator 'poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão'. Para que seja concedido o efeito suspensivo, segundo a inteligência do parágrafo único do art. 995 do Diploma Processual, o relator deve verificar se, da imediata produção dos efeitos da decisão recorrida, há risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar evidenciada a probabilidade de provimento do recurso. Feita a análise da pretensão antecipatória, tenho que não se mostram presentes os requisitos necessários ao deferimento da medida judicial de urgência postulada. Não se olvida que de acordo com o inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil, os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações e os proventos de aposentadoria são impenhoráveis. No entanto, a importância bloqueada decorreu de crédito advindo de empréstimo bancário, conforme se vê do documento id. 5268395, onde consta 'CREDITO DE EMPRESTIMO BRBSEERV'. Dessa forma, não se encontra protegido pelo manto da impenhorabilidade, porquanto nem todo crédito depositado em conta salário recebe essa blindagem. (...) Saliente-se, ainda, que a manutenção da r. decisão hostilizada enquanto se aguarda o regular iter procedimental do recurso não tem o condão de ocasionar à recorrente dano algum, porquanto a douta prolatora do édito judicial atacado condicionou a expedição de alvará à preclusão, consoante se vê do andamento processual dos autos de origem 2012.01.1.198093-7. Assim, não se visualizando, de um juízo incipiente, próprio desta fase, a probabilidade do direito alegado, não tem lugar o efeito suspensivo pretendido. Como se vê, os fundamentos externados na decisão que apreciou o pedido liminar, por si sós, são suficientes a direcionar o julgamento da questão de fundo do presente agravo, mormente em se considerando que não vieram aos autos elementos outros, aptos a me demoverem do raciocínio nela contido” (fls. 68-69 e-STJ). 

Os embargos de declaração opostos (fls. 73-74 e-STJ) foram rejeitados (fls. 81-87 e-STJ). 

Feitos esses esclarecimentos, passa-se à análise do presente recurso especial. 

2. Da negativa de prestação jurisdicional 

No tocante à alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015, agiu corretamente o Tribunal de origem ao rejeitar os embargos de declaração diante da inexistência de omissão, obscuridade, contradição ou erro material no acórdão recorrido, ficando patente, em verdade, o intuito infringente da irresignação, que objetivava a reforma do julgado por via inadequada. Ademais, não significa omissão o fato de o aresto impugnado adotar fundamento diverso daquele suscitado pelas partes. Dessa forma, não há falar em negativa de prestação jurisdicional. 

Nesse sentido: 

"PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. PRECATÓRIO. ACORDO HOMOLOGADO PELO JUIZ DA CENTRAL DE CONCILIAÇÃO (CEPREC). INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. I - Não havendo, no acórdão recorrido, omissão, obscuridade ou contradição, não fica caracterizada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973. (...) III - Agravo interno improvido." (AgInt no REsp 1.659.253/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 27/11/2017) 

3. Da penhora de valores provenientes de empréstimo consignado 

A ora recorrente alega que o valores decorrentes de empréstimo consignado em folha de pagamento recebem a mesma proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos de aposentadoria e pensões. 

De acordo com os arts. 831 e 832 do CPC/2015, a penhora deverá recair sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios. Por sua vez, não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis. 

O art. 833, IV, do CPC/2015 estabelece que são impenhoráveis “os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família (...)“. 

O Superior Tribunal de Justiça concluiu que o salário, o soldo ou a remuneração são impenhoráveis, sendo tal regra excepcionada quando se tratar unicamente de constrição para pagamento de prestação alimentícia. 

Nesse sentido: 

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. MILITAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE MÚTUO. INADIMPLEMENTO. CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. IMPENHORABILIDADE DO SOLDO. ART. 649, IV, DO CPC/1973. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A parte ora agravante pretende que o valor das prestações inadimplidas relativas ao contrato de mútuo firmado entre as partes seja objeto de penhora sobre os proventos mensais da agravada, com o consequente restabelecimento da relação de consignação em folha prevista no contrato, até o pagamento integral do débito. 2. O entendimento do STJ é de que o salário, soldo ou remuneração são impenhoráveis, nos termos do art. 649, IV, do CPC/1973, sendo essa regra excepcionada unicamente quando se tratar de penhora para pagamento de prestação alimentícia. 3. Agravo interno não provido." (AgInt no REsp 1.579.345/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/6/2017, DJe 30/6/2017 - grifou-se) 

Todavia, nos idos de 2017, esta Corte começou a sinalizar uma mudança de paradigma para possibilitar a penhora do salário e das demais verbas remuneratórias mesmo na hipótese em que o crédito cobrado/executado não possua natureza alimentar, desde que inexista o comprometimento da subsistência digna do devedor e de sua família. 

A propósito: 

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE PERCENTUAL DE SALÁRIO. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. (...) 2. O propósito recursal é definir se, na hipótese, é possível a penhora de 30% (trinta por cento) do salário do recorrente para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 3. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. Precedentes. 4. Na espécie, em tendo a Corte local expressamente reconhecido que a constrição de percentual de salário do recorrente não comprometeria a sua subsistência digna, inviável mostra-se a alteração do julgado, uma vez que, para tal mister, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, inviável a esta Corte em virtude do óbice da Súmula 7/STJ. 5. Recurso especial conhecido e não provido." (REsp 1.658.069/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe 20/11/2017 - grifou-se) 

"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DA IMPENHORABILIDADE. (...) 2. O propósito recursal é decidir sobre a possibilidade de penhora de 30% (trinta por cento) de verba recebida a título de aposentadoria para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 3. Quanto à interpretação do art. 649, IV, do CPC/73, tem-se que a regra da impenhorabilidade pode ser relativizada quando a hipótese concreta dos autos permitir que se bloqueie parte da verba remuneratória, preservando-se o suficiente para garantir a subsistência digna do devedor e de sua família. Precedentes. 4. Ausência no acórdão recorrido de elementos concretos suficientes que permitam afastar, neste momento, a impenhorabilidade de parte dos proventos de aposentadoria do recorrente. 5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (REsp 1.394.985/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/6/2017, DJe 22/6/2017 - grifou-se) 

Diante da divergência instaurada, conforme demonstrado acima, a Corte Especial do STJ, no final do ano de 2018, assentou a impenhorabilidade só se aplica à parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de seu mínimo existencial, à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes e, com isso, permitiu a penhora de parte do salário para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 

Eis, por oportuno, a ementa do referido julgado: 

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS. CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA NÃO ALIMENTAR. CPC/73, ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA. 1. Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita, é possível a formulação de exceção não prevista expressamente em lei. 2. Caso em que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04, havendo sido deferida a penhora de 30% da quantia. 3. A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais. 4. O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente. 5. Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes. 6. A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. 7. Recurso não provido”. (EREsp 1.582.475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 3/10/2018, REPDJe 19/03/2019, DJe 16/10/2018) 

Nesse contexto, no que diz respeito ao empréstimo consignado, inexiste norma legal que atribua expressamente a tal verba a proteção da impenhorabilidade. Assim, é preciso verificar se, pelo fato de os descontos serem feitos em folha de pagamento, será atribuída a proteção prevista no art. 833, IV, do CPC/2015. 

O empréstimo consignado “é uma modalidade de crédito em que o desconto da prestação é feito diretamente na folha de pagamento ou de benefício previdenciário do contratante”, reduzindo o risco de inadimplência e , por esse motivo, permite a redução da taxa de juros cobrada pela instituição financeira (Fonte https://www.bcb.gov.br/nor/relcidfin/docs/art7_emprestimo_consignado.pdf. Acessado em 6/4/2020, às 9h45). 

Com efeito, fica explícito que essa modalidade de empréstimo compromete a renda do trabalhador, do pensionista ou do aposentado, podendo, assim, reduzir o seu poder aquisitivo e, em certos casos, prejudicar a sua subsistência. Em razão disso, a jurisprudência uniforme desta Corte Superior sedimentou a legalidade na limitação dos descontos efetuados em folha de pagamento do mutuário: 

“RECURSO ESPECIAL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - ALEGAÇÃO GENÉRICA - APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA N. 284/STF - EMPRÉSTIMO - DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO/CONSIGNADO - LIMITAÇÃO EM 30% DA REMUNERAÇÃO RECEBIDA - RECURSO PROVIDO. 1. A admissibilidade do recurso especial exige a clara indicação dos dispositivos supostamente violados, assim como em que medida teria o acórdão recorrido afrontado a cada um dos artigos impugnados. 2. Ante a natureza alimentar do salário e do princípio da razoabilidade, os empréstimos com desconto em folha de pagamento (consignação facultativa/voluntária) devem limitar-se a 30% (trinta por cento) dos vencimentos do trabalhador. 3. Recurso provido.” (REsp 1.186.965/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 7/12/2010, DJe 3/2/2011) 

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. DESCONTOS DE EMPRÉSTIMO EM FOLHA. LIMITAÇÃO A 30% DOS VENCIMENTOS DA SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. EMBARGOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. 1. Embargos de declaração opostos com o fito de rediscutir a decisão embargada. Nítido caráter infringente. Ausência de contradição, omissão ou obscuridade. 2. Toda a normatização que tem pertinência ao caso, vigente por ocasião da pactuação firmada entre as partes, isto é, os artigos 8º do Decreto 6.386/2008; 2º, § 2º, I, da Lei 10.820/2003 e 45, parágrafo único, da Lei 8.112/90 estabelecem que a soma dos descontos em folha de pagamento referentes ao pagamento de prestações de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil, não poderão exceder a 30% (trinta por cento) da remuneração do trabalhador. Com efeito, é descabida a pretensão de que os descontos se limitem a 30% renda líquida da recorrente. 3. "É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que eventuais descontos em folha de pagamento, relativos a empréstimos consignados tomados por servidor público, estão limitados a 30% (trinta por cento) do valor de sua remuneração". (AgRg no RMS 29.988/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 20/06/2014) 4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega provimento.” (EDcl no REsp 1.201.838/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/8/2015, DJe 25/8/2015) 

O mutuário (devedor) recebe determinada quantia do mutuante (instituição financeira ou cooperativa de crédito) e, em contrapartida, ocorre a diminuição do salário devido aos descontos efetuados diretamente na folha de pagamento. 

Porém, ainda que as parcelas do empréstimo contratado sejam descontadas diretamente da folha de pagamento do mutuário, a origem desse valor não é salarial, pois não se trata de valores decorrentes de prestação de serviço, motivo pelo qual não possui, em regra, natureza alimentar. 

Ademais, conclusão em sentido contrário provocaria a ampliação do rol taxativo previsto no art. 833 do CPC/2015, tendo em vista que o empréstimo pessoal, ainda que na modalidade consignada, não encontra previsão no referido dispositivo. Por constituir exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial (art. 831 do CPC/2015), não se admite, nesse aspecto, interpretação extensiva. 

Por outro lado, há julgados em tribunais locais no sentido de que o empréstimo consignado carrega íntima ligação com a remuneração do devedor, funcionando como adiantamento de recebíveis (Agravo de Instrumento nº 70.081.176.349, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, julgado em: 24/4/2019). Essa corrente adota o entendimento de que, antecipa-se o recebimento de parte do salário, do provento ou da pensão e, por isso, a quantia adiantada (valor emprestado) deveria possuir, do mesmo modo, a natureza alimentar. 

Todavia, não há falar em adiantamento de parcelas remuneratórias, quando, em verdade, o recebimento desses valores encontra respaldo em bases jurídicas distintas: o salário tem origem no contrato trabalho ou na prestação do serviço; o empréstimo tem origem em contrato de mútuo celebrado entre o trabalhador (mutuário) e a instituição financeira ou cooperativa de crédito (mutuante). Assim, somente poderia considerar como adiantamento salarial se fosse feito pelo empregador e em função exclusiva do contrato de trabalho. 

Por tais motivos, os valores decorrentes de empréstimo consignado, em regra, não são protegidos pela impenhorabilidade, por não estarem abrangidos pelas expressões vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, conforme a primeira parte do inciso IV art. 833 do CPC/2015. 

Todavia, se o mutuário (devedor) comprovar que os recursos oriundos do empréstimo consignado são necessários à sua manutenção e à da sua família, tais valores recebem o manto da impenhorabilidade. Essa interpretação decorre do que disposto no já citado art. 833, IV, do CPC/2015: “destinadas ao sustento do devedor e de sua família”. 

Na hipótese, o tribunal local não analisou a necessidade do empréstimo para a manutenção do devedor e da sua família, limitando-se a concluir pela possibilidade da penhora do numerário em conta bancária. Tampouco há elementos nos autos que permitem ao julgador verificar a condição financeira do devedor. 

4. Do dispositivo 

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para determinar que o Tribunal de origem analise se os valores decorrentes do empréstimo consignado são necessários à subsistência do recorrente e de sua família.

É o voto. 

17 de abril de 2021

EMPRÉSTIMO CONSIGNADO; BOMBEIRO MILITAR; SUPERENDIVIDAMENTO; PREVALÊNCIA DE NORMA ESPECIAL; DECRETO ESTADUAL N.45563, DE 2016

EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. BOMBEIRO MILITAR DO ESTADO DO RJ. PRETENSÃO DE LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS A 30% DOS RENDIMENTOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS AUTORAIS. RECURSO DOS RÉUS (BANCO BMG S.A E BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S/A). LEGITIMIDADE PASSIVA DO APELANTE (BANCO BMG S/A), PORQUANTO OS BANCOS SÃO BENEFICIADOS ECONOMICAMENTE COM OS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESNECESSÁRIA A INTIMAÇÃO DO AUTOR PARA FINS DE APRESENTAÇÃO DE CONTRACHEQUE ATUALIZADO. PERCENTUAL DE 30% EXCEDIDO. SUPERENDIVIDAMENTO. PREVALÊNCIA DE NORMA ESPECIAL QUE REGULAMENTA OS DESCONTOS CONSIGNADOS DE POLICIAIS E BOMBEIROS MILITARES DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. LEI ESTADUAL Nº279/1979. DIREITO DO AUTOR À LIMITAÇÃO DO PERCENTUAL DE DESCONTOS CONSIGNADOS A 30% DOS RENDIMENTOS, EXCETUADOS OS DESCONTOS OBRIGATÓRIOS. LEI 13.172/2015, QUE PREVÊ QUE OS DESCONTOS CONSIGNADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO SE SUJEITAM AO LIMITE DE 35%, SENDO 30% PARA OS EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS E 5% PARA CARTÕES DE CRÉDITO, APLICA-SE AOS EMPREGADOS REGIDOS PELA CLT. SERVIDOR QUE É BOMBEIRO MILITAR, PAGO PELA SECRETARIA DE PLANEJAMENTO E GESTÃO. DECRETO ESTADUAL Nº 45.563/2016, QUE ALTERA A REGULAMENTAÇÃO DOS EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS DOS SERVIDORES CIVIS E MILITARES, ATIVOS E INATIVOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, FIXOU O LIMITE EM 30% SOBRE OS RENDIMENTOS DO SERVIDOR. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 200 E 295 DO TJERJ. VIOLAÇÃO DO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO MÍNIMO EXISTENCIAL. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS QUE POSSUEM MECANISMOS DE CADASTROS INTERLIGADOS QUE LHE PERMITEM AFERIR A CONDIÇÃO FINANCEIRA DOS CONSUMIDORES ANTES DO DEFERIMENTO DOS EMPRÉSTIMOS. CAUTELA QUE FAZ PARTE DA ATIVIDADE DESENVOLVIDA PELO APELANTE, ASSUMINDO, O MESMO, OS RISCOS DELA DECORRENTES. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSOSCONHECIDOSE DESPROVIDOS.



0038308-14.2016.8.19.0205 - APELAÇÃO

VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL

Des(a). ANDREA FORTUNA TEIXEIRA - Julg: 04/11/2020 - Data de Publicação: 06/11/2020

14 de abril de 2021

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE; LEI ESTADUAL N. 7553, DE 2017; EMPRÉSTIMO CONSIGNADO; SERVIDOR PÚBLICO; VEDAÇÃO DE DESCONTO AUTOMÁTICO EM CONTA-CORRENTE; VÍCIO DE COMPETÊNCIA; INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI ESTADUAL

Direito Constitucional. Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade suscitado por órgão fracionário do Tribunal de Justiça com o escopo de que seja apreciada a constitucionalidade da Lei Estadual nº 7.553/2017, que veda que as instituições financeiras do Estado do Rio de Janeiro descontem automaticamente das contas-correntes as parcelas relativas a empréstimos consignados, quando o desconto já tiver sido realizado na respectiva folha de pagamento dos servidores públicos ativos e inativos, aposentados e pensionistas. Em atenção ao princípio da eventualidade, o E. Supremo Tribunal Federal vem sendo provocado a definir a questão da competência legislativa a envolver a edição de legislação semelhante produzida por outros entes da federação nas ADI's n os 5022, 6202 e 6203. Contudo, ainda não há entendimento consolidado em definitivo pela Corte Suprema a esse respeito, como se observa das consultas aos andamentos processuais dos precedentes mencionados. Não obstante isso, estando-se diante de controle difuso de constitucionalidade da Lei Estadual nº 7.553/2017, nada impede sua análise por parte deste E. Órgão Especial, em cumprimento à exigência constitucional do artigo 97 da Constituição da República. A Lei nº 7.553/2017, tendo sido emanada de ente estadual, ofende a competência privativa da União para legislar sobre direito civil, a teor do disposto no artigo 22, inciso I, da Constituição da República. Precedente em sentido assemelhado ( ADI 4090 / DF - DISTRITO FEDERAL - Relator: Min. LUIZ FUX - Julgamento: 30/08/2019 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno - Publicação: 16-09-2019). Incidente acolhido para declarar-se a inconstitucionalidade do mencionado diploma legal.



0022088-13.2017.8.19.0202 - INCIDENTE DE ARGUICAO DE INCONSTITUCIONALIDADE

OE - SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ORGAO ESPECIAL

Des(a). JOSÉ CARLOS VARANDA DOS SANTOS - Julg: 22/02/2021 - Data de Publicação: 26/02/2021

5 de abril de 2021

RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO. FOLHA DE PAGAMENTO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PENHORABILIDADE. REGRA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO

RECURSO ESPECIAL Nº 1.820.477 - DF (2019/0170723-2) 

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

TERCEIRA TURMA; UNANIMIDADE


RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO. FOLHA DE PAGAMENTO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PENHORABILIDADE. REGRA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. 

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

2. Cinge-se a controvérsia principal a definir se os valores oriundos de empréstimo consignado em folha de pagamento, depositados em conta bancária do devedor, recebem a proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos e pensões, conforme disposto no art. 833, IV, do CPC/2015. 

3. A quantia decorrente de empréstimo consignado, embora seja descontada diretamente da folha de pagamento do mutuário, não tem caráter salarial, sendo, em regra, passível de penhora. 

4. A proteção da impenhorabilidade ocorre somente se o mutuário (devedor) comprovar que os recursos oriundos do empréstimo consignado são necessários à sua manutenção e à da sua família. 

5. Na hipótese, o Tribunal de origem não analisou a necessidade do empréstimo para a manutenção do devedor e da sua família, limitando-se a concluir pela possibilidade da penhora do numerário em conta bancária, não havendo nos autos elementos que permitissem ao julgador verificar a condição financeira do devedor. 

6. Recurso especial parcialmente provido.


RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por MARIA DO CARMO DOS SANTOS, com base no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios assim ementado: 

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA. CRÉDITO PROVENIENTE DE EMPRÉSTIMO. IMPENHORABILIDADE NÃO CONFIGURADA. NATUREZA ALIMENTAR NÃO CONSTATADA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. MANUTENÇÃO DA CONSTRIÇÃO. 1. Ao alegar a impenhorabilidade de recursos encontrados em sua conta corrente, é ônus do devedor provar a correspondente causa impeditiva. Diante da inexistência de provas, mantém-se a constrição. 2. Não há como reconhecer nos valores disponibilizados por instituição bancária, decorrentes de empréstimo consignado, a proteção conferida às verbas alimentares, por absoluta falta de previsão legal, tendo em vista as hipóteses enumeradas no artigo 833 do Código de Processo Civil. 3. Recurso desprovido” (fl. 66 e-STJ). 

Os embargos de declaração opostos (fls. 73-74 e-STJ) foram rejeitados (fls. 81-87 e-STJ). 

Nas presentes razões (fls. 89-100 e-STJ), a recorrente alega, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 489, IV e V, 833, IV, e 1.022 do Código de Processo Civil de 2015. 

Sustenta a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, pois os vícios indicados nos declaratórios não foram sanados pelo Tribunal de origem. 

Defende que o valores decorrentes de empréstimo consignado em folha de pagamento recebe a mesma proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos de aposentadoria e pensões. 

Assevera que “a existência de saldo proveniente de empréstimo consignado não descaracteriza a natureza salarial da conta, sobretudo porque esse mesmo montante será pago mediante desconto de parcelas no salário do devedor” (fl. 95 e-STJ). 

Acrescenta que, “por via transversa, estar-se-ia permitindo a penhora da própria remuneração do devedor, porque houve o bloqueio de todo o saldo existente, deixando-o sem os recursos mínimos necessários à própria subsistência” (fl. 96 e-STJ). 

Aduz que a manutenção da penhora afronta a dignidade da pessoa humana, deixando-a sem os recursos mínimos necessários à sua subsistência. 

Com as contrarrazões (fls. 128-131 e-STJ), a Presidência do Tribunal local admitiu o processamento do presente apelo (fls. 132-133 e-STJ). 

É o relatório. 


VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): 

O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

A irresignação merece prosperar parcialmente. 

Cinge-se a controvérsia a definir se (i) houve a negativa de prestação jurisdicional e se (ii) os valores oriundos de empréstimo consignado em folha de pagamento, depositados em conta bancária do devedor, recebem a proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos e pensões, conforme dispõe o art. 833, IV, do CPC/2015. 

1. Do histórico da demanda 

Na origem, em autos de execução de título extrajudicial, o magistrado de piso determinou a constrição de quantia depositada em conta bancária também utilizada para o recebimento de salário, ao fundamento de que “o crédito ora penhorado, ao que tudo indica decorreu de saldo de empréstimo, que caiu na conta da requerida no dia 12/07/2018, não sendo crédito oriundo de empréstimo impenhorável” (fl. 26 e-STJ). 

Interposto agravo de instrumento (fls. 46-52 e-STJ), o Tribunal de origem negou provimento ao recurso, nos termos da seguinte fundamentação: 

“(...) Na oportunidade da análise do pedido de antecipação dos efeitos da tutela, externei o seguinte raciocínio: Estabelece o inciso I do art. 1.019 do Código de Processo Civil, que o relator 'poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão'. Para que seja concedido o efeito suspensivo, segundo a inteligência do parágrafo único do art. 995 do Diploma Processual, o relator deve verificar se, da imediata produção dos efeitos da decisão recorrida, há risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar evidenciada a probabilidade de provimento do recurso. Feita a análise da pretensão antecipatória, tenho que não se mostram presentes os requisitos necessários ao deferimento da medida judicial de urgência postulada. Não se olvida que de acordo com o inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil, os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações e os proventos de aposentadoria são impenhoráveis. No entanto, a importância bloqueada decorreu de crédito advindo de empréstimo bancário, conforme se vê do documento id. 5268395, onde consta 'CREDITO DE EMPRESTIMO BRBSEERV'. Dessa forma, não se encontra protegido pelo manto da impenhorabilidade, porquanto nem todo crédito depositado em conta salário recebe essa blindagem. (...) Saliente-se, ainda, que a manutenção da r. decisão hostilizada enquanto se aguarda o regular iter procedimental do recurso não tem o condão de ocasionar à recorrente dano algum, porquanto a douta prolatora do édito judicial atacado condicionou a expedição de alvará à preclusão, consoante se vê do andamento processual dos autos de origem 2012.01.1.198093-7. Assim, não se visualizando, de um juízo incipiente, próprio desta fase, a probabilidade do direito alegado, não tem lugar o efeito suspensivo pretendido. Como se vê, os fundamentos externados na decisão que apreciou o pedido liminar, por si sós, são suficientes a direcionar o julgamento da questão de fundo do presente agravo, mormente em se considerando que não vieram aos autos elementos outros, aptos a me demoverem do raciocínio nela contido” (fls. 68-69 e-STJ). 

Os embargos de declaração opostos (fls. 73-74 e-STJ) foram rejeitados (fls. 81-87 e-STJ). 

Feitos esses esclarecimentos, passa-se à análise do presente recurso especial. 

2. Da negativa de prestação jurisdicional 

No tocante à alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015, agiu corretamente o Tribunal de origem ao rejeitar os embargos de declaração diante da inexistência de omissão, obscuridade, contradição ou erro material no acórdão recorrido, ficando patente, em verdade, o intuito infringente da irresignação, que objetivava a reforma do julgado por via inadequada. Ademais, não significa omissão o fato de o aresto impugnado adotar fundamento diverso daquele suscitado pelas partes. Dessa forma, não há falar em negativa de prestação jurisdicional. 

Nesse sentido: 

"PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. PRECATÓRIO. ACORDO HOMOLOGADO PELO JUIZ DA CENTRAL DE CONCILIAÇÃO (CEPREC). INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. I - Não havendo, no acórdão recorrido, omissão, obscuridade ou contradição, não fica caracterizada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973. (...) III - Agravo interno improvido." (AgInt no REsp 1.659.253/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 27/11/2017) 

3. Da penhora de valores provenientes de empréstimo consignado 

A ora recorrente alega que o valores decorrentes de empréstimo consignado em folha de pagamento recebem a mesma proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos de aposentadoria e pensões. 

De acordo com os arts. 831 e 832 do CPC/2015, a penhora deverá recair sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios. Por sua vez, não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis. 

O art. 833, IV, do CPC/2015 estabelece que são impenhoráveis “os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família (...)“. 

O Superior Tribunal de Justiça concluiu que o salário, o soldo ou a remuneração são impenhoráveis, sendo tal regra excepcionada quando se tratar unicamente de constrição para pagamento de prestação alimentícia. 

Nesse sentido: 

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. MILITAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE MÚTUO. INADIMPLEMENTO. CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. IMPENHORABILIDADE DO SOLDO. ART. 649, IV, DO CPC/1973. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A parte ora agravante pretende que o valor das prestações inadimplidas relativas ao contrato de mútuo firmado entre as partes seja objeto de penhora sobre os proventos mensais da agravada, com o consequente restabelecimento da relação de consignação em folha prevista no contrato, até o pagamento integral do débito. 2. O entendimento do STJ é de que o salário, soldo ou remuneração são impenhoráveis, nos termos do art. 649, IV, do CPC/1973, sendo essa regra excepcionada unicamente quando se tratar de penhora para pagamento de prestação alimentícia. 3. Agravo interno não provido." (AgInt no REsp 1.579.345/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/6/2017, DJe 30/6/2017 - grifou-se) 

Todavia, nos idos de 2017, esta Corte começou a sinalizar uma mudança de paradigma para possibilitar a penhora do salário e das demais verbas remuneratórias mesmo na hipótese em que o crédito cobrado/executado não possua natureza alimentar, desde que inexista o comprometimento da subsistência digna do devedor e de sua família. 

A propósito: 

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE PERCENTUAL DE SALÁRIO. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. (...) 2. O propósito recursal é definir se, na hipótese, é possível a penhora de 30% (trinta por cento) do salário do recorrente para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 3. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. Precedentes. 4. Na espécie, em tendo a Corte local expressamente reconhecido que a constrição de percentual de salário do recorrente não comprometeria a sua subsistência digna, inviável mostra-se a alteração do julgado, uma vez que, para tal mister, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, inviável a esta Corte em virtude do óbice da Súmula 7/STJ. 5. Recurso especial conhecido e não provido." (REsp 1.658.069/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe 20/11/2017 - grifou-se) 

"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DA IMPENHORABILIDADE. (...) 2. O propósito recursal é decidir sobre a possibilidade de penhora de 30% (trinta por cento) de verba recebida a título de aposentadoria para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 3. Quanto à interpretação do art. 649, IV, do CPC/73, tem-se que a regra da impenhorabilidade pode ser relativizada quando a hipótese concreta dos autos permitir que se bloqueie parte da verba remuneratória, preservando-se o suficiente para garantir a subsistência digna do devedor e de sua família. Precedentes. 4. Ausência no acórdão recorrido de elementos concretos suficientes que permitam afastar, neste momento, a impenhorabilidade de parte dos proventos de aposentadoria do recorrente. 5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (REsp 1.394.985/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/6/2017, DJe 22/6/2017 - grifou-se) 

Diante da divergência instaurada, conforme demonstrado acima, a Corte Especial do STJ, no final do ano de 2018, assentou a impenhorabilidade só se aplica à parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de seu mínimo existencial, à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes e, com isso, permitiu a penhora de parte do salário para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 

Eis, por oportuno, a ementa do referido julgado: 

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS. CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA NÃO ALIMENTAR. CPC/73, ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA. 1. Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita, é possível a formulação de exceção não prevista expressamente em lei. 2. Caso em que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04, havendo sido deferida a penhora de 30% da quantia. 3. A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais. 4. O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente. 5. Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes. 6. A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. 7. Recurso não provido”. (EREsp 1.582.475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 3/10/2018, REPDJe 19/03/2019, DJe 16/10/2018) 

Nesse contexto, no que diz respeito ao empréstimo consignado, inexiste norma legal que atribua expressamente a tal verba a proteção da impenhorabilidade. Assim, é preciso verificar se, pelo fato de os descontos serem feitos em folha de pagamento, será atribuída a proteção prevista no art. 833, IV, do CPC/2015. 

O empréstimo consignado “é uma modalidade de crédito em que o desconto da prestação é feito diretamente na folha de pagamento ou de benefício previdenciário do contratante”, reduzindo o risco de inadimplência e , por esse motivo, permite a redução da taxa de juros cobrada pela instituição financeira (Fonte https://www.bcb.gov.br/nor/relcidfin/docs/art7_emprestimo_consignado.pdf. Acessado em 6/4/2020, às 9h45). 

Com efeito, fica explícito que essa modalidade de empréstimo compromete a renda do trabalhador, do pensionista ou do aposentado, podendo, assim, reduzir o seu poder aquisitivo e, em certos casos, prejudicar a sua subsistência. Em razão disso, a jurisprudência uniforme desta Corte Superior sedimentou a legalidade na limitação dos descontos efetuados em folha de pagamento do mutuário:

“RECURSO ESPECIAL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - ALEGAÇÃO GENÉRICA - APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA N. 284/STF - EMPRÉSTIMO - DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO/CONSIGNADO - LIMITAÇÃO EM 30% DA REMUNERAÇÃO RECEBIDA - RECURSO PROVIDO. 1. A admissibilidade do recurso especial exige a clara indicação dos dispositivos Documento: 1942841 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 27/05/2020 Página 9 de 4 Superior Tribunal de Justiça supostamente violados, assim como em que medida teria o acórdão recorrido afrontado a cada um dos artigos impugnados. 2. Ante a natureza alimentar do salário e do princípio da razoabilidade, os empréstimos com desconto em folha de pagamento (consignação facultativa/voluntária) devem limitar-se a 30% (trinta por cento) dos vencimentos do trabalhador. 3. Recurso provido.” (REsp 1.186.965/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 7/12/2010, DJe 3/2/2011) 

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. DESCONTOS DE EMPRÉSTIMO EM FOLHA. LIMITAÇÃO A 30% DOS VENCIMENTOS DA SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. EMBARGOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. 1. Embargos de declaração opostos com o fito de rediscutir a decisão embargada. Nítido caráter infringente. Ausência de contradição, omissão ou obscuridade. 2. Toda a normatização que tem pertinência ao caso, vigente por ocasião da pactuação firmada entre as partes, isto é, os artigos 8º do Decreto 6.386/2008; 2º, § 2º, I, da Lei 10.820/2003 e 45, parágrafo único, da Lei 8.112/90 estabelecem que a soma dos descontos em folha de pagamento referentes ao pagamento de prestações de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil, não poderão exceder a 30% (trinta por cento) da remuneração do trabalhador. Com efeito, é descabida a pretensão de que os descontos se limitem a 30% renda líquida da recorrente. 3. "É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que eventuais descontos em folha de pagamento, relativos a empréstimos consignados tomados por servidor público, estão limitados a 30% (trinta por cento) do valor de sua remuneração". (AgRg no RMS 29.988/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 20/06/2014) 4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega provimento.” (EDcl no REsp 1.201.838/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/8/2015, DJe 25/8/2015) 

O mutuário (devedor) recebe determinada quantia do mutuante (instituição financeira ou cooperativa de crédito) e, em contrapartida, ocorre a diminuição do salário devido aos descontos efetuados diretamente na folha de pagamento. 

Porém, ainda que as parcelas do empréstimo contratado sejam descontadas diretamente da folha de pagamento do mutuário, a origem desse valor não é salarial, pois não se trata de valores decorrentes de prestação de serviço, motivo pelo qual não possui, em regra, natureza alimentar. 

Ademais, conclusão em sentido contrário provocaria a ampliação do rol taxativo previsto no art. 833 do CPC/2015, tendo em vista que o empréstimo pessoal, ainda que na modalidade consignada, não encontra previsão no referido dispositivo. Por constituir exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial (art. 831 do CPC/2015), não se admite, nesse aspecto, interpretação extensiva. 

Por outro lado, há julgados em tribunais locais no sentido de que o empréstimo consignado carrega íntima ligação com a remuneração do devedor, funcionando como adiantamento de recebíveis (Agravo de Instrumento nº 70.081.176.349, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, julgado em: 24/4/2019). Essa corrente adota o entendimento de que, antecipa-se o recebimento de parte do salário, do provento ou da pensão e, por isso, a quantia adiantada (valor emprestado) deveria possuir, do mesmo modo, a natureza alimentar. 

Todavia, não há falar em adiantamento de parcelas remuneratórias, quando, em verdade, o recebimento desses valores encontra respaldo em bases jurídicas distintas: o salário tem origem no contrato trabalho ou na prestação do serviço; o empréstimo tem origem em contrato de mútuo celebrado entre o trabalhador (mutuário) e a instituição financeira ou cooperativa de crédito (mutuante). Assim, somente poderia considerar como adiantamento salarial se fosse feito pelo empregador e em função exclusiva do contrato de trabalho. 

Por tais motivos, os valores decorrentes de empréstimo consignado, em regra, não são protegidos pela impenhorabilidade, por não estarem abrangidos pelas expressões vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, conforme a primeira parte do inciso IV art. 833 do CPC/2015. 

Todavia, se o mutuário (devedor) comprovar que os recursos oriundos do empréstimo consignado são necessários à sua manutenção e à da sua família, tais valores recebem o manto da impenhorabilidade. Essa interpretação decorre do que disposto no já citado art. 833, IV, do CPC/2015: “destinadas ao sustento do devedor e de sua família”. 

Na hipótese, o tribunal local não analisou a necessidade do empréstimo para a manutenção do devedor e da sua família, limitando-se a concluir pela possibilidade da penhora do numerário em conta bancária. Tampouco há elementos nos autos que permitem ao julgador verificar a condição financeira do devedor. 

4. Do dispositivo 

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para determinar que o Tribunal de origem analise se os valores decorrentes do empréstimo consignado são necessários à subsistência do recorrente e de sua família. É o voto.