RECURSO ESPECIAL Nº 1.820.477 - DF (2019/0170723-2)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO. FOLHA DE
PAGAMENTO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA.
PENHORABILIDADE. REGRA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código
de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia principal a definir se os valores oriundos de
empréstimo consignado em folha de pagamento, depositados em conta bancária
do devedor, recebem a proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários,
proventos e pensões, conforme disposto no art. 833, IV, do CPC/2015.
3. A quantia decorrente de empréstimo consignado, embora seja descontada
diretamente da folha de pagamento do mutuário, não tem caráter salarial, sendo,
em regra, passível de penhora.
4. A proteção da impenhorabilidade ocorre somente se o mutuário (devedor)
comprovar que os recursos oriundos do empréstimo consignado são necessários
à sua manutenção e à da sua família.
5. Na hipótese, o Tribunal de origem não analisou a necessidade do empréstimo
para a manutenção do devedor e da sua família, limitando-se a concluir pela
possibilidade da penhora do numerário em conta bancária, não havendo nos
autos elementos que permitissem ao julgador verificar a condição financeira do
devedor.
6. Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a
Terceira Turma, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro
(Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 19 de maio de 2020(Data do Julgamento)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se
de recurso especial interposto por MARIA DO CARMO DOS SANTOS, com base no art. 105, III,
“a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios assim ementado:
“PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA. CRÉDITO
PROVENIENTE DE EMPRÉSTIMO. IMPENHORABILIDADE NÃO
CONFIGURADA. NATUREZA ALIMENTAR NÃO CONSTATADA. AUSÊNCIA DE
PREVISÃO LEGAL. MANUTENÇÃO DA CONSTRIÇÃO.
1. Ao alegar a impenhorabilidade de recursos encontrados em sua conta
corrente, é ônus do devedor provar a correspondente causa impeditiva. Diante da
inexistência de provas, mantém-se a constrição.
2. Não há como reconhecer nos valores disponibilizados por instituição bancária,
decorrentes de empréstimo consignado, a proteção conferida às verbas
alimentares, por absoluta falta de previsão legal, tendo em vista as hipóteses
enumeradas no artigo 833 do Código de Processo Civil.
3. Recurso desprovido” (fl. 66 e-STJ).
Os embargos de declaração opostos (fls. 73-74 e-STJ) foram rejeitados (fls.
81-87 e-STJ).
Nas presentes razões (fls. 89-100 e-STJ), a recorrente alega, além de divergência
jurisprudencial, violação dos arts. 489, IV e V, 833, IV, e 1.022 do Código de Processo Civil de
2015.
Sustenta a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, pois os vícios
indicados nos declaratórios não foram sanados pelo Tribunal de origem.
Defende que o valores decorrentes de empréstimo consignado em folha de
pagamento recebe a mesma proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos
de aposentadoria e pensões.
Assevera que “a existência de saldo proveniente de empréstimo consignado não
descaracteriza a natureza salarial da conta, sobretudo porque esse mesmo montante será pago
mediante desconto de parcelas no salário do devedor” (fl. 95 e-STJ).
Acrescenta que, “por via transversa, estar-se-ia permitindo a penhora da própria
remuneração do devedor, porque houve o bloqueio de todo o saldo existente, deixando-o sem
os recursos mínimos necessários à própria subsistência” (fl. 96 e-STJ).
Aduz que a manutenção da penhora afronta a dignidade da pessoa humana,
deixando-a sem os recursos mínimos necessários à sua subsistência.
Com as contrarrazões (fls. 128-131 e-STJ), a Presidência do Tribunal local
admitiu o processamento do presente apelo (fls. 132-133 e-STJ).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O acórdão
impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015
(Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
A irresignação merece prosperar parcialmente.
Cinge-se a controvérsia a definir se (i) houve a negativa de prestação
jurisdicional e se (ii) os valores oriundos de empréstimo consignado em folha de
pagamento, depositados em conta bancária do devedor, recebem a proteção da
impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos e pensões, conforme dispõe o
art. 833, IV, do CPC/2015.
1. Do histórico da demanda
Na origem, em autos de execução de título extrajudicial, o magistrado de piso
determinou a constrição de quantia depositada em conta bancária também utilizada para o
recebimento de salário, ao fundamento de que “o crédito ora penhorado, ao que tudo indica
decorreu de saldo de empréstimo, que caiu na conta da requerida no dia 12/07/2018, não
sendo crédito oriundo de empréstimo impenhorável” (fl. 26 e-STJ).
Interposto agravo de instrumento (fls. 46-52 e-STJ), o Tribunal de origem negou
provimento ao recurso, nos termos da seguinte fundamentação:
“(...)
Na oportunidade da análise do pedido de antecipação dos efeitos
da tutela, externei o seguinte raciocínio:
Estabelece o inciso I do art. 1.019 do Código de
Processo Civil, que o relator 'poderá atribuir efeito suspensivo ao
recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente,
a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão'.
Para que seja concedido o efeito suspensivo,
segundo a inteligência do parágrafo único do art. 995 do Diploma
Processual, o relator deve verificar se, da imediata produção dos
efeitos da decisão recorrida, há risco de dano grave, de difícil ou
impossível reparação, e ficar evidenciada a probabilidade de
provimento do recurso.
Feita a análise da pretensão antecipatória, tenho que
não se mostram presentes os requisitos necessários ao
deferimento da medida judicial de urgência postulada.
Não se olvida que de acordo com o inciso IV do art.
833 do Código de Processo Civil, os vencimentos, os subsídios, os
soldos, os salários, as remunerações e os proventos de
aposentadoria são impenhoráveis.
No entanto, a importância bloqueada decorreu de
crédito advindo de empréstimo bancário, conforme se vê do
documento id. 5268395, onde consta 'CREDITO DE EMPRESTIMO
BRBSEERV'.
Dessa forma, não se encontra protegido pelo manto
da impenhorabilidade, porquanto nem todo crédito depositado em
conta salário recebe essa blindagem. (...)
Saliente-se, ainda, que a manutenção da r. decisão
hostilizada enquanto se aguarda o regular iter procedimental do
recurso não tem o condão de ocasionar à recorrente dano algum,
porquanto a douta prolatora do édito judicial atacado condicionou a
expedição de alvará à preclusão, consoante se vê do andamento
processual dos autos de origem 2012.01.1.198093-7.
Assim, não se visualizando, de um juízo incipiente,
próprio desta fase, a probabilidade do direito alegado, não tem
lugar o efeito suspensivo pretendido.
Como se vê, os fundamentos externados na decisão que apreciou o
pedido liminar, por si sós, são suficientes a direcionar o julgamento da questão de
fundo do presente agravo, mormente em se considerando que não vieram aos autos elementos outros, aptos a me demoverem do raciocínio nela contido” (fls.
68-69 e-STJ).
Os embargos de declaração opostos (fls. 73-74 e-STJ) foram rejeitados (fls.
81-87 e-STJ).
Feitos esses esclarecimentos, passa-se à análise do presente recurso especial.
2. Da negativa de prestação jurisdicional
No tocante à alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015, agiu corretamente o
Tribunal de origem ao rejeitar os embargos de declaração diante da inexistência de omissão,
obscuridade, contradição ou erro material no acórdão recorrido, ficando patente, em verdade, o
intuito infringente da irresignação, que objetivava a reforma do julgado por via inadequada.
Ademais, não significa omissão o fato de o aresto impugnado adotar fundamento diverso
daquele suscitado pelas partes. Dessa forma, não há falar em negativa de prestação
jurisdicional.
Nesse sentido:
"PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. PRECATÓRIO. ACORDO HOMOLOGADO
PELO JUIZ DA CENTRAL DE CONCILIAÇÃO (CEPREC). INTERPRETAÇÃO
RESTRITIVA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. NÃO OCORRÊNCIA.
REVISÃO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE.
I - Não havendo, no acórdão recorrido, omissão, obscuridade ou contradição, não
fica caracterizada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973. (...)
III - Agravo interno improvido."
(AgInt no REsp 1.659.253/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA
TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 27/11/2017)
3. Da penhora de valores provenientes de empréstimo consignado
A ora recorrente alega que o valores decorrentes de empréstimo consignado em
folha de pagamento recebem a mesma proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários,
proventos de aposentadoria e pensões.
De acordo com os arts. 831 e 832 do CPC/2015, a penhora deverá recair sobre
tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e
dos honorários advocatícios. Por sua vez, não estão sujeitos à execução os bens que a lei
considera impenhoráveis ou inalienáveis.
O art. 833, IV, do CPC/2015 estabelece que são impenhoráveis “os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as
pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de
terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família (...)“.
O Superior Tribunal de Justiça concluiu que o salário, o soldo ou a remuneração
são impenhoráveis, sendo tal regra excepcionada quando se tratar unicamente de constrição
para pagamento de prestação alimentícia.
Nesse sentido:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO
ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. SERVIDOR PÚBLICO
FEDERAL. MILITAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE MÚTUO. INADIMPLEMENTO.
CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
IMPENHORABILIDADE DO SOLDO. ART. 649, IV, DO CPC/1973.
PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A parte ora agravante pretende que o valor das prestações inadimplidas
relativas ao contrato de mútuo firmado entre as partes seja objeto de penhora
sobre os proventos mensais da agravada, com o consequente restabelecimento
da relação de consignação em folha prevista no contrato, até o pagamento
integral do débito.
2. O entendimento do STJ é de que o salário, soldo ou remuneração são
impenhoráveis, nos termos do art. 649, IV, do CPC/1973, sendo essa regra
excepcionada unicamente quando se tratar de penhora para pagamento de
prestação alimentícia.
3. Agravo interno não provido."
(AgInt no REsp 1.579.345/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 27/6/2017, DJe 30/6/2017 - grifou-se)
Todavia, nos idos de 2017, esta Corte começou a sinalizar uma mudança de
paradigma para possibilitar a penhora do salário e das demais verbas remuneratórias mesmo
na hipótese em que o crédito cobrado/executado não possua natureza alimentar, desde que
inexista o comprometimento da subsistência digna do devedor e de sua família.
A propósito:
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO
DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE PERCENTUAL DE
SALÁRIO. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE.
POSSIBILIDADE. (...)
2. O propósito recursal é definir se, na hipótese, é possível a penhora de 30%
(trinta por cento) do salário do recorrente para o pagamento de dívida de
natureza não alimentar.
3. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de
impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a
fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do
crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. Precedentes.
4. Na espécie, em tendo a Corte local expressamente reconhecido que a
constrição de percentual de salário do recorrente não comprometeria a sua
subsistência digna, inviável mostra-se a alteração do julgado, uma vez que, para
tal mister, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos,
inviável a esta Corte em virtude do óbice da Súmula 7/STJ.
5. Recurso especial conhecido e não provido."
(REsp 1.658.069/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 14/11/2017, DJe 20/11/2017 - grifou-se)
"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA.
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE PROVENTOS DE
APOSENTADORIA. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DA IMPENHORABILIDADE. (...)
2. O propósito recursal é decidir sobre a possibilidade de penhora de 30% (trinta
por cento) de verba recebida a título de aposentadoria para o pagamento de
dívida de natureza não alimentar.
3. Quanto à interpretação do art. 649, IV, do CPC/73, tem-se que a regra da
impenhorabilidade pode ser relativizada quando a hipótese concreta dos
autos permitir que se bloqueie parte da verba remuneratória,
preservando-se o suficiente para garantir a subsistência digna do devedor e
de sua família. Precedentes.
4. Ausência no acórdão recorrido de elementos concretos suficientes que
permitam afastar, neste momento, a impenhorabilidade de parte dos proventos de
aposentadoria do recorrente.
5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido."
(REsp 1.394.985/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 13/6/2017, DJe 22/6/2017 - grifou-se)
Diante da divergência instaurada, conforme demonstrado acima, a Corte Especial
do STJ, no final do ano de 2018, assentou a impenhorabilidade só se aplica à parte do
patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de seu mínimo
existencial, à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes e, com isso, permitiu a
penhora de parte do salário para o pagamento de dívida de natureza não alimentar.
Eis, por oportuno, a ementa do referido julgado:
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO
ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE
DE VENCIMENTOS. CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA NÃO ALIMENTAR. CPC/73,
ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE
IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS
VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E
DE SUA FAMÍLIA.
1. Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos
vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no
parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita,
é possível a formulação de exceção não prevista expressamente em lei.
2. Caso em que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04,
havendo sido deferida a penhora de 30% da quantia.
3. A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A
impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a
proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de
um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o
credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade,
na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais.
4. O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela
boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o
executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à
sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim
de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente.
5. Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a
impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente
necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes.
6. A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc.
(art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada
quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à
dignidade do devedor e de sua família.
7. Recurso não provido”.
(EREsp 1.582.475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE
ESPECIAL, julgado em 3/10/2018, REPDJe 19/03/2019, DJe 16/10/2018)
Nesse contexto, no que diz respeito ao empréstimo consignado, inexiste
norma legal que atribua expressamente a tal verba a proteção da impenhorabilidade.
Assim, é preciso verificar se, pelo fato de os descontos serem feitos em folha de pagamento,
será atribuída a proteção prevista no art. 833, IV, do CPC/2015.
O empréstimo consignado “é uma modalidade de crédito em que o desconto da
prestação é feito diretamente na folha de pagamento ou de benefício previdenciário do
contratante”, reduzindo o risco de inadimplência e , por esse motivo, permite a redução da taxa
de juros cobrada pela instituição financeira (Fonte
https://www.bcb.gov.br/nor/relcidfin/docs/art7_emprestimo_consignado.pdf. Acessado em
6/4/2020, às 9h45).
Com efeito, fica explícito que essa modalidade de empréstimo compromete a
renda do trabalhador, do pensionista ou do aposentado, podendo, assim, reduzir o seu poder
aquisitivo e, em certos casos, prejudicar a sua subsistência. Em razão disso, a jurisprudência
uniforme desta Corte Superior sedimentou a legalidade na limitação dos descontos efetuados
em folha de pagamento do mutuário:
“RECURSO ESPECIAL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - ALEGAÇÃO GENÉRICA - APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA N.
284/STF - EMPRÉSTIMO - DESCONTO EM FOLHA DE
PAGAMENTO/CONSIGNADO - LIMITAÇÃO EM 30% DA REMUNERAÇÃO
RECEBIDA - RECURSO PROVIDO.
1. A admissibilidade do recurso especial exige a clara indicação dos dispositivos supostamente violados, assim como em que medida teria o acórdão recorrido
afrontado a cada um dos artigos impugnados.
2. Ante a natureza alimentar do salário e do princípio da razoabilidade, os
empréstimos com desconto em folha de pagamento (consignação
facultativa/voluntária) devem limitar-se a 30% (trinta por cento) dos vencimentos
do trabalhador.
3. Recurso provido.”
(REsp 1.186.965/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado
em 7/12/2010, DJe 3/2/2011)
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. DESCONTOS DE
EMPRÉSTIMO EM FOLHA. LIMITAÇÃO A 30% DOS VENCIMENTOS DA
SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO,
CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. EMBARGOS RECEBIDOS COMO AGRAVO
REGIMENTAL.
1. Embargos de declaração opostos com o fito de rediscutir a decisão
embargada. Nítido caráter infringente. Ausência de contradição, omissão ou
obscuridade.
2. Toda a normatização que tem pertinência ao caso, vigente por ocasião da
pactuação firmada entre as partes, isto é, os artigos 8º do Decreto 6.386/2008;
2º, § 2º, I, da Lei 10.820/2003 e 45, parágrafo único, da Lei 8.112/90
estabelecem que a soma dos descontos em folha de pagamento referentes ao
pagamento de prestações de empréstimos, financiamentos e operações de
arrendamento mercantil, não poderão exceder a 30% (trinta por cento) da
remuneração do trabalhador. Com efeito, é descabida a pretensão de que os
descontos se limitem a 30% renda líquida da recorrente.
3. "É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que eventuais descontos
em folha de pagamento, relativos a empréstimos consignados tomados por
servidor público, estão limitados a 30% (trinta por cento) do valor de sua
remuneração". (AgRg no RMS 29.988/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI
CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 20/06/2014) 4. Embargos de
declaração recebidos como agravo regimental a que se nega provimento.”
(EDcl no REsp 1.201.838/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 18/8/2015, DJe 25/8/2015)
O mutuário (devedor) recebe determinada quantia do mutuante (instituição
financeira ou cooperativa de crédito) e, em contrapartida, ocorre a diminuição do salário devido
aos descontos efetuados diretamente na folha de pagamento.
Porém, ainda que as parcelas do empréstimo contratado sejam
descontadas diretamente da folha de pagamento do mutuário, a origem desse valor
não é salarial, pois não se trata de valores decorrentes de prestação de serviço,
motivo pelo qual não possui, em regra, natureza alimentar.
Ademais, conclusão em sentido contrário provocaria a ampliação do rol taxativo
previsto no art. 833 do CPC/2015, tendo em vista que o empréstimo pessoal, ainda que na
modalidade consignada, não encontra previsão no referido dispositivo. Por constituir exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial (art. 831 do CPC/2015), não se admite,
nesse aspecto, interpretação extensiva.
Por outro lado, há julgados em tribunais locais no sentido de que o empréstimo
consignado carrega íntima ligação com a remuneração do devedor, funcionando como
adiantamento de recebíveis (Agravo de Instrumento nº 70.081.176.349, Décima Quinta Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, julgado em:
24/4/2019). Essa corrente adota o entendimento de que, antecipa-se o recebimento de parte do
salário, do provento ou da pensão e, por isso, a quantia adiantada (valor emprestado) deveria
possuir, do mesmo modo, a natureza alimentar.
Todavia, não há falar em adiantamento de parcelas remuneratórias,
quando, em verdade, o recebimento desses valores encontra respaldo em bases
jurídicas distintas: o salário tem origem no contrato trabalho ou na prestação do serviço; o
empréstimo tem origem em contrato de mútuo celebrado entre o trabalhador (mutuário) e a
instituição financeira ou cooperativa de crédito (mutuante). Assim, somente poderia considerar
como adiantamento salarial se fosse feito pelo empregador e em função exclusiva do contrato
de trabalho.
Por tais motivos, os valores decorrentes de empréstimo consignado, em
regra, não são protegidos pela impenhorabilidade, por não estarem abrangidos pelas
expressões vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de
aposentadoria, pensões, conforme a primeira parte do inciso IV art. 833 do CPC/2015.
Todavia, se o mutuário (devedor) comprovar que os recursos oriundos do
empréstimo consignado são necessários à sua manutenção e à da sua família, tais
valores recebem o manto da impenhorabilidade. Essa interpretação decorre do que
disposto no já citado art. 833, IV, do CPC/2015: “destinadas ao sustento do devedor e de sua
família”.
Na hipótese, o tribunal local não analisou a necessidade do empréstimo para a
manutenção do devedor e da sua família, limitando-se a concluir pela possibilidade da penhora
do numerário em conta bancária. Tampouco há elementos nos autos que permitem ao julgador
verificar a condição financeira do devedor.
4. Do dispositivo
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para determinar que o Tribunal de origem analise se os valores decorrentes do empréstimo consignado são
necessários à subsistência do recorrente e de sua família.
É o voto.