Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/08/info-700-stj.pdf
DIREITO AUTORAL - É obrigatório o fornecimento, a qualquer interessado, das informações relativas à participação
individual de cada artista nas obras musicais coletivas
As associações de gestão coletiva de direitos autorais, a despeito de possuírem natureza
jurídica de direito privado, exercem, tal qual dispõe o art. 97, § 1º, da Lei nº 9.610/98,
atividade de interesse público, devendo atender a sua função social.
Nos termos do art. 98, § 6º, da Lei nº 9.610/98, introduzido pela Lei nº 12.853/2013, as
associações deverão manter um cadastro centralizado de todos os contratos, declarações ou
documentos de qualquer natureza que comprovem a autoria e a titularidade das obras e dos
fonogramas, bem como as participações individuais em cada obra e em cada fonograma,
prevenindo o falseamento de dados e fraudes e promovendo a desambiguação de títulos
similares de obras.
Ainda, nos moldes do que dispõe o § 7º do mencionado dispositivo legal, tais informações são
de interesse público e o acesso a elas deverá ser disponibilizado por meio eletrônico a
qualquer interessado, de forma gratuita.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.921.769-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/06/2021 (Info 700).
Imagine a seguinte situação adaptada:
Alexandre é professor universitário e pesquisador da área de direitos autorais. Ele estava matriculado no
curso de doutorado em Direito da Universidade Federal do Paraná, pesquisando projeto de tese intitulado
“Mecanismos coletivos de efetividade da tutela de direitos autorais na internet”, que tem por objetivo
discutir questões relativas à tutela de direitos individuais dos autores (e demais titulares) no ambiente
digital, em especial quando relacionados a novas tecnologias de distribuição musical (ex.: streaming).
Alexandre entrou em contato com a União Brasileira de Compositores (UBC), uma das associações de
gestão coletiva de direitos autorais, integrante do sistema ECAD, para obter acesso integral aos dados
cadastrais das obras musicais catalogadas a fim de utilizar tais informações em sua pesquisa.
A UBC negou acesso aos dados solicitados.
Diante disso, Alexandre ajuizou ação de obrigação de fazer em face da UBC pedindo para ter acesso às
informações necessárias à sua pesquisa.
O caso chegou ao STJ.
O pedido formulado por Alexandre deve ser acolhido?
SIM. O STJ decidiu que:
É obrigatório o fornecimento, a qualquer interessado, das informações relativas à participação
individual de cada artista nas obras musicais coletivas.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.921.769-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 08/06/2021 (Info 700).
Vamos entender com calma, aproveitando para fazer uma revisão sobre o tema.
Direito autoral
Direito autoral é o conjunto de regras previstas na lei como forma de proteger os interesses da pessoa
física ou jurídica que criou uma obra intelectual.
Ex: o art. 5º, XXVII, da CF/88 afirma que o autor da obra intelectual possui o direito de utilizar, publicar ou
reproduzir, com exclusividade, a obra que ele criou. Obviamente, este autor poderá ceder, gratuita ou
onerosamente, este direito para outras pessoas, mas esta é uma decisão sua. Confira o texto constitucional:
Art. 5º (...) XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução
de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
A proteção dos direitos autorais é muito importante porque, se não houvesse esse amparo, dificilmente
os autores se sentiriam motivados a produzir obras intelectuais, gastando seu tempo e seus recursos sem
obter qualquer retorno econômico.
Gestão coletiva de direitos autorais
A experiência ao redor do mundo demonstrou que é muito complicado para o autor defender, pessoal e
individualmente, seus direitos autorais. Não há como ele controlar e fiscalizar isso sozinho. Imagine se um
compositorteria condições de verificar em todas asfestas, rádios, TVs etc. ao redor do paísse a sua música
estaria sendo executada. Praticamente impossível.
Além disso, algumas vezes uma obra possui vários titulares de direitos autorais (ex: uma música gravada
por uma banda), o que torna ainda mais difícil a fiscalização e a repartição dos direitos de cada um caso
isso fosse feito individualmente.
Pensando nisso, idealizou-se o modelo de gestão coletiva de direitos autorais.
Gestão coletiva de direitos autorais consiste no exercício e na defesa das prerrogativas legais inerentes à
criação intelectual através de associações formadas por titulares desses direitos (Min. Luiz Fux).
Desse modo, na gestão coletiva, os direitos autorais são protegidos, fiscalizados e cobrados de quem os
utilizar não pelos autores individualmente, mas sim por associações.
Ao reunir todos os autores em uma associação, torna-se mais simples a identificação e a negociação do
licenciamento dos direitos. Ao mesmo tempo, viabiliza-se que uma mesma estrutura de fiscalização e
cobrança seja utilizada por diferentes titulares, diluindo os custos.
Previsão constitucional da gestão coletiva de direitos autorais
A CF/88 prevê expressamente a possibilidade da gestão coletiva de direitos autorais. Veja:
Art. 5º (...)
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
(...)
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que
participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e
associativas;
A redação não é das melhores, mas o que diz o texto constitucional é que as representações sindicais ou
associativas possuem o direito de fiscalizar o aproveitamento econômico das obras intelectuais. Esse
direito é também assegurado aos próprios criadores e intérpretes.
Gestão coletiva de direitos autorais na Lei nº 9.610/98
De acordo com a Lei nº 9.610/98, a gestão coletiva de direitos autorais deve ser organizada em:
i) associações de classe representativas de titulares de direitos de autor e conexos, criada para o exercício
e defesa desses direitos (art. 97); e
ii) ECAD, que congrega as associações anteriores, sendo responsável, em regime de monopólio, pela
arrecadação e distribuição de direitos autorais sobre a execução pública de obras intelectuais (art. 99).
ECAD
O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) é uma sociedade civil, de natureza privada, instituída
pela Lei federal nº 5.988/73 e mantida pela atual Lei de Direitos Autorais Brasileira (Lei nº 9.610/98).
É uma entidade composta por sete associações de gestão coletiva musical (Abramus, Amar, Assim,
Sbacem, Sicam, Socinpro e UBC) e que tem por função formular a política e a normatização da arrecadação
e distribuição de direitos autorais decorrentes da execução pública de composições musicais ou
literomusicais e de fonogramas, possuindo legitimidade para defender em juízo ou fora dele a observância
dos direitos autorais em nome de seus titulares.
A participação individual em obras coletivas é protegida?
SIM. Confira o que diz o art. 5º, XXVIII, da CF/88:
Art. 5º (...)
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz
humanas, inclusive nas atividades desportivas;
No mesmo sentido é o art. 17 da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98):
Art. 17. É assegurada a proteção às participações individuais em obras coletivas.
§ 1º Qualquer dos participantes, no exercício de seus direitos morais, poderá proibir que se
indique ou anuncie seu nome na obra coletiva, sem prejuízo do direito de haver a remuneração
contratada.
§ 2º Cabe ao organizador a titularidade dos direitos patrimoniais sobre o conjunto da obra coletiva.
§ 3º O contrato com o organizador especificará a contribuição do participante, o prazo para
entrega ou realização, a remuneração e demais condições para sua execução.
Cabe às associações de gestão coletiva de direitos autorais o dever de fornecimento de informações a
qualquer interessado sobre o percentual de participação individual em obra coletiva (art. 98, §§ 6º e 7º,
da Lei 9.610/98)?
SIM. A própria Lei de Direitos Autorais assegura a qualquer interessado, inequivocamente, o acesso
gratuito às informações relativas às participações individuais em cada obra e em cada fonograma, nos
termos dos §§ 6º e 7º do art. 98:
Art. 98. (...)
§ 6º As associações deverão manter um cadastro centralizado de todos os contratos, declarações
ou documentos de qualquer natureza que comprovem a autoria e a titularidade das obras e dos
fonogramas, bem como as participações individuais em cada obra e em cada fonograma,
prevenindo o falseamento de dados e fraudes e promovendo a desambiguação de títulossimilares
de obras.
§ 7º As informações mencionadas no § 6º são de interesse público e o acesso a elas deverá ser
disponibilizado por meio eletrônico a qualquer interessado, de forma gratuita, permitindo-se
ainda ao Ministério da Cultura o acesso contínuo e integral a tais informações.
Assim, nos termos do art. 98, § 6º, da Lei nº 9.610/98, introduzido pela Lei nº 12.853/2013, as associações
deverão manter um cadastro centralizado de todos os contratos, declarações ou documentos de qualquer
natureza que comprovem a autoria e a titularidade das obras e dos fonogramas, bem como as
participações individuais em cada obra e em cada fonograma, prevenindo o falseamento de dados e
fraudes e promovendo a desambiguação de títulos similares de obras. Ademais, conforme determina o §
7º do mencionado dispositivo legal, tais informações são de interesse público e o acesso a elas deverá ser
disponibilizado por meio eletrônico a qualquer interessado, de forma gratuita.