CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM PREÇO
A FIXAR
Preço não definido e ausência de título executivo
Revista dos Tribunais Sul | vol. 2/2013 | p. 99 - 132 | Nov - Dez
/ 2013
DTR\2014\1715
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José
Miguel Garcia Medina
Doutor em
Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Titular
da Universidade Paranaense. Professor Associado da Universidade Estadual de
Maringá.
Área
do Direito: SE
Sumário:
Parecer -
Parte I.Sobre os instrumentos de contrato de "compra e venda de feijão
soja" - Parte II.Sobre a prorrogação da data de fixação do preço, avençada
(segundo afirma a Exequente) sob condição suspensiva que não teria sido
implementada - Parte III.Sobre os meios processuais de que se pode valer a Consulente,
para demonstrar, doravante, os vícios existentes no processo
Oferecido à
V.T.I.E.C. pelo Professor José Miguel Garcia Medina
1 - Contrato
de compra e venda com preço a fixar. Preço não definido. Título executivo.
Inexistência.
2 - Efeito
devolutivo da apelação. Omissão sobre temas alegados em primeiro grau e
examinados na sentença. Cabimento de embargos de declaração e, não sanado o
vício, de recurso especial.
3 - Termo
inicial para a oposição dos embargos à execução. Observância ao critério estabelecido
pelo pronunciamento judicial que ordenou a citação. Nemo potest venire
contra factum proprium.
4 - Decisão
que julga exceção de pré-executividade. Conteúdo dos embargos.
(i)
Síntese da situação jurídica existente
V.T.I.E.C.,
através de seu advogado J.E.S., honra-me com consulta acerca da correção da
tese jurídica sustentada em v. acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do
Estado do Mato Grosso,1 que admitiu, como títulos executivos
extrajudiciais, instrumentos contratuais e documentos ostentados por A.B. em
"ação de execução para entrega de coisa incerta" movida contra a ora
Consulente, bem como contra P.G.V.N., O.S.V., V.A.L., R.C.C.S., J.C.M.C.,
R.C.S. e I.C.C.2
Interessa ter
bem claros, para a correta compreensão da Consulta, os eventos a seguir
indicados:
1.º) A.B.
ajuizou, contra a Consulente e outros acima indicados, "ação de execução
para entrega de coisa incerta", lastreada nos seguintes documentos:3
a) instrumentos particulares de
contratos "de compra e venda de feijão soja" realizados entre as
partes e formalizados através dos instrumentos contratuais de f., dos quais, em
sua maioria, consta que a Exequente deveria, em 26.10.2008, realizar a fixação
do preço do produto, a fim de que se apurasse a existência de valor
remanescente a ser pago pela Exequente à vendedora ou de "quantidade
adicional do produto, proporcional à diferença obtida a menor" a ser
entregue pela vendedora à Exequente; e, também, b) vários documentos
denominados "Extrato do Contrato", acompanhando cada um dos instrumentos
contratuais, todos aparentemente emitidos pela Exequente em 28.11.2008;
c) declaração de vontade firmada
por ambas as partes, por escrito, para "confirmação de fixação de
basis", em relação a pelo menos um dos contratos (cf. f.);4
d) correspondência eletrônica
(e-mail), como dá conta o documento juntado pela Exequente às f., referente a
roll-over realizado pelas partes por intermédio da S. C. em relação ao
contrato CTR (…);5
e) declaração unilateral de
vontade da Exequente, consistente em notificação extrajudicial (f. dos autos)
enviada pela Exequente à Consulente (e não aos demais executados) para que esta
entregasse o produto ali descrito. Tal notificação foi empregada pela Exequente
para demonstrar que esta teria fixado o preço (cf. f. dos autos);6
f) escrituras públicas de
"estipulação de garantia hipotecária" (cf. f. ss.);7
g) posteriormente, em reforço à
documentação juntada com a petição inicial, a Exequente apresentou, ainda,
declaração da S. C., no sentido de que as partes teriam renegociado o
vencimento da fixação do preço para julho de 2009 (f. e f. dos autos), renegociação
essa realizada sob condição suspensiva que não teria sido implementada (sobre
tratar-se de condição suspensiva, cf. o que afirma a Exequente às f. e f. dos
autos).8
2.º) O MM.
Juízo a quo determinou a citação dos executados para entregar a coisa
objeto da execução, "ou, depositando-a, oferecer embargos" (f. dos
autos).
3.º) O
Executado P.G.V.N. opôs exceção de pré-executividade, à qual foi atribuído
efeito suspensivo. Contra a decisão que concedeu efeito suspensivo à exceção de
pré-executividade, P.G.V.N. interpôs agravo de instrumento.9 Tal
recurso foi acolhido, extinguindo-se a execução em relação ao agravante. Contra
o acórdão proferido, no caso, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato
Grosso, a Exequente interpôs recurso especial, que aguarda julgamento do
Superior Tribunal de Justiça.10
4.º) A ora
Consulente também opôs exceção de pré-executividade, assentada em vários
fundamentos.11
5.º) A exceção
de pré-executividade oposta pela Consulente foi acolhida pelo Juízo a quo.12
Considerou a r. sentença que, no caso, a dívida cobrada é inexigível, pois
ambas as partes deixaram de cumprir a cláusula referente à fixação do preço.
Além disso, reconheceu a r. sentença que as partes prorrogaram a data de
fixação do preço do produto. Afirmou, também, que a petição inicial não foi
acompanhada de cálculo que demonstrasse a extensão da dívida cobrada.13
6.º) Contra a
r. sentença, a Exequente interpôs apelação, à qual foi dado provimento.14
Afirmou-se, no v. acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato
Grosso, que não haveria, nos autos, provas robustas de que teria realmente
ocorrido "a prorrogação do prazo contratual para promover a fixação do
preço da soja comercializada".15 Não há, no v. acórdão,
contudo, resposta ao argumento de que a Exequente também se encontra em mora,
por não ter fixado o preço nos termos estabelecidos nos contratos.16
7.º) A
Consulente opôs, então, embargos de declaração,17 que aguardam
julgamento.18
(ii)
Quesitos
Em razão dos
fatos narrados no item precedente, são-nos apresentadas as seguintes questões:
"1) Quais
os limites do efeito devolutivo da apelação interposta pela Exequente? Deve o
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso examinar outros fundamentos
expostos na sentença que extinguiu a execução?
2) A execução é
lastreada em títulos executivos? No caso, a obrigação inserta nos instrumentos
contratuais é certa, líquida e exigível?
3) Podem a
Consulente e outros executados opor embargos à execução?
4) Caso
admissível a oposição de embargos pela Consulente, pode ser discutida a
ocorrência de prorrogação da data de fixação do preço? Ou isso deveria ser
feito em outra ação?
5) O Sr.
P.G.V.N., tendo sido excluído da execução, pode voltar a ser incluído no polo
passivo, se convertida a ação em execução por quantia certa?"
(iii)
Documentos que acompanham a Consulta
Acompanham a
consulta cópias das f. a f. e f. a f. dos autos, bem como cópia da petição de
embargos de declaração opostos contra o v. acórdão que julgou a apelação
interposta pela Exequente.
Segue, em
anexo, meu parecer a respeito dos quesitos apresentados, em que analiso os mais
relevantes elementos da demanda, que consistem na base da solução jurídica que,
a meu ver, é apropriada ao caso.
A correta
interpretação do que consta dos instrumentos contratuais que servem (ou
deveriam servir) como títulos executivos é imprescindível, para que se
responda à Consulta formulada. Na Parte I do presente Parecer, exporei o que se
pode extrair dos documentos apresentados pela Exequente com sua petição inicial,
em si mesmos considerados, a fim de se verificar se, no caso, há ou não
título executivo, bem como se a obrigação veiculada é certa, líquida e
exigível. Na Parte II, tratarei da questão atinente à prorrogação da data de
fixação do preço do produto, aspecto que foi o foco principal do v. acórdão
proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso. Por fim, na Parte
III, examinarei os possíveis caminhos processuais que podem ser percorridos
pela Consulente, face ao que tiver sido exposto nas Partes I e II do Parecer.
Parte
I. Sobre os instrumentos de contrato de "compra e venda de feijão
soja"
(i)
Contratos padrão, com cláusulas formuladas unilateralmente pela Exequente.
Caracterização de contrato de adesão
Característica
comum a todos os instrumentos de contrato de "compra e venda de feijão
soja" firmados entre as partes envolvidas no caso ora examinado é a de se
tratarem de contratos de adesão.19 Ainda que, no caso, não se
esteja diante da modalidade de contrato de adesão "take it or leave
it",20 outros fatores denotam que a parte aderente não
poderia modificar substancialmente as cláusulas estabelecidas e padronizadas.
As cláusulas
contratuais são estandardizadas, inseridas em papel formulário confeccionado
pela Exequente - vede, por exemplo, o cabeçalho dos referidos documentos
e a padronização da numeração de série dos contratos -, e, salvo em situações
excepcionais (estipuladas em proveito da Exequente), não contêm variação. Fica
evidente, assim, que não houve discussão entre as partes a respeito do teor das
cláusulas contratuais.21 As cláusulas penais ou que estabelecem
direito de se resolver o contrato, por sua vez, reconhecem, textualmente,
direitos apenas à Exequente, e não à parte aderente - no caso, a Consulente,
além daqueles outros que subscreveram tais instrumentos contratuais.22
Tais contratos, assim, são manifestação de "modelli caratterizzati
dall'asimmetria nella forza contrattuale delle parti", como acentua
Pasquale Pava.23
O exame de
duas cláusulas servirá para demonstrar o acerto do que ora se afirma.
Veja-se, por
exemplo, o que dispõe a cláusula 7 dos instrumentos contratuais, antes
referida, dedicada ao "inadimplemento, rescisão e suas
consequências".24 Na mencionada cláusula trata-se unicamente de
direitos da compradora (ora Exequente), em face do possível inadimplemento do
vendedor (que vem a ser a Consulente, no presente caso), nada prevendo na
hipótese inversa - isto é, se inadimplente a compradora. A assimetria entre
as posições contratuais das partes, assim, é evidente.
Algo parecido
ocorre em relação à cláusula dedicada ao prazo final para a fixação do preço.25
Reconhece-se à vendedora o direito de fazê-lo até dia 25.10.2008. No entanto,
caso isso não ocorresse, caberia "exclusivamente à compradora, fazê-lo até
o dia 26.10.2008, não podendo, nesta hipótese, a vendedora insurgir-se contra o
valor assim fixado".
A
circunstância de se estar diante de contrato de adesão nem sempre invalida ou
retira o efeito das cláusulas e condições estipuladas. Mas isso pode ocorrer,
conforme o caso. É o que se infere do disposto nos arts. 423 e 424 do CC/2002.
Aplicando-se as referidas regras ao caso ora examinado, extrai-se que:
a) O
reconhecimento de que, no caso, tal contrato tem essa característica impõe que
as cláusulas contratuais sejam interpretadas de modo a que, havendo dúvida, ou
sendo possível delas extrair mais de um sentido, opte-se por aquele que
favoreça à parte aderente (cf. art. 423 do CC/2002). Trata-se da incidência
da parêmia in dubio contra stipulatorem (ou interpretatio contra
proferendem);
b) Cláusulas
que impliquem em renúncia antecipada a direito, ou que sujeite a estipulação de
um dos elementos essenciais ao arbítrio da parte que estabeleceu a cláusula,
devem ser consideradas nulas (art. 424 do CC/2002).
Para responder
às questões formuladas pela Consulente, não reputo necessário recorrer a tais
critérios interpretativos: a meu ver, as cláusulas contratuais são bastante
claras, e as consequências jurídicas que delas se extraem também o são. Mas,
no mínimo, compreender-se que tais contratos são de adesão impõe que, em
caso de dubiedade de alguma cláusula contratual, afaste-se interpretação mais
favorável à compradora - que, afinal, foi quem concebeu, substancial e
formalmente, as cláusulas contratuais. Ainda que não seja preciso recorrer à
máxima in dubio pro adherente, a hipótese inversa - vale dizer, na
dúvida, interpretar-se em favor daquele que estipulou as cláusulas contratuais
- é, a fortiori, inadmissível.
(ii)
Interpretação autêntica da cláusula relativa ao termo final para a fixação do
preço
Resta bastante
claro, diante do que acima se disse, que é inconcebível qualquer interpretação
das cláusulas contratuais que admita a flexibilização de qualquer
condição ou termo fixados no contrato, em proveito daquele que
estabeleceu as cláusulas contratuais.
Assim, por
exemplo, o não cumprimento de uma obrigação em seu termo final caracteriza a
mora (ex re); como consequência, sobrevindo o termo final, extingue-se,
para todos os efeitos, os direitos a que o termo se opõe (cf. arts. 128 e 135
do CC/2002). Essa regra - mais que isso, verdadeiro princípio - deve valer para
ambos os contratantes, sendo inadmissível sua aplicação severa em relação à
vendedora, e parcimoniosa em relação à compradora.
Tome-se,
diante disso, o que dispõe a cláusula dedicada ao termo e ao modo de fixação do
preço.26 É bastante clara, a meu ver, a regra que da cláusula se
extrai: não dispondo a vendedora a respeito, diz que a fixação do preço
caberia "exclusivamente à compradora, fazê-lo até o dia
26.10.2008, não podendo, nesta hipótese, a vendedora insurgir-se contra
o valor assim fixado" (destacou-se). O não cumprimento do disposto
nessa cláusula pela vendedora, que tem termo final claramente estabelecido,
caracteriza mora ex re (art. 397 do CC/2002): a compradora deveria fixar
o preço "até" dia 26.10.2008, e a vendedora não poderia se insurgir
contra o preço "assim fixado". Lida a fórmula negocial de outro modo,
tem-se que a compradora não tem direito de fixar o preço após o dia
26.10.2008, podendo a vendedora discordar de preço assim (isso é, após tal
prazo) fixado.
A tal
conclusão se chega - repita-se - valendo-se de interpretação autêntica dos
dizeres expressos na mencionada cláusula. Uma interpretação elástica que
permitisse inferir que a compradora pudesse, após o dia 26.10.2008, fixar o
preço, contrariaria não apenas a literalidade dos termos empregados pelas
partes, mas, também, os princípios interpretativos referidos no subitem
precedente.
Admita-se,
porém, que tal cláusula contenha alguma dubiedade. Suponha-se, para esse fim,
que onde se lê, entre aspas, "exclusivamente à compradora, fazê-lo até o
dia 26.10.2008, não podendo, nesta hipótese, a vendedora insurgir-se
contra o valor assim fixado", se pudesse colocar em dúvida o
significado das expressões sublinhadas. Poder-se-ia indagar, assim, por
exemplo, "pode a compradora, após o dia 26.10.2008, fixar o preço?"
Ou, então, "se a compradora, após o dia 26.10.2008, fixar o preço, a
vendedora deve aceitar o valor assim fixado?" O simples enunciado dessas
questões conduz a uma única resposta, pois, como se disse, o sentido da
cláusula é claro. Mas, caso se pudesse responder "talvez sim", ou
"talvez não", o fato de a cláusula ter sido pronunciada pela
vendedora (Exequente) impõe-se a adoção da interpretação contra proferendem,
como impõe o art. 423 do CC/2002: estipulada a condição pela compradora, em
caso de dubiedade, deve a cláusula ser interpretada contra ela (a compradora).
De todo modo,
reitero aqui o que antes disse, sobre a desnecessidade de se lançar mão desse
critério interpretativo para se chegar ao sentido do que consta na sobredita
cláusula. Recorri a esse artifício, porém, apenas para demonstrar o sentido
como a cláusula relativa ao termo final para a fixação do preço pode ser
interpretada.
(iii)
Sobre a não fixação do preço pelas partes no prazo previsto no contrato
Celebraram as
partes vários contratos de compra e venda com preço a fixar. A cláusula
3.2.1 dos instrumentos contratuais,27 a respeito, assim dispôs:
"A
vendedora tem a prerrogativa de escolher a data, para a fixação do preço até o
dia 25.10.2008, com base nas cotações da Bolsa de Mercadoria de Chicago (CBOT).
Caso ela não se valha da prerrogativa ora estabelecida, a fixação do preço,
sempre com base em cotações da CBOT, caberá exclusivamente à compradora,
fazê-lo até o dia 26.10.2008, não podendo, nesta hipótese, a vendedora
insurgir-se contra o valor assim fixado."
Vê-se, pois,
que a cláusula contratual fixa dois termos finais, para a fixação do preço: o
primeiro, até dia 25.10.2008, e o segundo, até o dia 26.10.2008. São duas as
questões que, neste passo, devem ser respondidas:
1.ª) Pode a
compradora, após o dia 26.10.2008, fixar o preço?
2.ª) Caso o
preço não seja fixado nos termos previstos na referida cláusula contratual,
qual o destino do contrato?
Minha resposta
à primeira questão é negativa. Como disse no item precedente, a cláusula é
expressa no sentido de que a compradora deve, até o dia 26.10.2008,
fixar o preço. Como que reiterando esse comando, a mencionada cláusula, ao
final, deixa claro que somente se assim fixado o preço não poderá a vendedora
contra ele se insurgir.
Mas, além do
que antes se disse, há, ainda, outro fundamento, que, penso, deve ser
considerado para que não se admita a fixação ulterior do preço pela compradora:
O Código Civil, em seu art. 490, dispõe que "nulo é o contrato de compra e
venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do
preço". Ora, admitir que a compradora possa, em qualquer dia posterior a
27.10.2008, fixar o preço - ainda que tome por parâmetro cotação tirada em data
anterior a 27.10.2008 -, significaria atribuir à referida cláusula o sentido
de puramente potestativa, já que a vendedora ficaria sujeita ao arbítrio
da compradora, que poderia decidir, a qualquer tempo (semanas, meses, anos
depois…), se fixaria ou não o preço, e quando o faria. Uma tal
interpretação contrariaria não apenas o art. 490, mas também o art. 122, in
fine, do CC/2002.
Tem-se, assim,
que a fixação do preço pela compradora, para ajustar-se ao que prevê a cláusula
contratual ora analisada, deveria ter sido realizada até o dia 26.10.2008.
Assim agindo, incidiria a parte final da referida cláusula: "(…) não
podendo, nesta hipótese, a vendedora insurgir-se contra o valor assim
fixado".
Isso significa
que, eventualmente, o preço poderia ser fixado em data posterior à prevista na
referida cláusula, mas, em tal caso, poderia a vendedora insurgir-se contra
o valor assim fixado, ou, com outras palavras, a manifestação de vontade
exarada pela compradora após o prazo estabelecido na cláusula contratual não
obriga a vendedora.
(iv)
Sobre a manifestação de vontade da compradora, exarada através de notificação,
no sentido de que teria fixado o preço em observância ao termo estabelecido no
contrato
Em sua petição
inicial, informa a compradora (Exequente) que, "Não tendo sido exercida a
prerrogativa dos Executados de fixarem o dia da cotação do preço, a Exequente
cumpriu a sua obrigação contratual - itens 3.2.1 dos contratos - e fixou
o preço do produto segundo a cotação do dia 27.10.2008 (segunda-feira) conforme
prerrogativas contratuais, (…)."
Na verdade,
porém, a fixação do preço não se realizou de acordo com o que prevê a
mencionada cláusula contratual.28 Esse aspecto, inclusive, é
mencionado no v. acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato
Grosso, ao julgar a apelação interposta pela Exequente:
"Observa-se
que a Apelada não fixou o preço da soja com base na Cotação de Chicago na data
aprazada (25.10.2008), tendo a Apelante fixado o valor em 29.11.2008,
utilizando como parâmetro a cotação de 27.10.2008 (segunda-feira)."29
Note-se, a
propósito, que, como atesta declaração juntada aos autos pela própria
Exequente, tal fixação não ocorreu na data antes indicada nos instrumentos
contratuais, já que as partes fizeram "várias reuniões (…) entre os meses
de outubro/2008 e novembro/2008", em que se ajustara a prorrogação dos mencionados
contratos para julho de 2009.30 Assim, se, ao longo do mês de
novembro, as partes ainda estavam negociando a prorrogação do contrato, é
evidente que, na data limite para que a Exequente fixasse o preço (26.10.2008),
tal ato não havia sido por ela praticado.
De acordo com
a cláusula 3.2.1 dos instrumentos contratuais que instruem a petição inicial, a
fixação do preço deveria ser realizada pela Exequente "até o dia
26.10.2008".31 Merece leitura com atenção, para que não reste
dúvidas acerca do termo final para que se desse fixação do preço, a 2.ª parte
da referida cláusula:
"A
vendedora tem a prerrogativa de escolher a data, para a fixação do preço até o
dia 25.10.2008, com base nas cotações da Bolsa de Mercadoria de Chicago (CBOT).
Caso ela não se valha da prerrogativa ora estabelecida, a fixação do preço,
sempre com base em cotações da CBOT, caberá exclusivamente à compradora,
fazê-lo até o dia 26.10.2008, não podendo, nesta hipótese, a vendedora
insurgir-se contra o valor assim fixado."
Consta, bastante
claro, na referida cláusula, que a compradora, ora Exequente, deveria fixar o
preço até o dia 26.10.2008; mas não está escrito, na mencionada cláusula, que a
compradora poderia fixar o preço em data posterior, ainda que com base em
"cotações do CBOT" anteriores a 26.10.2008.
Nada há,
também, na referida cláusula, sobre os critérios a serem observados para
fixação do preço, caso nenhuma das partes (a vendedora, até 25.10.2008; a
compradora, até 26.10.2008) fixassem o preço. Poderiam as partes, por exemplo,
ter deixado claro que a ausência de manifestação expressa de qualquer delas até
referida data faria com que se considerasse fixado o preço de acordo com a
cotação da Bolsa de Mercadorias de Chicago (CBOT) do mês de novembro. No
entanto, as partes assim não fizeram.
No presente
tópico, interessa-me ressaltar o que acima disse: que há, na cláusula 3.2.1 dos
referidos instrumentos contratuais, termo certo e final dentro do
qual a Exequente poderia manifestar-se, fixando o preço.
A mesma
cláusula, aliás, é expressa no sentido de que a vendedora não poderia
"insurgir-se contra o valor assim fixado" pela Exequente.
Desse modo, além de não admitir a fixação do preço após 26.10.2008, a mesma
cláusula contratual é categórica no sentido de que a vendedora não poderia
discordar da fixação do preço realizada pela exequente, desde que o ato de
fixação se realizasse até a referida data. Ao estabelecer que a vendedora
não poderia "insurgir-se contra o valor" desde que "assim
fixado" pela Exequente, a mencionada cláusula é explícita no sentido de
que pode a vendedora insurgir-se contra a fixação do preço realizada pela
exequente após 26.10.2008.
Bem
compreendidos tais aspectos, é de se indagar sobre quais seriam os efeitos da
notificação extrajudicial de f., ato através do qual, consoante informa o v.
acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, teria a
Exequente fixado o preço.
A manifestação
de vontade da Exequente, exarada através da notificação extrajudicial de f.,
não serve para que se considere fixado o preço, em atenção ao que dispõe a
cláusula 3.2.1 dos instrumentos contratuais ora examinados. Assim manifestada,
a intenção da Exequente mostra-se temporal e formalmente inadequada,
para que se considere fixado o preço.
Tal
manifestação é temporalmente inadequada, pois, consoante dispõe a
cláusula 3.2.1 dos instrumentos contratuais ora examinados, o ato de fixação do
preço deveria ocorrer até 26.10.2008; ora, a referida notificação data
de 29.11.2008, e a cláusula 3.2.1 dos instrumentos contratuais não prevê que as
partes poderiam exarar manifestações sobre a fixação do preço no futuro, com
eficácia retroativa (ex tunc).
Além disso, a
mesma notificação é formalmente inadequada, já que, consoante
estabeleceu a cláusula 10.1 dos instrumentos contratuais submetidos a nosso
exame, modificação ou emenda contratual deveria ser realizada por ato "por
escrito e devidamente assinado pelas partes".
As partes
realizaram a fixação do preço de acordo com a forma prevista na referida
cláusula contratual em relação a dois dos instrumentos submetidos a nosso
exame:
(a) CTR
1331P80362S, fixação do preço realizada pelas partes em 07.07.2008;32
(b) CTR
1331P80384S, fixação do preço realizada pelas partes em 28.07.2008.33
Em relação aos demais contratos, pelo que consta dos autos, não há manifestação
"por escrito e devidamente assinado pelas partes" em relação à
fixação do preço. De todo modo, a fixação do preço pelas partes em atenção à
forma prevista no contrato em relação a dois dos instrumentos juntados pela
Exequente revela que essa prática, além de encontrar-se em conformidade com o
negócio celebrado entre as partes, é também a habitualmente empregada, para a
fixação do preço.34
Chega-se,
fatalmente, à conclusão de que, tendo a Exequente "fixado o valor em
29.11.2008, utilizando como parâmetro a cotação de 27.10.2008
(segunda-feira)",35 deixou de observar, a um só tempo, duas
cláusulas contratuais: (1.ª) a que determina que o ato de fixação do preço
deveria dar-se até 26.10.2008; e (2.ª) a que determina que qualquer novo ajuste
realizado pelas partes em relação aos contratos ora examinados deveria ser
realizado por escrito assinado pelas partes.
Não havendo
confirmação do preço nos termos previstos nos referidos instrumentos
contratuais, carece de sentido a discussão relativa à cotação da Bolsa de
Mercadorias e Futuros no mês de novembro de 2008. Ora, o preço praticado em
novembro somente poderia ser considerado se as partes o tivessem fixado, por
escrito, até 26.10.2008. Como isso não ocorreu, vê-se que, ao fim e ao cabo,
não houve fixação do preço pelas partes.
Resta
perquirir, diante dessa conclusão, qual a situação jurídica em que se
encontram tais contratos.
(v)
Efeitos dos contratos de compra e venda, em relação aos quais não houve fixação
do preço no termo e na forma estabelecidas pelas partes
Discute-se, na
doutrina, sobre a situação jurídica do contrato de compra e venda quando,
acordando as partes que o preço será fixado futuramente, o preço,
posteriormente, deixa de ser fixado.
Tenha-se
presente que não se coloca em dúvida a existência e a validade do
contrato, em casos como o presente. É certo que, de acordo com o art. 482 do
CC/2002, a compra e venda só se considera "obrigatória e perfeita, desde
que as partes acordarem no objeto e no preço". No que se refere ao preço,
no entanto, a lei não exige a prévia determinação, contentando-se com
sua determinabilidade (cf. arts. 485 a 488 do CC/2002).
Os problemas
começam a surgir quando, embora futuramente determinável o preço, este acabe
não sendo determinado. Para alguns, o contrato com preço determinável se
sujeitaria a condição suspensiva (assim, a fixação do preço teria eficácia
ex tunc, retroagindo à data da celebração do negócio); outros, ainda,
afirmam que o contrato somente se aperfeiçoaria (ou seja, somente existiria
juridicamente, no sentido do art. 482 do CC/2002) após a fixação do preço.36
Parece-nos
acertada, a respeito, a opinião de Pontes de Miranda. Segundo o autor, no caso,
"falta a integração da eficácia, pela determinação do preço, que
juridicamente já é determinável. (…). No plano da existência, o contrato de
compra-e-venda já está constituído, concluso. O sistema jurídico tem como
elemento suficiente a determinabilidade do preço".37 O contrato
de compra e venda com preço determinável, como antes disse, é existente e
válido, tratando-se de figura disciplinada na legislação pátria. Pode o
contrato de compra e venda assim celebrado, inclusive, produzir outros efeitos.38
Mas, restando sem determinação o preço, o contrato, quanto ao ponto, é
ineficaz.
Tal é o que
ocorre, segundo pensamos, no caso submetido a nosso exame: há contrato de
compra e venda - tendo, inclusive, a vendedora realizado a entrega da coisa
objeto do negócio - pendendo de determinação o preço. Devem as partes acordar
sobre o preço da coisa; ausente acordo, incide o disposto no art. 488 do
CC/2002, devendo o juiz, ao definir o valor, considerar o termo médio, tendo em
vista o preço corrente praticado.39
(vi)
Ausência de título executivo, no caso. Ineficácia do contrato, em relação ao
preço; logo, a obrigação não é certa. Consequente ausência de exigibilidade e
de liquidez
O que se
expôs, pouco a pouco, nos itens precedentes, conduziu a conclusão que, segundo
penso, é a única correta, em relação ao caso submetido a nosso exame:
inexiste, no caso título executivo.
É tranquila a
doutrina no sentido de que, para que se esteja diante de um título executivo,
devem ser observadas as prescrições previstas na lei: não podem as partes
conferir a qualidade de título executivo a algo que assim não é considerado
pela norma jurídica; igualmente, se a lei não considera determinado fato um
título executivo, não pode o juiz considerá-lo como tal.40
Não se
questiona, por outro lado, que o título deve trazer em seu bojo uma obrigação
cujo objeto será alvo de execução. Trata-se, como se afirma na doutrina, do
conteúdo do título executivo.41 Tal obrigação, de acordo com o
Código de Processo Civil brasileiro, deve ser certa, líquida e exigível (arts.
580, 586, 618, I, do CPC). Diz-se, sob esse prisma, que não basta a presença de
um "documento particular assinado pelo devedor e por duas
testemunhas" (art. 585, II, do CPC); é necessário que tal documento tenha
um conteúdo certo, líquido e exigível. Caso a obrigação não seja certa, líquida
ou exigível, tal documento não será considerado título executivo, já que
ausente conteúdo suscetível de ser executado.42
Resta
verificar se, no caso ora examinado, aquilo que a Exequente apresenta como
título deve ser considerado, como tal. Antecipamos nossa opinião no sentido de
que, no caso, não há título executivo, seja porque ausente um
"documento" concebido de acordo com o art. 585, II, do CPC, seja
porque a obrigação contida nos documentos ostentados pela Exequente não é certa,
líquida ou exigível.
(vi.1)
Ausência de "documento particular assinado pelo devedor e por duas
testemunhas" (CPC, art. 585, II): a execução tem por base um conjunto de
documentos que a lei não reconhece como títulos executivos
Característica
essencial do título executivo é a tipicidade, no sentido de que nem toda
representação documental, mas somente aquela escolhida pela norma jurídica é
idônea a operar no seio da execução forçada como título executivo.43
Pode a lei
reportar-se a um fato simples, ou a um complexo de fatos (ou à soma de atos
distintos), a fim de que se configure o título executivo. Assim, por exemplo, a
duplicata sem aceite, se acompanhada de protesto e do comprovante de entrega de
mercadorias (cf. art. 15, II, da Lei 5.474/1968), será considerada título
executivo (art. 585, I, do CPC). Na hipótese prevista no art. 585, II, do CPC,
diversamente, o fato considerado título executivo é simples (ou seja, composto
por apenas um ato).
No caso
submetido a nosso exame, a execução não se baseia apenas em "documento
particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas" (art. 585, II, do
CPC). Funda-se a pretensão da Exequente também em uma série de outros
documentos, "extratos do contrato", e-mail, notificação extrajudicial
à Consulente, até mesmo em declaração de corretora (para demonstrar
inocorrência de condição estabelecida no ajuste de prorrogação da data de
fixação do preço) etc. Com base nesse conjunto de documentos, afirma a
Exequente ser credora da quantia de mais de 70 mil toneladas de soja, em
relação à Consulente e outros executados.
Resta
verificar se esse rol de documentos, em que se baseia a execução, insere-se, ou
não, no comando previsto no art. 585, II, do CPC.44
O ato
jurídico, para ser considerado título executivo, deverá cumprir as formalidades
designadas no art. 585, II, do CPC. Não sendo observadas tais formalidades, não
haverá título executivo. Caso os elementos da obrigação devam ser expostos em
dois ou mais documentos, todos eles devem observar o que dispõe o art. 585, II,
do CPC.
Assim, por
exemplo, caso em um instrumento contratual subscrito pelos contratantes e por
duas testemunhas existam alguns dos elementos da obrigação (por exemplo, a
coisa vendida), se as partes deixarem a definição do elemento obrigacional
restante (por exemplo, o preço) para outro momento, tal
"complementação" deverá ser realizada também em observância ao
disposto no art. 585, II, do Código. Como, no caso, se está diante de um título
executivo complexo, todos os seus elementos integrativos deverão se orientar
pela norma que os define, qual seja, o art. 585, II, do CPC.
Trata-se de
orientação pacífica: todos os documentos que veiculam a obrigação que é
objeto de execução devem ter a mesma índole e se revestir da mesma forma exigida
pela lei para a configuração do título executivo.45
Sob esse
prisma, vê-se que, no caso vertente, apenas os instrumentos contratuais
assinados pelas partes teriam, caso indicassem o valor devido, a
qualidade de título executivo. Documentos como "extratos do
contrato", e-mail, declaração unilateral da Exequente em que se informa a
definição do preço, declaração de corretora, etc., não se ajustam ao que dispõe
o art. 585, II, do CPC.
O preço -
elemento da obrigação não firmado nos instrumentos contratuais - foi fixado
pelas partes em observância ao art. 585, II, do CPC apenas em relação a dois
dos contratos (cf. f. e f.). Quanto aos demais, inexiste "documento
particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas", como exige o
art. 585, II, do CPC.
(vi.2)
Obrigação que não é certa, líquida ou exigível
Considero que
a obrigação veiculada nos documentos apresentados pela Exequente não é certa,
líquida ou exigível.
Afirma-se que
a obrigação é certa quando há a "necessária clareza" quanto aos seus
elementos.46 Como afirma Cândido Rangel Dinamarco, por direito certo
deve-se entender aquele "cujos elementos sejam perfeitamente
conhecidos".47
Como antes se
observou, no caso ora examinado as partes não fixaram o preço do produto
vendido no tempo e na forma prevista no contrato que celebraram.
Assim, embora existente e válido o contrato de compra e venda, é o mesmo,
ainda, ineficaz, no que diz respeito ao preço.
Tem-se, assim,
que a obrigação não é certa, já que um dos elementos da obrigação - o
preço - ainda não se encontra definido. Pelo mesmo motivo, falta
exigibilidade a tal obrigação.
Ainda que tal
obrigação fosse certa, resta também muito claro que falta-lhe liquidez. Da
leitura dos documentos apresentados pela Exequente não é possível inferir a
extensão da dívida cobrada. Às f., por exemplo, há dezenas de índices
informados pela "Agência Estado", mas fica-se sem saber qual (ou
quais) dos índices indicados foi empregado na planilha apresentada às f. Em tal
planilha, por sua vez, não se indica o significado das siglas utilizadas, bem
como a fonte dos valores usados nos cálculos (por exemplo, não é identificável
a origem do valor indicado na coluna "Bid", e nem o significado de
"Bid"…).
A propósito da
ausência de tais requisitos, no item 3.3 das razões de apelação (f. e ss. dos
autos), a Exequente explica, com detalhes, o modus operandi observado
para se definir valores, realizar rool-over em tais contratos etc. Tal
explicação, ao invés de demonstrar a presença de título executivo e dos
elementos da obrigação nele veiculada, acaba tendo efeito contrário: para se
chegar ao montante (supostamente) devido, parece imprescindível recorrer a
elementos externos aos contratos celebrados entre as partes. Ora, consoante
vetusta jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é necessário,
"para instaurar-se o processo de execução, que o exequente apresente
título do qual, por si só, deflua a obrigação de pagar".48 Não
sendo assim, e "dependendo a apuração do valor da execução que sejam
verificados fatos posteriores à emissão do contrato", inexiste título
executivo, devendo aquele que se afirma credor mover ação de conhecimento
condenatória, ou ação monitória.49
Parte
II. Sobre a prorrogação da data de fixação do preço, avençada (segundo afirma a
Exequente) sob condição suspensiva que não teria sido implementada
(i)
Advertência inicial: os limites da cognição no processo de execução de título
executivo extrajudicial, as afirmações feitas e os documentos juntados pela
Exequente
Cumpre-nos,
antes de tecer considerações a respeito do problema relativo à ocorrência de
prorrogação de vencimento dos contratos - o que torna, ipso facto, inexigível a
prestação objeto de execução - advertir que, nos itens que seguem, daremos
ênfase às afirmações da Exequente. Temos posição, expressada em trabalhos
doutrinários, no sentido de que a cognição, na execução fundada em título
executivo extrajudicial, é limitada (ou parcial); logo, não se permite que, em
tal modalidade de processo, realize-se cognição plena (ou completa), tal como
sucederia em um processo de conhecimento. Cognição há, porém, ainda que
limitada à verificação dos requisitos da execução, dentre os quais sobressai o
título executivo que veicule obrigação certa, líquida e exigível.
Diante disso,
ficarão em segundo plano as afirmações feitas pela Consulente e outros
executados, nos autos. Interessam-nos, neste passo, aquilo que a Exequente
juntou com a petição inicial, bem como o que mais tiver juntado ao longo do
processo, com o intuito de dar supedâneo à sua pretensão. A execução deve ser
autorizada se o juiz, diante da petição inicial da execução e dos documentos
juntados pelo exequente (art. 614 do CPC), convencer-se da presença de
título executivo de obrigação certa, líquida e exigível.
Examinemos,
pois, o que consta dos autos, dentre o que juntou a Exequente, para conferir se
tais condições encontram-se presentes.
(ii)
Fato afirmado pela Exequente: realização de acordo para a prorrogação da data
de fixação do preço, sujeito a condição suspensiva
Desde logo,
há, nos autos, um fato que chama a atenção: num primeiro momento,
instada a manifestar-se sobre a alegação realizada, em exceção de
pré-executividade, a Exequente não contestou a alegação de que teria havido
prorrogação do vencimento da data de fixação do preço.50 Na ocasião,
limitou-se a Exequente a afirmar que, nos autos, haveria apenas prova da
existência da dívida.51
Posteriormente,
porém, a Exequente juntou declaração, prestada pela S. C., no sentido de que as
partes, antes e depois da data originariamente indicada para a
fixação do preço, negociaram a prorrogação dos vencimentos antes
estipulados.
O teor da
declaração prestada pela referida corretora é o seguinte:52
"Após
várias reuniões havidas entre A.B. (…), V.T. (…) e S. C. (…) ocorridas entre os
meses de outubro/2008 e novembro/2008, foi ajustado que os referidos
contratos seriam prorrogados para julho/2009 somente mediante a assinatura
de um aditivo contratual com a A.B. que deveria contemplar todas as
seguintes exigências: (…)."
Segundo
afirmou a Exequente, tal ajuste teria sido realizado pelas partes mediante
condição, e tal condição não teria sido implementada. Sustenta a Exequente:53
"E a
prorrogação para CBOT julho/2009 foi condicionada a fixação de Stop de
US$ 8,00 por Bushel, que foi alcançado em 05 de dezembro de 2008, conforme
declarado pela S. C. (…). Outrossim, a exigência do gatilho de preço era
condição suspensiva à prorrogação, que nos termos dos arts. 121 e 125 do Código
Civil não permitiriam a utilização do direito à prorrogação para a posição CBOT
julho/2009 sem a assinatura do aditivo contratual com sua previsão, ou, ao
menos, sua adoção perante a corretora."
É
incontroverso, assim, que houve renegociação a respeito do vencimento das
obrigações veiculadas originariamente nos instrumentos contratuais, e que tal
renegociação se realizou ao longo de dois meses, antes (outubro de 2008)
e depois (novembro de 2008) da data final, estabelecida originariamente no
contrato, para a fixação do preço.
O que não está
claro, nos autos, é se a condição suspensiva a que se refere a Exequente, de
fato, não se operou. A declaração juntada pela Exequente também não deixa claro
se havia prazo para a implementação das condições - sob esse prisma, a condição
ainda não se teria verificado, mas poderia se verificar.
A seguir,
examinarei a consequência jurídica desse estado de incerteza que pende sobre a
prova de que ocorreu tal condição.
(iii)
Sobre a prova da não ocorrência da condição suspensiva cuja observância era
necessária para a prorrogação da data em que se deveria fixar o preço do
produto
A lei
processual brasileira condiciona a execução à demonstração da "prova de
que se verificou a condição" (art. 614, III, do CPC).
No caso ora
examinado, segundo declaração juntada pela Exequente, após reuniões
"ocorridas entre os meses de outubro/2008 e novembro/2008, foi ajustado
que os referidos contratos seriam prorrogados para julho/2009".54
Também segundo informa a Exequente, ajustaram as partes "condição
suspensiva à prorrogação, que nos termos dos arts. 121 e 125 do Código
Civil".55
Como se pode
notar por exame perfunctório dos autos, e fica claro ao longo do presente
parecer, não se está, no caso, diante de relação obrigacional simples (ou
una), em que uma das partes assume a obrigação de praticar apenas um ato,
correspondente ao praticado pela outra. Há, no caso ora examinado, relação
obrigacional complexa, composta por diversos atos, praticados em
momentos diferentes, pelas próprias partes e por terceiros (no caso, a S. C.).
Não há, aqui, uma singela e estática relação crédito-débito, que se
esgote instantaneamente.
A
circunstância - incontroversa - de que as partes, antes e depois da
data originariamente indicada para a fixação do preço do produto,
continuavam a negociar sobre o momento adequado para a fixação do preço, é
reveladora de que, no caso, está-se diante de relação obrigacional dinâmica -
já que, a depender do preço fixado, qualquer das partes pode tornar-se credora
da outra - e de formação progressiva.56 Mesmo na fase que se
poderia considerar pós-contratual, as negociações entre as partes
prosseguiam, com ajustes em contratos em vigor e realização de novas avenças.
É nesse
contexto que surge o ajuste referido pela Exequente, realizado com o intuito de
modificar a data de fixação do preço do produto para o mês de julho de 2009.
Sucede que, também consoante afirma a Exequente, tal ajuste foi realizado
mediante condição suspensiva, e tal condição não teria se concretizado.57
Segundo
pensamos, a existência de ajuste alterando a data da fixação do preço impede
que se considere certa a obrigação veiculada nos contratos celebrados entre as
partes.
Sustentando a
Exequente que tal alteração contratual não produz efeitos porque não verificada
condição suspensiva, incumbir-lhe-ia demonstrar, nos termos do art. 614, III,
do CPC, tal circunstância. Segundo nosso entendimento, não basta apenas afirmar
que, convencionada a alteração da data de fixação do preço, tal negócio não
produz efeitos, pois sujeito a condição suspensiva que não se concretizou.
Incumbe à Exequente demonstrar, de acordo com o art. 614, III, do CPC, que o
negócio jurídico em que se ajustou a nova data de fixação do preço é ineficaz.
Em situações
como a presente, o direito positivo pode conceber duas soluções distintas: ou
se abre um espaço para a produção de provas, ouvindo-se o executado e
decidindo-se a respeito (realizando-se verdadeiro incidente de instrução), ou
se condiciona o início da execução à demonstração cabal, realizada através de
provas pré-constituídas, de que a condição operou-se.
O direito
brasileiro não admite a primeira opção.58 Entre nós, a "prova
de que ocorreu a condição" é requisito da petição inicial da execução
(art. 614, III, do CPC). Como decidiu o Superior Tribunal de Justiça, "tal
prova deve acompanhar a exordial, porquanto inerente à própria exigibilidade da
obrigação";59 logo, cumpre ao exequente tê-la à disposição com
antecedência - por isso, prova pré-constituída, e não constituenda,
produzida após o ajuizamento, no curso da ação.60 À falta de
documento que atenda ao comando previsto no art. 614, III, do CPC, poderá o
exequente valer-se do procedimento previsto nos arts. 846 ss. do CPC.61
A complexidade
e extensão dos eventos narrados na petição inicial e nas razões de apelação
pela Exequente indicam que, no caso submetido a nosso exame, inexista algo que
possa fazer as vezes do documento que atenda ao disposto no art. 614, III, do
CPC. Que houve alteração da data em que o preço deveria ser fixado é algo sobre
que as partes não controvertem - tendo a Exequente, inclusive, juntado
declaração nesse sentido, e, depois, reafirmado a ocorrência do ajuste, em suas
razões de apelação. A inocorrência da condição suspensiva que, segundo a Exequente,
acompanhou tal ajuste, porém, é algo sobre que há dúvida.
(iv)
Pode e-mail ser usado como prova de alteração contratual?
Sobre a
ocorrência, ou não, da prorrogação do prazo contratual para a fixação do preço
da soja, resta, ainda, uma questão, a ser por nós examinada: Podem os
Executados demonstrar, com a juntada de cópia de e-mail, que houve a alteração
de tal prazo? Ou tal circunstância dependeria da apresentação de um aditivo
assinado por ambas as partes?
A resposta a
essa questão deve ser construída à luz não apenas do que a Consulente - e
outros Executados - apresentam como documento, mas, também, do que a Exequente
utiliza para demonstrar a existência de seu direito. Afinal, de duas, uma: ou a
juntada de cópia de e-mail é inadmissível (e o será para ambas as partes),
ou não (e, neste caso, o uso de tal prova deve ser repelido, para ambas as
partes).
Às f. dos
autos, encontra-se cópia de e-mail, enviado pela S. C., informando a
"rolagem" para julho de 2009. Também a Exequente juntou aos autos
cópia de e-mail, para demonstrar a ocorrência de "rolagem" (cf. f.).
A propósito, afirma a Exequente, em suas razões de apelação, que:
"a
rolagem (prorrogação) da dívida dependia de manifestação da corretora,
pois os contratos eram fixados à cotação CBOT que somente a S. C. tinha
capacidade de operar com o CME Group."62
Caso, por
outro lado, se entenda que a celebração de aditivo contratual assinado por
ambas as partes seja imprescindível - contrariando, pois, o que afirma a
Exequente no texto supra - tal orientação deve ser aplicada não apenas
em relação à prova de ocorrência do roll-over referido às f. dos autos,
mas, também, a todos os ajustes, alterações e emendas realizados nos
instrumentos contratuais que são indicados como título executivo. Com
efeito, como antes se mencionou, apenas em relação a dois dos contratos de
compra e venda referidos nos autos houve fixação do preço do produto por ajuste
assinado por ambas as partes;63 em relação aos demais, a fixação do
preço ocorreu de modo temporal e formalmente inadequado.64
Causa espécie,
assim, o fato de o v. acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do
Mato Grosso não ter dispensado tratamento paritário, às partes.
Parte
III. Sobre os meios processuais de que se pode valer a Consulente, para demonstrar,
doravante, os vícios existentes no processo
(i)
Sobre a profundidade do efeito devolutivo da apelação interposta pela Exequente
e omissão do v. acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato
Grosso a respeito de fundamentos que poderiam levar à manutenção da r. sentença
que extinguiu a execução
A r. sentença
proferida pelo Juízo de primeiro grau, para extinguir a execução, não tratou
apenas da questão atinente à prorrogação da data referente à fixação do preço
do produto vendido. Além disso, considerou a r. sentença que, no caso, a dívida
cobrada é inexigível, pois ambas as partes deixaram de cumprir a cláusula
referente à fixação do preço. Manifestou-se o juízo a quo, também, sobre
a ausência de cálculo que demonstrasse a extensão da dívida cobrada.65
Se, por um
lado, é certo que a necessidade de motivação das decisões judiciais é inerente
ao Estado Democrático de Direito, nem por isso se exige que o órgão
jurisdicional manifeste-se sobre todos os fundamentos da demanda ou da defesa.
Não se admite, porém, que se omita quanto a fundamentos considerados essenciais
para o desfecho da lide, pois a fundamentação deve ser suficiente para
sustentar a tomada de posição neste ou naquele sentido, pelo órgão
jurisdicional.
Assim, não se
considera viciada a sentença que julgou procedente o pedido, mas rejeitou todos
os argumentos expostos pelo réu, que poderiam levar à improcedência do pedido.
Mutatis mutandis, não há omissão se o pedido é julgado improcedente, mas o
juiz examina e rejeita todos os fundamentos aduzidos pelo autor, que poderiam
conduzir à procedência do pedido.
Esse princípio
manifesta-se não apenas em relação às sentenças proferidas em primeiro grau de
jurisdição, mas também ao julgamento de apelações interpostas contra sentenças.66
Contra a r.
sentença que extinguiu a execução, a Exequente interpôs apelação, que foi
acolhida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso. Afirmou-se, no v.
acórdão, que não haveria, nos autos, provas robustas de que teria realmente
ocorrido "a prorrogação do prazo contratual para promover a fixação do
preço da soja comercializada".67 Não há, no v. acórdão,
contudo, análise do fundamento - levado em consideração pela sentença apelada,
e enfatizado, também, nas contrarrazões apresentadas pela Consulente - de que a
Exequente também se encontra em mora, por não ter fixado o preço nos termos
estabelecidos nos contratos.
Note-se que o
v. acórdão chegou a descrever a hipótese jurídica sobre a qual
deveria ter decidido, ex vi dos §§ 1.º e 2.º do art. 515 do CPC (a
saber, o inadimplemento também da Exequente em relação à fixação do
preço do produto), mas sobre ela não decidiu.68
Como é cediço,
o efeito devolutivo não se restringe àquilo que tiver sido suscitado pelo
apelante (extensão do efeito devolutivo).69 O efeito
devolutivo se manifesta, também, em sua profundidade: uma vez
delimitada, pelo apelante, a extensão da cognição a ser realizada pelo órgão
recursal, põe-se a questão de se saber quais as matérias que poderão ser
conhecidas no julgamento do recurso.
Tal é o
problema que ocorreu no caso ora examinado: dos vários fundamentos que poderiam
ensejar a extinção da execução, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso
considerou apenas um deles - relativo à prorrogação da data em que se deveria
fixar o preço - silenciando a respeito dos demais.
Em tais casos,
pode o legislador impor à parte vencedora - no caso, em relação à sentença, a
ora Consulente - o ônus de manifestar expressamente ao tribunal as questões que
deverão ser conhecidas por ocasião do julgamento da apelação interposta; ou
pode, diversamente, impor ao tribunal o dever de conhecer, ex officio, a
respeito daqueles fundamentos que a sentença apelada não examinou. O Código de
Processo Civil brasileiro optou pela segunda alternativa. Quanto a esse
aspecto, dispõe o art. 515, § 1.º, do CPC brasileiro que ficam devolvidas ao
Tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a
sentença não as tenha julgado por inteiro. Além disso, tendo o pedido ou a
defesa mais de um fundamento, e acolhendo o juiz apenas um deles, os outros
fundamentos deverão ser apreciados pelo Tribunal (cf. art. 515, § 2.º, do CPC).
Neste
particular, trilhou o direito brasileiro caminho diverso daquele seguido pela
legislação de outros países. O art. 636.º, 1, do novo CPC português (Lei
41/2013), por exemplo, condiciona o conhecimento de tal matéria a requerimento
do recorrido.70 De modo parecido, de acordo com o art. 346, I, do
CPC italiano, se tal fundamento não é expressamente suscitado pela parte, este
"si intendono rinunciate".71 De igual modo sucede com as
legislações processuais civis argentina (cf. art. 277 do Código Procesal Civil
y Comercial de la Nación)72 e espanhola (cf. art. 465, 5, da Ley
de Enjuiciamiento Civil).73
O contraste
com o direito comparado é oportuno para se por em realce que, no direito
processual civil brasileiro, deve o órgão recursal, ao julgar a apelação,
examinar todos os fundamentos da defesa, ainda que a sentença apelada
não as tenha examinado, ou tenha acolhido apenas parte delas e refutado as
demais. Correta, nesse sentido, a constatação de que o efeito devolutivo da
apelação, no direito brasileiro, é amplíssimo.74
A ampla
profundidade do efeito devolutivo é tradição no direito processual civil
brasileiro. O CPC de 1939 já dispunha, em seu art. 824, que "a apelação
devolverá à superior instância o conhecimento integral das questões suscitadas
e discutidas na ação".75 Os §§ 1.º e 2.º do art. 515 do CPC,
assim, seguem nesse mesmo sentido. A profundidade do efeito devolutivo é
tratada, por parte da doutrina, no contexto do denominado efeito translativo,76
mas a conclusão a que se chega é a mesma: ao julgar a apelação, deverá o
tribunal considerar, de ofício, os fundamentos repelidos ou desconsiderados
pela sentença apelada, ainda que a parte não o requeira expressamente.
É importante
notar, contudo, que, embora tal requerimento da parte seja desnecessário, a
Consulente, textualmente, apontou, em suas contrarrazões de apelação, os vícios
que devem conduzir à extinção da execução, a respeito dos quais o Tribunal de
Justiça deveria se manifestar. Assim, não apenas em observância ao que dispõem
os §§ 1.º e 2.º do art. 515 do CPC, mas também em função da alegação expressa
dos mesmos pela Consulente/apelada em suas contrarrazões, deveria o tribunal
manifestar-se a respeito de tais fundamentos.
No sentido ora
sustentado, há, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acórdão
paradigmático. No caso, decidiu-se que "o efeito devolutivo da apelação
transfere em profundidade o conhecimento da matéria impugnada, ainda que não
resolvida pela sentença, nos termos dos parágrafos 1.º e 2.º do art. 515 do CPC
e, na atividade cognitiva devolvida, é aplicável a regra iura novit curia",
tal como ora afirmamos. No entanto, destacou-se que, na hipótese então objeto
de julgamento, "a matéria não foi tão somente devolvida ao Tribunal a
quo, como também impugnada pela parte contrária, razão por que, o
colegiado local poderia manifestar-se acerca da minoração do valor fixado à
título de danos morais, máxime em face da impugnação da parte contrária e
do princípio da devolutividade conferido ao recurso".77 Vê-se,
pois, que a cautela que norteou o proceder da Consulente nada teve de
excessiva. Afinal, caso se entenda que os fundamentos da exceção de
pré-executividade não teriam sido devolvidos por força dos §§ 1.º e 2.º do art.
515 do CPC, sobre tais fundamentos deveria o Tribunal manifestar-se, por
ocasião do julgamento da apelação, porque os mesmos foram suscitados pela
Consulente em suas contrarrazões recursais.
(ii)
Cabimento dos embargos de declaração opostos pela Consulente e, se não sanado o
vício, de recurso especial
A omissão
suprimível através de embargos de declaração diz respeito não apenas àqueles
temas que, por força de lei, deveriam ser, mas não foram analisados pelo órgão
julgador, mas, também, em relação a questões suscitadas pelas partes, nas
razões ou contrarrazões de apelação.78
No caso
submetido a nosso exame, o tribunal, ao julgar a apelação interposta pela
Exequente, deu a esta provimento para "rejeitar as exceções de
pré-executividade e determinar o prosseguimento da ação executiva na
origem".79 À luz do que impõem os §§ 1.º e 2.º do art. 515 do
CPC, deveria o tribunal examinar, além da questão atinente à alteração da data
em que deveria ser fixado o preço do produto vendido, também o fundamento,
exposto na exceção de pré-executividade apresentada pela Consulente e referido
também na sentença apelada, no sentido de que a Exequente não fixou o preço do
produto no tempo e de acordo com a forma prevista nos instrumentos contratuais
firmados entre as partes. No entanto, o referido tribunal assim não o fez.
Vê-se, assim,
que o v. acórdão que julgou a apelação foi omisso, já que deixou de se
manifestar a respeito de fundamentos que, por força dos §§ 1.º e 2.º do art.
515 do CPC, deveriam ter sido objeto de exame e decisão expressa. Omissa a v.
decisão, mostram-se admissíveis os embargos de declaração opostos pelo
Consulente.
Considero que,
não sanada a omissão apontada, restará violado o art. 535, II, do CPC. Com
efeito, dispõe o inc. II do art. 535 do CPC que há omissão quando o órgão
julgador deixa de se manifestar sobre ponto a respeito do qual "devia
pronunciar-se". Deve pronunciar-se o tribunal a respeito de questões
suscitadas pela parte e também sobre pontos cuja cognição é imposta pela Lei,
tal como ocorre com o que dispõem os §§ 1.º e 2.º do art. 515 do CPC. A
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sempre foi pacífica neste
sentido,80 e esta é, a nosso ver, a solução adequada ao caso ora
examinado.
Segundo nosso
entendimento, caso não sanadas as omissões ora referidas, restarão violados não
apenas as regras previstas nos §§ 1.º e 2.º do art. 515 do CPC e no inc. II do
art. 535 do mesmo Código, mas, também, o direito constitucional à prestação
jurisdicional e o princípio constitucional da ampla defesa.81
Afinal, têm as partes direito não apenas de apresentarem as suas razões, mas,
também, de ouvirem uma manifestação jurisdicional a respeito dos argumentos
expendidos.
Ora, ao deixar
de se manifestar sobre todos os fundamentos que poderiam conduzir à extinção da
execução, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso profere decisão
incompleta, cerceando o direito de defesa da Consulente (art. 5.º, LV, da
CF/1988). Acaba-se, assim, por violar o direito constitucional à prestação
jurisdicional (art. 5.º, XXXV, da CF/1988). Nesse sentido, a jurisprudência dos
tribunais superiores vem, com acerto, se manifestando reiteradamente. Decidiu o
Supremo Tribunal Federal que "a garantia constitucional alusiva ao acesso
ao judiciário engloba a entrega da prestação jurisdicional de forma completa,
emitindo o Estado-juiz entendimento explícito sobre as matérias de
defesa veiculadas pelas partes. Nisto está a essência da norma inserta no
inciso XXXV do art. 5.º da Carta da República".82
Semelhantemente, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que "o Tribunal
não está obrigado a responder questionário das partes. Entretanto, deve
examinar questões, oportunamente suscitadas, e que, se acolhidas, poderia levar
o julgamento a um resultado diverso do ocorrido".83
O cabimento de
recurso aos Tribunais superiores, com fundamento na violação às disposições
acima referidas, não afasta que se alegue, em recurso especial, a violação a
outros dispositivos antes referidos, ao longo do presente Parecer, e igualmente
mencionados pelas partes (v.g., arts. 580, 586 e 618, I, do CPC; arts.
120 ss. do CC/2002 etc.).
(iii)
Do cabimento de embargos do devedor
(iii.1)
Do prazo para a apresentação dos embargos, pelos executados
Segundo
pensamos, no caso submetido a nosso exame, ainda não teve início o prazo
para a apresentação dos embargos, pelos executados. É que, na hipótese, o Juízo
a quo determinou a citação dos executados para entregar a coisa objeto da
execução, "ou, depositando-a, oferecer embargos" (f. dos autos).84
Em trabalhos
doutrinários, temos sustentado que, após a reforma da Lei 11.382/2006, o prazo
para a oposição dos embargos, em execução para a entrega de coisa, deve
observar o que dispõe o art. 738 do CPC.85 Esse, a nosso ver,
deveria ter sido o procedimento a ser observado pelo Juízo a quo. No
caso, porém, pensamos que não se aplica essa ordem de ideias. É que, embora
revogado o art. 737 do CPC (pela Lei 11.382/2006), o Juízo a quo,
textualmente, condicionou a apresentação de embargos ao depósito.
Em situações
como a ora examinada, pensamos que seria contraditória a atitude do Juízo que,
após orientar a observância de um dado rito procedimental (oposição de embargos
após o depósito, em consonância com o art. 621 do CPC), impusesse aos
executados outro (oposição de embargos após a citação, de acordo com o art. 738
do CPC, na redação da Lei 11.382/2006).
A conduta dos
órgãos judiciários influencia significativamente o comportamento das partes:
estas correspondem às determinações judiciais na medida em que os órgãos do
Poder Judiciário despertam, objetivamente, a confiança dos litigantes.86
Assim, a atividade jurisdicional deve orientar-se de acordo com o princípio
da proteção da confiança do cidadão.87
Tal ordem de
ideias é amplamente aceita, na jurisprudência. Tem-se decidido, com acerto, que
não pode o órgão jurisdicional adotar postura contraditória, em relação às
partes. Assim agindo, violaria o juiz a máxima nemo potest venire contra
factum proprium.88
Parece-nos,
diante disso, que, diante das circunstâncias presentes nos autos, no caso,
enquanto não realizado o depósito, não corre o prazo para a apresentação dos
embargos pelos executados.
(iii.2)
Do âmbito da cognição a ser realizada, nos embargos
O processo de
execução fundado em título executivo extrajudicial, como antes se disse,
comporta cognição parcial, limitada no plano horizontal. Não se permite às
partes discutir, ou ao órgão jurisdicional decidir, sobre a existência do
débito. De tal tema devem os sujeitos do processo ocupar-se nos embargos à
execução - ou em outra ação de conhecimento.
Segundo nosso
entendimento, o fato de determinados temas terem sido suscitados em exceção de
pré-executividade, por si só, não impede que os mesmos sejam posteriormente
levantados, em embargos à execução. É que a discussão travada no curso do
processo de execução se sujeita aos limites estruturais desse procedimento.
Assim, por exemplo, embora tenha a Consulente afirmado que houve alteração da
data em que deveria ser fixado o preço do produto vendido, não se produziu - e
nem seria lícito produzir - no processo de execução, provas testemunhal e
pericial a respeito da questão.
A rejeição da
exceção de pré-executividade, assim, não impede que, seja nos embargos à
execução, seja em ação de conhecimento ajuizada pela Consulente contra a
Exequente, novamente sejam discutidos os temas antes suscitados, mas não
decididos de maneira definitiva, com base em cognição judicial plena e
exauriente.
Há temas,
porém, que, tendo sido ventilados e decididos, com base em cognição exauriente
(isso é, profunda, no plano vertical), no curso da execução, não poderão ser
reavivados no curso do próprio processo (em razão da preclusão) ou em outro
(sob pena de violação à coisa julgada).89 Mas, como se disse, para
que isso ocorra é necessário que a questão tenha sido decidida de modo
definitivo - vale dizer, sem que tenha havido qualquer tipo de limitação à
cognição judicial realizada.
Esse estado de
coisas, como antes dissemos, não sucede, por exemplo, no que respeita à questão
atinente ao adiamento da data de fixação do preço.
Algo diverso
ocorre com a questão relativa à legitimidade passiva ad causam de
P.G.V.N., que foi objeto de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do
Estado do Mato Grosso. No caso, afirmou-se estar diante de matéria de ordem
pública, que poderia ser resolvida independentemente de dilação probatória.90
O fato de se
estar diante de extinção do processo por ausência de condição da ação
(legitimidade processual) não autoriza o entendimento de que, no caso, seria
possível reinserir o executado excluído no polo passivo. Há que se extrair de
tal julgado o devido rendimento, a fim de se impedir o ajuizamento de ação
idêntica, que contenha o mesmo vício. Enrico Tullio Liebman, a propósito,
escreveu que "il diffeto delle condizioni dell'azione non riguarda quel
determinato processo, ma l'azione in sè, non potrà proporsi nuovamente un altro
processo finchè non mutano le circostanze di fatto rilevanti (se, per. es. non
sopravviene l'interesse ad agire, che prima era mancante)".91
Sob este prisma, a sentença que acusa a ausência de uma condição da ação é, a
rigor, algo até mais grave, perante o ordenamento jurídico, que a sentença
que julga improcedente o pedido. Dá-se, assim, efeito idêntico ao da
coisa julgada material, também nesse caso.
Há que se
considerar a hipótese de, prosseguindo a execução, tornar-se necessário
liquidar o valor da coisa, nos termos do art. 627, § 2.º, do CPC. O critério a
ser observado para a definição do valor da coisa deverá ser o da cotação
oficial do dia em que se operar a liquidação, prosseguindo a execução por tal
valor, contando-se daí a correção monetária e outros consectários legais.
Nesse caso,
embora a execução seja, em tese, fundada em título extrajudicial, o quantum será
definido por decisão judicial, e sobre esse montante prosseguirá a execução -
doravante, pelo rito previsto para execução por quantia certa. Mas o título que
embasará a execução será, ainda, de natureza extrajudicial. Quaisquer temas de
defesa atinentes ao an debeatur, por exemplo, poderão ser alegados pelos
executados, em atenção ao que dispõe o art. 745 do CPC.
Analisados
todos os dados que me foram fornecidos pela Consulente, e alicerçado nos
elementos jurídicos examinados ao longo do Parecer, aos quais me reporto, assim
manifesto minha opinião em relação às questões formuladas:
"1) Quais
os limites do efeito devolutivo da apelação interposta pela Exequente? Deve o
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso examinar outros fundamentos
expostos na sentença que extinguiu a execução?"
Deveria o
Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso ter examinado, por ocasião do
julgamento da apelação interposta pela Exequente, não apenas as questões por
ela suscitadas, mas todas as demais, referidas na sentença, bem como aquelas
que consubstanciam fundamentos suscitados pelas partes (cf. art. 515, §§ 1.º e
2.º do CPC). É o que sucede, por exemplo, com o tema atinente à ausência de
título executivo, face a não fixação do preço pela Exequente, até o termo final
estabelecido nos instrumentos contratuais.
Caso não sejam
acolhidos os embargos de declaração opostos pela Consulente com o intuito de
sanar tal omissão, caberá recurso especial, por violação aos arts. 515, §§ 1.º
e 2.º e 535, II, do CPC, dentre outros.
"2) A
execução é lastreada em títulos executivos? No caso, a obrigação inserida nos
instrumentos contratuais é certa, líquida e exigível?"
Os documentos
apresentados pela Exequente não podem ser considerados títulos executivos. Os
elementos da obrigação não se encontram, todos, em "documento particular
subscrito pelo devedor e por duas testemunhas", como exige o art. 585, II,
do CPC. Apenas em dois dos contratos pode-se verificar que a fixação do preço
observou tal ditame legal - sendo que, em um deles, houve roll-over. A
fixação do preço, em relação aos demais contratos, não foi realizada dentro
do prazo estabelecido no contrato (há, portanto, mora accipiendi da
Exequente, quanto ao ponto), não tendo sido observado, também, os requisitos de
forma previstos nos instrumentos contratuais para tanto.
Por tal razão,
a obrigação não é certa, sendo que, se obrigação há, a mesma não pode
ser cobrada através de processo executivo, tendo em vista a ausência de título
executivo.
Não bastasse,
a própria Exequente juntou aos autos declaração segundo a qual houve
prorrogação da data de fixação do preço, embora alegue que tal ajuste tenha
sido firmado sob condição suspensiva - sendo que tal condição não teria sido
implementada. Considero que, no caso, incide o art. 614, III, do CPC, sendo
necessária a demonstração da ocorrência do evento afirmado pela Exequente, sob
pena de inexigibilidade da obrigação - caso, no caso, tal obrigação fosse
certa, o que, segundo pensamos, não é.
Note-se, por
derradeiro, que não consideramos líquida a obrigação. Os critérios apontados
pela Exequente para se chegar ao montante devido não são claros, pois,
aparentemente, não se baseia em parâmetros objetivos.
"3) Podem
a Consulente e outros executados opor embargos à execução?"
No caso,
considerando que o pronunciamento que ordenou a citação observou, literalmente,
o disposto no art. 621 do CPC, poderão Consulente e demais executados opor
embargos após intimados da segurança do juízo. Não podem as partes ser
prejudicadas pelo fato de o órgão jurisdicional ter adotado procedimento não
mais previsto na lei. Incide, no caso, a máxima nemo potest venire contra
factum proprium.
"4) Caso
admissível a oposição de embargos pela Consulente, pode ser discutida a
ocorrência de prorrogação da data de fixação do preço? Ou isso deveria ser
feito em outra ação?"
Podem ser
discutidos, em embargos à execução, todos os temas que não tenham sido objeto
de decisão definitiva, fundada em cognição plena e exauriente, ao longo da
execução.
Assim, por
exemplo, a decisão que rejeita a rejeição da alegação de que houve prorrogação
da data em que deveria ser fixado o preço do produto, terá sido tomada sem que
se produzissem provas testemunhal e/ou pericial - o que, de resto, a rigor não
é mesmo possível, no processo de execução. Logo, tal tema pode ser objeto de
discussão, em ação de conhecimento, em que se permita a realização de provas,
dando ensejo à prolação de decisão fundada em cognição plena e exauriente.
Caso se faça
necessária a liquidação a que se refere o art. 627, § 2.º, do CPC,
observar-se-á, doravante, o rito previsto para a execução por quantia certa -
por valor obtido a partir da cotação oficial do produto, na data em que se
fizer a liquidação. Os embargos deverão observar o disposto no art. 745 do CPC,
podendo os executados alegar todas as matérias que poderiam deduzir, como
defesa, em processo de conhecimento.
"5)
O Sr. P.G.V.N., tendo sido excluído da execução, pode voltar a ser incluído no
polo passivo, se convertida a ação em execução por quantia certa?"
Aplica-se,
aqui, o mesmo princípio referido no quesito anterior: tendo havido decisão
definitiva, fundada em cognição aprofundada, não se permite a rediscussão a
respeito do tema. Entendemos, sob esse prisma, que não pode o executado
excluído do processo por decisão judicial tornar a ocupar o polo passivo.
É o meu
parecer, s.m.j.
Maringá, 1 de
agosto de 2013.
1 ApCiv …, …
Câm. Civ., j. …, rel. Des. Clarice Claudino da Silva.
2 Autos n. …,
Comarca de … - MT.
3 A execução
não tem por base apenas os instrumentos contratuais elencados na petição
inicial às f. e juntados às f. dos autos, mas assenta-se também em outros
variados documentos, que são utilizados pela Exequente para dar
sustentação àquilo que deveria ser considerado título executivo (isto é, os
instrumentos contratuais indicados pela Exequente às f., em sua petição
inicial, e que deveriam ter as características indicadas no art. 585, II, do
CPC).
4 Observe-se
que, de acordo com o que consta de cláusula existente em todos os instrumentos
contratuais analisados, não se admitiria estipulação de nova cláusula, salvo se
"por escrito e devidamente assinado pelas partes" (cf., em relação à
"confirmação de fixação de basis" de f., cláusula 10.1 do
instrumento contratual correspondente, às f. - CTR 1331P80384S). Também
às fls. 134 dos autos há "confirmação de fixação de preço (basis)"
feita em observância ao que impunha o contrato respectivo (cf. fls. 92,
cláusula 9.1 - CTR 1331P80362S), mas, no caso, houve, depois,
roll-over "para novembro/08 sem quaisquer ônus para ambas as
partes" (sic; cf. e-mail juntado pela Exequente às f., cf. nota
precedente e texto correspondente). A leitura desses instrumentos contratuais
(bem como dos documentos juntados pela Exequente que àqueles instrumentos fazem
alusão) permite constatar o seguinte: (1) em relação ao contrato CTR 1331P80362S,
houve, como afirma a Exequente, roll-over para novembro de 2008,
sem dia para fixação do preço precisamente definido (cf. e-mail juntado
pela Exequente às f.), ou seja, tal contrato não "teve prorrogado o
prazo de fixação para os mesmos parâmetros dos demais", ao contrário do
que afirma a Exequente às f. 10 dos autos, mas para novembro de 2008 (mês
definido, mas dia indeterminado); (2) em relação ao contrato CTR 1331P80384S,
houve fixação do preço em 28.07.2008 (cf. f. dos autos). Logo, aos contratos
referidos (1331P80362S e 1331P80384S) não há que se falar em
fixação do preço nos dias 25 ou 26.10.2008, como ocorre em relação aos demais
contratos. A petição inicial padece de incorreção quanto ao ponto, pois; se a
execução for admissível (e, segundo penso, tal execução não o é), para que
prossiga será necessário emendar-se a petição inicial.
5 Cf. nota de
rodapé a seguir.
6 Note-se,
porém, que, no caso, não houve fixação do preço em observância ao que impõem os
contratos firmados entre as partes (isto é, "por escrito e devidamente
assinado pelas partes", cf. cláusula presente em todos os
instrumentos contratuais, e dentro do prazo estabelecido nos respectivos
instrumentos contratuais). Apenas em relação a dois dos contratos que servem de
base à execução houve fixação do preço em atenção à referida cláusula
contratual (cf. f. e f.; a respeito, cf. o que se diz na nota precedente).
Quanto aos demais, não identificamos, nos autos, fixação do preço - ou, no
mínimo, a "fixação" realizada através da notificação de f. e ss.
não atendeu ao que se estabelecem os contratos celebrados pelas partes.
7 Note-se,
nesse passo, dado relevante: a "garantia hipotecária" de f. e ss. foi
firmada em 29.10.2008, depois das datas em que as partes deveriam ter
fixado o preço.
8 A quantidade
de documentos juntados pela Exequente - seja para instruir a petição inicial,
seja para demonstrar, ao longo da tramitação do processo, a existência da
dívida - releva, desde logo, que: (1.º) está-se, no caso, diante de relação
obrigacional complexa, de formação sucessiva, composta por vários atos
distintos das partes e de terceiros (por exemplo, manifestações de vontade a
serem emitidas posteriormente pelas partes, declarações de corretores etc.) e
dependente de muitos elementos variáveis (por exemplo, oscilações do preço do
produto em bolsas de mercadorias etc.); (2.º) para se admitir a realização do
direito afirmado pela Exequente, seria necessário realizar cognição sobre a
existência da dívida (e não apenas sobre a existência do título executivo). Na
verdade, tal atividade cognitiva - inadmissível, em se tratando de execução
fundada em título extrajudicial - foi realizada pelo Tribunal de Justiça do
Estado do Mato Grosso, que, para dar provimento à apelação interposta pela
Exequente para determinar o prosseguimento da execução, teve que examinar, com
vagar, a questão atinente à realização, ou não, da prorrogação do contrato,
para concluir que a condição (suspensiva, consoante afirma a Exequente às f. e
f. dos autos) não teria sido implementada. A necessidade de realização de
tal atividade cognitiva para se autorizar a execução evidencia, segundo nosso
entendimento, a ausência de título executivo. Afinal, caso se estivesse de
título concebido em atenção ao art. 585, II, do CPC, que revelasse obrigação
certa, liquida e exigível, a realização de tal grau de cognição seria
dispensável.
9 AgIn n. … .
10 REsp …, distribuído
ao Min. Raul Araújo.
11 Cf. f. e
ss.
12 Cf.
sentença de f. e ss.
13 Merece
destaque, a nosso ver, tal fundamento: não apenas a Consulente deixou de fixar
o preço do produto na data convencionada, mas também a Exequente deixou de
fazê-lo. Esse aspecto foi tratado pela Consulente em sua exceção de
pré-executividade, e voltou a tratar do tema - bem como de outros pontos - em
suas contrarrazões de apelação (cf. f. ss.), especialmente item 2.4 (f.). Tal
fundamento, como se observou, foi um dos que a r. sentença proferida pelo MM.
Juízo a quo considerou, para extinguir a execução. O v. acórdão que
deu provimento à apelação interposta pela Exequente, contudo, não tratou do
tema.
14 Cf. acórdão
de f. ss. dos autos.
15 Cf. f.
16 A hipótese,
porém, foi tangenciada pelos votos que compõem o v. acórdão, mas o
fundamento, a rigor, não foi conhecido (ou seja, não foi acolhido ou
rejeitado) pelo Tribunal, no julgamento da apelação. Do corpo do v.
acórdão, extraem-se as seguintes afirmações: "Observa-se que a Apelada não
fixou o preço da soja com base na Cotação de Chicago na data aprazada
(25.10.2008), tendo a Apelante fixado o valor em 29.11.2008, utilizando como
parâmetro a cotação de 27.10.2008 (segunda-feira)" (f. - g.n.);
"(…) a prerrogativa para o ajuste do preço haveria de ser feito
primeiramente pela Apelada com a data para fixação até o dia 25.10.2008, e,
caso permanecesse inerte, a estipulação deveria se dar pela Apelante até o
dia 26.10.2008 (domingo)" (f. - g.n.). Vê-se, pois, que o v. acórdão
descreveu a hipótese jurídica sobre a qual deveria ter decidido,
ex vi dos §§ 1.º e 2.º do art. 515 do CPC (a saber, o inadimplemento
também da Exequente em relação à fixação do preço do produto), mas sobre
ela não decidiu.
17 Sobre a
omissão do v. acórdão a respeito da mora accipiendi, cf. item 3.1 dos
embargos de declaração.
18 Autos n. …
.
19 Uso aqui a
expressão adotada pelo Código Civil (arts. 423 e 424), embora não desconheça
que, para alguns, mais adequado seria o uso do termo "contrato por adesão".
Não se quer, com isso, dizer que, no caso, se está diante de contrato de
consumo. Evidentemente, pode haver contrato de adesão não regido pela Lei
8.078/1990, como dão conta os arts. 423 e 424 do CC/2002. Nesse sentido são os
Enunciados n. 171 e 172, aprovados nas Jornadas de Direito Civil do Conselho da
Justiça Federal, que dispõem, respectivamente, que "o contrato de adesão,
mencionado nos arts. 423 e 424 do novo Código Civil, não se confunde com o
contrato de consumo", e que "as cláusulas abusivas não ocorrem
exclusivamente nas relações jurídicas de consumo. Dessa forma, é possível a
identificação de cláusulas abusivas em contratos civis comuns, como, por
exemplo, aquela estampada no art. 424 do Código Civil de 2002".
20 Expressão
comumente empregada no common law (cf., dentre outros, Gregory Klass,
Contract law in USA, Kluwer Law International, 2010, p. 119).
21 Ou, como se
afirma na doutrina, tais contratos são realizados "without any realistic
opportunity for bargaining between the buyer and seller over the terms of
contract" (William P. Statsky, Essentials of torts, 3. ed., Cengage
Learning, 2011, p. 245).
22 Como se
afirma na doutrina francesa - berço da concepção da doutrina do contrat
d'adhésion, por Saleilles -, "le contrat d'ordinaire, de pair avec la
rédaction unilatérale de conditions générales standardisées, dont la majorité
des clauses sont conçues à l'avantage de leur auteur" (Patrick Wéry,
Droit des obligations, vol. 1 - Théorie générale des contrats, Larcier,
2010, p. 97).
23 Pasquale
Fava, Il contratto, Guiffrè, 2012, p. 37.
24 F. (…), (…),
(…), (…), (…), (…) e (…), dos autos.
25 F. (…), (…),
(…), (…), (…) e (…) dos autos. A única exceção é prevista às f., em que
estipulou-se que o preço seria fixado com base "no preço médio praticado
pela compradora no local da entrega do produto, na data da fixação".
26 Cf. fls.
dos autos indicadas na nota precedente.
27 Com exceção
do instrumento contratual em que estipulou-se que o preço seria fixado com base
"no preço médio praticado pela compradora no local da entrega do produto,
na data da fixação" (cf. f.).
28 Como antes
se disse, a cláusula que indica a data limite para que as partes fixassem o
preço encontra-se presente em quase todos os contratos em que se baseia a
execução. Há contratos, porém, em que a questão ora examinada não tem
relevância, seja porque (a) o preço foi efetivamente fixado em outra
data, por ambas as partes, expressamente e por escrito - em atenção, aliás, ao
que estabelece outra cláusula, segundo a qual qualquer alteração ou emenda
contratual deve ser feita "por escrito e devidamente assinado pelas
partes" (cláusula 10.1, na maioria dos instrumentos contratuais); seja
porque (b) segundo afirma a Exequente, em um dos negócios realizados,
houve roll-over para novembro/2008 (novembro, após 26.10.2008, pois), e,
pelo que consta dos autos, nenhuma das partes estipulou critério para fixação
do termo, em relação a tal contrato (cf. o que se disse na nota de rodapé 5,
acima, e se expõe com mais vagar no item a seguir).
29 F. … - g.n.
30 Cf.
declaração de f. … dos Autos.
31 Aspecto
também ressaltado no v. acórdão proferido pelo TJMT: "(…) a prerrogativa
para o ajuste do preço haveria de ser feito primeiramente pela Apelada com a
data para fixação até o dia 25.10.2008, e, caso permanecesse inerte, a
estipulação deveria se dar pela Apelante até o dia 26/10/2008 (domingo)"
(f. - g.n.).
32 Cf. f. dos
Autos. Neste caso, de acordo com o que afirma a Exequente em sua petição
inicial, houve, depois, roll-over "para novembro/08 sem quaisquer
ônus para ambas as partes". De todo modo, de acordo com a cláusula 6 do
referido instrumento, passou tal "confirmação de fixação de preço a fazer
parte integrante do contrato principal" (cf. f.).
33 Cf. f. dos
Autos. Dispôs a cláusula 3 do referido instrumento que passou tal
"confirmação de fixação a produzir todos os fins e efeitos de direito,
tornando parte integrante do contrato principal" (f.).
34 O
instrumento de f. é citado pela Exequente, em suas razões de apelação, como
"exemplo claro e suficiente dessa sistemática" adotada entre as
partes (cf. f. dos Autos). No entanto, a mesma "sistemática" não foi
observada pelas partes em relação aos demais contratos.
35 Cf.
descrição realizada no v. acórdão do TJMT às f. - g.n.
36 Sobre essa
discussão, cf. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, Borsoi,
1962, vol. XXXIX, § 4.268, p. 37; mais recentemente, Jones Figueiredo Alves, in
Regina Beatriz Tavares da Silva (coord.), Código Civil comentado, 6.
ed., Saraiva, 2008, p. 448.
37 Ob. loc.
cits.
38 Afirma
Pontes de Miranda "ser possível registrar-se tal contrato, sem que ainda
se haja determinado o preço" (ob. loc. cits.). Jones Figueiredo Alves
lembra de hipótese semelhante a que ora se analisa. Afirma o autor que "o
contrato de compra e venda se aperfeiçoa desde sua celebração e poderá,
inclusive, já ter produzido alguns efeitos mesmo antes da fixação do preço.
Explica-se. Se o vendedor já entregou a coisa, o contrato já produziu efeitos e
ocorreu, inclusive, a transferência de propriedade da coisa" (ob. loc.
cits).
39 Tal
operação, naturalmente, não pode ser realizada em processo de execução; aqui,
para que o processo tenha início, pressupõe-se a existência de título com
obrigação certa, líquida e exigível. Cf., sobre o ponto, o que se diz a seguir.
40 Sobre esse
aspecto, cf. Giovanni Verde, Attualità del principio "nulla executio sine
titulo", Rivista di Diritto Processuale, vol. LIV, 1999, p.
974-976.
41 Cf., a
respeito, Sérgio Shimura, Título executivo, Saraiva, 1997, n. 2.6., p.
131 ss. Cândido Rangel Dinamarco, Execução civil, 6. ed., Malheiros,
1998, n. 321, p. 485.
42 O que não
significa dizer que inexista a obrigação. A ausência de título executivo impede
apenas que o direito possa ser exigido através de processo de execução de
título executivo regido pelo Livro II do Código de Processo Civil. Nada impede
que aquele que se afirma credor lance mão se ação de conhecimento condenatória,
ou, sendo o caso, de ação monitória (art. 1.102-A do CPC). A execução fundada
em título executivo extrajudicial, contudo, será inadmissível, se ausente
obrigação certa, líquida ou exigível (é nula, diz o art. 618, I, do CPC).
43 Na doutrina
brasileira, cf. Sérgio Shimura, ob. cit., n. 3.6.2., p. 255-258. Na doutrina
italiana, Italo Andolina, "Cognizione" ed "esecuzione
forzata" nel sistema della tutela giurisdizionale, Giuffrè, 1983, n.
18, p. 58-59.
44 Ou em outro
dispositivo legal, que reconheça que os documentos apresentados pela Exequente
têm a característica de título executivo.
45 Em
circunstâncias como a examinada no presente parecer, afirma-se que os elementos
da obrigação "possono provarsi com altro documento a parte (…) ma in tal
caso sembra che non sai sufficiente um qualsiasi documento, bensì occorra um
atto o provv. della stessa indole e rivestito delle stesse forme del titolo
esecutivo" (Federico Carpi, Vittorio Colesanti e Michele Taruffo,
Commentario breve al codice di procedura civile, 2. ed., Cedam, 1988, p.
676). No mesmo sentido, Enrico Redenti e Mario Vellani, Diritto processuale
civile, Giuffrè, 1999, vol. 3, n. 206, p. 207.
46 Cf. Elio
Fazzalari, Lezioni di diritto processuale civile, vol. II, Cedam, 1986,
n. 5, p. 10. Tratando do assunto sob a ótica do direito alemão, afirma Leo
Rosenberg que o título executivo deve determinar "o conteúdo e a extensão
da execução" (Tratado de derecho procesal civil, Ejea, 1955, t.
III, § 172, p. 18).
47 Cf. Cândido
Rangel Dinamarco, ob. cit., n. 328, p. 490.
48 STJ, REsp
26.171/PR, 3.ª T., j. 14.12.1992, rel. p/ acórdão Min. Eduardo Ribeiro.
49 STJ, REsp
252.013/RS, 4.ª T., j. 29.06.2000, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.
50 Cf. petição
de f. e ss.
51 Cf.,
especialmente, f.
52 Cf. f. dos
autos; grifou-se, em negrito.
53 Cf. f. e
dos autos.
54 Cf.
declaração da S. C., juntada pela Exequente às f. e dos autos.
55 Cf. f. dos
autos.
56 Sobre a
correta compreensão, à luz do Código Civil, de contratos com tais características,
cf. Judith Martins-Costa, Comentários ao novo Código Civil, Rio de
Janeiro, Forense, 2003, vol. 5, t. II, p. 33 ss.; da mesma autora, cf., ainda,
A reconstrução do direito privado, São Paulo, Ed. RT, 2002, p. 651-655.
Sobre o mesmo tema, no direito português, cf. António Menezes Cordeiro,
Tratado do direito civil português, 2. ed., Coimbra, Almedina, 2000, t. I,
p. 233 e ss.; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações cit.,
p. 92 e ss.; Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da boa fé no
direito civil, Coimbra, Almedina, 2001, p. 861 e ss.
57 Tal
afirmação é contrariada pela Consulente, que afirma que todas as condições
avençadas entre as partes foram observadas. No presente item, porém, nos
limitamos a examinar os documentos apresentados e declarações feitas pela
Exequente.
58 No direito
comparado, tal solução é prevista no artigo 715.º do novo CPC português (Lei
41, de 26.06.2013).
59 STJ, REsp
986.972/MS, 4.ª T., j. 04.10.2012, rel. Min. Luis Felipe Salomão.
60 Sobre essa
distinção, cf. Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito processual civil,
6. ed., Coimbra, Almedina, 2006, p. 260; Giovanni Arieta, Francisco de Santis e
Luigi Montesano, Corso base di diritto processuale civile, 3. ed., n.
138, p. 297-298.
61 Nesse
sentido, assim leciona Araken de Assis: "Tal prova há de se constituir
previamente à demanda executória e acompanhá-la, obrigatoriamente (art. 283 do
CPC). Existem duas soluções concebíveis para o problema: ou o credor possui
prova documental, tout court, desincumbindo-se do ônus; ou semelhante
tipo de prova a ele é inalcançável. Nesta última hipótese, o credor deverá
assegurar a prova da ocorrência da condição, pelos meios lícitos (art. 322),
através da ação de produção antecipada (arts. 846 a 851)" (Manual da
execução, 9. ed., São Paulo, Ed. RT, 2004, n. 31.2, p. 180-181).
62 Cf. f. dos
autos.
63 Cf. f. e
dos autos.
64 Cf. item
(iv) da Primeira Parte, acima.
65 Esses
aspectos foram suscitados pela Consulente em sua exceção de pré-executividade e
também em suas contrarrazões de apelação (cf. f. e ss.), especialmente nos
itens 2.4 e 3.1. Embora tais fundamentos tenham orientado o Juízo a quo a
extinguir a execução, o v. acórdão que deu provimento à apelação interposta
pela Exequente não tratou de tais temas.
66 Cf. o que
se diz a seguir.
67 Cf. f.
68 A hipótese
foi apenas mencionada pelos votos que compõem o v. acórdão, mas o fundamento,
a rigor, não foi conhecido (ou seja, não foi acolhido ou rejeitado) pelo
Tribunal, no julgamento da apelação.
69 Cf. Nelson
Nery Jr., Princípios fundamentais - Teoria geral dos recursos, 3. ed.,
p. 361; José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil,
vol. 5, n. 194-195, p. 315 a 318.
70
"Artigo 636.º (Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do
recorrido). 1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o
tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde
que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação,
prevenindo a necessidade da sua apreciação."
71 "Art.
346. Decadenza dalle domande e dalle eccezioni non riproposte. I. Le domande e
le eccezioni non accolte nella sentenza di primo grado, che non sono
espressamente riproposte in appello, si intendono rinunciate."
72
"Artículo 277. Poderes del tribunal. El tribunal no podrá fallar sobre
capítulos no propuestos a la decisión del juez de primera instancia. No
obstante, deberá resolver sobre los intereses y daños y perjuicios, u otras
cuestiones derivadas de hechos posteriores sentencia de primera
instancia."
73 "Artículo
465. Resolución de la apelación. (…). 5. El auto o sentencia que se dicte
en apelación deberá pronunciarse exclusivamente sobre los puntos y cuestiones
planteados en el recurso y, en su caso, en los escritos de oposición o
impugnación a que se refiere el artículo 461. La resolución no podrá perjudicar
al apelante, salvo que el perjuicio provenga de estimar la impugnación de la
resolución de que se trate, formulada por el inicialmente apelado."
74 Cf. José
Carlos Barbosa Moreira, Comentários… cit., n. 244, p. 446. Corretamente
decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, "por vezes, o tribunal exerce
cognição mais vertical do que o juiz a quo, porquanto lhe é lícito conhecer de
questões que sequer foram apreciadas em primeiro grau, haja vista que a
apelação é recurso servil ao afastamento dos 'vícios da ilegalidade' e da
'injustiça', encartados em sentenças definitivas ou terminativas" (STJ,
REsp 631.877/RS, 1.ª T., j. 04.04.2006, rel. Min. Luiz Fux).
75 Muito tempo
antes, nas Ordenações Filipinas, assim eram orientados os julgadores, quanto ao
julgamento da apelação: "não mandem tornar o feito ao Juiz, de que foi
appellado, mas vão por elle em diante, e o determinem finalmente, como acharem
por Direito, salvo, se o appellante e o appellado ambos requererem, que se
torne o feito à terra perante o Juiz, de que foi appellado" (Livro 3, tít.
68).
76 Cf. Nelson
Nery Jr., Teoria geral dos recursos, 6. ed., p. 482 ss.
77 STJ, REsp
996.056/SC, 1.ª T., j. 28.04.2009, rel. Min. Luiz Fux; grifou-se.
78 Nesse
sentido, assim decidiu, corretamente, o Superior Tribunal de Justiça: "1.
Havendo omissão no acórdão em apelação, deve essa ser sanada em sede de
embargos de declaração, sob pena de nulidade do decisório. 2. O Tribunal de
origem, ao dar provimento à apelação cível interposta pela empresa ora
recorrida, deixou de analisar as preliminares suscitadas nas contra-razões
de apelação, relativas à decadência e ao não-cabimento de mandado de
segurança, por incidência da Súmula 271/STF, bem como os próprios fundamentos
da r. sentença que acolhia a preliminar de carência da ação, em virtude do
implemento do prazo decadencial e da ausência de prova pré-constituída a
embasar a impetração. Ademais, instada a se manifestar sobre o tema em sede de
embargos de declaração, a Corte estadual não sanou as omissões
supramencionadas. 3. Recurso especial parcialmente provido, para declarar a
nulidade do acórdão proferido em embargos de declaração, determinando-se o
retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que seja sanada a omissão"
(STJ, REsp 700.190/RS, rel. Min. Denise Arruda, 1.ª T., j. 02.08.2007;
grifou-se).
79 Cf. f. dos
autos.
80 Cf. STJ,
REsp 1.030.817/DF, 1.ª Seção, j. 25.11.2009, rel. Min. Luiz Fux. No mesmo
sentido: "É da Jurisprudência desta Corte o entendimento de que 'conforme
resulta dos §§ 1.º e 2.º do art. 515 do CPC, é integral, em profundidade, o efeito
devolutivo da apelação: não se cinge às questões efetivamente resolvidas na
instância inferior; abrange também as que poderiam tê-lo sido'" (STJ, REsp
168.930/MS, 4.ª T., j. 21.10.2008, rel. Min. Luiz Felipe Salomão); "O
Tribunal, ao julgar a apelação, deve observar os ditames do art. 515 do CPC,
devendo examinar as teses suscitadas e discutidas no processo, caso em que,
incorrendo em omissão, deve corrigi-la através dos embargos declaratórios
opostos, sob pena de violação ao art. 535 do CPC. 4. Omissão também quanto à
análise de violação a dispositivos legais surgida no julgamento da
apelação" (STJ, REsp 313.521/MG, 2.ª T., j. 27.05.2003, rel. Min. Eliana
Calmon).
81 Michelle
Taruffo, La motivazione della sentenza civile, Ed. Cedam, 1975, cap. VI,
p. 402.
82 STF, RE
172.084/MG, 2.ª T., DJU 03.03.1995, p. 4.111; grifou-se. No mesmo
sentido, cf. também, dentre outros, STF, Ag 238.664/DF, 2.ª T., j. 10.04.1999,
rel. Min. Marco Aurélio; STF, 2.ª T., RE 158.655/PA, rel. Min. Marco Aurélio,
DJU 02.05.1997.
83 STJ, REsp
785.913/MG, 2.ª T., j. 20.05.2008, rel. Min. Eliana Calmon; grifou-se. No mesmo
sentido: "Deve ser declarado nulo o acórdão recorrido para que outro
julgamento seja proferido, em obediência ao devido processo legal, quando o
tribunal de origem deixa de apreciar fundamentadamente questões indispensáveis
ao irrepreensível deslinde da controvérsia, mesmo que instado a fazê-lo por
meio de embargos de declaração" (STJ, REsp 885.618/SP, 3.ª T., j.
23.10.2007, rel. Min. Nancy Andrighi).
84 O Juízo
a quo deferiu a execução nos termos pleiteados pela Exequente, que
fundamentou seu pedido (cf. f.) no art. 621 do CPC - segundo o qual o executado
é citado para "satisfazer a obrigação ou, seguro o juízo (art. 737, II)
apresentar embargos" - transcrevendo, inclusive, tal dispositivo legal.
85 Cf. o que
escrevemos em Código de Processo Civil comentado, 2. ed., São Paulo, Ed.
RT, 2012, p. 787-788.
86 "Os
postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da
confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se
impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico", e incidem estes
princípios "sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do
Estado" (STF, MS 25.805/DF, j. 22.03.2010, rel. Min. Celso de Mello,
decisão monocrática). O princípio da proteção da legítima confiança é
considerado desdobramento do princípio da segurança jurídica (ou, ainda,
dimensão subjetiva deste princípio; cf. STJ, REsp 799.965/RN, 3.ª T., j.
07.10.2008, rel. Min. Sidnei Beneti, em que se decidiu que "o direito
processual deve trazer segurança às partes"). A proteção à confiança, como
um dos elementos constitutivos do Estado de direito, "se reconduz à
exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos" (José
Joaquim Gomes Canotilho, Manual de direito constitucional, 6. ed., p.
264). Ausentes a segurança, a estabilidade e a previsibilidade, o Direito
"se constituiria, de certa forma mesmo, até em fator de insegurança"
(Arruda Alvim. Tratado de direito processual civil, vol. 1, p. 19).
87
Corretamente, nesse sentido, assim se decidiu: "Na hipótese em que, por
equívoco do escrivão, fica consignado de maneira expressa na correspondência do
art. 229 do CPC, que o prazo para a contestação será contado a partir da
juntada do respectivo AR, a parte foi induzida a erro por ato emanado do
próprio Poder Judiciário. Essa peculiaridade justifica que se excepcione a
regra geral, admitindo a contestação e afastando a revelia" (STJ, REsp
746.524/SC, 3.ª T., j. 03.03.2009, v.u., rel. Min. Nancy Andrighi, RT 884/170).
88 Nesse
sentido, cf., dentre outros, os seguintes julgados: "A jurisprudência
desta Corte Superior proclama que, na hipótese de oposição de embargos do
devedor, sem a comprovação do recolhimento de preparo, o juiz deve determinar o
cancelamento da distribuição do processo e o arquivamento dos respectivos
autos, independentemente de intimação pessoal. Todavia, na espécie, a conduta
do juízo a quo revela-se contraditória e viola o princípio insculpido na
máxima nemo potest venire contra factum proprium, na medida em que
anteriormente determinou - quando não precisava fazê-lo - a intimação para
recolhimento do preparo e, ato contínuo, mesmo após o cumprimento de sua ordem,
entendeu por bem julgar extinta a demanda, sem julgamento de mérito. Tal
atitude viola o princípio da boa-fé objetiva porque criou, na parte autora, a
legítima expectativa de que, após o recolhimento do preparo, dentro do prazo
estabelecido pelo magistrado, suas razões iniciais seriam examinadas,
observando-se o devido processo legal" (STJ, REsp 1.116.574/ES, 3.ª T., j.
14.04.2011, rel. Min. Massami Uyeda). "É imperiosa a proteção da boa-fé
objetiva das partes da relação jurídico-processual, em atenção aos princípios
da segurança jurídica, do devido processo legal e seus corolários - princípios
da confiança e da não surpresa - valores muito caros ao nosso ordenamento
jurídico. Ao homologar a convenção pela suspensão do processo, o Poder
Judiciário criou nos jurisdicionados a legítima expectativa de que o processo
só voltaria a tramitar após o termo final do prazo convencionado. Por óbvio,
não se pode admitir que, logo em seguida, seja praticado ato processual de ofício
- publicação de decisão - e, ademais, considerá-lo como termo inicial do prazo
recursal. Está caracterizada a prática de atos contraditórios justamente pelo
sujeito da relação processual responsável por conduzir o procedimento com
vistas à concretização do princípio do devido processo legal. Assim agindo, o
Poder Judiciário feriu a máxima nemo potest venire contra factum proprium,
reconhecidamente aplicável no âmbito processual" (STJ, REsp 1.306.463/RS,
2.ª T., j. 04.09.2012, rel. Min. Herman Benjamin).
89 Nesse
sentido, assim decidiu o STJ: "As questões decididas definitivamente em
sede de exceção de pré-executividade não podem ser renovadas por ocasião da
oposição de embargos à execução, em razão da força preclusiva da coisa julgada.
O art. 469 do CPC, ao estabelecer quais as partes da sentença não abrangidas
pela coisa julgada, retirou a imutabilidade das questões que compõem os
fundamentos jurídicos aduzidos pelo autor, enfrentados pelo réu e decididos
pelo juiz. Com efeito, no caso em julgamento tem-se que a coisa julgada deve
abarcar a matéria relativa à prescrição - já decidida em sede de exceção de
pré-executividade anterior, entre as mesmas partes e com o mesmo objeto
litigioso -, o que torna o ponto infenso à apreciação pelo Tribunal a quo"
(STJ, REsp 927.136/RS, 4.ª T., j. 17.05.2012, rel. Min. Luis Felipe Salomão,).
90 Consta, do
referido acórdão: "A questão da legitimidade é matéria de ordem pública,
devendo ser conhecida de ofício e em qualquer grau de jurisdição, pelo que, com
maior razão, deve ser admitida quando reclamada através do incidente de
pré-executividade. (…) Ante o exposto, dou provimento ao recurso para julgar
procedente a exceção de pré-executividade e reconhecer a ilegitimidade passiva
do excipiente, ora agravante, e, com relação a ele, julgar extinta a execução,
condenando, ainda o exequente nas custas processuais e honorários advocatícios
que fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do artigo 20, § 4.º do
Código de Processo Civil".
91 Manuale
di diritto processuale civile, vol. 1, n. 80, p. 156.