Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-691-stj.pdf
ISSQN - Mesmo sendo constituída sob a forma de sociedade limitada, é possível que uma sociedade de
médicos faça jus ao recolhimento do ISSQN na forma privilegiada prevista no art. 9º, §§ 1º e 3º
do DL 406/1968
Sociedades simples fazem jus ao recolhimento do ISSQN na forma privilegiada previsto no art.
9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei nº 406/1968 quando a atividade desempenhada não se
sobrepuser à atuação profissional e direta dos sócios na condução do objeto social da
empresa, sendo irrelevante para essa finalidade o fato de a pessoa jurídica ter se constituído
sob a forma de responsabilidade limitada.
STJ. 1ª Seção.EAREsp 31.084/MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 24/03/2021 (Info 691).
ISSQN
O ISSQN significa Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.
Algumas vezes, você encontrará apenas a sigla ISS. É a mesma coisa.
Trata-se de um tributo de competência dos Municípios.
Em âmbito nacional, o ISSQN é disciplinado pela LC 116/2003, que estabelece suas normas gerais. Vale
ressaltar, no entanto, que cada Município, para cobrar este imposto, precisa editar uma lei ordinária
municipal tratando sobre o assunto. Esta lei local, obviamente, não pode contrariar a LC 116/2003 e nem
prever serviços que não estejam expressos na lei federal.
Fato gerador
O ISSQN incide sobre a prestação dos serviços listados no anexo da LC 116/2003.
Confira o texto constitucional:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei
complementar.
(...)
§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:
I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior;
III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e
revogados.
Veja agora o que diz o art. 1º da LC 116/2003:
Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do
Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda
que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
Exemplos: quando o médico atende o paciente em uma consulta, ele presta um serviço, sendo isso fato
gerador do ISSQN; quando o cabeleireiro faz uma escova progressiva na cliente, ele também presta um
serviço e deverá pagar ISSQN.
Todos os serviços que estão sujeitos ao pagamento de ISSQN encontram-se previstos na lista anexa à LC
116/2003. Se não estiver nesta lista, não é fato gerador deste imposto. Vale ressaltar que esta lista é
taxativa (exaustiva).
As sociedades profissionais de médicos, quando prestam seus serviços, devem pagar ISS?
SIM. A LC 116/2003 estabelece que as sociedades profissionais de advogados deverão pagar ISS,
considerando que o serviço de advocacia se encontra previsto no item 4 da lista anexa:
4 – Serviços de saúde, assistência médica e congêneres.
4.01 – Medicina e biomedicina.
4.02 – Análises clínicas, patologia, eletricidade médica, radioterapia, quimioterapia, ultrasonografia, ressonância magnética, radiologia, tomografia e congêneres.
4.03 – Hospitais, clínicas, laboratórios, sanatórios, manicômios, casas de saúde, prontos-socorros,
ambulatórios e congêneres.
(...)
Regime especial de tributação do ISS previsto no DL 406/68
A regra geral é que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço (art. 7º da LC 116/2003).
O § 1º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68, no entanto, traz uma exceção a essa regra e prevê que os
contribuintes que prestam serviço sob a forma de trabalho pessoal (pessoas físicas) têm direito ao regime
do chamado “ISSQN Fixo”, segundo o qual é fixada uma alíquota sem relação com o preço do serviço.
Vejamos o que diz o DL nº 406/68:
Art. 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio
contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da
natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância
paga a título de remuneração do próprio trabalho.
(...)
O regime do ISSQN
Fixo, em geral, é mais vantajoso para o contribuinte que, na prática, acaba pagando menos.
Recepcionada pela CF/88
O STF entende que essa forma especial (diferenciada) de tributação foi recepcionada pela CF/88,
considerando que ela tem por objetivo concretizar a isonomia e a capacidade contributiva:
Súmula 663-STF: Os §§ 1º e 3º do art. 9º do DL 406/68 foram recebidos pela Constituição.
Status de lei complementar
Vale ressaltar que, segundo o STF, o DL 406/68 foi recepcionado pelo atual ordenamento constitucional
com status de lei complementar nacional, nos termos do art. 146, III, “a”, da CF/88:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
(...)
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados
nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
O DL 406/68 foi recepcionado pela Constituição como norma tributária de caráter geral. Em se tratando
de norma de status de Lei Complementar, tem vigência sobre todo território nacional, não havendo que
se falar em isenção heterônoma na espécie.
STF. 1ª Turma. RE 600192 AgR-segundo, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 15/03/2016.
O DL 406/68 regulamentava o imposto sobre serviços. Ocorre que, posteriormente, foi editada a LC
116/2003 com o objetivo de disciplinar o ISS, substituindo o DL 406/68. Diante disso, indaga-se: o § 1º
do art. 9º do DL 406/68 ainda está em vigor?
SIM.
A LC 116/2003, em seu art. 10, revogou expressamente apenas os arts. 8º, 10, 11 e 12 do DL 406/68,
mantendo, a contrario sensu, a vigência do art. 9º.
De igual sorte, não houve revogação tácita, considerando que LC 116/2003 não tratou inteiramente da
matéria prevista no § 1º do art. 9º do DL.
Essa é a opinião da doutrina e da jurisprudência:
O art. 9º, §§ 1º e 3º, do DL 406/68, que dispõe acerca da incidência de ISS sobre as sociedades civis
uniprofissionais, não foi revogado, expressa ou tacitamente, pelo art. 10 da LC 116/03.
STJ. 2ª Turma. AgRg no Ag 1229678/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 19/08/2010.
Vale ressaltar que as normas inscritas nos §§ 1º e 3º, do art. 9º do DL 406/68 não implicam redução da
base de cálculo do ISS. Elas simplesmente disciplinam base de cálculo de serviços distintos (STF. 1ª Turma.
RE 277806, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 10/10/2000).
Imagine agora a seguinte situação hipotética:
“Medicina dos rins” é uma pessoa jurídica constituída sob a forma de sociedade limitada.
Essa sociedade é formada por três sócios, todos médicos, e o seu objeto é a prestação de serviços médicos,
que são desempenhados pelos próprios sócios.
Trata-se, portanto, de uma sociedade uniprofissional de médicos, sem caráter empresarial, prestada de
forma pessoal e direta pelos sócios.
O Fisco municipal não aceitou que essa sociedade fizesse o recolhimento do ISSQN na forma privilegiada
previsto no art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei nº 406/1968. O argumento invocado foi o de que não é
possível que uma sociedade limitada seja tributada com a alíquota fixa do art. 9º, §§ 1º e 3º, do DecretoLei nº 406/1968.
A “Medicina dos rins”, mesmo sendo uma sociedade limitada, faz jus ao recolhimento do ISSQN na forma
privilegiada prevista no art. 9º, §§ 1º e 3º do Decreto-Lei nº 406/1968?
SIM.
É possível o recolhimento do ISSQN na forma privilegiada previsto no art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei nº
406/1968 no caso de uma sociedade simples limitada, em que o objeto social é a prestação de serviços
médicos desenvolvidos diretamente pelos sócios que compõem o quadro societário, cuja
responsabilidade pessoal é regida pelo Código de Ética Médica.
Serviços médicos estão na lista de serviços do DL
De acordo com a lista de serviços colacionada no Decreto-lei nº 406/68, com as alterações promovidas
pela Lei Complementar nº 56/1987, os serviços que permitem a cobrança do ISSQN, em valores fixos, são
os seguintes:
1. Médicos, inclusive análises clínicas, eletricidade médica, radioterapia, ultrassonografia, radiologia,
tomografia e congêneres;
4. Enfermeiros, obstetras, ortópticos, fonoaudiólogos, protéticos (prótese dentária);
8. Médicos veterinários;
25. Contabilidade, auditoria, guarda-livros, técnicos em contabilidade e congêneres;
52. Agentes da propriedade industrial;
88. Advogados;
89. Engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos;
90. Dentistas;
91. Economistas;
92. Psicólogos.
A prestação dos serviços precisa ser feita sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte
(pessoa física ou jurídica)
Uma vez desenvolvidas as sobreditas atividades, sejam elas desempenhadas por um profissional liberal de
modo singular, ou pela reunião de profissionais autônomos devidamente constituídos em uma sociedade,
restará definir nesta assentada, qual o regime empresarial que a norma condiciona para o gozo do regime
fiscal, pois na dicção legal do citado Decreto-Lei n. 406/1968, se deferirá ao contribuinte o regime fiscal
privilegiado: “quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio
contribuinte”, seja ele pessoa física (art. 9º, § 1º,) ou pessoa jurídica (art. 9º, § 3º).
Assim, o gozo do tratamento fiscal privilegiado depende da forma como o serviço tributado é prestado à
comunidade, se de modo pessoal ou impessoal.
Farão jus ao tratamento fiscal privilegiado aquelas empresas nas quais os seus sócios, componentes do
quadro social, exercem pessoalmente o objeto social da empresa, sendo indispensável a atuação
intelectual destes para a prestação dos serviços que a empresa se propõe, sem os quais não haveria a
consecução da atividade civil que a empresa se propõe. Portanto, a atividade intelectual é personalíssima
porque não admite a fungibilidade daquele que a exerce, via de regra.
Em geral, são exercidas por profissionais de atividades regulamentadas ou profissionais sem vínculos (os
chamados profissionais liberais).
Por outro lado, na hipótese de o labor dos sócios se revelar ser desnecessário para a prestação do serviço
oferecido pela sociedade mercantil, não se estará diante dos requisitos desejados para o usufruto do
benefício fiscal em discussão, pois a prestação do serviço será realizado de forma impessoal ao seio
comunitário, através de empregados contratados ou por colaboradores que não compõem o quadro
social, ocasionando desta forma uma noção empresarial da atividade.
Se for prestado por sociedade, não pode haver elemento de empresa
Desse modo, é necessário que o objeto social desenvolvido pela sociedade compreenda alguma daquelas
atividades elencadas pela norma e que os referidos sócios estejam devidamente registrados e habilitados
para o seu desempenho, consoante as normas que disciplinam os respectivos conselhos de classe.
Adicionalmente, para que se evidencie a pessoalidade na prestação dos serviços – como condiciona a
norma tributária -, se faz premente que a atividade mercantil desempenhada pela sociedade não se
constitua, em si, um elemento de empresa, conforme preceitua a dicção do art. 966 do Código Civil. Isto
significa, que a atividade deve ser desempenhada por uma sociedade civil de trabalho profissional, sem
cunho empresarial.
O fato de uma sociedade simples adotar o regime de sociedade limitada, não a torna automaticamente
uma sociedade empresária
Conforme explica André Luiz Santa Cruz Ramos ensina, o que define uma sociedade como empresária ou
simples é o seu objeto social:
“(...) Se nem sempre o exercente de atividade econômica é considerado empresário, haja vista a
regra excludente do parágrafo único do art. 966 do Código Civil, isso nos leva à conclusão de que
também nem sempre uma sociedade será empresária, haja vista a possibilidade de se constituírem
sociedades cujo objeto social seja a exploração da atividade intelectual dos seus sócios. Essas
sociedades, antes chamadas de sociedades civis, são denominadas pelo atual Código Civil de
sociedades simples.
O Código Civil estabelece, em seu art. 982, que salvo as exceções expressas, considera-se
empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito
a registro (art. 967); e, simples, as demais. Isso mostra que o que define uma sociedade como
empresária ou simples é o seu objeto social. Há apenas duas exceções a essa regra, contidas no
seu parágrafo único do art. 982, o qual prevê que independentemente de seu objeto, considerase empresária a sociedade por ações; e simples, a cooperativa.
Diante do exposto, resta claro que as chamadas sociedades uniprofissionais -sociedades formadas
por profissionais intelectuais cujo objeto social é a exploração da respectiva profissão intelectual
dos seus sócios -são, em regra, sociedade simples, uma vez que nelas faltará, não raro, o requisito
da organização dos fatores de produção, da mesma forma que ocorre com os profissionais
intelectuais que exercem individualmente suas atividades.” (Direito Empresarial. São Paulo:
Método, 2017, p. 63).
A sociedade unipessoal somente passará, excepcionalmente, a ser considerada como sociedade
empresária se o exercício da profissão intelectual dos sócios constituir elemento de empresa, ou seja, nos
casos em que as sociedades uniprofissionais explorarem seu objeto social com empresarialidade
(organização dos fatores de produção) (ob. cit., p. 64).
O próprio Código Civil em seu art. 983 admite que uma sociedade simples se constitua como uma
sociedade limitada. O fato de ela usar esse tipo societário, pois, não a descaracteriza como sociedade
simples se o seu objeto não for empresarial (no caso, como se trata de sociedade formada por dois
médicos que exercem diretamente suas respectivas profissões, não há dúvidas de que se está diante de
uma sociedade simples).
A municipalidade, ao interpretar a norma do art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei nº 406/1968, confunde a
limitação da responsabilidade perante as obrigações societárias, limitada às quotas de capital social de
cada um dos sócios, com a responsabilidade pessoal pela prestação do serviço, que decorre das normas
que regulamentam a profissão dos sócios.
As profissões descritas no rol do Decreto-Lei nº 406/1968 possuem cada qual, uma lei específica
regulamentando e disciplinando a responsabilidade civil pelo exercício da profissão para o público, seja de
forma autônoma, seja através de uma pessoa jurídica constituída para esse fim. Nesse cenário,
conjugando esses regramentos profissionais, com a norma tributária que instituiu o benefício da alíquota
fixa, não se pode condicionar o gozo da referida benesse fiscal ao modelo societário elegido pelos sócios
para a consecução do objeto social da pessoa jurídica.
A rigor, a responsabilidade pessoal descrita no art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei n. 406/1968 é aquela descrita
nas leis de regência de cada profissão.
Desse modo, quando os serviços prestados forem de caráter exclusivamente intelectual, não se pode a
partir da forma de constituição societária, avaliar o caráter empresarial da sociedade, como o único
elemento para se definir se ela faz jus ao benefício da alíquota fixa de ISSQN, porquanto existem
sociedades limitadas que não são empresárias, conforme preveem expressamente os artigos 982 e 983
do Código Civil.
Assim, a fruição do direito à tributação privilegiada do ISSQN depende, basicamente, da análise da
atividade efetivamente exercida pela sociedade, para saber se ela se enquadra dentre aquelas elencadas
no § 3º do art. 9º do Decreto-lei n. 406/1968 (itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 92 da lista anexa à LC n.
56/1987), bem como se perquirir se a atividade intelectual, científica, literária ou artística desempenhada
pela pessoa jurídica não constitua elemento de empresa, ou melhor, nos termos do artigo 966 do Código
Civil, que os fatores de produção, circulação e de organização empresarial não se sobreponham à atuação
profissional e direta dos sócios na condução do objeto social da empresa, sendo irrelevante para essa
finalidade o fato de a pessoa jurídica ter se constituído sob a forma de responsabilidade limitada.
Em suma:
Sociedades simples fazem jus ao recolhimento do ISSQN na forma privilegiada previsto no art. 9º, §§ 1º
e 3º, do Decreto-Lei nº 406/1968 quando a atividade desempenhada não se sobrepuser à atuação
profissional e direta dos sócios na condução do objeto social da empresa, sendo irrelevante para essa
finalidade o fato de a pessoa jurídica ter se constituído sob a forma de responsabilidade limitada.
STJ. 1ª Seção. EAREsp 31.084/MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 24/03/2021 (Info 691).