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22 de abril de 2021

REJEIÇÃO DA DENÚNCIA; JOGO DO BICHO; PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL; AFASTAMENTO; REFORMA DA SENTENÇA

Conselho Recursal 2ª. Turma Recursal Criminal Processo nº. 0003739-04.2019.8.19.0036 - Apelação Apelante: MINISTÉRIO PÚBLICO Apelado: MARLON FERREIRA SANTOS Juiz Relator: JOÃO CARLOS DE SOUZA CORRÊA R E L A T Ó R I O Vistos etc. Trata-se de RECURSO DE APELAÇÃO interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra a decisão de fls. 30/32, prolatada pelo Juízo do Juizado de Violência Doméstica e FamiliarContra a Mulher e Adjunto Criminal de Nilópols, que rejeitou a denúncia (esta imputou ao apelado a prática da infração penal prevista no art. 58, § 1º, "b", do Decreto-lei nº 6.259/44), com espeque no art. 395, III, do Código de Processo Penal, por entender faltar justa causa para a ação penal. Em suas razões de apelação (fls. 33/40), o apelante requereu, em síntese, a reforma da decisão e o prosseguimento do feito. Em suas contrarrazões de apelação (fls. 47/51), o apelado requereu, em síntese, a manutenção da decisão guerreada. Parecer do Parquet em 2.º grau às fls. 58,vº, opinando pelo conhecimento e provimento do recurso. V O T O Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos para sua admissibilidade Perlustrando os autos, verifico que a decisão vergastada há de ser reformada em razão do que se segue. A aplicação do princípio da adequação social há de ser afastada, uma vez que o mesmo é dirigido ao legislador e não ao aplicador do direito. Afinal, mesmo se a conduta fosse socialmente aceita, que não é o caso, não caberia ao Poder Judiciário descriminalizá-la, pois a competência para tanto é do Poder Legislativo. Urge ressaltar que o fato de muitos descumprirem a lei não a torna ineficaz, pois somente uma lei nova tem o condão de revogar outra anterior, consoante se pode constatar pelo art. 2º do Decreto-lei nº 4.657/42 ("Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue"), não se podendo perder de vista, ainda, que, sendo o costume método de integração da norma, este, por força do disposto no art. 4º do referido Decreto-lei nº 4.657/42 ("Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito"), só pode ser aplicado pelo juiz quando a lei for omissa, o que não é o caso em comento. Impende salientar, ainda, que o fato de o Poder Público explorar jogos de azar não autoriza a exploração do "jogo do bicho" - este, além de ser uma atividade ilícita, acaba por envolver outras infrações penais de maior gravidade -, já que a exploração de jogos de azar pelo Poder Público, além de ser autorizada, tem por finalidade estimular a atividade econômica através da geração de empregos e tributos, sendo certo que parte do que é arrecadado nesses jogos de azar lícitos possui previsão de destinação social. Cumpre destacar que a hipótese dos autos também não é de estado de necessidade por inexistir situação de perigo capaz de justificar a prática da infração penal em questão, urgindo ressaltar que o apelante tinha várias alternativas de trabalho lícito e não era forçado a trabalhar em desconformidade com a lei, não se podendo deixar de consignar, ainda, que entender diversamente seria fomentar as práticas ilícitas como meio de subsistência. A respeito da impossibilidade de aplicação dos princípios da adequação social, da insignificância e da intervenção mínima, bem como da excludente de ilicitude do estado de necessidade, no que concerne à infração penal do "jogo do bicho", vale reproduzir o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: "RECURSO ESPECIAL Nº 1.464.860 - SP (2014/0158731-7) RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA RECORRENTE : TIAGO CARLOS PESSOA DA SILVA ADVOGADOS : GUILHERME LOUREIRO BARBOZA ROBERTO SIMÕES GOTTARDI RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 333 DO CÓDIGO PENAL E ART. 58, § 1º, 'D', DO DECRETO-LEI N.º 6.259/44. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. DEPOIMENTO DE POLICIAIS. VALIDADE. MODIFICAÇÃO DO JULGADO. SÚMULA 7/STJ. ANULAÇÃO DAS PROVAS COLHIDAS SEM MANDADO JUDICIAL. INVIABILIDADE. CONTRAVENÇÃO PENAL. NATUREZA PERMANENTE. REGIME INICIAL SEMIABERTO E INDEFERIMENTO DA SUBSTITUIÇÃO DA SANÇÃO RECLUSIVA POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. PENA-BASE. MÍNIMO LEGAL. FUNDAMENTAÇÃO. GRAVIDADE ABSTRATA E ELEMENTOS INERENTES ÀS INFRAÇÕES PENAIS. DIREITO AO REGIME MENOS GRAVOSO E À SUBSTITUIÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. ...No mérito, o recurso não comporta provimento. Inicialmente, cumpre consignar que o apelante é confesso em relação à prática da contravenção penal prevista no art. 58 do Decreto Lei n° 6.259/44, tendo contestado, no que toca à existência do crime, apenas a prática do crime de corrupção ativa. A materialidade da contravenção penal está comprovada pelos documentos que compõem o auto de prisão em flagrante, em especial pelos documentos apreendidos, conforme auto de exibição e apreensão (fls. 20/29). A autoria é certa, imputada pelos agentes policiais que deflagraram o flagrante e corroborada pelo acusado. A pretendida absolvição por atipicidade da conduta, lastreada na adequação social do fato, é improcedente. O princípio da adequação social não tem o condão de revogar tipos penais e se sobrepor à lei imperativa, nos termos preceituados pelo art. 2o da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro: "Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue? O entendimento consagra o princípio da continuidade das leis, segundo o qual a lei (lato sensu) só é revogada por outra norma da mesma ou de superior hierarquia, com o que desuso, decurso do tempo ou costumes não têm aptidão para revogar norma cogente. Deste modo, aquele que é capturado realizando a conduta típica, presentes os elementos cognitivo e volitivo, e ausentes excludentes e dirimentes, pratica infração penal, de modo a afastar a pretensão absolutória pautada nesta tese...." (grifei). "TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL TJ-RJ - APELACAO APL 02451388620098190001 RJ 0245138-86.2009.8.19.0001 (TJ-RJ) Data de publicação: 29/08/2013 RELATOR: DES. JOÃO CARLOS BRAGA GUIMARÃES Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRAVENÇÃO PENAL. JOGO DO BICHO. ARTIGO 58 , § 1º , DO DECRETO-LEI 6259 /44. AUTORIA E MATERIALIDADE ROBUSTAMENTE COMPROVADAS. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. ALEGAÇÃO DE QUE A PRÁTICA DE APONTADOR DE JOGO DE BICHO É ACEITA PELA SOCIEDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA POR APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. INEXISTÊNCIA DE REVOGAÇÃO FORMAL E EXPRESSA PELO LEGISLADOR DO ARTIGO 58, DO DECRETO-LEI 6259 /44. ESTADO DE NECESSIDADE NÃO CONFIGURADO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. ...A autoria e materialidade foram robustamente comprovadas nos autos. A ré não negou a prática da contravenção, mas sustenta que trabalhava apontando o jogo do bicho para sustentar seus 06 (seis) filhos e que hoje tal prática não é mais reprovada pela sociedade. Tais argumentos não podem ser aceitos. A alegação de estado de necessidade não pode ser acolhida. A ré tinha várias opções de trabalho e não era forçada a ser apontadora do jogo do bicho. Não se configura o estado de necessidade neste caso. A alegação de atipicidade da conduta por aplicação do princípio da adequação social, não se aplica ao caso, uma vez que não houve revogação expressa ou formal do artigo 58, da do Decreto-Lei 6259/44, pelo Legislador. Não basta que a conduta seja tolerada socialmente para a descriminalização da contravenção, é necessário, também, que o bem jurídico seja ínfimo ou sem valor. O que não é o caso no jogo do bicho. A d. Procuradora de Justiça, Drª MARIA APARECIDA ARAÚJO, fundamenta sua r. promoção, às fls. 151, verbis: "Ademais, a aceitação social de um fato reputado delituoso pela lei penal, o qual, em virtude da reiterada prática, passa a constituir um costume (p. ex.: jogo do bicho), não tem o condão de descriminalizá-lo. De mais a mais, para que uma conduta seja caracterizada como fonte de direito - costumes -, não basta que sua prática seja aceita e praticada por apenas determinado grupo social, de forma isolada e em desconformidade com os anseios gerais da sociedade, mas sim, que sejam "seguidas de modo reiterado e uniforme pela coletividade. São obedecidas com tamanha frequência, que acabam se tornando, praticamente, regras imperativas, ante a sincera convicção social da necessidade de sua observância. Tampouco se vislumbra, no caso em análise, uma causa excludente da ilicitude como o estado de necessidade, eis que não age em estado de necessidade o agente que, sabedor da ilicitude do jogo do bicho, dele aufere rendimentos na função de "apontador", não excluindo o crime a alegação de estar vivendo sérias dificuldades de natureza econômica. Assim sendo, o jogo do bicho continuará sendo uma contravenção, pelo que continuarão passiveis de se verem processados, todos aqueles que com ele se envolverem, quer na condição de donos de bancas, de cambistas ou de apostadores." Leciona a jurisprudência: "APELAÇÃO. CONDENAÇÃO POR INFRAÇÃO AO ARTIGO 58 DO DECRETO-LEI 6.259/44. CONTRAVENÇÃO PENAL DENOMINADA "JOGO DO BICHO". PLEITO DEFENSIVO VISANDO À ABSOLVIÇÃO POR PRECARIEDADE DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. Materialidade e autoria comprovadas. Laudo de Exame de Material de Jogo às fls. 36/37 que confirma tratar-se de material destinado à prática da referida contravenção. FAC do apelante que aponta 17 anotações, a maioria por delito idêntico ao apurado nestes autos. Condenação que se impõe. IMPROVIMENTO DO RECURSO para manter a sentença combatida nos exatos termos em que foi proferida." (APELAÇÃO 0025068-42.2008.8.19.0203. Órgão julgador: 3ª Câmara Criminal do e. TJ/RJ. Data do julgamento: 31/01/2012. Relator: DES. PAULO RANGEL). "APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRAVENÇÃO PENAL. JOGO DO BICHO (ART. 58 § 1ª, "B" DL 6259/44). PRETENSÃO DEFENSIVA DE ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA POR APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. O acusado confessou a prática do delito, entendendo, o Juízo monocrático, por condená- lo à pena de 4 (quatro) meses de prisão simples e 10 (dias-multa), no valor mínimo legal. Substituída a pena corporal por multa substitutiva de 40 dias-multa. 2. Inexistindo, até o momento, revogação formal e expressa pelo legislador federal do art. 58 do DL 6259/44, a atividade do jogo do bicho há que ser tida como contravenção penal, imputável a todos que com ela estiverem envolvidos, seja na condição de donos de bancas, intermediários ou apostadores. 4 - O princípio da adequação social, assim como o da Insignificância e o da Intervenção Mínima, deve ser aplicado com moderação, não bastando que a conduta seja tolerada socialmente, sendo necessário que a ofensa ao bem jurídico protegido seja ínfima. 5- Nossos Tribunais Superiores vem reiteradamente rejeitando a tese de atipicidade da conduta daquele que se envolve com o jogo do bicho, entendendo como inaplicável à espécie o Princípio da Adequação Social. Precedentes: RESP 25115-RO (RT 705/387), RESP 54716- PR, RESP 127711-RJ, RESP 215153, RESP 208037. RECURSO CONHECIDO, MAS DESPROVIDO". (AP. CRIMINAL 0336317-38.2008.8.19.0001. Órgão julgador: 7ª Câmara Criminal do e. TJ/RJ. Data do julgamento: 27/09/2011. Relator: DES. SIDNEY ROSA DA SILVA). "APELAÇÃO. CONTRAVENÇÃO. JOGO DO BICHO. RECURSO DEFENSIVO VISANDO ABSOLVIÇÃO AO ARGUMENTO DA AUSÊNCIA DE PROPORCIONALIDADE DA PENA E A INTENSIDADE OU MAGNITUDE DA LESÃO AO BEM JURÍDICO PENALMENTE TUTELADO. PRINCÍPIOS DA ADEQUAÇÃO SOCIAL E INSIGNIFICÂNCIA. Não há a menor dúvida de que o apelante estava realizando o denominado aponte da corretagem zoológica, denominado "jogo do bicho", quando foi preso em flagrante delito. Os princípios acenados são posições doutrinárias que pretendem expurgar do mundo jurídico o tipo penal em comento, mas somente por lei tal é possível, sob pena de violação do Estado de Direito, o que nos é caro. Sanções que merecem arrefecimento, com imposição do regime aberto e substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, modalidade de prestação de serviços à comunidade. RECURSO CONHECIDO E, PARCIALMENTE, PROVIDO." (AP. CRIMINAL 0078108-60.2008.8.19.0001. Órgão julgador: 8ª Câmara Criminal do e. TJ/RJ. Data do julgamento: 26/11/2009. Relator: DES. GILMAR AUGUSTO TEIXEIRA). Por conta de tais considerações, NEGO PROVIMENTO ao recurso. Mantenho, na íntegra, a r. sentença monocrática que, na forma regimental, é adotada como fundamentação adicional." (grifei). ISTO POSTO, voto no sentido de CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto para determinar o prosseguimento do feito. Rio de Janeiro, 29 de janeiro de 2021. jOÃO CARLOS DE SOUZA CORRÊA Juiz Relator Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Comarca da Capital 6



0003739-04.2019.8.19.0036 - APELAÇÃO CRIMINAL

CAPITAL 2a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CRIMINAIS

Juiz(a) JOAO CARLOS DE SOUZA CORREA - Julg: 12/02/2021 - Data de Publicação: 25/02/2021