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19 de setembro de 2017

PRECLUSÃO DIFERIDA, O FIM DO AGRAVO RETIDO E A AMPLIAÇÃO DO OBJETO DA APELAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; Revista de Processo, vol. 243, p. 269 - 280, Maio / 2015

PRECLUSÃO DIFERIDA, O FIM DO AGRAVO RETIDO E A AMPLIAÇÃO DO OBJETO DA APELAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Preclusion granted, the end of the interlocutory appeal (from final judgment) and the broadening of the subject of the appeal in the new Code of Civil Procedure
Revista de Processo | vol. 243/2015 | p. 269 - 280 | Maio / 2015
DTR\2015\7912
_____________________________________________________________________________________
Rodrigo Barioni
Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP. Professor da Faculdade de Direito da PUC-SP. Vice-Presidente do Centro de Estudos Avançados de Processo (Ceapro). Advogado.

Área do Direito: Processual

Resumo: O presente trabalho aborda a alteração do regime da preclusão na fase de conhecimento e a ampliação do objeto do recurso de apelação no novo Código de Processo Civil.

 Palavras-chave:  Novo Código de Processo Civil - Preclusão - Recurso - Apelação - Agravo retido - Agravo de instrumento.

Abstract: This paper is related to the changes occoured in the new Civil Procedure Code, regarding the preclusion and the matters that can be contested in the appeal.

 Keywords:  New Civil Procedure Code - Preclusion - Appeal - Interlocutory appeal.

Sumário:  
- 1.Introdução - 2.O recurso de apelação no Código de Processo Civil de 1973 - 3.O recurso de apelação no novo Código de Processo Civil, em relação às decisões interlocutórias - 4.Aspectos procedimentais - 5.Encerramento


Recebido em: 20.03.2015
Aprovado em: 24.04.2015

1. Introdução

No vigente Código de Processo Civil, o recurso que impugna decisões interlocutórias proferidas por órgão de primeiro grau é o agravo, sob a forma retida ou por instrumento. Enquanto o agravo de instrumento é imediatamente processado perante o tribunal competente para julgá-lo, na modalidade retida o agravo tem efeito devolutivo diferido e condicionado, de maneira que será julgado pelo órgão ad quem apenas por ocasião do julgamento da apelação eventualmente interposta contra a sentença e desde que expressamente requerido nas razões ou contrarrazões de apelação (art. 523, CPC/1973).
No regime atual, o agravo retido apresenta-se como figura impugnativa a obstar a preclusão imediata de questões decididas por meio de decisões interlocutórias, sem, contudo, submeter a matéria automaticamente ao exame do órgão ad quem. Em radical transformação, o Anteprojeto do novo Código de Processo Civil propôs que fosse diferida a preclusão do direito de impugnar as decisões interlocutórias não sujeitas a agravo de instrumento, ao incluir a recorribilidade no âmbito do recurso de apelação.1 Na exposição de motivos, a alteração foi anunciada nos seguintes termos: “Desapareceu o agravo retido, tendo, correlatamente, alterado-se o regime das preclusões. Todas as decisões anteriores à sentença podem ser impugnadas na apelação. Ressalte-se que, na verdade, o que se modificou, nesse particular, foi exclusivamente o momento da impugnação, pois essas decisões, de que se recorria, no sistema anterior, por meio de agravo retido, só eram mesmo alteradas ou mantidas quando o agravo era julgado, como preliminar de apelação. Com o novo regime, o momento de julgamento será o mesmo; não o da impugnação”.
No parágrafo único do art. 923 do Anteprojeto, como se observa na nota 1, está afirmado que “as questões resolvidas na fase cognitiva não ficam cobertas pela preclusão”, quando, na realidade, não estão imediatamente sujeitas a preclusão, ficando alterado o seu regime, que passaria a ser diferido. Se não houver recurso de apelação a conduzir essas questões ao reexame pelo órgão ad quem, sobre elas haverá preclusão.
No Senado Federal, o texto do parágrafo único do art. 923 do Anteprojeto veio a ser alterado, para esclarecer que as decisões interlocutórias sujeitas à nova forma de impugnação seriam aquelas não suscetíveis de agravo de instrumento, bem como acrescentou a possibilidade de o inconformismo ser veiculado nas contrarrazões de apelação.2
A versão da Câmara dos Deputados alterou parcialmente a proposta, ao introduzir um novo parágrafo no aludido dispositivo, para prever a preclusão imediata das questões integrantes de decisão interlocutória, se a parte, na primeira oportunidade de falar nos autos, não formulasse protesto específico contra a decisão. A sugestão representava parcial retorno ao sistema do CPC/1973: de um lado, porque ficava mantida a preclusão imediata, se não realizado o protesto contra a decisão; de outro, porque embora não fosse necessário deduzir as razões recursais no momento da formulação do protesto, caberia à parte interessada registrar seu inconformismo, assegurando, assim, que a questão eventualmente viesse a ser conhecida pelo tribunal quando do julgamento do recurso de apelação.3
Do ponto de vista prático, não é difícil imaginar que o protesto antipreclusivo seria utilizado contra toda e qualquer decisão judicial desfavorável, por ser ato meramente formal, destituído de complexidade – em vista de não ser acompanhado das razões do inconformismo – e gratuito.
Ao retornar ao Senado Federal, prevaleceu a tese inicialmente proposta, qual seja, a alteração do regime da preclusão, que permaneceu imediata quando a decisão for sujeita a agravo de instrumento e diferida para as decisões interlocutórias não impugnáveis por agravo de instrumento:
“Art. 1.009. Da sentença cabe apelação.
§ 1.º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.
§ 2.º Se as questões referidas no § 1.º forem suscitadas em contrarrazões, o recorrente será intimado para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se a respeito delas.
§ 3.º O disposto no caput deste artigo aplica-se mesmo quando as questões mencionadas no art. 1.015 integrarem capítulo da sentença”.
O texto do novo Código de Processo Civil4 revela importante alteração do regime das preclusões na fase de conhecimento e do sistema recursal brasileiro, no tocante à impugnação das decisões interlocutórias, a justificar o aprofundamento do estudo do tema e suas consequências práticas.

2. O recurso de apelação no Código de Processo Civil de 1973

A apelação sempre foi referida como o recurso por excelência, não apenas por seu caráter histórico – descendente da appellatio romana –, como por impugnar o ato mais importante do processo – a sentença – e pelas características de seu efeito devolutivo, articulado para ser o maior dentre os recursos.
Atualmente, a apelação tem por finalidade atacar a sentença, seja de mérito, seja terminativa (art. 513 do CPC/1973). O conceito de sentença, por sua vez, é traçado pelo art. 162, § 1.º, do CPC/1973, com redação da Lei 11.232/2005, como “o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”. Passando ao largo das questões redacionais e da polêmica gerada no início da vigência do dispositivo, verifica-se que, para fins de cabimento de apelação, sentença é entendida como o ato vocacionado a colocar fim ao processo em primeiro grau de jurisdição.5
As decisões interlocutórias, por sua vez, não podem ser impugnadas por meio de apelação. Cabível será o recurso de agravo (retido ou de instrumento), sob pena de preclusão (art. 522 do CPC/1973). Quando a matéria deveria ter sido apreciada por meio de decisão interlocutória, mas acabou decidida no bojo da apelação, tem prevalecido a ideia de que o recurso cabível é a apelação.6 A título ilustrativo, tome-se a hipótese de sentença que indefere o pedido de produção de prova testemunhal formulado pelo autor e julga improcedente o pedido inicial. O recurso de apelação, dada a amplitude de seu efeito devolutivo, é apto a impugnar não só a matéria de mérito, mas igualmente veicular a pretensão à reforma da questão relativa à prova.
Pode ocorrer, porém, de haver determinada questão a ser decidida por meio de decisão interlocutória, mas o juiz deixa de julgá-la. Como inexiste decisão, não há que se falar em recurso de agravo. Por isso, o art. 516 do CPC/1973 determina que essa questão seja decidida pelo tribunal, por ocasião do julgamento do recurso de apelação.7 Como exemplo, a impugnação ao valor da causa que deixou de ser julgada em primeiro grau. No julgamento da apelação deverá o tribunal se pronunciar sobre o tema, independentemente da omissão das partes nas razões ou contrarrazões de apelação.

3. O recurso de apelação no novo Código de Processo Civil, em relação às decisões interlocutórias

O novo Código de Processo Civil amplia o objeto do recurso de apelação, para permitir que as questões resolvidas por decisões interlocutórias, contra as quais não seja possível o manejo do agravo de instrumento, venham a ser suscitadas na apelação ou em contrarrazões.
Apesar da modificação significativa no regime da preclusão das interlocutórias, está mantida a possibilidade, em tese, de se recorrer de toda e qualquer decisão interlocutória: algumas pela via do agravo de instrumento; outras, por meio de apelação. Na prática, contudo, é fácil antever situações para as quais não foi previsto o agravo de instrumento e, ao mesmo tempo, não há interesse recursal em impugnar por meio da apelação. Para esses casos, a solução é permitir a impugnação pela via do mandado de segurança. Assim sucede, por exemplo, no caso de decisão que determine a suspensão do processo em virtude de suposta prejudicialidade externa (art. 313, V, a, do CPC/2015). A decisão não consta no rol dos atos impugnáveis por meio do agravo de instrumento. Tampouco fará sentido impugná-la por meio da apelação, pois logicamente pressupõe que tenha encerrado o período de suspensão do processo. Assim, somente por meio do mandado de segurança a decisão interlocutória poderá ser impugnada.
A distinção entre o agravo de instrumento e a apelação se faz pelo caráter subsidiário da apelação para impugnar decisões interlocutórias: somente aquelas não suscetíveis de agravo de instrumento estarão sujeitas ao reexame em sede de apelação.
Nessa ordem de ideias, é imprescindível identificar as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento. Nos casos especificados no novo Código de Processo Civil, caberá ao interessado impugnar a decisão interlocutória por meio do agravo de instrumento. Haverá preclusão temporal, imediata, se não houver a interposição do agravo de instrumento. Não relacionada a decisão como sujeita a agravo de instrumento, incide o regime da preclusão diferida previsto no § 1.º do art. 1.009 do CPC/2015, e permite-se o requerimento para que seja reexaminada no julgamento da apelação.
Esclarecidas as decisões que podem ser objeto de apelação, surge o segundo ponto relevante: o preceito legal indica que a questão tem de ser suscitada como preliminar do recurso de apelação ou das contrarrazões. Apesar da menção ao termo “preliminar”, o que encerraria hipótese de a matéria ser deduzida antes dos fundamentos concernentes à sentença, deve ser reputada válida a alegação mesmo após os fundamentos relacionados à sentença, desde que em capítulo próprio do recurso ou das contrarrazões. Aplica-se, ao caso, o princípio da instrumentalidade das formas, também consagrado no art. 277 do CPC/2015. O importante é que o apelante faça constar a impugnação como objeto do recurso de apelação. Caso omisso o recurso sobre o ponto, a questão não integrará o efeito devolutivo do recurso de apelação e, portanto, não poderá ser examinada pelo órgão ad quem, ainda que venha a ser arguida pelo apelante em sustentação oral.
Outro ponto relevante concerne às contrarrazões. No vigente Código de Processo Civil, os limites objetivos da apelação são fixados pelo recorrente. As contrarrazões não estendem o objeto do recurso de apelação, por tratar-se de meio de contraposição às alegações do apelante. Caso haja interesse em acrescentar objetos a serem enfrentados pelo órgão ad quem, há dois caminhos: a interposição do recurso autônomo ou lançar mão do recurso adesivo. Sem a impugnação por meio de recurso próprio, não se permite ampliar o objeto a ser apreciado por ocasião do julgamento da apelação.8 Nesse sentido, representa relevante novidade a previsão de que o apelado poderá ampliar o thema decidendum do tribunal por meio das contrarrazões ao recurso de apelação.
No direito romano houve determinado período em que a apelação apresentava o denominado “benefício comum”, isto é, a apelação interposta por uma das partes devolvia ao exame do órgão ad quem também as questões desfavoráveis ao apelante, de maneira que o julgamento do recurso poderia ensejar a reformatio in peius.9 Em outras palavras, o apelado, para alcançar situação jurídica mais vantajosa, não necessitava fazer uso do recurso de apelação, podendo o tribunal corrigir os vícios da decisão desfavorável ao apelado no julgamento do recurso do próprio apelante.
Apesar das inúmeras distinções que podem ser apontadas, o novo Código de Processo Civil dá um passo em direção ao “benefício comum” da appellatio romana, ao ampliar os limites objetivos do recurso de apelação por meio das contrarrazões do apelado. Não se trata de transformar as contrarrazões de apelação em recurso – até porque seria absurdo condicionar a apresentação de contrarrazões ao cumprimento de determinados requisitos de admissibilidade recursal, como, v.g., o pagamento de preparo. Antes, verifica-se que as contrarrazões, quando veiculam matéria não sujeita a preclusão, permitem a atuação pelo órgão ad quem ao julgar o próprio recurso de apelação interposto pela parte contrária. O objeto da apelação é simplesmente ampliado pelas contrarrazões. Em outras palavras: a apelação interposta por uma das partes é meio hábil a devolver as matérias contidas no próprio recurso e nas contrarrazões, quando disser respeito a questão solucionada em decisão interlocutória, sobre a qual não haja preclusão. Conclui-se, por consequência, que havendo desistência ou inadmissibilidade do recurso de apelação, as matérias suscitadas nas contrarrazões não serão objeto de apreciação pelo órgão ad quem. A apreciação das matérias deduzidas em contrarrazões, portanto, está condicionada ao conhecimento do recurso de apelação interposto.
Pode ocorrer, porém, de a parte vencedora na causa apresentar interesse recursal em ver determinada decisão interlocutória reapreciada pelo tribunal. Exemplo marcante é do réu que vê rejeitada em primeiro grau a impugnação voltada a majorar o valor atribuído à causa. A decisão não está sujeita a agravo de instrumento. Preenchido está, portanto, o requisito do art. 1.009, § 1.º, do CPC/2015, para que a matéria possa ser suscitada em sede de apelação ou em contrarrazões. No entanto, advém sentença de mérito que julga improcedente o pedido, fixando os honorários advocatícios com base no valor da causa.10 Nesse caso, nada obstante o resultado favorável ao réu, subsiste o interesse recursal em ver reformada a decisão interlocutória que rejeitou a impugnação ao valor da causa, para aumentar a verba honorária. Nesses casos, deve-se admitir que o recurso de apelação seja dirigido exclusivamente contra a decisão interlocutória. A parte não pode ser privada de alcançar situação jurídica mais favorável por falta de veículo próprio para a impugnação da decisão interlocutória que padece de vício. Daí ser necessário interpretar o art. 1.009, caput, em conjunto com o § 1.º do CPC/2015, de maneira a não vedar a utilização da apelação quando o interesse jurídico do recorrente disser respeito exclusivamente à impugnação de eventual decisão interlocutória.
Tema relevante diz respeito à falta de recurso de apelação ou de contrarrazões de apelação, quando há remessa necessária (art. 475 do CPC/1973). Ao interpretar o art. 523 do CPC/1973, o STJ considerou que o reexame necessário, por si só, era suficiente para se considerar requerida a apreciação do agravo retido.11 No novo Código de Processo Civil, porém, a posição não pode ser prestigiada. Conforme é entendimento assente, por força da interpretação restritiva conferida ao instituto, em vista de sua exceção no sistema processual, tem-se que a remessa necessária é restrita à sentença e não abarca as decisões interlocutórias.12 Como as questões previstas no § 1.º do art. 1.009 do CPC/2015 não integram a sentença, as decisões interlocutórias não ficam sujeitas ao reexame necessário, cabendo ao ente público interessado fazer uso do recurso de apelação.
Por fim, conquanto o art. 1.009, § 1.º do CPC/2015, preveja que as questões resolvidas na fase de conhecimento, quando não impugnáveis por agravo de instrumento, não ficam sujeitas a preclusão, tem-se que o legislador não foi suficientemente claro. Na verdade, as decisões ficam suscetíveis de serem revisadas pelo órgão ad quem, desde que arguidas em apelação ou contrarrazões. Ou seja, a preclusão também ocorrerá em relação a essas questões. Disso resulta que, não suscitada a matéria no momento oportuno (razões ou contrarrazões de apelação), ocorrerá a preclusão, de maneira que essa questão não poderá ser validamente invocada em recurso posterior (v.g., em sede de embargos de declaração ou de recurso especial).

4. Aspectos procedimentais

O recurso de apelação tem procedimento único, independentemente de seu objeto. Disso resulta que o fato de o recurso abarcar questões decididas na sentença e em decisões interlocutórias não modifica o fato de serem impugnáveis pela mesma via e, portanto, sujeitas ao mesmo trâmite processual.
À semelhança do Código de Processo Civil de 1973, o prazo de interposição e resposta ao recurso de apelação será de 15 dias no novo Código de Processo Civil. No entanto, caso seja incluída nas contrarrazões a ampliação do objeto do recurso de apelação, para alcançar a revisão de determinadas decisões interlocutórias, em atenção às previsões dos arts. 9.º e 10 do CPC/2015, o apelante obrigatoriamente será intimado a oferecer resposta.
Apresentadas as manifestações, o recurso será remetido ao órgão ad quem sem juízo de admissibilidade em primeiro grau de jurisdição. Processada a apelação no tribunal e designada data para julgamento, permite-se que a sustentação oral inclua as matérias referentes às decisões interlocutórias e à sentença, indistintamente. E caso a matéria seja decidida por maioria de votos, o julgamento prosseguirá com o acréscimo de outros julgadores, na forma prevista no regimento interno.13
Ponto importante diz respeito ao efeito suspensivo do recurso de apelação. O novo Código de Processo Civil mantém, como regra, o efeito suspensivo da apelação, conforme a redação do art. 1.012: “a apelação terá efeito suspensivo”. Como se sabe, o efeito suspensivo atribuído ao recurso impede a produção de efeitos pela decisão impugnada. Com tradicional acuidade, Barbosa Moreira registra a impropriedade da locução “efeito suspensivo”: “a expressão ‘efeito suspensivo’ é, de certo modo, equívoca, porque se presta a fazer supor que só com a interposição do recurso passem a ficar tolhidos os efeitos da decisão, como se até esse momento estivessem eles a manifestar-se normalmente. Na realidade, o contrário é que se verifica: mesmo antes de interposto o recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe sujeita, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia, que cessaria se não se interpusesse o recurso”.14
No caso das decisões interlocutórias não sujeitas a agravo de instrumento, não se pode conceber que fiquem com a eficácia suspensa até que sejam devolvidas ao exame do tribunal por meio do recurso de apelação. Isso inviabilizaria a própria solução do litígio em primeiro grau de jurisdição. Tampouco se compreende que, após a sentença, haja sentido em subtrair os efeitos das decisões interlocutórias que serão objeto de reexame em apelação. Por isso, a conclusão inevitável, a nosso ver, é que o efeito suspensivo da apelação diz respeito exclusivamente à sentença. No tocante às decisões interlocutórias que constituam objeto do recurso, não serão abrangidas pelo efeito suspensivo.
Ainda com relação ao procedimento, cabe uma observação interessante. O novo Código de Processo Civil é estruturado para, sempre que possível, propiciar a sanabilidade dos defeitos dos atos processuais e permitir o julgamento sobre o mérito da causa. Não é diferente no recurso de apelação que trata de matéria concernente a decisão interlocutória. Caso seja constatada a ocorrência de vício sanável, que tenha sido invocado no recurso de apelação ou em contrarrazões, o relator poderá determinar que o defeito seja escoimado e, sempre que possível, prosseguirá no julgamento da causa (art. 938, § 1.º do CPC/2015). A previsão é que essa providência se revele muito importante na prática, para evitar o decreto de nulidade da sentença, com o retorno do processo ao primeiro grau de jurisdição, em razão do acolhimento de error in procedendo de eventual decisão interlocutória.

5. Encerramento

A modificação do regime de preclusões e a ampliação do objeto do recurso de apelação pelo novo Código de Processo Civil, para permitir a impugnação de decisões que na vigência do Código de Processo Civil de 1973 eram recorríveis por meio de agravo retido, representam importantes inovações no sistema, que devem ser cuidadosamente estudadas pelos processualistas.
Pretende-se reduzir o número de recursos, cujo julgamento muitas vezes deixa de ser interessante às partes, em vista do desenvolvimento do processo ou de seu resultado. A iniciativa apresenta-se com potencial para reduzir a atividade das partes (hoje obrigadas a agravar na forma retida, apresentar contraminuta e posteriormente reiterar o pedido de julgamento nas razões recusais) e do Poder Judiciário (pela dispensa do processamento do agravo retido em primeiro grau e, a depender da conduta das partes, pela não impugnação das questões decididas em decisões interlocutórias, em razão da perda de interesse das partes).
   
1 “Art. 923. Da sentença cabe apelação.Parágrafo único. As questões resolvidas na fase cognitiva não ficam cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final”.


2 “Art. 963. Da sentença cabe apelação.Parágrafo único. As questões resolvidas na fase cognitiva, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não ficam cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões”.


3 “Art. 1.022. Da sentença cabe apelação.§ 1.º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, têm de ser impugnadas em apelação, eventualmente interposta contra a sentença, ou nas contrarrazões. Sendo suscitadas em contrarrazões, o recorrente será intimado para, em quinze dias, manifestar-se a respeito delas.
§ 2.º A impugnação prevista no § 1.º pressupõe a prévia apresentação de protesto específico contra a decisão no primeiro momento que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão; as razões do protesto têm de ser apresentadas na apelação ou nas contrarrazões de apelação, nos termos do § 1.º”.


4 Lei 13.105/2015.

5 Cf. Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, Breves comentários à nova sistemática processual civil 2, p. 37; Rodrigo Barioni, Efeito devolutivo da apelação civil, RT, 2007, p. 25-26.

6 Muito embora no tocante à impugnação de decisão referente à tutela antecipada ainda haja divergência doutrinária e jurisprudencial, que se justifica dada a urgência da obtenção de efeito suspensivo ao recurso. Sobre referência acerca do tema, vide nosso Efeito devolutivo da apelação, cit., p. 30, nota 39.

7 “Art. 516. Ficam também submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não decididas”.

8 Em outra oportunidade, escrevemos: “A matéria impugnada constitui o mérito do recurso de apelação. À semelhança do que ocorre no primeiro grau, em que o pedido do autor, na petição inicial, é o objeto do processo, o pedido do apelante, ‘autor’ do recurso, é o objeto da apelação. Isto é, o mérito do recurso não se amplia ou se reduz pelas contrarrazões do apelado. E mesmo a ausência de contrarrazões não enseja a revelia do apelado, inexistindo prejuízo ou efeitos adversos decorrentes da não apresentação da resposta ao recurso” (Efeito devolutivo, p. 92).

9 Sobre o tema, oportuna é a lição de Ricardo de Carvalho Aprigliano: “Alguns autores afirmam que a característica do processo civil brasileiro de devolverem-se as alegações e os fundamentos invocados também pela parte contrária, mediante apelação de uma parte, sem necessidade de nova indicação na resposta ao recurso, representa uma espécie de benefício comum da apelação.O raciocínio é correto, pois a ampla devolução das questões suscitadas e discutidas no processo – ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro – e também a devolução de todos os fundamentos alegados fazem com que, no direito brasileiro, a transferência do conhecimento da matéria sirva para ambas as partes, mas dependa só da iniciativa recursal de uma delas. Contudo, o uso da expressão benefício comum deve ser recebido com reservas, em virtude de sua utilização em outro sentido, com o qual a devolução em sentido amplo não se confunde.
De fato, fala-se em ‘benefício comum’ quando o recurso de uma parte pode ser julgado favoravelmente à outra, que não recorreu, possibilitando assim que a situação do único recorrente piore em virtude de seu próprio recurso. Como antes afirmado, esse sistema vigeu por muito tempo nos ordenamentos de diversos países, inclusive o brasileiro, mas foi superado pela concepção do recurso como manifestação do princípio dispositivo das partes.
Completamente diverso é o fato de a matéria debatida pelas partes no processo ser levada ao conhecimento do tribunal com base na iniciativa recursal de uma delas apenas. Nesse caso, a vantagem do apelado parece residir no fato de que o recurso pode ser rejeitado mesmo sem sua intervenção na fase recursal, mas sua situação não pode ser considerada melhor pelo fato de o recurso ser rejeitado. Para a caracterização do benefício comum, seria necessário que o apelado tivesse uma melhora prática de sua situação processual, o que não ocorre” (A apelação e seus efeitos, 2. ed., Atlas, 2007, p. 109).


10 Cf. art. 85, § 2.º, do CPC/2015: “§ 2.º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: (…)”.

11 REsp 100715/BA, 1.ª T., rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 14.04.1997, in RSTJ 96/153.

12 Cf. STJ, AgRg no REsp 757837/PR, 5.ª T., rel. Min. Laurita Vaz, DJe 28.09.2009; STJ, REsp 636438/RS, 5.ª T., rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 05.12.2005; STJ, AgRg no Ag 536830/MG, 2.ª T., rel. Min. Franciulli Netto, DJ 08.08.2005.

13 Trata-se da técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC/2015:“Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.
§ 1.º Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.
§ 2.º Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.
§ 3.º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:
I – ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;
II – agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.
§ 4.º Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento:
I – do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;
II – da remessa necessária;
III – não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.”



14 Comentários ao Código de Processo Civil, 14. ed., Forense, 2008, p. 258, vol. V.