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15 de fevereiro de 2022

Súmula 652-STJ: A responsabilidade civil da Administração Pública por danos ao meio ambiente, decorrente de sua omissão no dever de fiscalização, é de caráter solidário, mas de execução subsidiária

 STJ. 1ª Seção. Aprovada em 02/12/2021, DJe 06/12/2021

Súmula 652-STJ: A responsabilidade civil da Administração Pública por danos ao meio ambiente, decorrente de sua omissão no dever de fiscalização, é de caráter solidário, mas de execução subsidiária

Danos ambientais

responsabilidade por danos ambientais é objetiva - garantir a reparação do dano, independentemente da

existência de culpa

Art. 927, §ú, CC: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”

Art. 14, § 1º, a Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente): “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente”

Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) recepcionada pelo art. 225, §§ 2º e 3º, CF

teoria do risco integral

indenização será devida independentemente da existência de culpa

excludentes como o caso fortuito, a força maior e o fato de terceiro não podem ser opostas

O titular da atividade lesiva assume os riscos dela oriundos, colocando-se na posição de garantidor da preservação ambiental

exige-se apenas a demonstração da ocorrência da ação ou omissão, do dano e do nexo de causalidade para que o agente seja responsabilizado civilmente

Loteamento irregular

desconformidade com a legislação (federal e municipal) que disciplina a regularização dos lotes urbanos

Lei 6.766/79 - dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano:

Art. 13, §ú: “No caso de loteamento ou desmembramento localizado em área de município integrante de região metropolitana, o exame e a anuência prévia à aprovação do projeto caberão à autoridade metropolitana”.

Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública.

I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios; (...)

Responsabilidade do Município

Município possui responsabilidade por conta de sua omissão no dever de fiscalização

responsabilidade solidária - condenado em conjunto com a causadora do dano

Art. 942, CC: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação

Subsidiariedade

Primeiro deve-se tentar fazer com que a empresa pague integralmente a condenação

responsabilidade Administração Pública é objetiva, solidária e ilimitada, mas execução subsidiária

poder público fica na posição de devedor-reserva, com “ordem ou benefício de preferência”.

vedada a sua convocação per saltum (“pulando” a empresa causadora do dano)

Empresa e Município serão condenados solidariamente. Ambos constarão título executivo.

No entanto, primeiramente deve-se tentar fazer com que empresa pague indenização

Somente se ela não tiver condições de pagar, Adm Pública será chamada arcar com indenização

Mesmo que o Poder Público acabe tendo que pagar a condenação, ele poderá, posteriormente, ajuizar ação regressiva contra o responsável direto pelo dano

STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1326903/DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 24/04/2018: “O reconhecimento da responsabilização solidária de execução subsidiária enseja que o Estado somente seja acionado para cumprimento da obrigação de demolição das construções irregulares após a devida demonstração de absoluta impossibilidade ou incapacidade de cumprimento da medida pelos demais réus, diretamente causadores dos danos, e, ainda, sem prejuízo de ação regressiva contra os agentes públicos ou particulares responsáveis”

14 de janeiro de 2022

É inconstitucional a revogação de Resolução do Conama que protegia o meio ambiente sem que ela seja substituída ou atualizada por outra que também garanta proteção

 AMBIENTAL – PROIBIÇÃO DO RETROCESSO

STF. Plenário. ADPF 747/DF e ADPF 749/DF, Rel. Min. Rosa Weber, j. 13/12/2021 (Inf 1041).

É inconstitucional a revogação de Resolução do Conama que protegia o meio ambiente sem que ela seja substituída ou atualizada por outra que também garanta proteção

A revogação de normas operacionais fixadoras de parâmetros mensuráveis necessários ao cumprimento da legislação ambiental, sem sua substituição ou atualização, compromete a observância da Constituição Federal, da legislação vigente e de compromissos internacionais

Resolução CONAMA 284/2001

o licenciamento de empreendimentos de irrigação

Resolução CONAMA 302/2002

fixa parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente (APPs) de reservatórios artificiais e o regime de uso do entorno.

Resolução CONAMA 303/2002

parâmetros e limites às APPs e considera que as áreas de dunas, manguezais e restingas têm função fundamental na dinâmica ecológica da zona costeira

Resolução CONAMA 500/2020

revogou as três Resoluções acima mencionadas, que previam mecanismos de proteção do meio ambiente

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se configura como direito fundamental da pessoa

humana

Na condução das políticas públicas assecuratórias do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabe à Administração fazer cumprir a Constituição e as leis, conferindo-lhes a máxima efetividade.

Cumpre salientar que a adequada tutela do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é norteada pelo princípio da precaução, que alicerça preferência da preservação à restauração

A supressão de marcos regulatórios ambientais, procedimento que não se confunde com a sua atualização e ajustes necessários, configura quadro normativo de retrocesso no campo da proteção e defesa do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF, art. 225, caput)

a ponto de provocar a impressão da ocorrência de efetivo desmonte da estrutura estatal de prevenção e reparação dos danos à integridade do patrimônio ambiental comum.

Além de vulnerar princípios basilares da CF e sonegar proteção adequada e suficiente a direito fundamental, promove desalinho, quando não o rompimento, em relação a compromissos internacionais de caráter supralegal assumidos pelo Brasil e que moldam o conteúdo desses direitos

“É seguro afirmar que a proibição de retrocesso, apesar de não se encontrar, com nome e sobrenome, consagrada na nossa Constituição, nem em normas infraconstitucionais, e não obstante sua relativa imprecisão − compreensível em institutos de formulação recente e ainda em pleno processo de consolidação −, transformou-se em princípio geral do Direito Ambiental, a ser invocado na avaliação da legitimidade de iniciativas legislativas destinadas a reduzir o patamar de tutela legal do meio ambiente, mormente naquilo que afete em particular a) processos ecológicos essenciais, b) ecossistemas frágeis ou à beira de colapso, e c) espécies ameaçadas de extinção. (...)

Violações ao princípio da proibição de retrocesso se manifestam de várias maneiras. A mais óbvia é a redução do grau de salvaguarda jurídica ou da superfície de uma área protegida (Parque Nacional, p. ex.); outra, menos perceptível e por isso mais insidiosa, é o esvaziamento ou enfraquecimento das normas de previsão de direitos e obrigações ou, por outro lado, os instrumentos de atuação do Direito Ambiental (Estudo Prévio de Impacto Ambiental, Áreas de Proteção Permanente, Reserva Legal, responsabilidade civil objetiva, p. ex.).” (BENJAMIN, Antônio Herman. Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental In Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental. Brasília: Senado Federal, 2012).

“Uma vez dotado o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado de status de direito fundamental, as garantias de proteção ambiental já conquistadas não podem retroagir. É inadmissível o recuo da salvaguarda ambiental para níveis de proteção inferiores aos já consagrados, a não ser que as circunstâncias de fato sejam significativamente alteradas. A expressão efeito cliquet é francesa e se origina da prática de alpinismo. Define um movimento que só permite que o alpinista siga para cima, ou seja, suba. O princípio da vedação do retrocesso ecológico, também conhecido por efeito cliquet ambiental, tem por escopo obstar medidas legislativas e executivas que implementem um efeito cliquet (na concepção jurídica esse termo francês assume acepção de 'não retrocesso') ou um efeito catraca, em relação ao direito ambiental. Não se pode, por exemplo, revogar uma lei que proteja o meio ambiente sem, no mínimo, substituí-la por outra que ofereça garantias com eficácia similar.” (GARCIA, Leonardo; TOMÉ, Romeu. Direito Ambiental. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 69)

15 de novembro de 2021

A possibilidade de complementação da legislação federal para o atendimento de interesse regional não permite que Estado-Membro simplifique o licenciamento ambiental para atividades de lavra garimpeira

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-1029-stf.pdf


COMPETÊNCIA A possibilidade de complementação da legislação federal para o atendimento de interesse regional não permite que Estado-Membro simplifique o licenciamento ambiental para atividades de lavra garimpeira 

É inconstitucional a legislação estadual que, flexibilizando exigência legal para o desenvolvimento de atividade potencialmente poluidora, cria modalidade mais simplificada de licenciamento ambiental. É inconstitucional lei estadual que regulamenta aspectos da atividade garimpeira, nomeadamente, ao estabelecer conceitos a ela relacionados, delimitar áreas para seu exercício e autorizar o uso de azougue (mercúrio) em determinadas condições. STF. Plenário. ADI 6672/RR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 14/9/2021 (Info 1029). 

O caso concreto foi o seguinte: 

Em Roraima, foi editada a Lei nº 1.453/2021, que trata sobre o licenciamento necessário para a atividade de lavra garimpeira no Estado. Veja alguns dispositivos da Lei apenas para você entender melhor sobre o que ela versa: 

Art. 1º Esta Lei estabelece procedimentos e critérios específicos para o Licenciamento Ambiental da Atividade de Lavra Garimpeira no Estado de Roraima. 

Art. 3º O Licenciamento Ambiental para Atividade de Lavra Garimpeira far-se-á por meio de Licença de Operação Direta, a ser expedida pela Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos - FEMARH, devendo ser apresentado estudo ambiental para análise técnica, conforme Termo de Referência constante no Anexo II desta Lei e que dela é parte integrante. § 1º O estudo ambiental a ser apresentado à Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – FEMARH para a solicitação da Licença de Operação, são: Plano de Controle Ambiental – PCA e Plano de Recuperação de Áreas Degradadas - PRAD. § 2º A FEMARH exigirá os estudos ambientais de acordo com o Termo de Referência do Projeto Ambiental a ser apresentado, dispostos nos Anexos I e II, respectivamente, desta Lei. 

Art. 5º São legitimados a requerer o Licenciamento Ambiental para Lavra Garimpeira, a pessoa física ou jurídica detentora de processo de direito minerário junto à Agência Nacional de Mineração - ANM. Parágrafo único. Caso o Empreendedor não seja o proprietário ou possuidor do imóvel deverá apresentar a autorização do real possuidor ou proprietário da área, por escrito, acompanhado de documento que comprove a posse ou propriedade, conforme dispõe o Decreto nº 19.725 -E, de 09 de outubro de 2015. 

Art. 6º O limite máximo da área para concessão de licenciamento ambiental, será de 50 (cinquenta) hectares, salvo quando outorgada a cooperativa de garimpeiros, neste caso, fica estabelecido o limite máximo de até 200 (duzentos) hectares e respeitará a extensão prevista no artigo 4º da Portaria DNPM nº 178, de 12 de abril de 2004 e Portaria nº 155 de 12/05/2016 DOU de 17/05/2016. 

Art. 8º Na lavra de ouro, só será permitido o uso de azougue (mercúrio) para a concentração caso seja apresentado projeto de solução técnica que contemple a utilização do mercúrio em circuito fechado de concentração e amalgamação do minério de ouro e a utilização de retortas e capelas na separação do amálgama e purificação do ouro, respectivamente, com todas as instalações necessárias para a eficiência técnica e ambiental do processo; caso o empreendedor opte por implementar outras técnicas para realizar a concentração do produto, por exemplo, concentração gravítica, concentração por mesa oscilatória, concentrador centrífugo, deverá apresentar a declaração do interessado de não uso de mercúrio e cianeto na atividade de garimpagem de ouro, conforme determina o Decreto n. 97.507/1989. 

ADI 

O Partido Rede Sustentabilidade ajuizou ADI no STF contra essa lei argumentando que, ao dispor sobre o licenciamento para a atividade de lavra garimpeira no Estado de Roraima, ela teria incorrido em inconstitucionalidades formal e material. Em síntese, aduziu afronta à competência comum dos entes federados para a proteção do meio ambiente e a preservação das florestas, da fauna e da flora (art. 23, VI e VII, da CF/88), à competência da União para estabelecer normas gerais de proteção e responsabilidade por danos ao meio ambiente (art. 24, VI e VIII, e § 1º, da CF/88), ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao dever estatal de promover a sua defesa e proteção para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput, da CF/88), aos princípios da precaução e da prevenção e à exigência de estudo de impacto ambiental prévio à instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de degradação ambiental, bem como controle da produção que importe risco à vida ou ao meio ambiente (art. 225, § 1º, IV e V, da CF/88). Sob o aspecto material, arguiu que as normas questionadas afrontam os princípios da precaução e da prevenção, vulnerando, também, o próprio direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, e § 1º, IV e V, da CF), sobretudo em razão da autorização para o uso do mercúrio na atividade da lavra garimpeira. 

O STF concordou com a tese de inconstitucionalidade? Essa lei é inconstitucional? 

SIM. O constituinte originário atribuiu a todos os entes federados competência comum para: 

Art. 23. (…) III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; (…) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora. 

Conferiu-se à União, aos Estados e ao Distrito Federal competência concorrente para legislar sobre matérias afetas à proteção e conservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado e à responsabilidade por dano ambiental: 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. 

No exercício da competência para estabelecer normas gerais sobre direito ambiental, a União editou a Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. A Lei nº 6.938/81 elegeu o licenciamento como relevante instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, atribuindo ao Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA a competência para estabelecer normas e critérios para o licenciamento de atividades potencialmente poluidoras (art. 9º, IV e art. 8º, I). No âmbito do exercício dessa atribuição, a Resolução do CONAMA 237/1997 estabeleceu diversas normas e critérios para o licenciamento dessas atividades. A expedição de licenças ambientais específicas para as fases de planejamento, instalação e operacionalização de empreendimentos potencialmente poluidores não é arbitrária ou juridicamente indiferente, já que representa uma cautela necessária para a efetividade do controle exercido pelo órgão ambiental competente. A regulação desses aspectos se situa no âmbito de competência da União para a edição de normas gerais, considerada a predominância do interesse na uniformidade de tratamento da matéria em todo o território nacional, ficando vedado aos Estados-Membros, em linha de princípio, dissentir da sistemática de caráter geral definida pelo ente central, salvo no que se relaciona ao estabelecimento de normas mais protetivas. O tema acima, conforme já vimos, não é de competência privativa da União. Logo, os entes regionais podem legislar de maneira suplementar sobre o licenciamento ambiental. Tal possibilidade, contudo, há de ser concretizada em conformidade com normas e padrões estabelecidos em âmbito federal. A Resolução CONAMA 237/1997 permite que se estabeleçam procedimentos simplificados para as atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental (art. 12, § 1º, da Resolução). Isso exclui, por óbvio, a extração e o tratamento de minerais, considerando que tais atividades são previstas no Anexo VIII da Lei nº 6.938/81 como de alto potencial poluidor. A Lei do Estado de Roraima, ao simplificar o procedimento, desprezando as etapas estabelecidas em nível federal, trata, na prática, da lavra garimpeira que poderá recair sobre espaço de até 200 hectares, com a utilização de mercúrio, como de pequeno impacto ambiental. Desse modo, a lei estadual questionada destoou do modelo federal de proteção ambiental ao prever a existência de modalidade mais célere e simplificada de licenciamento ambiental único, chamada de “Licença de Operação Direta”, em prejuízo de normas gerais que possibilitam o exercício do poder de polícia ambiental sobre cada fase de implementação e operacionalização de empreendimentos potencialmente poluidores. Tal vício de inconstitucionalidade evidencia um flagrante prejuízo ao nível de proteção ambiental já estabelecido no âmbito federal, a caracterizar, assim, ofensa ao art. 225 da Constituição Federal. Em matéria de proteção ao meio ambiente, a jurisprudência do STF admite que a legislação dos demais entes federativos seja mais restritiva (mais protetiva) do que a legislação da União veiculadora de normas gerais. Nesse sentido: 

Em linha de princípio, admite-se que os Estados editem normas mais protetivas ao meio ambiente, com fundamento em suas peculiaridades regionais e na preponderância de seu interesse, conforme o caso. STF. Plenário. ADI 5996, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/04/2020. 

O que se tem, no caso concreto, entretanto, é situação inversa: a norma estadual fragiliza o exercício do poder de polícia ambiental, na medida em que busca a aplicação de procedimento de licenciamento ambiental menos eficaz para atividades de impacto significativo ao meio ambiente, como é o caso da lavra garimpeira, sobretudo com o uso de mercúrio. Dessa maneira, é inconstitucional a legislação estadual que, a título de complementar as normas gerais editadas pela União, flexibiliza exigência legal para o desenvolvimento de atividade potencialmente poluidora. 

É inconstitucional a legislação estadual que, flexibilizando exigência legal para o desenvolvimento de atividade potencialmente poluidora, cria modalidade mais simplificada de licenciamento ambiental. STF. Plenário. ADI 6672/RR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 14/9/2021 (Info 1029). 

Inconstitucionalidade formal 

Além disso, a lei é também formalmente inconstitucional. Isso porque ela regulamentou aspectos da própria atividade de garimpo, nomeadamente ao estabelecer conceitos a ela relacionados, delimitar áreas para seu exercício e autorizar o uso de azougue (mercúrio), usurpando, assim, a competência privativa da União para legislar sobre “jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia” (art. 22, XII, da CF/88): 

É inconstitucional lei estadual que regulamenta aspectos da atividade garimpeira, nomeadamente, ao estabelecer conceitos a ela relacionados, delimitar áreas para seu exercício e autorizar o uso de azougue (mercúrio) em determinadas condições. STF. Plenário. ADI 6672/RR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 14/9/2021 (Info 1029). 

Recentemente o STF apreciou a questão e chegou à mesma conclusão: 

É inconstitucional norma estadual que estabelece hipóteses de dispensa e simplificação do licenciamento ambiental para atividades de lavra a céu aberto por invadir a competência legislativa da União para editar normas gerais sobre proteção do meio ambiente, nos termos previstos no art. 24, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal. Vale ressaltar também que o estabelecimento de procedimento de licenciamento ambiental estadual que torne menos eficiente a proteção do meio ambiente equilibrado quanto às atividades de mineração afronta o caput do art. 225 da Constituição por inobservar o princípio da prevenção. STF. Plenário. ADI 6650/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 26/4/2021 (Info 1014).

10 de agosto de 2021

A apreensão do instrumento utilizado na infração ambiental, fundada na atual redação do § 4º do art. 25 da Lei n. 9.605/1998, independe do uso específico, exclusivo ou habitual para a empreitada infracional

PROCESSO REsp 1.814.944-RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 10/02/2021, DJe 24/02/2021.

DIREITO AMBIENTAL 


A apreensão do instrumento utilizado na infração ambiental, fundada na atual redação do § 4º do art. 25 da Lei n. 9.605/1998, independe do uso específico, exclusivo ou habitual para a empreitada infracional.

19 de julho de 2021

LEI DE CRIMES AMBIENTAIS - Construir uma casa em uma unidade de conservação: crime do art. 64 da Lei 9.605/98 (os delitos dos arts. 40 e 48 ficam absorvidos)

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/07/info-698-stj-1.pdf


LEI DE CRIMES AMBIENTAIS - Construir uma casa em uma unidade de conservação: crime do art. 64 da Lei 9.605/98 (os delitos dos arts. 40 e 48 ficam absorvidos) 


Absorção do delito do art. 40 pelo crime do art. 64 da Lei nº 9.605/98 O delito de causar dano em unidade de conservação (art. 40 da Lei nº 9.605/98) pode ser absorvido pelo delito de construir em solo que, por seu valor ecológico, não é edificável (art. 64 da Lei nº 9.605/98). Para analisar a possibilidade de absorção do crime do art. 40 da Lei nº 9.605/98 pelo do art. 64, não é relevante a diversidade de bens jurídicos protegidos por cada tipo incriminador; tampouco impede a consunção o fato de que o crime absorvido tenha pena maior do que a do crime continente, como se vê na própria Súmula 17/STJ. Absorção do delito do art. 48 pelo crime do art. 64 da Lei nº 9.605/98 A conduta do art. 48 da Lei nº 9.605/98 é mero pós-fato impunível do ato de construir em local não edificável. Afinal, com a própria existência da construção desejada e executada pelo agente - e à qual, portanto, se dirigia seu dolo -, é inevitável que fique impedida a regeneração da flora antes existente no mesmo lugar. Por isso, o princípio da consunção obsta a punição autônoma dos dois delitos. STJ. 5ª Turma. REsp 1.925.717-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/05/2021 (Info 698). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João construiu, dentro da área de uma estação ecológica (unidade de conservação), uma casa de alvenaria de 260m², sem autorização do ICMBio, autarquia federal responsável pela gestão do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Ao tomar conhecimento desse fato, o Ministério Público federal denunciou João pela prática do crime previsto no art. 40 da Lei nº 9.605/98, em concurso material com o delito do art. 48 da mesma Lei: 

Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização: Pena - reclusão, de um a cinco anos. 

Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação: Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa. 

Segundo o entendimento do STJ, a imputação feita pelo MPF está correta? NÃO. 


Absorção do delito do art. 40 pelo crime do art. 64 da Lei nº 9.605/98 

A construção em solo não edificável, ou seja, dentro de Unidade de Conservação, sem autorização da autoridade competente, amolda-se exatamente ao tipo penal previsto no art. 64 da Lei nº 9.605/98: 

Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida: Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa. 

O dano causado pela construção à estação ecológica se encontra, efetivamente, absorvido pela edificação irregular. Este dano pode, em tese, ser considerado concomitante à construção, enquanto ato integrante da fase de execução do iter do art. 64, caso em que se aplicaria o princípio da consunção em sua formulação genérica; ou, então, como consequência naturalística inafastável e necessária da construção, de maneira que seu tratamento jurídico seria o de pós-fato impunível. De todo modo, o dano à unidade de conservação se situa na escala causal da construção irregular (seja como ato executório ou como exaurimento), nela exaurindo toda sua potencialidade lesiva. 

O MPF argumentava que não seria possível absorver o crime do art. 40 por duas razões: 1) os bens jurídicos protegidos pelos dois tipos penais são diferentes; 2) o crime do art. 40 possui pena maior que o do art. 64. 

O STJ, contudo, refutou esses argumentos: 

1) Para analisar a possibilidade de absorção do crime do art. 40 da Lei nº 9.605/98 pelo do art. 64, não é relevante a diversidade de bens jurídicos protegidos por cada tipo incriminador, conforme explica a doutrina: 

“Não convence o argumento de que é impossível a absorção quando se tratar de bens jurídicos distintos. A prosperar tal argumento, jamais se poderia, por exemplo, falar em absorção nos crimes contra o sistema financeiro (Lei n. 7.492/86), na medida em que todos eles possuem uma objetividade jurídica específica. É conhecido, entretanto, o entendimento do TRF da 4ª Região, no sentido de que o art. 22 absorve o art. 6º da Lei nº 7.492/8612. Na verdade, a diversidade de bens jurídicos tutelados não é obstáculo para a configuração da consunção. Inegavelmente - exemplificando - são diferentes os bens jurídicos tutelados na invasão de domicílio para a prática de furto, e, no entanto, somente o crime-fim (furto) é punido, como ocorre também na falsificação de documento para a prática de estelionato, não se punindo aquele, mas somente este (Súmula 17/STJ)” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal (v. 1). 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 272). 

2) Também é possível vislumbrar situações em que o estelionato, apenado com 1 a 5 anos de reclusão, absorve a falsidade de documento público, cuja sanção é mais grave (2 a 6 anos de reclusão). Nem por isso fica inviabilizada a consunção, nos exatos termos da Súmula 17 do STJ: Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido. 

Em suma: O delito de causar dano em unidade de conservação (art. 40 da Lei nº 9.605/98) pode ser absorvido pelo delito de construir em solo que, por seu valor ecológico, não é edificável (art. 64 da Lei nº 9.605/98). Para analisar a possibilidade de absorção do crime do art. 40 da Lei nº 9.605/98 pelo do art. 64, não é relevante a diversidade de bens jurídicos protegidos por cada tipo incriminador; tampouco impede a consunção o fato de que o crime absorvido tenha pena maior do que a do crime continente, como se vê na própria Súmula 17/STJ. STJ. 5ª Turma. REsp 1.925.717-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/05/2021 (Info 698). 

Absorção do delito do art. 48 pelo crime do art. 64 da Lei nº 9.605/98 

A conduta do art. 48 da Lei nº 9.605/98 é mero pós-fato impunível do ato de construir em local não edificável. Afinal, com a própria existência da construção desejada e executada pelo agente - e à qual, portanto, se dirigia seu dolo -, é inevitável que fique impedida a regeneração da flora antes existente no mesmo lugar. Por isso, o princípio da consunção obsta a punição autônoma dos dois delitos. STJ. 5ª Turma. REsp 1.925.717-SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 25/05/2021 (Info 698). 

Se é a própria existência da edificação irregular que impede a regeneração natural da vegetação, o delito do art. 48 da Lei nº 9.605/98 fica absorvido pelo crime do art. 64 da mesma Lei. O delito de impedir a regeneração natural da flora se dá como mero gozo da construção, em evidente pósfato impunível. Aquele que constrói uma edificação, claramente não poderá permitir que dentro daquela venha a nascer uma floresta. É mero exaurimento do crime de construção indevida, pelo aproveitamento natural da coisa construída. L

6 de junho de 2021

Código Florestal define faixa não edificável a partir de curso d’água em áreas urbanas, não se aplicando os limites menores previstos na Lei do Parcelamento do Solo Urbano

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-694-stj-1.pdf


DIREITO AMBIENTAL CÓDIGO FLORESTAL 

Código Florestal define faixa não edificável a partir de curso d’água em áreas urbanas, não se aplicando os limites menores previstos na Lei do Parcelamento do Solo Urbano 

Na vigência do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade. STJ. 1ª Seção. REsp 1.770.760/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 28/04/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1010) (Info 694). 

Extensão não edificável em faixas marginais de curso d´água 

A legislação impõe algumas restrições para a pessoa construir nas margens de um rio. O Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) afirma que as faixas marginais de qualquer curso d´água natural devem ser consideradas áreas de preservação permanente e, portanto, áreas não edificáveis. A extensão da área não edificável varia de acordo com a largura do curso d´água. Veja: 

Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; (...) 

Esse dispositivo prevê áreas onde não é possível construir (faixa non aedificandi). Trata-se de uma espécie de limitação administrativa, modalidade de intervenção do Estado na propriedade. Ocorre que, além do Código Florestal, o tema foi tratado também pela Lei nº 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano). Veja o que disse o art. 4º, II-A: 

Art. 4º Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: (...) III-A. – ao longo das águas correntes e dormentes e da faixa de domínio das ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não edificável de, no mínimo, 15 (quinze) metros de cada lado; (Incluído pela Lei nº 13.913/2019) 

A controvérsia existe no caso em que a construção ocorre em zona urbana na margem de rio. Isso porque a Lei nº 6.766/79 prevê faixa non aedificandi menor que os limites trazidos pelo Código Florestal. O STJ discutiu, portanto, qual norma deveria ser aplicável para definir a extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d'água naturais em trechos caracterizados como área urbana consolidada: se corresponde à área de preservação permanente prevista no art. 4º, I, da Lei nº 12.651/2012 (equivalente ao art. 2º, alínea “a”, do antigo Código Florestal), cuja largura varia de 30 a 500 metros, ou ao recuo de 15 metros determinado no art. 4º, III-A, da Lei nº 6.766/79. 

Qual deverá prevalecer: a regra da Lei do Parcelamento do Solo Urbano ou do Código Florestal? Código Florestal. 

Código Florestal garante uma maior proteção ao meio ambiente 

A norma do Código Florestal é a que garante, de forma mais eficaz, a proteção do meio ambiente natural e do meio ambiente artificial, em cumprimento ao disposto no art. 225 da CF/88, sempre com os olhos também voltados ao princípio do desenvolvimento sustentável (art. 170, VI,) e às funções social e ecológica da propriedade. 

Código Florestal é mais específico (critério da especialidade) 

Se compararmos com o art. 4º, III-A, da Lei nº 6.766/76, vamos chegar à conclusão de que a norma do art. 4º, I, do Código Florestal é especial e específica, devendo, portanto, reger a proteção das APPs ciliares ou ripárias em áreas urbanas consolidadas, espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, III, da CF/88), que não se condicionam a fronteiras entre o meio rural e o urbano. 

Tese fixada pelo STJ: 

Na vigência do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade. STJ. 1ª Seção. REsp 1.770.760/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 28/04/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1010) (Info 694). 

Um breve esclarecimento sobre a Lei nº 13.913/2019 

Alguns leitores podem ter percebido que o inciso III-A do art. 4º da Lei nº 6.766/76 foi inserido pela Lei nº 13.913/2019. Isso tem alguma relevância para o presente julgamento? Nenhuma. Explicarei. O art. 4º, da Lei nº 6.766/79 prevê requisitos mínimos que deverão ser cumpridos pelos loteamentos. O inciso III estabelece áreas onde não é possível construir (faixa non aedificandi). Trata-se de uma espécie de limitação administrativa, modalidade de intervenção do Estado na propriedade. Este inciso, em sua redação original, previu que: 

• ao longo das faixas de domínio público das rodovias; 

• ao longo da faixa de domínio das rodovias; e 

• ao longo das águas correntes e dormentes... 

... deve haver uma faixa de terra de 15 metros na qual não se pode fazer construções. 

A Lei nº 13.913/2019 desmembrou as situações previstas no inciso III em dois incisos: 

• inciso III: trata agora apenas das faixas de domínio público das rodovias e diz que a lei municipal ou distrital poderá reduzir a área não edificável para apenas 5 metros de cada lado. 

• inciso III-A: trata agora das águas correntes e dormentes e da faixa de domínio das ferrovias. Nestes casos, a área não edificável de 15 metros não pode ser reduzida por lei municipal ou distrital. 

LEI 6.766/79 (LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO) 

Redação anterior 

Art. 4º Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: (...) III - ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica;

Redação ATUAL  

Art. 4º Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: (...) 

III – ao longo das faixas de domínio público das rodovias, a reserva de faixa não edificável de, no mínimo, 15 (quinze) metros de cada lado poderá ser reduzida por lei municipal ou distrital que aprovar o instrumento do planejamento territorial, até o limite mínimo de 5 (cinco) metros de cada lado. 

III-A. – ao longo das águas correntes e dormentes e da faixa de domínio das ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não edificável de, no mínimo, 15 (quinze) metros de cada lado; 

Desse modo, como dito, não houve uma mudança de conteúdo no que tange ao inciso III-A. Logo, a Lei nº 13.913/2019 não tem relevância para o presente julgado. 

DOD PLUS – INFORMAÇÕES EXTRAS 

 (Juiz TJ/AL 2015 FCC) Determinado curso d’água natural, perene e intermitente, com 8 metros de largura, possui como área de preservação permanente suas faixas marginais com 30 metros de largura. Ao ingressar na zona urbana do Município, esta área de preservação permanente sofrerá uma redução de 50%, passando a ter 15 metro de largura. (errado) 

  (Procurador da República - 22º Concurso) Acerca das chamadas “áreas de preservação permanente”, descritas no Código Florestal, responda os itens abaixo: a) Qual a natureza jurídica das referidas áreas? b) Podem as mencionadas áreas ser conceituadas como uma das categorias dos “espaços territoriais especialmente protegidos” a que alude o inciso III do § 1º do art. 225 da Constituição da República?


5 de junho de 2021

É inconstitucional lei estadual que institua dispensa e licenciamento simplificado ambiental para atividades de lavra a céu aberto

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-1014-stf.pdf

  

DIREITO AMBIENTAL 

COMPETÊNCIA 

É inconstitucional lei estadual que institua dispensa e licenciamento simplificado ambiental para atividades de lavra a céu aberto 

É inconstitucional norma estadual que estabelece hipóteses de dispensa e simplificação do licenciamento ambiental para atividades de lavra a céu aberto por invadir a competência legislativa da União para editar normas gerais sobre proteção do meio ambiente, nos termos previstos no art. 24, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal. Vale ressaltar também que o estabelecimento de procedimento de licenciamento ambiental estadual que torne menos eficiente a proteção do meio ambiente equilibrado quanto às atividades de mineração afronta o caput do art. 225 da Constituição por inobservar o princípio da prevenção. STF. Plenário. ADI 6650/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 26/4/2021 (Info 1014). 

O caso concreto foi o seguinte: 

Em Santa Catarina, foi editada uma lei prevendo hipóteses de dispensa e simplificação do licenciamento ambiental para atividades de lavra a céu aberto: 

Art. 29. (…) § 1º As atividades de lavra a céu aberto por escavação de cascalheiras, com produção anual inferior a 12.000 m³ (doze mil metros cúbicos), ficam dispensadas de licenciamento ambiental, desde que não possuam finalidade comercial. § 2º As atividades de lavra a céu aberto de mineral típico para uso na construção civil, excetuada a hipótese descrita no § 1º, passam a ser licenciadas: a) por meio de Autorização Ambiental (AuA), quando a exploração anual for inferior a 12.000 m³ (doze mil metros cúbicos); b) por meio de Relatório Ambiental Preliminar (RAP), quando a exploração anual fique compreendida entre 12.000 m³ (doze mil metros cúbicos) e 24.000 m³ (vinte e quatro mil metros cúbicos); e c) por meio de Estudo Ambiental Simplificado (EAS), quando a exploração anual foi superior a 24.000 m³ (vinte e quatro mil metros cúbicos). § 3º Em até 90 (noventa) dias, anteriores ao encerramento da atividade de mineração prevista nos §§ 1º e 2º, o responsável pela exploração deverá apresentar o competente projeto de recuperação ambiental para fins de aprovação no órgão ambiental licenciador. 

Um parêntese: 

Na mineração, quando se fala em “lavra”, isso significa o conjunto de ações para se conseguir o aproveitamento industrial da jazida. Engloba desde a extração dos minerais até o seu beneficiamento. Existem dois tipos ou métodos de lavra: a) a lavra subterrânea: ocorre quando as rochas e minerais estão no interior do terreno. Trata-se de trabalho difícil e penoso. Quem aí lembra da triste saga dos mineiros do Chile, resgatados em 2010? b) a lavra a céu aberto: ocorre quando os minerais estão localizados na superfície. 

ADI 

O Procurador-Geral da República ajuizou ADI contra essa previsão alegando que ela estaria em confronto com a legislação federal referente à matéria. 

O que decidiu o STF? Esses dispositivos são inconstitucionais? SIM. 

É inconstitucional norma estadual que estabelece hipóteses de dispensa e simplificação do licenciamento ambiental para atividades de lavra a céu aberto por invadir a competência legislativa da União para editar normas gerais sobre proteção do meio ambiente, nos termos previstos no art. 24, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal. STF. Plenário. ADI 6650/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 26/4/2021 (Info 1014). 

Federalismo cooperativo ecológico 

Quando se fala em repartição de competências relacionadas com matéria ambiental, existe um conceito muito relevante que é o de federalismo cooperativo ecológico. Confira a lição da doutrina sobre o tema: 

“O exercício das competências constitucionais (legislativas e executivas) em matéria ambiental, respeitados os espaços político-jurídicos de cada ente federativo, deve rumar para a realização do objetivo constitucional expresso no art. 225 da CF/1988, inclusive sob a caracterização de um dever de cooperação entre os entes federativos no cumprimento dos seus deveres de proteção ambiental. Isso implica a adequação das competências constitucionais ambientais ao princípio da subsidiariedade, enquanto princípio constitucional implícito no nosso sistema constitucional, o qual conduz à descentralização do sistema de competências e ao fortalecimento da autonomia dos entes federativos inferiores (ou periféricos) naquilo em que representar o fortalecimento dos instrumentos de proteção ambiental e dos mecanismos de participação política, sob o marco jurídico-constitucional de um federalismo cooperativo ecológico.” (SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 157). 

 (Procurador do Trabalho MPT 2020) No âmbito das competências comuns – que possuem natureza administrativa – o sistema do direito constitucional positivo brasileiro indica clara opção pelo federalismo cooperativo. (certo) 

O constituinte originário atribuiu a todos os entes federados competência comum para: 

Art. 23. (…) III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; (…) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora. 

Conferiu-se à União, aos Estados e ao Distrito Federal competência concorrente para legislar sobre matérias afetas à proteção e conservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado e à responsabilidade por dano ambiental: 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. 

Licença ambiental 

A licença ambiental é prevista no art. 10 da Lei federal nº 6.938/81 como sendo um instrumento de controle preventivo da Administração Pública sobre empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais e efetiva ou potencialmente poluidoras ou capazes de causar degradação ambiental: 

Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental. 

O Conama editou duas Resoluções sobre a matéria: 

• a Resolução nº 1/1986, que, em seu art. 4º, determinou que os órgãos ambientais competentes e os órgãos setoriais do Sistema Nacional do Meio Ambiente - Sisnama compatibilizassem os processos de licenciamento com as etapas de planejamento e implantação das atividades modificadoras do meio ambiente. 

• a Resolução nº 237/1997, que disciplinou diversos aspectos do licenciamento ambiental. O art. 12, § 1º, permite que os entes federados estabeleçam procedimentos simplificados de licenciamento, desde que consistam em atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental. 

Conforme se percebe, de acordo com a legislação nacional, é necessária a obtenção de licença ambiental em todas as fases dos empreendimentos e atividades capazes potencialmente de causar danos ao meio ambiente. Como, em matéria ambiental, a União fixa as normas gerais, essas disposições acima mencionadas são necessariamente aplicáveis aos procedimentos de licenciamento ambiental realizados nos Estados. Nessa linha, no § 1º do art. 6º da Lei nº 6.938/81 se prevê que os “Estados, na esfera de suas competências e nas áreas de sua jurisdição, elaborarão normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente, observados os que forem estabelecidos pelo Conama”. 

Não é possível que os Estados/DF afastem normas federais de caráter geral 

O STF entende que, em matéria ambiental, deve-se fortalecer o equilíbrio federativo para atender às peculiaridades regionais e locais, desde que isso gere uma maior proteção ao meio ambiente: 

Em linha de princípio, admite-se que os Estados editem normas mais protetivas ao meio ambiente, com fundamento em suas peculiaridades regionais e na preponderância de seu interesse, conforme o caso. STF. Plenário. ADI 5996, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/04/2020. 

Por outro lado, é inadmissível que, no exercício de competência complementar residual, os Estadosmembros e o Distrito Federal formulem “disciplina que acaba por afastar a aplicação das normas federais de caráter geral” (STF. Plenário. ADI 3.035, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJ 14/10/2005). 

Lei estadual esvaziou a imposição feita pela legislação federal 

No caso concreto, a dispensa e simplificação do licenciamento ambiental — implementadas pela lei estadual para as atividades de mineração — esvazia o procedimento de licenciamento ambiental estabelecido na legislação nacional. Não é lícito ao legislador estadual discordar da sistemática definida em normas gerais pela União, dispensando e adotando licenças simplificadas que, de forma inequívoca, tornarão mais frágeis e ineficazes a fiscalização e o controle da Administração Pública sobre empreendimentos e atividades potencialmente danosos ao meio ambiente. O estabelecimento de procedimento de licenciamento ambiental estadual que torne menos eficiente a proteção do meio ambiente equilibrado quanto às atividades de mineração afronta o caput do art. 225 da CF/88 por não observar o princípio da prevenção, preceito inerente ao dever de proteção imposto ao Poder Público: 

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 


 


Não havendo norma federal disciplinadora, é constitucional lei estadual que proíba a utilização de animais para desenvolvimento, experimento e teste de produtos cosméticos, higiene pessoal, perfumes, limpeza e seus componentes

 DIREITO CONSTITUCIONAL – MEIO AMBIENTE

DIREITO AMBIENTAL – PROTEÇÃO AOS ANIMAIS

 

Proibição de uso de animais para desenvolvimento de produtos cosméticos, higiene pessoal e afins ADI 5995/RJ 

 

Resumo:

  Não havendo norma federal disciplinadora, é constitucional lei estadual que proíba a utilização de animais para desenvolvimento, experimento e teste de produtos cosméticos, higiene pessoal, perfumes, limpeza e seus componentes.

  Ante a inexistência de disciplina da matéria em nível federal, nos termos do art. 24, § 3º, da Constituição Federal (CF) (1), é permitido aos estados exercitar a competência legislativa plena.

Na hipótese, apesar da proximidade temática da norma impugnada em relação ao conteúdo da Lei federal 11.794/2008, esta possui objeto distinto, pois dispõe tão somente acerca do uso de animais para afins de atividade de ensino e pesquisa científica.

  Portanto, e no mesmo sentido de recente julgamento de questão análoga (2), não há, no caso, invasão da competência da União para editar normas gerais sobre fauna, conservação da natureza e proteção do meio ambiente (art. 24, VI, da CF).

  É inconstitucional norma estadual que vede a comercialização de produtos desenvolvidos a partir de teste em animais, bem como a que determina conste no rótulo informação acerca da não realização de testes em animais.

  Isso porque esses dispositivos legais violam a competência legislativa da União para editar normas gerais sobre produção e consumo, e para legislar sobre comércio interestadual.

Ademais, a vedação imposta genericamente à comercialização de todo e qualquer produto sem distinção da sua respectiva origem invade a competência da União para legislar sobre comércio interestadual, nos termos do art. 22, VIII, da CF (3).

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º e do art. 4º da Lei 7.814/2017 do estado do Rio de Janeiro.

(1) CF: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.”

(2) Precedente citado: ADI 5.996/AM, relator Min. Alexandre de Moraes (DJe de 30.4.2020).

(3) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) VIII - comércio exterior e interestadual;”

ADI 5995/RJ, relator Min. Gilmar Mendes, julgamento em 26 e 27.5.2021

7 de maio de 2021

DIREITO AMBIENTAL. DESASTRE DE BRUMADINHO. ROMPIMENTO DE BARRAGEM DA EMPRESA VALE DO RIO DOCE. AÇÃO POPULAR. LEI 4.717/1965. COMPETÊNCIA PARA JULGAR A AÇÃO POPULAR QUANDO JÁ EM ANDAMENTO AÇÃO CIVIL PÚBLICO COM OBJETO ASSEMELHADO. DISTINGUISHING. TEMA AMBIENTAL. FORO DO LOCAL DO FATO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 164.362 - MG (2019/0069556-8) 

RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DIREITO AMBIENTAL. DESASTRE DE BRUMADINHO. ROMPIMENTO DE BARRAGEM DA EMPRESA VALE DO RIO DOCE. AÇÃO POPULAR. LEI 4.717/1965. COMPETÊNCIA PARA JULGAR A AÇÃO POPULAR QUANDO JÁ EM ANDAMENTO AÇÃO CIVIL PÚBLICO COM OBJETO ASSEMELHADO. DISTINGUISHING. TEMA AMBIENTAL. FORO DO LOCAL DO FATO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. HISTÓRICO DA DEMANDA 

1. Trata-se, na origem, de Ação Popular proposta por Felipe Torello Teixeira, advogado qualificado nos autos, contra a União, o Distrito Federal, o Estado de Minas Gerais e a Vale S.A., objetivando liminarmente o bloqueio de ativos financeiros dos réus, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais) e, ao final, a confirmação da tutela liminar, cumulada com a declaração de nulidade dos atos comissivos da Vale S.A. e omissivos da União, do Distrito Federal e do Estado de Minas Gerais, bem como a condenação dos réus a: a) recuperar o meio ambiente degradado pelo rompimento da barragem da Vale S.A. no Município de Brumadinho – MG; b) pagar indenização pelos danos materiais e morais decorrentes do desastre, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais); c) a pagar multa civil por dano ambiental, em montante a ser arbitrado por este Juízo. Neste momento, o STJ aprecia apenas o Conflito de Competência. 

2. O juiz suscitado entendeu que o foro competente, na situação específica dos autos, não se enquadraria na regra geral do domicílio do autor, haja vista que, em virtude da defesa do interesse coletivo, o processamento da ação seria mais bem realizado no local da ocorrência do ato que o cidadão pretende ver anulado. O juiz suscitante, por sua vez, defende que o julgamento poderá ser atribuído à Vara Federal do domicílio do peticionante. 

A JURISPRUDÊNCIA DO STJ À LUZ DAS CIRCUNSTÂNCIAS PECULIARES DO CASO CONCRETO 

3. Não se desconhece a jurisprudência do STJ favorável a que, sendo igualmente competentes o juízo do domicílio do autor popular e o do local onde houver ocorrido o dano (local do fato), a competência para examinar o feito é daquele em que menor dificuldade haja para o exercício da Ação Popular. A propósito: CC 47.950/DF, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJ 7/5/2007, p. 252; CC 107.109/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe 18/3/2010. 

4. Malgrado isso, as circunstâncias do caso concreto devem ser analisadas de forma que se ajuste o Direito à realidade. Para tanto, mister recordar os percalços que envolveram a definição da competência jurisdicional no desastre de Mariana/MG, o que levou o STJ a eleger um único juízo para todas as ações, de maneira a evitar decisões conflitantes e possibilitar que a Justiça se realize de maneira mais objetiva, célere e harmônica. 

5. A hipótese dos autos apresenta inegáveis peculiaridades que a distinguem dos casos anteriormente enfrentados pelo STJ, o que impõe adoção de solução mais consentânea com a imprescindibilidade de se evitar tumulto processual em demanda de tamanha magnitude social, econômica e ambiental. Assim, necessário superar, excepcionalmente, a regra geral contida nos precedentes invocados, nos moldes do que dispõe o art. 489, § 1º, VI, do CPC/2015. De fato a tragédia ocorrida em Brumadinho/MG invoca solução prática diversa, a fim de entregar, da melhor forma possível, a prestação jurisdicional à população atingida. Impõe-se, pois, ao STJ adotar saída pragmática que viabilize resposta do Poder Judiciário aos que sofrem os efeitos da inominável tragédia. 

DISTINGUISHING: AÇÃO POPULAR ISOLADA E AÇÃO POPULAR EM COMPETIÇÃO COM AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM OBJETO ASSEMELHADO 

6. A solução encontrada é de distinguishing à luz de peculiaridades do caso concreto e não de revogação universal do entendimento do STJ sobre a competência para a ação popular, precedentes que devem ser mantidos, já que lastreados em sólidos e atuais fundamentos legais e justificáveis argumentos políticos, éticos e processuais. 

9 [7]. Assim, a regra geral do STJ não será aplicada aqui, porque deve ser usada quando a Ação Popular for isolada. Contudo, na atual hipótese, tem-se que a Ação Popular estará competindo e concorrendo com várias outras Ações Populares e Ações Civis Públicas, bem como com centenas, talvez milhares, de ações individuais, razão pela qual, em se tratando de competência concorrente, deve ser eleito o foro do local do fato. 

AÇÃO POPULAR EM TEMAS AMBIENTAIS 

8. Deveras a Lei de Ação Popular (Lei 4.717/1965) não contém regras de definição do foro competente. À época de sua edição, ainda não vigorava a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985); portanto se utilizava, até então, o CPC, subsidiariamente. Todavia, com a promulgação da retromencionada Lei 7.347/1985, a aplicação subsidiária do CPC passou a ser reservada àqueles casos para os quais as regras próprias do processo coletivo também não se revelassem suficientes. 

9. Nesse contexto, a definição do foro competente para a apreciação da Ação Popular, máxime em temas como o de direito ambiental, reclama a aplicação, por analogia, da regra pertinente contida no artigo 2º da Lei da Ação Civil Pública. Tal medida se mostra consentânea com os princípios do Direito Ambiental, por assegurar a apuração dos fatos pelo órgão judicante que detém maior proximidade com o local do dano e, portanto, revela melhor capacidade de colher as provas de maneira célere e de examiná-las no contexto de sua produção. 

10. É verdade que, ao instituir a Ação Popular, o legislador constituinte buscou privilegiar o exercício da fiscalização e da própria democracia pelo cidadão. Disso não decorre, contudo, que as Ações Populares devam ser sempre distribuídas no foro mais conveniente a ele; neste caso, o de seu domicílio. Isso porque, casos haverá, como o destes autos, em que a defesa do interesse coletivo será mais bem realizada no local do ato que, por meio da ação, o cidadão pretenda ver anulado. Nessas hipóteses, a sobreposição do foro do domicílio do autor ao foro onde ocorreu o dano ambiental acarretará prejuízo ao próprio interesse material coletivo tutelado por intermédio desta ação, em benefício do interesse processual individual do cidadão, em manifesta afronta à finalidade mesma da demanda por ele ajuizada. 

AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA O AUTOR DA AÇÃO POPULAR 

11. Cumpre destacar que, devido ao processamento eletrônico, as dificuldades decorrentes da redistribuição para local distante do domicílio do autor são significativamente minimizadas, se não totalmente afastadas, em decorrência da possibilidade de acesso integral aos autos por meio do sistema de movimentação processual. 

COMPETÊNCIA DO LOCAL DO FATO 

12. Na presente hipótese, é mais razoável determinar que o foro competente para julgamento desta Ação Popular seja o do local do fato. Logo, como medida para assegurar a efetividade da prestação jurisdicional e a defesa do meio ambiente, entende-se que a competência para processamento e julgamento do presente feito é da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais. 

CONCLUSÃO 

13. Conflito de Competência conhecido para declarar competente o Juízo suscitante. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça: ""Prosseguindo no jugamento, a Seção, por unanimidade, conheceu do conflito e declarou competente o Juízo da 17a. Vara da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, o suscitante, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator." Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves, Assusete Magalhães, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente o Sr. Ministro Og Fernandes e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão." 

Brasília, 12 de junho de 2019(data do julgamento). 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Cuida-se de Conflito Negativo de Competência instaurado entre o Juízo da 2ª Vara Federal de Campinas (SP), suscitado, e o da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, suscitante, para processar e julgar o feito 1001868-13.2019.4.01.3800. 

Trata-se, na origem, de Ação Popular proposta por Felipe Torello Teixeira, advogado qualificado nos autos, contra a União, o Distrito Federal, o Estado de Minas Gerais e a Vale S.A., objetivando liminarmente o bloqueio de ativos financeiros dos réus no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais), e, ao final, a confirmação da tutela liminar, cumulada com a declaração de nulidade dos atos comissivos da Vale S.A. e omissivos da União, do Distrito Federal e do Estado de Minas Gerais, bem como a condenação dos réus: (1) a recuperar o meio ambiente degradado pelo rompimento da barragem da Vale S.A. no Município de Brumadinho – MG; (2) a pagar indenização compensatória dos danos materiais e morais, decorrentes do referido rompimento, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais); (3) a pagar multa por dano ambiental, em montante a ser arbitrado por este Juízo. 

O juiz suscitado entendeu que o foro competente, na situação específica dos autos, não se enquadra na regra geral do domicílio do autor, haja vista que, em virtude da defesa do interesse coletivo, o processamento da ação seria mais bem realizado no local da ocorrência do ato que o cidadão pretende ver anulado. 

O juiz suscitante, por sua vez, defende que o julgamento poderá ser atribuído à Vara Federal do domicílio do peticionante. 

Parecer do Ministério Público, opinando pela competência do Juízo suscitado, às fls. 74-79. Cita-se sua ementa: Conflito Negativo de Competência. Ação Popular. Inteligência dos artigos 5º, inciso LXXIII, 109, §2º, ambos da CF/88; 51, § único, 52, § único, do CPC/2015, e 5º, §1º, da Lei 4.717/65. 

Competência Territorial. Aplicação do Princípio da “Perpetuatio Jurisdicionis”. Sendo igualmente competentes os Juízos do domicílio do autor ou onde houver ocorrido o dano (local do fato), o conflito encontra solução no princípio da “perpetuatio jurisdicionis. ” Precedentes. Parecer pelo conhecimento do conflito, proclamando-se a competência do Juízo suscitado. 

Na seção de julgamento do dia 22/5/2019, o Min. Og Fernandes apresentou voto-vogal, com a proficiência que lhe é costumeira, entendendo ser competente o Juízo suscitante. 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 16.4.2019. Voto realinhado após debates realizados na sessão de julgamento da Primeira Sessão de 22.5.2019, e voto-vogal lavrado pelo eminente Ministro Og Fernandes. 

Na instância de origem, o autor da ação pleiteou o deferimento de liminar para bloqueio de ativos financeiros dos réus no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais). 

Contudo, neste momento, o STJ aprecia apenas o Conflito de Competência. 

A respeito da competência para analisar este tipo de ação, verifica-se que há discussão acerca da possibilidade de os cidadãos ingressarem com pretensões do mesmo gênero por todo o Brasil, com decisões divergentes. E, por outro lado, questiona-se a existência do interesse do cidadão de ingressar com o remédio constitucional, com maior facilidade, em seu próprio domicílio. 

Portanto, cabe, no presente Conflito, determinar o foro competente para tanto: se o do local em que se consumou o ato danoso ou o do domicílio do autor. 

Dispõe a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LXXIII, que "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência". Tal ação é regulada pela Lei 4.717/1965, recepcionada pela Carta Magna. 

Dessarte, o art. 5º da referida norma legal determina que a competência para processamento e julgamento da Ação Popular será aferida considerando-se a origem do ato impugnado. Assim, caberá à Justiça Federal apreciar a controvérsia se houver interesse da União; e à Justiça Estadual se o interesse for dos Estados ou dos Municípios. A citada Lei 4.717/1965, entretanto, em nenhum momento fixa o foro em que a Ação Popular deve ser ajuizada, dispondo, apenas, no art. 22, serem aplicáveis as regras do Código de Processo Civil naquilo em que não contrarie os dispositivos da lei, nem a natureza específica da ação. Portanto, para fixar o foro competente para apreciar a ação em comento, mostra-se necessário considerar o objetivo maior da Ação Popular, isto é, o que esse instrumento, previsto na Carta Magna e colocado à disposição do cidadão, visa proporcionar. 

Consoante a doutrina, o direito do cidadão de promover a Ação Popular constitui um direito político fundamental, da mesma natureza de outros direitos políticos previstos na Constituição Federal. 

A Ação Popular caracteriza um instrumento que garante à coletividade a oportunidade de fiscalizar os atos praticados pelos governantes, de modo que possa impugnar qualquer medida tomada que cause danos à sociedade como um todo, ou seja, visa proteger direitos transindividuais. Não pode, por conseguinte, o exercício desse direito sofrer restrições, isto é, não se pode admitir a criação de entraves que venham a inibir a atuação do cidadão na proteção de interesses que dizem respeito a toda a coletividade. 

Não se desconhece a jurisprudência do STJ segundo a qual, sendo igualmente competentes o juízo do domicílio do autor e o do local onde houver ocorrido o dano (local do fato), a competência para examinar o feito em tela é daquele em que menor dificuldade haja para o exercício da Ação Popular. 

A propósito: 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO POPULAR AJUIZADA EM FACE DA UNIÃO. LEI 4.717/65. POSSIBILIDADE DE PROPOSITURA DA AÇÃO NO FORO DO DOMICÍLIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DOS ARTS. 99, I, DO CPC, E 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Não havendo dúvidas quanto à competência da Justiça Federal para processar e julgar a ação popular proposta em face da União, cabe, no presente conflito, determinar o foro competente para tanto: se o de Brasília (local em que se consumou o ato danoso), ou do Rio de Janeiro (domicílio do autor). 2. A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art. 5º, LXXIII, que "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência". Tal ação é regulada pela Lei 4.717/65, recepcionada pela Carta Magna. 3. O art. 5º da referida norma legal determina que a competência para processamento e julgamento da ação popular será aferida considerando-se a origem do ato impugnado. Assim, caberá à Justiça Federal apreciar a controvérsia se houver interesse da União, e à Justiça Estadual se o interesse for dos Estados ou dos Municípios. A citada Lei 4.717/65, entretanto, em nenhum momento fixa o foro em que a ação popular deve ser ajuizada, dispondo, apenas, em seu art. 22, serem aplicáveis as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não contrariem os dispositivos da Lei, nem a natureza específica da ação. Portanto, para se fixar o foro competente para apreciar a ação em comento, mostra-se necessário considerar o objetivo maior da ação popular, isto é, o que esse instrumento previsto na Carta Magna, e colocado à disposição do cidadão, visa proporcionar. 4. Segundo a doutrina, o direito do cidadão de promover a ação popular constitui um direito político fundamental, da mesma natureza de outros direitos políticos previstos na Constituição Federal. Caracteriza, a ação popular, um instrumento que garante à coletividade a oportunidade de fiscalizar os atos praticados pelos governantes, de modo a poder impugnar qualquer medida tomada que cause danos à sociedade como um todo, ou seja, visa a proteger direitos transindividuais. Não pode, por conseguinte, o exercício desse direito sofrer restrições, isto é, não se pode admitir a criação de entraves que venham a inibir a atuação do cidadão na proteção de interesses que dizem respeito a toda a coletividade. 5. Assim, tem-se por desarrazoado determinar-se como foro competente para julgamento da ação popular, na presente hipótese, o do local em que se consumou o ato, ou seja, o de Brasília. Isso porque tal entendimento dificultaria a atuação do autor, que tem domicílio no Rio de Janeiro. 6. Considerando a necessidade de assegurar o cumprimento do preceito constitucional que garante a todo cidadão a defesa de interesses coletivos (art. 5º, LXXIII), devem ser empregadas as regras de competência constantes do Código de Processo Civil - cuja aplicação está prevista na Lei 4.717/65 -, haja vista serem as que melhor atendem a esse propósito. 7. Nos termos do inciso I do art. 99 do CPC, para as causas em que a União for ré, é competente o foro da Capital do Estado. Esse dispositivo, todavia, deve ser interpretado em conformidade com o § 2º do art. 109 da Constituição Federal, de modo que, em tal caso, "poderá o autor propor a ação no foro de seu domicílio, no foro do local do ato ou fato, no foro da situação do bem ou no foro do Distrito Federal" (PIZZOL, Patrícia Miranda. "Código de Processo Civil Interpretado", Coordenador Antônio Carlos Marcato, São Paulo: Editora Atlas, 2004, p. 269). Trata-se, assim, de competência concorrente, ou seja, a ação pode ser ajuizada em quaisquer desses foros. 8. Na hipótese dos autos, portanto, em que a ação popular foi proposta contra a União, não há falar em incompetência, seja relativa, seja absoluta, do Juízo Federal do domicílio do demandante. 9. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 10ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, o suscitado. (CC 47.950/DF, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ 7/5/2007, p. 252) 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO POPULAR AJUIZADA CONTRA ATO DO PRESIDENTE DO BNDES, QUE, POR DISCIPLINA LEGAL, EQUIPARA-SE A ATO DA UNIÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, § 1º DA LEI 4.717/65. APLICAÇÃO DOS ARTS. 99, I, DO CPC, E 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICTIONIS. 1. Debate-se a respeito da competência para julgamento de ação popular proposta contra o Presidente do Sistema BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, empresa pública federal. Não se questiona, portanto, a competência da Justiça Federal para processamento e julgamento do feito, mas busca-se a fixação da Seção Judiciária competente, se a do Rio de Janeiro (suscitante), ou de Brasília (suscitada). 2. "O art. 5º da referida norma legal [Lei 4.717/65] determina que a competência para processamento e julgamento da ação popular será aferida considerando-se a origem do ato impugnado. Assim, caberá à Justiça Federal apreciar a controvérsia se houver interesse da União, e à Justiça Estadual se o interesse for dos Estados ou dos Municípios. A citada Lei 4.717/65, entretanto, em nenhum momento fixa o foro em que a ação popular deve ser ajuizada, dispondo, apenas, em seu art. 22, serem aplicáveis as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não contrariem os dispositivos da Lei, nem a natureza específica da ação. Portanto, para se fixar o foro competente para apreciar a ação em comento, mostra-se necessário considerar o objetivo maior da ação popular, isto é, o que esse instrumento previsto na Carta Magna, e colocado à disposição do cidadão, visa proporcionar" (CC 47.950/DF, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJU de 07.05.07). 3. Partindo da análise da importância da ação popular como meio constitucional posto à disposição "de qualquer cidadão" para defesa dos interesses previstos no inc. LXXIII do art. 5º da Constituição Federal/88, concluiu a Primeira Seção desta Corte pela impossibilidade de impor restrições ao exercício desse direito, terminando por fixar a competência para seu conhecimento consoante as normas disciplinadas no Código de Processo Civil em combinação com as disposições constitucionais. 4. Ato de Presidente de empresa pública federal equipara-se, por disciplina legal (Lei 4.717/65, art. 5º, § 1º), a ato da União, resultando competente para conhecimento e julgamento da ação popular o Juiz que "de acordo com a organização judiciária de cada Estado, o for para as causas que interessem à União" (Lei 4.717/65, art. 5º, caput). 5. Sendo igualmente competentes os Juízos da seção judiciária do domicílio do autor, daquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, do Distrito Federal, o conflito encontra solução no princípio da perpetuatio jurisdicionis. 6. Não sendo possível a modificação ex officio da competência em razão do princípio da perpetuatio jurisdicionis, a competência para apreciar o feito em análise é do Juízo perante o qual a demanda foi ajuizada, isto é, o Juízo Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, o suscitado. 7. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 7ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, o suscitado. (CC 107.109/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 18/3/2010) 

Não se pretende aqui revogar o retromencionado entendimento do STJ sobre a competência, haja vista ser ele indubitavelmente legal e ancorado em precedentes. Mas deve ser realizado um distinguishing, ante as peculiaridades do caso que levam a que se proceda a este julgamento nos termos da eficiência e da eficácia que se deseja no caso desses processos e com a complexidade inerente. 

Desse modo, a regra geral do STJ não será aplicada aqui, porque deve ser usada quando a Ação Popular for isolada. Contudo, na atual hipótese, tem-se que a Ação Popular estará competindo e concorrendo com várias outras Ações Populares e Ações Civis Públicas, bem como com centenas, talvez milhares, de ações individuais. 

Malgrado isso, as circunstâncias do caso concreto devem ser analisadas de forma que se ajuste o Direito à realidade. Para tanto, mister recordar dos percalços que envolvem a competência jurisdicional para apreciar o desastre de Mariana/MG, o que levou o STJ a eleger um único juízo para julgar todas as ações que versassem sobre o tema, precisamente um Juízo Federal em Minas Gerais, para evitar decisões conflitantes e possibilitar que a Justiça possa ser realizada de maneira mais objetiva. 

Assim, consoante o ínclito Min. Og Fernandes, em seu voto-vogal, a presente hipótese apresenta peculiaridades que a distinguem dos feitos anteriormente enfrentados pelo STJ, de modo que fica superada a regra geral contida nos precedentes invocados, nos moldes no que dispõe o art. 489, § 1º, VI, do CPC/2015. De fato a tragédia sem precedentes ocorrida em Brumadinho/MG traz à tona a necessidade de solução prática diversa, a fim de entregar, da melhor forma possível, a prestação jurisdicional à população atingida. Impõe-se ao STJ adotar saída pragmática que viabilize uma resposta do Poder Judiciário aos que sofrem os efeitos da inominável tragédia. 

Deveras a Lei 4.717/1965 não contém regras de definição do foro competente para o processamento das Ações Populares. À época de sua edição, ainda não vigorava a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), portanto utilizava-se até então o CPC, subsidiariamente. Todavia, com a promulgação da retromencionada Lei 7.347/1985, a aplicação subsidiária do CPC passou a ser reservada àqueles casos para os quais as regras próprias do processo coletivo também não se revelassem suficientes. 

Por conseguinte, a definição do foro competente para a apreciação da Ação Popular, máxime em temas como o de direito ambiental, reclama a aplicação, por analogia, da regra pertinente contida no seu artigo 2º: 

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001). 

Tal medida se mostra consentânea com os princípios do Direito Ambiental, por assegurar a apuração dos fatos pelo órgão judicante que detém maior proximidade com o local do dano e, portanto, revela melhor capacidade de colher as provas de maneira célere e de examiná-las no contexto de sua produção. 

É verdade que, ao instituir a Ação Popular, o legislador constituinte buscou privilegiar o exercício da fiscalização e da própria democracia pelo cidadão. 

Disso não decorre, contudo, que as Ações Populares devam ser sempre distribuídas no foro mais conveniente a ele; no caso, o de seu domicílio. Isso porque casos haverá, como o destes autos, em que a defesa do interesse coletivo será mais bem realizada no local do ato que, por meio da ação, o cidadão pretenda ver anulado. Nessas hipóteses, a sobreposição do foro do domicílio do autor ao foro onde ocorreu o dano ambiental acarretará prejuízo ao próprio interesse material coletivo tutelado por intermédio dessa ação, em benefício do interesse processual individual do cidadão, em manifesta afronta à finalidade mesma da demanda por ele ajuizada. 

No sentido do exposto, cito Celso Antônio Pacheco Fiorillo (Princípios do Direito Processual Ambiental, 4ª edição, São Paulo, Saraiva, 2010, p. 224), para quem, 

“tratando-se de meio ambiente, as regras de fixação de competência serão orientadas pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor, de maneira que será competente para o julgamento da ação popular o juízo do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, independente de onde o ato teve sua origem.” O referido autor reputa absoluta a competência mencionada, acrescentando (p. 169): 

Determina o art. 2º da Lei da Ação Civil Pública que o juízo competente para processar e julgar ações coletivas ambientais é o do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano. Trata-se de competência funcional, portanto, absoluta, que não pode ser prorrogada por vontade das partes e, se inobservada, acarreta a nulidade dos atos processuais decisórios (art. 113, § 2º, do CPC) e enseja, após o trânsito em julgado (respeitado o prazo de 2 anos), a propositura de ação rescisória, com fundamento no art. 485, II, do Código de Processo Civil. 

Também, para comentar a natureza absoluta da competência em questão, trago Hugo Nigro Mazzilli (A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, 25ª edição, São Paulo, Saraiva, 2012, p. 292): 

Diz a LACP que a competência para as ações civis públicas é funcional, do foro do local do dano. Como não foram sequer instituídos juízos com competência funcional para a defesa de interesses difusos ou coletivos, a nosso ver, quis a lei desde já assegurar que a competência nessas ações, embora fixada em razão do local do dano, é absoluta e, portanto, inderrogável e improrrogável por vontade das partes. 

Cumpre destacar, por fim, que, devido ao processamento eletrônico, as dificuldades decorrentes da redistribuição para local distante do domicílio do autor são significativamente minimizadas, se não totalmente afastadas, em decorrência da possibilidade de acesso integral aos autos por meio do sistema de movimentação processual. 

Assim, tem-se que, na presente hipótese, é mais razoável determinar que o foro competente para julgamento desta Ação Popular seja o do local do fato. Logo, como medida para assegurar a efetividade da prestação jurisdicional e a defesa do meio ambiente, entende-se que a competência para processamento e julgamento do presente feito é da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais. 

Pelo exposto, conhece-se do Conflito para declarar competente o Juízo suscitante. 

É o voto. 

VOTO-VOGAL 

O EXMO. SR. MINISTRO OG FERNANDES: Peço vênia para divergir do eminente Relator. Explico. 

O Min. Relator conclui pela competência do juízo suscitado (o Juízo Federal da 2ª Vara de Campinas-SP), como se lê na ementa: 

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DESASTRE DE BRUMADINHO. ROMPIMENTO DE BARRAGEM DA EMPRESA VALE DO RIO DOCE. AÇÃO POPULAR. LEI 4.717/1965. POSSIBILIDADE DE PROPOSITURA DA AÇÃO NO FORO DO DOMICÍLIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DOS ARTS. 99, I, DO CPC, E 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICTIONIS. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Na instância de origem, o autor da ação pleiteou o deferimento de liminar para bloqueio de ativos financeiros dos réus, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais), para indenizar os prejuízos sofridos no desastre de Brumadinho. Contudo, neste momento, o STJ aprecia apenas o Conflito de Competência. 2. Trata-se, na origem, de Ação Popular proposta por Felipe Torello Teixeira, advogado qualificado nos autos, contra União, Distrito Federal, Estado de Minas Gerais e Vale S.A., objetivando liminarmente o bloqueio de ativos financeiros dos réus, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais), e, ao final, a confirmação da tutela liminar, cumulada com a declaração de nulidade dos atos comissivos da Vale S.A. e omissivos da União, do Distrito Federal e do Estado de Minas Gerais, bem como a condenação dos réus: (1) à recuperação do meio ambiente degradado pelo rompimento da barragem da Vale S.A. no Município de Brumadinho – MG; (2) ao pagamento de indenização compensatória dos danos materiais e morais decorrentes do referido rompimento, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais); (3) ao pagamento de multa por dano ambiental, em montante a ser arbitrado por este Juízo. 3. O juiz suscitado entendeu que o foro competente, na situação específica dos autos, não seria a regra geral do domicílio do autor, haja vista que, em virtude da defesa do interesse coletivo, o processamento da ação seria mais bem realizado no local da ocorrência do ato que, por meio da ação, o cidadão pretende anular. O juiz suscitante, por sua vez, defende que o julgamento poderá ser atribuído à Vara Federal do domicílio do peticionante. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRINGIR A AÇÃO POPULAR 4. Partindo da análise da importância da Ação Popular como meio constitucional posto à disposição "de qualquer cidadão" para defesa dos interesses previstos no inc. LXXIII do art. 5º da Constituição Federal/1988, concluiu a Primeira Seção do STJ pela impossibilidade de impor restrições ao exercício desse direito, terminando por fixar a competência para seu conhecimento consoante as normas disciplinadas no Código de Processo Civil em combinação com as disposições constitucionais. Assim, nos termos do inciso I do art. 99 do CPC, para as causas em que a União for ré, é competente o foro da Capital do Estado. Esse dispositivo, todavia, deve ser interpretado em conformidade com o § 2º do art. 109 da Constituição Federal, de modo que, em tal caso, "poderá o autor propor a ação no foro de seu domicílio, no foro do local do ato ou fato, no foro da situação do bem ou no foro do Distrito Federal". Trata-se, assim, de competência concorrente, ou seja, a ação pode ser ajuizada em quaisquer desses foros (CC 47.950/DF, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJ 7/5/2007, p. 252). PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICIONIS 5. O STJ já apresentou seu entendimento sobre a matéria ao julgar caso que guarda similitude com o presente, no sentido de que, sendo igualmente competentes os Juízos do domicílio do autor ou onde houver ocorrido o dano (local do fato), o conflito encontra solução no princípio da perpetuatio jurisdicionis (CC 107.109/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe 18/3/2010). COMPETÊNCIA TERRITORIAL 6. Com efeito, não sendo possível a modificação ex officio da competência em razão do princípio da perpetuatio jurisdicionis, a competência para examinar o feito em tela é do Juízo perante o qual a demanda foi ajuizada, isto é, o Juízo Federal da 2ª Vara de Campinas – SJ/SP, o suscitado. CONCLUSÃO 7. Conflito de Competência conhecido para declarar competente o Juízo suscitado.” (grifos no original) 

Note-se que o eminente Relator embasa seu voto em dois fundamentos principais: 1) "o direito do cidadão de promover a Ação Popular constitui um direito político fundamental, da mesma natureza de outros direitos políticos previstos na Constituição Federal" e "tem-se por desarrazoado determinar-se como foro competente para julgamento da Ação Popular, na presente hipótese, o do local em que se consumou o ato. Isso porque tal entendimento dificultaria a atuação do autor, que vive em outro domicílio"; 2) a Primeira Seção tem precedentes no sentido da possibilidade de eleição de foro de domicílio do autor nas ações em que a União ou Estado forem os demandados, como, de fato, ocorreu no caso vertente. 

O caso concreto, no entanto, apresenta peculiaridades que o distinguem dos feitos anteriormente enfrentados por esta Corte Superior, de modo a superar a regra geral contida nos precedentes invocados pelo Min. Relator, nos moldes do que dispõe o art. 489, § 1º, VI, do CPC/2015. 

De fato, a tragédia sem precedentes ocorrida em Brumadinho/MG traz à tona a necessidade de solução prática diversa, a fim de entregar a prestação jurisdicional à população atingida da melhor forma possível. 

Entendo que a fixação do local em que se consumou o ato como foro competente para julgamento da ação popular não representa restrição ao manejo desse tipo especial de ação. Isso porque a ação popular prosseguirá, apenas não tramitando no domicílio do autor. A dificuldade de participação do autor na instrução é muito menos danosa do que o incremento nos custos financeiros e nas dificuldades da realização da instrução no feito em tela. 

A existência de foros concorrentes no art. 109, § 2º, da Constituição Federal, e nos arts. 51 e 52 do CPC/2015, não deve ser interpretado como uma regra absoluta, podendo sofrer restrições, como a que penso devamos realizar no caso concreto. 

A distância de Brumadinho/MG a Campinas/SP é de cerca de 540 km, o que dificultaria sobremaneira a produção da prova, lembrando que a instrução probatória no presente feito é de extrema complexidade técnica e envolve um número avassalador de vítimas. A distância de Brumadinho/MG a Belo Horizonte/MG, por outro lado, é de apenas 60 km. 

O apego a tecnicalidades jurídicas, no presente caso, resultaria em um imenso prejuízo ao interesse público e à participação dos cidadãos em sua defesa, justamente o contrário do que a previsão de foros concorrentes pretende evitar. 

Impõe-se ao STJ, segundo penso, a adoção de uma solução pragmática que viabilize uma resposta do Poder Judiciário à população que sofre os efeitos da inominável tragédia. 

Assim, rogando vênias por divergir do Exmo. Min. Relator, voto pela competência do juízo suscitante (17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais) para o processamento e julgamento do presente processo. 

É como voto. 

VOTO-VOGAL 

MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES: Senhor Presidente, quero registrar que acompanho o Ministro HERMAN BENJAMIN, na solução dada a esse caso. 

Efetivamente, estamos dando aqui uma solução análoga e consentânea com aquela que foi dada em relação às ações do desastre ambiental de Mariana. O local do dano, no caso, é onde se encontra todo o objeto da prova a ser colhida. 

Penso que é a solução, além de coerente com a dada ao desastre de Mariana, a mais adequada ao deslinde dos vários processos que gravitam em torno do trágico desastre.