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10 de outubro de 2021

ALIMENTOS: Se o credor de alimentos ingressou com execução pedindo a prisão civil, mas esta não pode ser realizada em virtude da pandemia da Covid-19, deve ser autorizada a expropriação de bens do devedor, mesmo sem a mudança do rito

 ALIMENTOS: Se o credor de alimentos ingressou com execução pedindo a prisão civil, mas esta não pode ser realizada em virtude da pandemia da Covid-19, deve ser autorizada a expropriação de bens do devedor, mesmo sem a mudança do rito 

É possível a penhora de bens do devedor de alimentos, sem que haja a conversão do rito da prisão para o da constrição patrimonial, enquanto durar a impossibilidade da prisão civil em razão da pandemia do coronavírus. STJ. 3ª Turma. REsp 1.914.052-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/06/2021 (Info 702). 

Execução de alimentos 

Existem dois regimes de cumprimento da decisão que determina o pagamento de alimentos: 

a) rito da prisão civil;

b) rito comum. 


a) Rito da prisão civil: 

Previsto no caput e nos §§ 1º a 7º do art. 528 do CPC. O juiz, a requerimento do exequente, manda intimar o executado pessoalmente para, em 3 dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial, decretará a prisão civil do devedor pelo prazo de 1 a 3 meses. A prisão será cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns. O cumprimento da pena não exime o executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas. Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão. 

b) Rito comum: 

Trata-se do cumprimento de sentença no qual se buscará bens do devedor que possam ser utilizados para satisfação da dívida. É como se fosse a execução de uma dívida comum. Esse rito é adotado em duas situações: 

1) quando o próprio credor escolher esse rito, renunciando à possibilidade de pedir a prisão civil: 

Art. 528 (...) § 8º O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação. 

2) quando o débito alimentar se referir a prestações vencidas há mais de 3 meses. Isso porque somente se pode pedir a prisão civil de prestações alimentícias vencidas há menos de 3 meses: 

Art. 528 (...) § 7º O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo. 

Súmula 309-STJ: O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo. 

É possível a cumulação dos procedimentos de execução de alimentos? Em regra, NÃO. 

A escolha de um determinado procedimento afasta a utilização do outro, ou seja, trata-se de ritos excludentes entre si. A adoção do procedimento da penhora exclui a possibilidade de determinação da prisão civil do devedor de alimentos (nos termos do art. 528, §8º, do CPC). Já a eleição do procedimento da prisão civil adiará a possibilidade de penhora para o término da medida de constrição pessoal. 

Caso o credor tenha escolhido o rito da prisão civil, mas entenda que não é mais adequada e prefira realizar desde logo a penhora, será possível a conversão do rito? 

SIM. Caso o credor adote o procedimento da prisão civil, será possível requerer expressamente ao juízo a alteração do rito, de modo a utilizar desde logo as medidas expropriatórias. 

Feita essa breve revisão, imagine a seguinte situação hipotética: 

Lucas, 7 anos, residente no Distrito Federal, representado por sua mãe, ingressou com ação de alimentos contra João, seu pai. O juiz julgou o pedido procedente, determinando que João pagasse 1 salário-mínimo por mês, a título de pensão alimentícia. Ocorre que João passou a atrasar os pagamentos. Diante disso, Lucas ajuizou execução de alimentos, sob o rito do art. 528 do CPC/2015: 

Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. 

O juiz decretou, então, a prisão civil do devedor. Ocorre que, no Distrito Federal, há decisão suspendendo a prisão civil dos devedores, seja no regime fechado, seja no regime domiciliar, enquanto durar a pandemia de Covid-19. Diante de impossibilidade de prisão civil, Lucas requereu a penhora dos bens de João, sem que houvesse a conversão do rito da prisão civil para o rito da constrição patrimonial. Em outras palavras, o exequente afirmou: já que não é possível decretar a prisão civil do devedor, requeiro a penhora dos seus bens para o pagamento da dívida. Vale ressaltar, contudo, que não quero alterar o rito, ou seja, quero continuar tendo a possibilidade de, no futuro, decretar a prisão civil do devedor caso ele não pague a dívida e a pandemia termine. O juiz indeferiu o pedido afirmando que, como o exequente pediu a execução com base no art. 528, caput, do CPC, não é possível a expropriação de bens, salvo se ele requerer a mudança para o rito comum. 

Agiu corretamente o magistrado? 

NÃO. Diante da impossibilidade de prisão civil do executado na ação de alimentos, é possível a adoção de medidas expropriatórias, mesmo sem a conversão para o rito da constrição patrimonial. No caso apresentado, observa-se que Lucas elegeu o rito da prisão civil. Todavia, ante a impossibilidade de cumprimento da prisão civil no Distrito Federal, no cenário da pandemia de Covid-19, o exequente requereu a adoção das medidas expropriatórias mesmo sem a conversão para o rito da penhora. O STJ considerou que, apesar de, em regra, não ser possível a cumulação de procedimento de execução de alimentos, no caso concreto, deveria ser realizada uma interpretação sistemático-teleológica, a fim de equilibrar a relação jurídica. Enquanto o devedor é beneficiado, de certo modo, com a impossibilidade de prisão civil, o credor não pode ser prejudicado com a demora na prestação dos alimentos. Assim, é possível a determinação de penhora de bens em desfavor do devedor, sem que haja a conversão do rito da prisão civil para o de constrição patrimonial, enquanto durar a impossibilidade de prisão civil do devedor de alimentos. Estas medidas expropriatórias estão baseadas, inclusive, no poder de adoção de medidas adequadas no curso do processo (artigo 139, IV, do CPC): 

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; 

Direitos da criança e do adolescente 

No caso concreto, o STJ considerou como ainda mais relevante a necessidade de adoção das medidas expropriatórias, tendo em vista que o exequente era uma criança. Devem ser adotados os postulados da proteção integral e o princípio da prioridade absoluta, de modo a resguardar os interesses da criança ou adolescente, nos termos da CF/88, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Neste sentido, observe o disposto no art. 227 da CF/88: 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 

Obrigação alimentar 

Ademais, deve-se levar em consideração a natureza da prestação alimentar. Os alimentos são indispensáveis à subsistência do alimentando, possuindo um caráter imediato. Portanto, diante deste cenário, deve-se permitir a adoção de constrição no patrimônio do devedor, sem que haja a conversão do rito de execução. 

Em suma: É possível a penhora de bens do devedor de alimentos, sem que haja a conversão do rito da prisão para o da constrição patrimonial, enquanto durar a impossibilidade da prisão civil em razão da pandemia do coronavírus. STJ. 3ª Turma. REsp 1.914.052-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/06/2021 (Info 702)

7 de julho de 2021

É possível a penhora de bens do devedor de alimentos, sem que haja a conversão do rito da prisão para o da constrição patrimonial, enquanto durar a impossibilidade da prisão civil em razão da pandemia do coronavírus

 

Processo

REsp 1.914.052-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação de alimentos. Cumprimento de sentença. Opção pelo rito da prisão civil (CPC/2015, ART. 528, § 3º). Suspensão de toda prisão civil, tanto em regime fechado, como em regime domiciliar, no âmbito do Distrito Federal, enquanto durar a pandemia do coronavírus. Adoção de atos de constrição no patrimônio do devedor, sem conversão do rito. Possibilidade.


Destaque

É possível a penhora de bens do devedor de alimentos, sem que haja a conversão do rito da prisão para o da constrição patrimonial, enquanto durar a impossibilidade da prisão civil em razão da pandemia do coronavírus.

Informações do Inteiro Teor

Da leitura do art. 528, §§ 1º a 9º, do Código de Processo Civil de 2015, extrai-se que, havendo prestações vencidas nos três meses anteriores ao ajuizamento da execução de alimentos, caberá ao credor a escolha do procedimento a ser adotado na busca pela satisfação do crédito alimentar, podendo optar pelo procedimento que possibilite ou não a prisão civil do devedor.

Caso opte pelo rito da penhora, não será admissível a prisão civil do devedor, nos termos do art. 528, § 8º, do CPC/2015. Todavia, se optar pelo rito da prisão, a penhora somente será possível se o devedor, mesmo após a sua constrição pessoal, não pagar o débito alimentar, a teor do que determina o art. 530 do CPC/2015.

Considerando a suspensão de todas as ordens de prisão civil, seja no regime domiciliar, seja em regime fechado, no âmbito do Distrito Federal, enquanto durar a pandemia do coronavírus, impõe-se a realização de interpretação sistemático-teleológica dos dispositivos legais que regem a execução de alimentos, a fim de equilibrar a relação jurídica entre as partes.

Se o devedor está sendo beneficiado, de um lado, de forma excepcional, com a impossibilidade de prisão civil, de outro é preciso evitar que o credor seja prejudicado com a demora na satisfação dos alimentos que necessita para sobreviver, pois não é possível adotar o entendimento de que o devedor estaria impossibilitado de promover quaisquer medidas de constrição pessoal (prisão) ou patrimonial, até o término da pandemia.

Ademais, tratando-se de direitos da criança e do adolescente, como no caso, não se pode olvidar que o nosso ordenamento jurídico adota a doutrina da proteção integral e do princípio da prioridade absoluta, nos termos do art. 227 da Constituição Federal.

Dessa forma, considerando que os alimentos são indispensáveis à subsistência do alimentando, possuindo caráter imediato, deve-se permitir, ao menos enquanto perdurar a suspensão de todas as ordens de prisão civil em decorrência da pandemia da Covid-19, a adoção de atos de constrição no patrimônio do devedor, sem que haja a conversão do rito.


8 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Prisão Civil do devedor de alimentos - Yussef Said Cahali

"E, em função de sua excepcionalidade, como meio coercitivo que se dirige contra a liberdade do indivíduo, não se admite a prisão civil por alimentos senão em virtude de norma expressa. Aliás, exatamente por isso, a prisão civil por dívida, como meio coercitivo para o adimplemento da obrigação alimentar, é cabível apenas no caso dos alimentos previstos nos arts. 1.566, III, e 1.694 do CC/2002, que constituem relação de direito de família. Inadmissível, assim, a sua cominação determinada por falta de pagamento de prestação alimentícia decorrente de ação de responsabilidade ex delicto. No direito brasileiro, a Constituição de 1988, mantendo o instituto, deu ênfase, no confronto com o texto constitucional anterior, ao caráter excepcional da prisão, proclamando agora, entre os direitos e garantias individuais, que "não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia (...)" (art. 5°, LXVII). A disciplina legal recepcionada encontra-se difusamente estatuída na Lei de Alimentos, cujo art. 19 dispõe que "o juiz, para instrução da causa, ou na execução da sentença ou do acordo, poderá tomar todas as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias" (g.n.); e o art. 18 faz remissão à execução da sentença de alimentos, "na forma dos arts. 732, 733 e 735 do CPC". Mas, assimétrico, prescreve o art. 733 do CPC que, "na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo, § 1°. Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses". Em doutrina, condena Mattirolo o arresto pessoal em qualquer de suas modalidade, no pressuposto de que "la personalitá dell'indivíuo umano non è e non può essere il corpus vilis, sul quale sia lecito fare lo experimentum: essa ha ragione e dignità di fine, ne può essere ridotta alla condizione di semplice mezzo". Mas, procurando demonstrar a legitimidade de medidas de constrição pessoal ante a recusa de execução voluntária da sentença de alimentos, Ripert já havia assinalado que "l'obligation alimentaire est une dette sacrée; il in est d'autres que la loi morale oblige de payer même au prix de plus doulourex sacrifices". E Pisapia observa que "toutes les législations modernes reconaissente désormais la nécessité de recourir à la sanction pénale pour assurer le respect et l'acomplassiment des obligations qui puisent leur source dans un rapport familial". 


CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: RT, 2013, fls. 737-738

Filigrana doutrinária: Prisão Civil do devedor de alimentos - Araken de Assis

"Enfrentando problema análogo, agora quanto à inadmissibilidade da execução de alimentos indenizativos através de desconto, Pontes de Miranda assinalou que os alimentos exequíveis são "quaisquer alimentos a que foi condenada alguma das pessoas a cuja classe ele se refere, sejam alimentos de direito de família, ou alimentos de origem negocial, ou em virtude de indenização por ato ilícito, se o condenado não pagou e nela se incluiu prestação de alimentos". [...] Não há, todavia, motivo para dela afastar os alimentos indenizativos. Tornados definitivos, mercê da respectiva sentença condenatória - o critério da fonte, que inspira os indenizativos, não exclui o da finalidade, situado na base daqueles -, prestam-se, nesta última qualidade, a sujeitar o obrigado à ameaça psicológica da prisão. E o uso de semelhante mecanismo para haver alimentos definitivos, como acentua Vicente Greco Filho, desconhece impugnações. É claro que, existindo as garantias previstas no art. 533 (capital, caução ou fiança), a execução, ocorrendo o improvável inadimplemento, exigirá o mecanismo da expropriação. A coerção pessoal serve para executar os alimentos indenizativos na hipótese de não existir nenhuma garantia. O verdadeiro espírito da lei é franquear meios executórios mais lestos e eficazes aos alimentários em geral, deixando de discrimá-los em razão da fonte de obrigação alimentar". 


ASSIS, Araken de. Da execução de alimentos e prisão do devedor. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 123

Filigrana doutrinária: Prisão Civil do devedor de alimentos - José Miguel Garcia Medina

"Temos sustentado que a prisão civil pode ser manejada também em relação a alimentos indenizativos (cf. o que escrevemos em Execução Civil, 2 ed., cit., item 24.5.1; no mesmo sentido, Araken de Assis, Comentários... cit., vol. VI, n. 114.2, p, 270-271). Com efeito, os dispositivos legais que regulam a matéria não fazem qualquer limitação à possibilidade de utilização desta medida executiva também quanto à obrigação alimentar decorrente de ato ilícito. No caso, deve o juiz distinguir a que título se está definindo a indenização, pois a condenação pode ter por fim apenas a reparação de danos sofridos pelo demandante (por exemplo, nos casos de indenização decorrente de morte de filho, em que o quantum é calculado tomando-se por base os rendimentos que o mesmo obteria até quando atingisse determinada idade; se, em situação como a ora exemplificada, a execução tem por objeto o recebimento do valor integral, fica evidente que tal indenização não tem caráter propriamente alimentar). O mesmo não ocorre no entanto, nos casos em que o juiz condena o réu ao pagamento de "prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia" (cf. art. 948, II, do CC), podendo, nesse caso fixar liminarmente a pensão alimentícia devida. É o que pode acontecer, por exemplo, no caso em que os dependentes ajuízam ação contra o autor do homicídio, pleiteando a fixação liminar de pensão alimentícia necessária à sua subsistência. Nesse caso, embora a pensão não seja devida em virtude de vínculo familiar, mas em decorrência de responsabilidade civil por ato ilícito, pensamos que prepondera o seu caráter alimentar sobre o indenizatório, razão pela qual a medida coercitiva ora estudada poderá ser aplicada." 

MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil Comentado, RT, 6ª edição, p. 916-17.

Filigrana doutrinária: Prisão Civil do devedor de alimentos - Flávio Tartuce

“Pois bem, questão que sempre foi debatida entre os civilistas e processualistas diz respeito à possibilidade de se pleitear a prisão civil do devedor desses alimentos indenizatórios, com fulcro no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal de 1988. Nossa jurisprudência superior vinha se posicionando de forma contrária à sua viabilidade, pois os únicos alimentos que fundamentam a possibilidade de prisão civil são os familiares, devidos nos casos de parentesco, casamento ou união estável (art. 1.694 do Código Civil), posição que é compartilhada por este autor. (...) 

Essas são as regras e sanções previstas para os alimentos indenizatórios, decorrentes do ato ilícito, sem qualquer menção à prisão civil. Sendo assim, não cabe ao julgador fazer interpretações extensivas para cercear a liberdade da pessoa humana, ainda mais em uma realidade em que defende um Direito Civil Constitucionalizado e Humanizado. Reitere-se a posição anterior, consolidada no sentido de que prisão civil somente é possível nas situações de inadimplemento da obrigação relativa aos alimentos familiares. Esperamos que essa conclusão continue sendo o posicionamento da nossa jurisprudência superior.” 


TARTUCE, Flávio. Prisão civil em alimentos indenizatórios: posição contrária. Disponível em: . Acesso em: 11/5/2020

HABEAS CORPUS. ALIMENTOS DECORRENTES DE ATO ILÍCITO. NATUREZA INDENIZATÓRIA. PRISÃO CIVIL. NÃO CABIMENTO. RITO EXECUTIVO PRÓPRIO. ART. 533 DO CPC/15. ORDEM CONCEDIDA.

HABEAS CORPUS Nº 523.357 - MG (2019/0217137-0) 

RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI 

HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ADMISSIBILIDADE EM HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. ALIMENTOS DECORRENTES DE ATO ILÍCITO. NATUREZA INDENIZATÓRIA. PRISÃO CIVIL. NÃO CABIMENTO. RITO EXECUTIVO PRÓPRIO. ART. 533 DO CPC/15. ORDEM CONCEDIDA. 

1. A impetração de habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário somente é admitida excepcionalmente quando verificada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado, hipótese dos autos. 

2. Os alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito, conforme previsão contida nos artigos 948, 950 e 951 do Código Civil, possuem natureza indenizatória, razão pela qual não se aplica o rito excepcional da prisão civil como meio coercitivo para o adimplemento. 

3. Ordem concedida. 

ACÓRDÃO 

Após o voto-vista do Ministro Luis Felipe Salomão acompanhando a relatora, a Quarta Turma, por unanimidade, concedeu, de ofício, a ordem de "Habeas Corpus", nos termos do voto da relatora. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi (Presidente), Luis Felipe Salomão (voto-vista) e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília/DF, 1º de setembro de 2020(Data do Julgamento)

HABEAS CORPUS COLETIVO IMPETRADO PELA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE CONTRA DECISÃO PROFERIDA POR DESEMBARGADOR RELATOR QUE INDEFERIU O PEDIDO LIMINAR DE WRIT COLETIVO MANEJADO NA ORIGEM, RELEGANDO A ANÁLISE DE EVENTUAL PEDIDO DE SOLTURA, CASO A CASO, DURANTE A PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS, DESDE QUE PRESENTES DETERMINADAS CONDIÇÕES AVENTADAS PELO SEU PROLATOR, ENTRE ELAS, O ESTADO DE SAÚDE DO DEVEDOR DE ALIMENTOS. MANIFESTA TERATOLOGIA DO DECISUM. RECONHECIMENTO

HABEAS CORPUS Nº 569.014 - RN (2020/0075268-5) 

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE 

HABEAS CORPUS COLETIVO IMPETRADO PELA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE CONTRA DECISÃO PROFERIDA POR DESEMBARGADOR RELATOR QUE INDEFERIU O PEDIDO LIMINAR DE WRIT COLETIVO MANEJADO NA ORIGEM, RELEGANDO A ANÁLISE DE EVENTUAL PEDIDO DE SOLTURA, CASO A CASO, DURANTE A PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS, DESDE QUE PRESENTES DETERMINADAS CONDIÇÕES AVENTADAS PELO SEU PROLATOR, ENTRE ELAS, O ESTADO DE SAÚDE DO DEVEDOR DE ALIMENTOS. MANIFESTA TERATOLOGIA DO DECISUM. RECONHECIMENTO, A AUTORIZAR A FLEXIBILIZAÇÃO DA SÚMULA N. 691/STF. POSICIONAMENTO PACÍFICO DAS TURMAS DE DIREITO PRIVADO DO STJ QUANTO À ILEGALIDADE DA PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS EM REGIME FECHADO, NO PERÍODO DA PANDEMIA, ANTES OU DEPOIS DA LEI N. 10.410/2020. RECONHECIMENTO. DIVERGÊNCIA SUBSISTENTE DAS TURMAS DE DIREITO PRIVADO DO STJ EM RELAÇÃO AO PERÍODO ANTERIOR À LEI (SE DIFERIDA; OU SE EM REGIME DOMICILIAR) QUE NÃO TEM REPERCUSSÃO NO CASO DOS AUTOS. RECONHECIMENTO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA PARA, EM RATIFICAÇÃO À TUTELA COLETIVA LIMINAR ANTERIORMENTE DEFERIDA, DETERMINAR QUE AS PRISÕES CIVIS POR DÍVIDA ALIMENTARES EM TODO O ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE SEJAM CUMPRIDAS NA MODALIDADE DOMICILIAR, SEM PREJUÍZO DA EXIGIBILIDADE DAS RESPECTIVAS OBRIGAÇÕES. 

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça prevê a possibilidade de mitigação do entendimento consolidado na Súmula n. 691/STF quando constatada a existência de manifesta ilegalidade ou abuso de poder na decisão unipessoal do relator que, na origem, indefere medida liminar requerida em habeas corpus. 

2. A impetração de habeas corpus coletivo reveste-se de adequação e utilidade, a abarcar todos os pacientes que se encontram objetivamente na situação descrita na norma. 

3. No mérito, o ato coator consiste no indeferimento do pedido coletivo liminar em habeas corpus impetrado na origem, sem prejuízo de que eventual pedido de soltura individual pudesse ser analisado, caso a caso, pelo respectivo Juízo natural. De seus termos, ressai clara a possibilidade de subsistir o aprisionamento em estabelecimento coletivo de devedor de alimentos durante a pandemia causada pelo Coronavírus (Covid-19), devendo-se levar em consideração, segundo a proposição do Desembargador relator, determinadas circunstâncias, como o estado de saúde do devedor. 

4. O ato coator, no cenário pandêmico em que se vivencia, encerra manifesta teratologia. 

4.1. Passados sete meses do primeiro caso de Covid-19 registrado no Brasil (26/2/2020), os dados oficiais do Governo Federal indicam expressivos números de casos e de óbitos, a revelar seu elevado grau de disseminação e de letalidade, indiscutivelmente. Ainda que haja determinados grupos de pessoas mais suscetíveis aos deletérios efeitos causados pelo novo Coronavírus, não se pode precisar, com segurança, no atual estágio científico, a reação de cada organismo, tampouco relegar ao magistrado, por simples dados estatísticos, a tarefa de avaliar, no caso concreto, a existência de risco à saúde para o devedor de alimentos, olvidando, inclusive, o alto índice de transmissibilidade – incontida – do vírus em caso de encarceramento. 

4.2. Em atenção: i) ao estado de emergência em saúde pública declarado pela Organização Mundial de Saúde, que perdura até os dias atuais, decorrente da pandemia de Covid-19, doença causada pelo Coronavírus (Sars-Cov-2); ii) à adoção de medidas necessárias à contenção da disseminação levadas a efeito pelo Poder Público, as quais se encontram em vigor; iii) à Recomendação n. 62 do Conselho Nacional de Justiça consistente na colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia; e, mais recentemente, iv) à edição da Lei n. 10.410, de 10 de junho de 2020, que determinou, expressamente, que, até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida de alimentos seja cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações, mostra-se flagrante a ilegalidade no ato atacado, a autorizar, excepcionalmente, o conhecimento do presente writ e, principalmente, a concessão da ordem impetrada. 

5. As Turmas de Direito Privado do STJ são uníssonas em reconhecer a indiscutível ilegalidade/teratologia da prisão civil, sob o regime fechado, no período de pandemia, anterior ou posterior à Lei n. 10.410/2020. 

6. A divergência subsistente no âmbito das Turmas de Direito Privado refere-se apenas ao período anterior à edição da Lei n. 10.410/2020, tendo esta Terceira Turma, no tocante a esse interregno, compreendido ser possível o diferimento da prisão civil para momento posterior ao fim da pandemia; enquanto a Quarta Turma do STJ tem reconhecido a necessidade de aplicar o regime domiciliar. 

6.1. Essa discussão, todavia, no caso dos autos, não tem maiores repercussões, na medida em que a tutela coletiva deferida em liminar, no bojo da presente impetração, a qual determinou o cumprimento das prisões civis por devedores de alimentos do Estado do Rio Grande do Norte em regime domiciliar perdurou — e ainda perdura — até a entrada em vigor da Lei n. 10.410/2020, que, de modo peremptório e geral, estabeleceu idêntica disposição, qual seja, o cumprimento da prisão civil pelo regime domiciliar. Logo, as decisões de decreto de prisão civil por dívida alimentar, proferidas pelo Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Norte então em curso, assim como as que se seguiram, tiveram que se amoldar à deliberação exarada por esta Corte de Justiça em 31/03/2020, cuja autoridade é garantida pelos mecanismos processuais próprios. Tal circunstância decorre da abrangência territorial da tutela inicialmente vindicada pela parte impetrante, adstrita, naturalmente, aos seus limites espaciais de atuação. 

6.2. O mesmo cenário, consigne-se, ocorreu no Habeas Corpus Coletivo n. 568.021/CE, em que a Segunda Seção do STJ acabou por reconhecer a perda superveniente de objeto em virtude do julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em 29/04/2020, que concedeu parcialmente ordem coletiva para determinar a substituição da prisão comum dos presos por dívida alimentar daquele Estado por prisão domiciliar. No Ceará, dada a abrangência territorial da ordem concedida, as decisões de decreto de prisão civil por dívida alimentar, mesmo as anteriores à entrada em vigor da Lei n. 10.410/2020, tiveram que se adequar à determinação de cumprimento sob o regime domiciliar (primeiro, em observância à decisão liminar desta Corte de Justiça, de abrangência nacional ali estendida; depois pela concessão parcial da ordem exarada pelo TJCE). 

6.3. Sob esse ponto de vista, aliás, mostra-se questionável a subsistência de alguma decisão proferida no âmbito de todos os Estados da Federação (em momento anterior à Lei n. 10.410/2020) que, de algum modo, tenha se apartado dos termos da decisão liminar proferida por esta Corte de Justiça no Habeas Corpus Coletivo n. 568.021/CE, que determinou o cumprimento em regime domiciliar da prisão civil, com abrangência nacional, enquanto vigente seus efeitos. Rememora-se que a Segunda Seção do STJ, naquele caso, reconheceu a perda de objeto do writ apenas em 24/6/2020, momento em que a Lei n. 10.410/2020 já tinha entrado em vigor. Ainda que de modo precário (mas absolutamente razoável, tanto que a lei veio dispor de modo idêntico), esta decisão produziu efeitos enquanto vigente, devendo ter sua autoridade preservada nesse período. É de se reconhecer, nessa medida, que a própria divergência existente no âmbito das Turmas de Direito Privado, em relação apenas ao interregno anterior à vigência da Lei n. 10.410/2020, por tal circunstância, acabou por se esvaziar. 

7. Ordem parcialmente concedida para, em ratificação à tutela coletiva liminar anteriormente deferida, determinar que as prisões civis por dívida alimentares em todo o Estado do Rio Grande do Norte sejam cumpridas na modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 06 de outubro de 2020 (data do julgamento).

FAMÍLIA. ALIMENTOS. FILHOS MENORES. ADMISSIBILIDADE EM HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. PRISÃO CIVIL NA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ATUAL (SÚMULA 309/STJ). PANDEMIA DE COVID-19. RISCO DE CONTÁGIO. PRISÃO DOMICILIAR. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA

HABEAS CORPUS Nº 561.257 - SP (2020/0033400-1) 

RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO 

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. FAMÍLIA. ALIMENTOS. FILHOS MENORES. ADMISSIBILIDADE EM HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. PRISÃO CIVIL NA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ATUAL (SÚMULA 309/STJ). PANDEMIA DE COVID-19. RISCO DE CONTÁGIO. PRISÃO DOMICILIAR. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 

1. O presente habeas corpus foi impetrado como substitutivo do recurso ordinário cabível, o que somente é admitido excepcionalmente pela jurisprudência desta Corte de Justiça e do egrégio Supremo Tribunal Federal quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado, podendo-se, em tais hipóteses, conceder-se a ordem de ofício. 

2. O pagamento parcial do débito não afasta a regularidade da prisão civil, porquanto as quantias inadimplidas caracterizam-se como débito atual, que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo, nos termos da Súmula 309/STJ. 

3. Diante do iminente risco de contágio pelo Covid-19, bem como em razão dos esforços expendidos pelas autoridades públicas em reduzir o avanço da pandemia, é recomendável o cumprimento da prisão civil por dívida alimentar em regime diverso do fechado. 

4. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida para que o paciente, devedor de alimentos, cumpra a prisão civil em regime domiciliar. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, conceder a ordem parcialmente, para que o paciente, devedor de alimentos, cumpra a prisão civil em regime domiciliar, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi (Presidente) e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 05 de maio de 2020 (Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por MARCOS DE SOUZA PEIXOTO em favor de M. A. M. A. K., contra v. acórdão proferido pela Segunda Câmara de Direito Privado do eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou a ordem no habeas corpus n. 2274384-52.2019.8.26.0000. 

Os autos dão conta de que o paciente acha-se obrigado ao pagamento mensal, em favor de sues filhos Y. M. D. A. A. K. e K. M. A. K., de quantia equivalente a 160% (cento e sessenta por cento) do salário mínimo, a título de alimentos, tendo o alimentante deixado de adimplir integralmente as prestações. 

Sobrevindo ação de execução de alimentos, sob o rito da coerção pessoal, para a cobrança de dívida alimentar relativa aos meses de fevereiro, abril e maio de 2018, no valor de R$ 4.683,31, bem como das parcelas vincendas no curso da execução (e-STJ, fls. 30/35), o douto Juízo de Direito da Vara de Família e Sucessões da Comarca de Taubaté/SP, rejeitando a justificativa apresentada, decretou a prisão civil do devedor. 

Contra o referido decreto prisional, foi impetrado habeas corpus perante o eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja ordem foi denegada, conforme v. acórdão de fls. 19/24, ensejando a impetração do remédio heroico sob análise. 

Sustenta o impetrante, em resumo, que: (a) "o executado/paciente esclareceu a sua condição financeira precária, principalmente porque é de país estrangeiro (Egito), não possui CPF e, portanto, não consegue emprego formal, porém, vem pagando mensalmente alimentos aos filhos no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), e já o fez nos meses de outubro, novembro, dezembro/2019 e janeiro/2020. conforme comprovantes em anexo, não deixando os filhos ao desamparo total" (fl. 7); (b) "nas manifestações das exequentes às fls. 57/59, não era a intenção delas que o paciente, pai das infantes, fosse preso, segundo elas, a expedição de mandando de prisão em seu desfavor ensejaria o não cumprimento da obrigação, como de fato ocorreu, já que expedido mandado de prisão em seu desfavor" (fl. 8); (c) "com base nos documentos juntados a presente manifestação que evidenciam a ausência de voluntariedade e inescusabilidade nos alimentos executados, vez que as exequentes tinham conhecimento da possibilidade do inadimplemento e manifestaram a vontade de não desejar a prisão do executado/paciente, é que a ordem de prisão civil é ilegal, pois, com caráter meramente punitivo e não coercitivo, o que vedado pela Constituição Federal" (fl. 13). 

Pede, por isso, seja concedida a "liminar pleiteada, fazendo cessar o constrangimento ilegal ora suportado pelo paciente, tornando-a definitiva após regular processamento, havendo como conseqüência a revogação da ordem de prisão determinada pelo juízo da Vara da Família e Sucessões da Comarca de Taubaté/SP, dentro dos autos n° 0005555-39.2018.8.26.0625, e expedição de contramandado de prisão, pois desta forma essa Colenda Turma estará editando acórdão compatível com os excelsos ditames da Lei, do Direito e da Justiça!" (fl. 14). 

A liminar foi indeferida, nos termos da decisão de fls. 89/94 (e-STJ). 

Informações foram prestadas pela autoridade apontada como coatora, às fls. 99/101, bem como pelo ilustre Juízo da execução, às fls. 103/154. 

A douta Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo não conhecimento do writ, conforme parecer de fls. 156/161. 

Às fls. 164/167, o paciente peticionou nos autos pugnando pela extensão dos efeitos da decisão proferida pelo ilustre Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, nos autos do Habeas Corpus nº 568.021/CE, para garantir ao devedor de pensão alimentícia o cumprimento da prisão civil em regime domiciliar, considerando a situação de pandemia do Covid-19. 

Deferi, nos termos da decisão de fls. 169/170, o mencionado pedido para determinar o cumprimento da prisão civil do paciente devedor de alimentos, em regime domiciliar, até ulterior deliberação desta Corte. 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): É importante ressaltar, desde logo, que os valores executados são atuais, tendo em vista que os credores perseguem as 3 (três) últimas parcelas anteriores ao ajuizamento da execução e as que se venceram no curso desta, de modo que a pretensão observa o disposto na Súmula 309 do STJ, que preconiza: "O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo". Nesse sentido: 

"RECURSO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL. ALEGAÇÃO DE CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR E QUE NÃO FOI INTIMADO PARA REGULARIZAR O DÉBITO. MATÉRIAS NÃO DEBATIDAS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. INVIABILIDADE DE EXAME PELO STJ. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INSTRUÇÃO DEFICIENTE DO WRIT E AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA ILEGALIDADE APONTADA. INADIMPLEMENTO DAS TRÊS PARCELAS ANTERIORES AO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO E DAS QUE VENCERAM NO CURSO DA AÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 309 DO STJ. RECOLHIMENTO DAS ÚLTIMAS PARCELAS. INSUFICIÊNCIA. PAGAMENTO PARCIAL DA PENSÃO NÃO AFASTA O DECRETO DE PRISÃO. PRECEDENTES. RECURSO EM HABEAS CORPUS NÃO PROVIDO. 1. A ausência de debate pelo Tribunal de origem das alegações do recorrente de que não houve desídia ou resistência no cumprimento da obrigação alimentar, de falta de intimação para saldar o débito atrasado e, de ausência de planilha com valores discriminados e individualizados para que pudesse contestar o débito, impossibilita o exame dessas matérias pelo STJ, sobre pena de indevida supressão de instância. Precedentes. 1.1. A deficiência da instrução do writ e a inexistência de provas pré-constituídas de que não houve renitência ou desídia no cumprimento da obrigação alimentar ou de que a necessidade dos alimentos não é atual, impossibilitam a aferição da ilegalidade apontada. 2. O decreto de prisão proveniente da execução de alimentos na qual se visa o recebimento integral de até as três parcelas anteriores ao ajuizamento da ação e das que se vencerem no seu curso não é ilegal. Inteligência da Súmula nº 309 do STJ e precedentes. 3. A jurisprudência dominante do STJ segue no sentido de que o não pagamento integral das parcelas alimentares devidas autoriza a prisão civil do devedor de alimentos. Precedentes. 4. Recurso ordinário em habeas corpus improvido. (RHC 94.459/RJ, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2018, DJe de 03/04/2018) 

De outro lado, é imperioso mencionar que a inadimplência, embora parcial, é incontroversa, reconhecida pelo próprio impetrante, de modo que as justificativas apresentadas não encontram no writ sede adequada à demonstração da justa causa para afastar a prisão civil do devedor de alimentos, uma vez que desacompanhadas de qualquer demonstração concreta de que os valores cobrados na execução de alimentos estejam em desacordo com as possibilidades do alimentante ou com o pensionamento mensal arbitrado em favor dos menores alimentados. 

Sobre o tema, aliás, é de bom alvitre transcrever as seguintes passagens do voto condutor que denegou o habeas corpus impetrado perante o Tribunal de origem, confirmando a ordem de prisão exarada em desfavor do aqui paciente, senão vejamos: 

"Ora, primeiramente, não há falar em alegação contraditória dos credores, porquanto, se de um lado não desejavam a prisão civil do pai, de outro, esperavam que, ao menos com a redução do valor da pensão alimentícia, ele cumprisse o acordo, de sorte que, diante do descumprimento, pugnaram pela expedição do mandado de prisão, como, aliás, previsto na avença, observando os credores, apenas para argumentar, que o pai não regulariza sua situação no país para não pagar a pensão alimentícia, recaindo tal ônus, tão somente, à genitora. Nem se diga que não teve direito ao contraditório, porquanto o decreto prisional não foi lançado assim que comunicado o inadimplemento, conferindo ao paciente oportunidades para manifestar-se sobre o quanto alegado, inclusive para pagar a dívida, tendo plena ciência, portanto, da planilha. Ademais, o paciente, ao revelar que realizou o acordo apenas para não ser preso, naquela ocasião, já que todos tinham ciência de sua hipossuficiência, beira á má-fé, porquanto cediço que o acordo pressupõe a boa-fé dos envolvidos em cumprir o quanto avençado e realizá-lo somente com o intuito de não ser preso, apenas evidencia o seu descaso e a intenção de procrastinar a demanda. O paciente já havia sido beneficiado com os termos da avença e, mesmo assim, cumpriu-a minimamente, não se podendo presumir que o inadimplemento é involuntário." (fls. 22/23) 

Com efeito, a incapacidade financeira, como cediço, deve ser demonstrada de plano, pois, na via estreita do habeas corpus, a prova deve ser pré-constituída, não comportando dilação probatória. A propósito: 

"HABEAS CORPUS. PENSÃO ALIMENTÍCIA. INADIMPLÊNCIA. INCAPACIDADE FINANCEIRA ALEGADA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA INADEQUADA. AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS. AJUIZAMENTO. INSUFICIÊNCIA COMO JUSTIFICATIVA. PRISÃO CIVIL. ART. 733 DO CPC. POSSIBILIDADE. 1. O habeas corpus não é a via adequada para discutir a obrigação de prestar alimentos em si, mas tão somente para analisar a legalidade da ordem judicial que decretou a prisão civil do devedor. 2. A incapacidade financeira do paciente deve ser demonstrada de plano, uma vez que a via estreita do habeas corpus não comporta dilação probatória. 3. A mera existência de ação revisional de alimentos ajuizada pelo paciente, com regular tramitação, desacompanhada de elementos concretos acerca da situação econômica do devedor, é insuficiente para demonstrar a alegada incapacidade financeira para o cumprimento da obrigação. 4. A prisão domiciliar somente deve ser admitida em hipóteses excepcionais, pois a sua concessão, conforme já decidido por esta eg. Corte, contraria a finalidade principal da prisão civil do devedor de alimentos, qual seja, forçar o cumprimento da obrigação. 5. Ordem denegada." (HC 312.800/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe de 19/06/2015) 

"CIVIL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. PENSÃO ALIMENTÍCIA ENTRE EX-CÔNJUGES. INADIMPLÊNCIA DO DEVEDOR. PRISÃO CIVIL. ALEGADO EXCESSO DA EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. CAPACIDADE FINANCEIRA DO EXECUTADO E REVISÃO DAS JUSTIFICATIVAS APRESENTADAS PARA O INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. DÉBITO PRETÉRITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. INADIMPLEMENTO DAS TRÊS PARCELAS ANTERIORES AO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO E DAS QUE VENCERAM NO CURSO DA AÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 309 DO STJ. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A via estreita do habeas corpus exige prova pré-constituída da ilegalidade afirmada e não comporta dilação probatória, de modo que não cabe ao STJ alterar a conclusão da instância ordinária, formada a partir dos exame dos elementos dos autos, de que não houve modificação do valor da verba alimentar. Inexistência de comprovação de plano do alegado excesso da execução. 2. A verificação da incapacidade financeira do executado e a revisão das justificativas apresentadas para o inadimplemento da obrigação demandam dilação probatória, não se mostrando o writ a via adequada para este mister. Precedentes. 3. Promovida a execução com base no art. 733 do CPC, cobrando as três parcelas anteriores ao ajuizamento da ação e as que venceram no curso da ação, não há falar em débito pretérito a ser cobrado pelo rito do art. 732 do mesmo diploma legal. 4. O decreto de prisão proveniente da execução de alimentos na qual se visa o recebimento integral das três parcelas anteriores ao ajuizamento da ação e das que vencerem no curso não é ilegal. Inteligência da Súmula nº 309 do STJ e precedentes. 5. Há orientação pacificada no STJ de que o não pagamento integral das prestações alimentares devidas autoriza a prisão civil do devedor de alimentos. 6. Ordem denegada." (HC 333.214/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe de 10/12/2015) 

"HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL. SÚMULA N. 309/STJ. DESEMPREGO. CAPACIDADE FINANCEIRA DO ALIMENTANTE. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. 1. É incompatível com a via do habeas corpus, de cognição sumária, a aferição da real capacidade financeira do alimentante em prosseguir no pagamento da pensão alimentícia. 2. Agravo regimental desprovido." (AgRg no HC 340.232/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2016, DJe de 28/03/2016) 

Na hipótese, embora seja a inadimplência incontroversa, reconhecida pelo próprio recorrente, e as justificativas apresentadas não demonstrem plenamente a existência de justa causa para afastar, de plano, a prisão civil do devedor de alimentos, uma vez que desacompanhadas de demonstração concreta relativa às condições econômicas do paciente, percebe-se a ilegalidade na forma de fixação da prisão, diante do recente precedente desta Corte a seguir referido. 

Com efeito, o contexto atual de gravíssima pandemia devido ao chamado coronavírus desaconselha a manutenção do devedor em ambiente fechado, insalubre e potencialmente perigoso, devendo ser observada a decisão proferida pelo ilustre Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, publicada em 30.3.2020, nos autos do Habeas Corpus nº 568.021/CE (2020/0072810-3), no qual se estendeu a todos os presos por dívidas alimentícias no país a liminar deferida no mencionado writ, no sentido de garantir prisão domiciliar aos presos, em razão da pandemia de Covid-19, nos seguintes termos: 

"Vistos etc. A Defensoria Pública da União apresenta pedido de ampliação do polo ativo do presente writ sustentando a necessidade de extensão dos efeitos da decisão proferida às fls. 92/97. Ponderou que o pedido de sua admissão tem por objetivo de promover, em escala federal, a tutela de todas as pessoas reclusas em razão de dívida de alimentos, porque privados de sua liberdade em meio à pandemia do Covid19. Reputou importante a necessidade de uniformização de tratamento a todos que se encontram na mesma situação, pois 'nem todos os judiciários das unidades da federação conheceram e julgaram a questão (ex. Goiás) e, os que julgaram, não o fizeram da mesma forma (o Tribunal de Justiça de São Paulo negou a liminar)' (fl. 115). Referiu que, no atual contexto, em que ocorre o surto da COVID-19 em todo o território brasileiro, quase duas mil pessoas estão com suas liberdades cerceadas por força de decretos de prisão civil decorrentes de dívida de alimentos. Diante da excepcionalidade do caso concreto, acolho o pedido da DPU, determinando o seu ingresso nos autos na qualidade de impetrante e determino a extensão dos efeitos da decisão que deferiu parcialmente a medida liminar para determinar o cumprimento das prisões civis por devedores de alimentos em todo o território nacional, excepcionalmente, em regime domiciliar. Ressalto que as condições de cumprimento da prisão domiciliar serão estipuladas pelos juízos de execução de alimentos, inclusive em relação à duração, levando em conta as medidas adotadas pelo Governo Federal e local para conter a pandemia do Covid-19. A presente decisão, entretanto, não revoga a adoção de medidas mais benéficas eventualmente já determinadas pelos juízos locais. Oficie-se os Presidentes dos Tribunais de todos os Estados da Federação para imediato cumprimento." 

No sentido da relativização do regime prisional previsto no § 4º do art. 528 do CPC/2015, enquanto vigente a pandemia do Covid-19, vale mencionar as decisões monocráticas proferidas no RHC 106.403/SP (Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, DJe de 23/04/2020); no RHC 125.728 (Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJe de 16/04/2020); no HC 561.813/MG (Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 02/04/2020); e no RHC 125.395 (Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, DJe de 02/04/2020). 

Diante do exposto, concedo parcialmente a ordem de habeas corpus, confirmando a decisão de fls. 169/170, no sentido de que o cumprimento da prisão civil do paciente devedor de alimentos, enquanto vigente a pandemia de Covid-19 e o decreto de prisão, seja realizado no regime domiciliar e sob as condições a serem fixadas pelo d. Juízo da execução. 

É como voto. 

15 de abril de 2021

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. FAMÍLIA. ALIMENTOS. FILHOS MENORES. ADMISSIBILIDADE EM HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. PRISÃO CIVIL NA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ATUAL (SÚMULA 309/STJ). PANDEMIA DE COVID-19. RISCO DE CONTÁGIO. PRISÃO DOMICILIAR. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

HABEAS CORPUS Nº 561.257 - SP (2020/0033400-1) 

RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO 

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. FAMÍLIA. ALIMENTOS. FILHOS MENORES. ADMISSIBILIDADE EM HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. PRISÃO CIVIL NA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ATUAL (SÚMULA 309/STJ). PANDEMIA DE COVID-19. RISCO DE CONTÁGIO. PRISÃO DOMICILIAR. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 

1. O presente habeas corpus foi impetrado como substitutivo do recurso ordinário cabível, o que somente é admitido excepcionalmente pela jurisprudência desta Corte de Justiça e do egrégio Supremo Tribunal Federal quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado, podendo-se, em tais hipóteses, conceder-se a ordem de ofício. 

2. O pagamento parcial do débito não afasta a regularidade da prisão civil, porquanto as quantias inadimplidas caracterizam-se como débito atual, que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo, nos termos da Súmula 309/STJ. 

3. Diante do iminente risco de contágio pelo Covid-19, bem como em razão dos esforços expendidos pelas autoridades públicas em reduzir o avanço da pandemia, é recomendável o cumprimento da prisão civil por dívida alimentar em regime diverso do fechado. 

4. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida para que o paciente, devedor de alimentos, cumpra a prisão civil em regime domiciliar. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, conceder a ordem parcialmente, para que o paciente, devedor de alimentos, cumpra a prisão civil em regime domiciliar, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi (Presidente) e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 05 de maio de 2020 (Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por MARCOS DE SOUZA PEIXOTO em favor de M. A. M. A. K., contra v. acórdão proferido pela Segunda Câmara de Direito Privado do eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou a ordem no habeas corpus n. 2274384-52.2019.8.26.0000. 

Os autos dão conta de que o paciente acha-se obrigado ao pagamento mensal, em favor de sues filhos Y. M. D. A. A. K. e K. M. A. K., de quantia equivalente a 160% (cento e sessenta por cento) do salário mínimo, a título de alimentos, tendo o alimentante deixado de adimplir integralmente as prestações. 

Sobrevindo ação de execução de alimentos, sob o rito da coerção pessoal, para a cobrança de dívida alimentar relativa aos meses de fevereiro, abril e maio de 2018, no valor de R$ 4.683,31, bem como das parcelas vincendas no curso da execução (e-STJ, fls. 30/35), o douto Juízo de Direito da Vara de Família e Sucessões da Comarca de Taubaté/SP, rejeitando a justificativa apresentada, decretou a prisão civil do devedor. 

Contra o referido decreto prisional, foi impetrado habeas corpus perante o eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja ordem foi denegada, conforme v. acórdão de fls. 19/24, ensejando a impetração do remédio heroico sob análise. 

Sustenta o impetrante, em resumo, que: (a) "o executado/paciente esclareceu a sua condição financeira precária, principalmente porque é de país estrangeiro (Egito), não possui CPF e, portanto, não consegue emprego formal, porém, vem pagando mensalmente alimentos aos filhos no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), e já o fez nos meses de outubro, novembro, dezembro/2019 e janeiro/2020. conforme comprovantes em anexo, não deixando os filhos ao desamparo total" (fl. 7); (b) "nas manifestações das exequentes às fls. 57/59, não era a intenção delas que o paciente, pai das infantes, fosse preso, segundo elas, a expedição de mandando de prisão em seu desfavor ensejaria o não cumprimento da obrigação, como de fato ocorreu, já que expedido mandado de prisão em seu desfavor" (fl. 8); (c) "com base nos documentos juntados a presente manifestação que evidenciam a ausência de voluntariedade e inescusabilidade nos alimentos executados, vez que as exequentes tinham conhecimento da possibilidade do inadimplemento e manifestaram a vontade de não desejar a prisão do executado/paciente, é que a ordem de prisão civil é ilegal, pois, com caráter meramente punitivo e não coercitivo, o que vedado pela Constituição Federal" (fl. 13). 

Pede, por isso, seja concedida a "liminar pleiteada, fazendo cessar o constrangimento ilegal ora suportado pelo paciente, tornando-a definitiva após regular processamento, havendo como conseqüência a revogação da ordem de prisão determinada pelo juízo da Vara da Família e Sucessões da Comarca de Taubaté/SP, dentro dos autos n° 0005555-39.2018.8.26.0625, e expedição de contramandado de prisão, pois desta forma essa Colenda Turma estará editando acórdão compatível com os excelsos ditames da Lei, do Direito e da Justiça!" (fl. 14). 

A liminar foi indeferida, nos termos da decisão de fls. 89/94 (e-STJ). 

Informações foram prestadas pela autoridade apontada como coatora, às fls. 99/101, bem como pelo ilustre Juízo da execução, às fls. 103/154. 

A douta Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo não conhecimento do writ, conforme parecer de fls. 156/161. 

Às fls. 164/167, o paciente peticionou nos autos pugnando pela extensão dos efeitos da decisão proferida pelo ilustre Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, nos autos do Habeas Corpus nº 568.021/CE, para garantir ao devedor de pensão alimentícia o cumprimento da prisão civil em regime domiciliar, considerando a situação de pandemia do Covid-19. 

Deferi, nos termos da decisão de fls. 169/170, o mencionado pedido para determinar o cumprimento da prisão civil do paciente devedor de alimentos, em regime domiciliar, até ulterior deliberação desta Corte. 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): 

É importante ressaltar, desde logo, que os valores executados são atuais, tendo em vista que os credores perseguem as 3 (três) últimas parcelas anteriores ao ajuizamento da execução e as que se venceram no curso desta, de modo que a pretensão observa o disposto na Súmula 309 do STJ, que preconiza: "O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo". Nesse sentido:

"RECURSO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL. ALEGAÇÃO DE CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR E QUE NÃO FOI INTIMADO PARA REGULARIZAR O DÉBITO. MATÉRIAS NÃO DEBATIDAS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. INVIABILIDADE DE EXAME PELO STJ. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INSTRUÇÃO DEFICIENTE DO WRIT E AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA ILEGALIDADE APONTADA. INADIMPLEMENTO DAS TRÊS PARCELAS ANTERIORES AO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO E DAS QUE VENCERAM NO CURSO DA AÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 309 DO STJ. RECOLHIMENTO DAS ÚLTIMAS PARCELAS. INSUFICIÊNCIA. PAGAMENTO PARCIAL DA PENSÃO NÃO AFASTA O DECRETO DE PRISÃO. PRECEDENTES. RECURSO EM HABEAS CORPUS NÃO PROVIDO. 1. A ausência de debate pelo Tribunal de origem das alegações do recorrente de que não houve desídia ou resistência no cumprimento da obrigação alimentar, de falta de intimação para saldar o débito atrasado e, de ausência de planilha com valores discriminados e individualizados para que pudesse contestar o débito, impossibilita o exame dessas matérias pelo STJ, sobre pena de indevida supressão de instância. Precedentes. 1.1. A deficiência da instrução do writ e a inexistência de provas pré-constituídas de que não houve renitência ou desídia no cumprimento da obrigação alimentar ou de que a necessidade dos alimentos não é atual, impossibilitam a aferição da ilegalidade apontada. 2. O decreto de prisão proveniente da execução de alimentos na qual se visa o recebimento integral de até as três parcelas anteriores ao ajuizamento da ação e das que se vencerem no seu curso não é ilegal. Inteligência da Súmula nº 309 do STJ e precedentes. 3. A jurisprudência dominante do STJ segue no sentido de que o não pagamento integral das parcelas alimentares devidas autoriza a prisão civil do devedor de alimentos. Precedentes. 4. Recurso ordinário em habeas corpus improvido. (RHC 94.459/RJ, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/03/2018, DJe de 03/04/2018) 

De outro lado, é imperioso mencionar que a inadimplência, embora parcial, é incontroversa, reconhecida pelo próprio impetrante, de modo que as justificativas apresentadas não encontram no writ sede adequada à demonstração da justa causa para afastar a prisão civil do devedor de alimentos, uma vez que desacompanhadas de qualquer demonstração concreta de que os valores cobrados na execução de alimentos estejam em desacordo com as possibilidades do alimentante ou com o pensionamento mensal arbitrado em favor dos menores alimentados. 

Sobre o tema, aliás, é de bom alvitre transcrever as seguintes passagens do voto condutor que denegou o habeas corpus impetrado perante o Tribunal de origem, confirmando a ordem de prisão exarada em desfavor do aqui paciente, senão vejamos: 

"Ora, primeiramente, não há falar em alegação contraditória dos credores, porquanto, se de um lado não desejavam a prisão civil do pai, de outro, esperavam que, ao menos com a redução do valor da pensão alimentícia, ele cumprisse o acordo, de sorte que, diante do descumprimento, pugnaram pela expedição do mandado de prisão, como, aliás, previsto na avença, observando os credores, apenas para argumentar, que o pai não regulariza sua situação no país para não pagar a pensão alimentícia, recaindo tal ônus, tão somente, à genitora. Nem se diga que não teve direito ao contraditório, porquanto o decreto prisional não foi lançado assim que comunicado o inadimplemento, conferindo ao paciente oportunidades para manifestar-se sobre o quanto alegado, inclusive para pagar a dívida, tendo plena ciência, portanto, da planilha. Ademais, o paciente, ao revelar que realizou o acordo apenas para não ser preso, naquela ocasião, já que todos tinham ciência de sua hipossuficiência, beira á má-fé, porquanto cediço que o acordo pressupõe a boa-fé dos envolvidos em cumprir o quanto avençado e realizá-lo somente com o intuito de não ser preso, apenas evidencia o seu descaso e a intenção de procrastinar a demanda. O paciente já havia sido beneficiado com os termos da avença e, mesmo assim, cumpriu-a minimamente, não se podendo presumir que o inadimplemento é involuntário." (fls. 22/23) 

Com efeito, a incapacidade financeira, como cediço, deve ser demonstrada de plano, pois, na via estreita do habeas corpus, a prova deve ser pré-constituída, não comportando dilação probatória. A propósito: 

"HABEAS CORPUS. PENSÃO ALIMENTÍCIA. INADIMPLÊNCIA. INCAPACIDADE FINANCEIRA ALEGADA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA INADEQUADA. AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS. AJUIZAMENTO. INSUFICIÊNCIA COMO JUSTIFICATIVA. PRISÃO CIVIL. ART. 733 DO CPC. POSSIBILIDADE. 1. O habeas corpus não é a via adequada para discutir a obrigação de prestar alimentos em si, mas tão somente para analisar a legalidade da ordem judicial que decretou a prisão civil do devedor. 2. A incapacidade financeira do paciente deve ser demonstrada de plano, uma vez que a via estreita do habeas corpus não comporta dilação probatória. 3. A mera existência de ação revisional de alimentos ajuizada pelo paciente, com regular tramitação, desacompanhada de elementos concretos acerca da situação econômica do devedor, é insuficiente para demonstrar a alegada incapacidade financeira para o cumprimento da obrigação. 4. A prisão domiciliar somente deve ser admitida em hipóteses excepcionais, pois a sua concessão, conforme já decidido por esta eg. Corte, contraria a finalidade principal da prisão civil do devedor de alimentos, qual seja, forçar o cumprimento da obrigação. 5. Ordem denegada." (HC 312.800/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe de 19/06/2015) 

"CIVIL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. PENSÃO ALIMENTÍCIA ENTRE EX-CÔNJUGES. INADIMPLÊNCIA DO DEVEDOR. PRISÃO CIVIL. ALEGADO EXCESSO DA EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. CAPACIDADE FINANCEIRA DO EXECUTADO E REVISÃO DAS JUSTIFICATIVAS APRESENTADAS PARA O INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. DÉBITO PRETÉRITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. INADIMPLEMENTO DAS TRÊS PARCELAS ANTERIORES AO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO E DAS QUE VENCERAM NO CURSO DA AÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 309 DO STJ. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A via estreita do habeas corpus exige prova pré-constituída da ilegalidade afirmada e não comporta dilação probatória, de modo que não cabe ao STJ alterar a conclusão da instância ordinária, formada a partir dos exame dos elementos dos autos, de que não houve modificação do valor da verba alimentar. Inexistência de comprovação de plano do alegado excesso da execução. 2. A verificação da incapacidade financeira do executado e a revisão das justificativas apresentadas para o inadimplemento da obrigação demandam dilação probatória, não se mostrando o writ a via adequada para este mister. Precedentes. 3. Promovida a execução com base no art. 733 do CPC, cobrando as três parcelas anteriores ao ajuizamento da ação e as que venceram no curso da ação, não há falar em débito pretérito a ser cobrado pelo rito do art. 732 do mesmo diploma legal. 4. O decreto de prisão proveniente da execução de alimentos na qual se visa o recebimento integral das três parcelas anteriores ao ajuizamento da ação e das que vencerem no curso não é ilegal. Inteligência da Súmula nº 309 do STJ e precedentes. 5. Há orientação pacificada no STJ de que o não pagamento integral das prestações alimentares devidas autoriza a prisão civil do devedor de alimentos. 6. Ordem denegada." (HC 333.214/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe de 10/12/2015) 

"HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL. SÚMULA N. 309/STJ. DESEMPREGO. CAPACIDADE FINANCEIRA DO ALIMENTANTE. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. 1. É incompatível com a via do habeas corpus, de cognição sumária, a aferição da real capacidade financeira do alimentante em prosseguir no pagamento da pensão alimentícia. 2. Agravo regimental desprovido." (AgRg no HC 340.232/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2016, DJe de 28/03/2016) 

Na hipótese, embora seja a inadimplência incontroversa, reconhecida pelo próprio recorrente, e as justificativas apresentadas não demonstrem plenamente a existência de justa causa para afastar, de plano, a prisão civil do devedor de alimentos, uma vez que desacompanhadas de demonstração concreta relativa às condições econômicas do paciente, percebe-se a ilegalidade na forma de fixação da prisão, diante do recente precedente desta Corte a seguir referido. 

Com efeito, o contexto atual de gravíssima pandemia devido ao chamado coronavírus desaconselha a manutenção do devedor em ambiente fechado, insalubre e potencialmente perigoso, devendo ser observada a decisão proferida pelo ilustre Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, publicada em 30.3.2020, nos autos do Habeas Corpus nº 568.021/CE (2020/0072810-3), no qual se estendeu a todos os presos por dívidas alimentícias no país a liminar deferida no mencionado writ, no sentido de garantir prisão domiciliar aos presos, em razão da pandemia de Covid-19, nos seguintes termos: 

"Vistos etc. A Defensoria Pública da União apresenta pedido de ampliação do polo ativo do presente writ sustentando a necessidade de extensão dos efeitos da decisão proferida às fls. 92/97. Ponderou que o pedido de sua admissão tem por objetivo de promover, em escala federal, a tutela de todas as pessoas reclusas em razão de dívida de alimentos, porque privados de sua liberdade em meio à pandemia do Covid19. Reputou importante a necessidade de uniformização de tratamento a todos que se encontram na mesma situação, pois 'nem todos os judiciários das unidades da federação conheceram e julgaram a questão (ex. Goiás) e, os que julgaram, não o fizeram da mesma forma (o Tribunal de Justiça de São Paulo negou a liminar)' (fl. 115). Referiu que, no atual contexto, em que ocorre o surto da COVID-19 em todo o território brasileiro, quase duas mil pessoas estão com suas liberdades cerceadas por força de decretos de prisão civil decorrentes de dívida de alimentos. Diante da excepcionalidade do caso concreto, acolho o pedido da DPU, determinando o seu ingresso nos autos na qualidade de impetrante e determino a extensão dos efeitos da decisão que deferiu parcialmente a medida liminar para determinar o cumprimento das prisões civis por devedores de alimentos em todo o território nacional, excepcionalmente, em regime domiciliar. Ressalto que as condições de cumprimento da prisão domiciliar serão estipuladas pelos juízos de execução de alimentos, inclusive em relação à duração, levando em conta as medidas adotadas pelo Governo Federal e local para conter a pandemia do Covid-19. A presente decisão, entretanto, não revoga a adoção de medidas mais benéficas eventualmente já determinadas pelos juízos locais. Oficie-se os Presidentes dos Tribunais de todos os Estados da Federação para imediato cumprimento." 

No sentido da relativização do regime prisional previsto no § 4º do art. 528 do CPC/2015, enquanto vigente a pandemia do Covid-19, vale mencionar as decisões monocráticas proferidas no RHC 106.403/SP (Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, DJe de 23/04/2020); no RHC 125.728 (Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJe de 16/04/2020); no HC 561.813/MG (Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 02/04/2020); e no RHC 125.395 (Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, DJe de 02/04/2020). 

Diante do exposto, concedo parcialmente a ordem de habeas corpus, confirmando a decisão de fls. 169/170, no sentido de que o cumprimento da prisão civil do paciente devedor de alimentos, enquanto vigente a pandemia de Covid-19 e o decreto de prisão, seja realizado no regime domiciliar e sob as condições a serem fixadas pelo d. Juízo da execução. 

É como voto.