RECURSO ESPECIAL Nº 1.833.935 - RJ (2018/0135904-6)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EN.
3/STJ. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIREITO
INTERTEMPORAL. PRAZO PARA PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
TRANSCORRIDO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. IMPUGNAÇÃO AO
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA OFERECIDA NA VIGÊNCIA DO
CPC/2015. CONTROVÉRSIA ACERCA DA LEI PROCESSUAL
APLICÁVEL. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO ESPECÍFICA DO
EXECUTADO PARA IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA. COMPATIBILIZAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO
REVOGADO COM AS DO NOVO CPC. ENUNCIADO Nº 530/FPPC.
1. Controvérsia de direito intertemporal acerca da norma processual
aplicável à impugnação ao cumprimento de sentença, na hipótese em
que o prazo para pagamento voluntário se findou na vigência do
CPC/1973.
2. Nos termos do art. 475-J do CPC/1973, o prazo para impugnação
ao cumprimento de sentença somente era contado a partir da intimação
do auto de penhora e avaliação.
3. Por sua vez, nos termos do art. 525 do CPC/2015: "Transcorrido o
prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o
prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de
penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua
impugnação" (sem grifos no original).
4. Descabimento da aplicação da norma do art. 525 do CPC/2015 ao
caso dos autos, pois o novo marco temporal do prazo (fim do prazo
para pagamento voluntário) ocorreu na vigência do CPC/1973, o que
conduziria a uma indevida aplicação retroativa do CPC/2015.
5. Inviabilidade, por sua vez, de aplicação do CPC/1973 ao caso dos
autos, pois a impugnação, sendo fato futuro, deveria ser regida pela lei
nova ('tempus regit actum').
6. Existência de conexidade entre os prazos para pagamento
voluntário e para impugnação ao cumprimento de sentença, tanto na
vigência do CPC/1973 quanto na vigência do CPC/2015, fato que
impede a simples aplicação da técnica do isolamento dos atos processuais na espécie. Doutrina sobre o tema.
7. Necessidade de compatibilização das leis aplicáveis mediante a
exigência de intimação específica para impugnação ao cumprimento de
sentença em hipóteses como a dos autos.
8. Aplicação ao caso do Enunciado nº 525 do Fórum Permanente de
Processualistas Civil, assim redigido: "Após a entrada em vigor do
CPC-2015, o juiz deve intimar o executado para apresentar
impugnação ao cumprimento de sentença, em quinze dias, ainda que
sem depósito, penhora ou caução, caso tenha transcorrido o prazo para
cumprimento espontâneo da obrigação na vigência do CPC-1973 e não
tenha àquele tempo garantido o juízo" (sem grifos no original).
9. Caso concreto em que não houve intimação específica para a
impugnação ao cumprimento de sentença, tornando tempestiva,
portanto, a impugnação apresentada antecipadamente (cf. art. 218, §
4º, do CPC/2015).
10.Necessidade de retorno dos autos ao Tribunal de origem para que
prossiga a apreciação da impugnação.
11.RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
(Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Impedida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília, 05 de maio de 2020(data do julgamento)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
(Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por BANCO SANTANDER
BRASIL S/A em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, assim ementado:
Agravo de Instrumento. Ação Indenizatória c/c Obrigação de Fazer.
Decisão que não acolheu a impugnação à execução, ante a
intempestividade certificada. M A N U T E N Ç Ã O, pois, na forma do
art. 525 do CPC, transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o
pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o
executado, independentemente de penhora ou nova intimação,
apresente, nos próprios autos, sua impugnação.
D E S P R O V I M E N T O D O R E C U R S O. (fl. 28)
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (fls. 52/58).
Em suas razões, alega a parte recorrente violação dos arts. 218, § 4º,
219, 523, 525, 525, § 11, 841, e 1.021 do CPC/2015, sob o argumento,
essencialmente, de ausência de intimação para impugnação ao cumprimento de
sentença na vigência do CPC/2015.
Contrarrazões ao recurso especial à fl. 188.
O recurso especial foi inadmitido pelo Tribunal de origem, tendo havido
interposição de agravo, que foi julgado intempestivo por decisão da egrégia
Presidência deste Tribunal Superior. Contra essa decisão, foi interposto agravo
interno.
Distribuídos os autos à minha relatoria, entendi pelo provimento do
agravo interno e pela conversão do agravo em recurso especial, tendo proferido
decisão assim sintetizada em sua ementa:
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. INTIMAÇÃO ELETRÔNICA
PRECEDIDA DE INTIMAÇÃO NO DJE. CONTAGEM DE PRAZO.
PREVALÊNCIA DA INTIMAÇÃO ELETRÔNICA. EXEGESE DO ART.
5º DA LEI 11.419/2006. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO
ESPECIAL. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. FUNDAMENTO
IMPUGNADO. CONVERSÃO DO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL.
AGRAVO INTERNO ACOLHIDO PARA, EM JUÍZO DE
RETRATAÇÃO, CONVERTER O AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
(fl. 365)
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
(Relator):
Eminentes colegas, o recurso especial merece ser provido.
A controvérsia diz respeito à aplicação do direito intertemporal no
período de transição entre o CPC/1973 e o CPC/2015, especificamente no que
tange à impugnação ao cumprimento de sentença.
Consta nas razões recursais que a parte ora recorrente foi intimada para
pagar uma condenação judicial na data de 02/03/2016, com prazo de 15 dias,
nos termos do art. 475-J do CPC/1973, abaixo transcrito:
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa
ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o
montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez
por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art.
614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
(Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
§ 1º. Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o
executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta
deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo
correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze
dias. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
§ 2º. Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por
depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará
avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo. (Incluído
pela Lei nº 11.232, de 2005)
§ 3º. O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os
bens a serem penhorados. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
§ 4º. Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste
artigo, a multa de dez por cento incidirá sobre o restante. (Incluído pela
Lei nº 11.232, de 2005)
§ 5º. Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz
mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a
pedido da parte. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
O prazo de 15 dias corridos acima referido começou a ser computado no
dia seguinte, 03/03/2016 (quarta-feira), findando no dia 17/03/2016
(quarta-feira), sem pagamento.
Soberveio então, no dia 18/03/2016, a entrada em vigor do CPC/2015.
O novo codex alterou significativamente a contagem do prazo para a
impugnação ao cumprimento de sentença, que passou a ser computado em dias
úteis a partir do término do prazo para pagamento voluntário,
independentemente de penhora.
Confira-se, a propósito, o enunciado normativo do novel art. 525 do
CPC/2015:
Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento
voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado,
independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos
próprios autos, sua impugnação.
...............................................
Apesar da entrada em vigor do CPC/2015, o banco ora recorrente não
apresentou impugnação, na expectativa de que o prazo fosse computado a
partir da penhora, como era a regra durante a vigência do CPC/1973.
A penhora veio a ocorrer meses depois, por meio do bloqueio de
depósitos em conta corrente.
O banco então foi intimado do bloqueio de depósitos bancários em
11/11/2016.
Nessa intimação constou os seguintes termos:
Indisponibilidade efetivada, conforme impressos em anexo. Intime-se
a parte executada a respeito da penhora, por meio de seu advogado
(art. 854, § 2º, do NCPC). Deverá constar da intimação que o
executado terá o prazo de 5 (cinco) dias para, se quiser, comprovar que
as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis ou que remanesce
indisponibilidade excessiva de ativos financeiros (art. 854, parágrafo 3º,
NCPC). (fl. 12)
Como se verifica do teor dessa intimação, o banco foi intimado apenas
para impugnar a ordem de indisponibilidade (não ainda da penhora), pois a
intimação fez referência ao art. 854, § 2º e 3º, do CPC/2015, abaixo destacados:
Art. 854. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em
aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar
ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições
financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade
supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis
ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a
indisponibilidade ao valor indicado na execução.
§ 1º No prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar da resposta, de
ofício, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade
excessiva, o que deverá ser cumprido pela instituição financeira em
igual prazo.
§ 2º Tornados indisponíveis os ativos financeiros do executado, este
será intimado na pessoa de seu advogado ou, não o tendo,
pessoalmente.
§ 3º Incumbe ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, comprovar
que:
I - as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis;
II - ainda remanesce indisponibilidade excessiva de ativos
financeiros.
§ 4º Acolhida qualquer das arguições dos incisos I e II do § 3º, o juiz
determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade irregular ou
excessiva, a ser cumprido pela instituição financeira em 24 (vinte e
quatro) horas.
§ 5º Rejeitada ou não apresentada a manifestação do executado,
converter-se-á a indisponibilidade em penhora, sem necessidade de
lavratura de termo, devendo o juiz da execução determinar à
instituição financeira depositária que, no prazo de 24 (vinte e quatro)
horas, transfira o montante indisponível para conta vinculada ao juízo
da execução.
§ 6º Realizado o pagamento da dívida por outro meio, o juiz
determinará, imediatamente, por sistema eletrônico gerido pela
autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, a notificação da
instituição financeira para que, em até 24 (vinte e quatro) horas,
cancele a indisponibilidade.
§ 7º As transmissões das ordens de indisponibilidade, de seu
cancelamento e de determinação de penhora previstas neste artigo
far-se-ão por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade
supervisora do sistema financeiro nacional.
§ 8º A instituição financeira será responsável pelos prejuízos causados ao executado em decorrência da indisponibilidade de ativos financeiros
em valor superior ao indicado na execução ou pelo juiz, bem como na
hipótese de não cancelamento da indisponibilidade no prazo de 24
(vinte e quatro) horas, quando assim determinar o juiz.
§ 9º Quando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a
requerimento do exequente, determinará às instituições financeiras, por
meio de sistema eletrônico gerido por autoridade supervisora do
sistema bancário, que tornem indisponíveis ativos financeiros somente
em nome do órgão partidário que tenha contraído a dívida executada
ou que tenha dado causa à violação de direito ou ao dano, ao qual cabe
exclusivamente a responsabilidade pelos atos praticados, na forma da
lei. (sem grifos no original)
Em 06/12/2016, o banco ora recorrente ofereceu impugnação ao
cumprimento de sentença.
O Tribunal de origem, contudo, julgou intempestiva a impugnação, por
considerar aplicável ao caso o CPC/2015, sendo, portanto, desnecessária a
penhora para deflagração do prazo para impugnação, de modo que o prazo já
estaria há muito tempo exaurido.
Sobre esse ponto, transcreve-se, a propósito, o seguinte trecho do
acórdão recorrido:
Alega o Agravante que, como a execução foi deflagrada na vigência
do CPC de 1973, o prazo para impugnação se iniciou somente após sua
intimação da penhora.
Com efeito, o Código de Processo Civil anterior previa no §1º do
Art. 475-J que do auto de penhora e de avaliação será de imediato
intimado o executado, na pessoa de seu advogado, ou, na falta deste, o
seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio,
podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias. E, na forma do art. 525 do CPC de 2015, transcorrido o prazo
previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de
15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de
penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua
impugnação. A melhor interpretação é no sentido da aplicação do novo Código,
segundo o qual é desnecessária a efetivação da penhora, para o início
do prazo para impugnação à execução. Isso porque o pedido de
penhora, acrescido da multa e dos honorários advocatícios, foi
veiculado em 29 de março de 2016, já na vigência do citado Código. (fl. 31, com destaques no original)
Daí a interposição do presente recurso especial, em que o banco
recorrente sustenta a necessidade de uma intimação específica para a
deflagração do prazo para impugnação ao cumprimento de sentença.
Confira-se, a propósito, o seguinte trecho das razões recursais:
Patente violação ao ordenamento processual quando se certifica a
intempestividade em face de AUSÊNCIA DE ABERTURA DE
PRAZO PARA IMPUGNAÇÃO DE MÉRITO, considerando que o
referido prazo não fora aberto nem na vigência do Código de 1973,
nem na vigência do Código de 2015, pois o art. 854 do NCPC limita
apenas a manifestação quanto a impenhorabilidade de contas ou
indisponibilidade excessiva de ativos financeiros. O QUE SE DEFENDE É QUE O JUÍZO A QUO,
CONSIDERANDO O FATO DE NÃO HAVER ABERTURA DE
PRAZO PARA IMPUGAÇÃO DE MERITO DURANTE A
VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE 1973, BEM COMO O FATO DE
QUE O ART. 854 NÃO SE PRESTA A APRESENTAÇÃO DE
ARGUMENTOS DE MÉRITO, NÃO DEVERIA CERTIFICAR
INTEMPESTIVIDADE, TENDO EM VISTA QUE O
RESPECTIVO JUÍZO NÃO INTIMOU PARA APRESENTAÇÃO
DE IMPUGNAÇÃO DE MÉRITO COMO CITADO ACIMA.
NA VERDADE A IMPUGNAÇÃO FOI PROTOCOLADA PELO
RÉU NA FORMA DO ART. 218 §4º, DO NCPC, CONSIDERANDO
AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DE MÉRITO.
A distinção da abertura dos prazos é tão clara, que a intimação na
forma do art. 854 do NCPC concede apenas 5 (cinco) dias para
manifestação, enquanto que o prazo para impugnação de mérito é de 15
(quinze) dias, sem considerar ainda, a matéria, objeto das impugnações.
Imperioso destacar (insistir), que a matéria objeto da impugnação
certificada como intempestiva, É DIVERSA DA MATÉRIA QUE
ALUDE O ARTIGO 854 DO CPC. (fl. 75, com destaques no original)
Assiste razão ao banco ora recorrente.
O problema relatado nos autos se situa numa zona cinzenta de aplicação
do direito intertemporal.
Deveras, por um lado, seria o caso de se aplicar a regra geral da
aplicabilidade imediata da nova norma processual, por meio da técnica do isolamento atos processuais, ex vi do art. 14 c/c art. 1.046 do CPC/2015,
abaixo transcritos:
Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável
imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais
praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da
norma revogada.
..............................................
Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se
aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei
nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Porém, uma vez que o prazo para pagamento voluntário se iniciou e
findou na vigência do CPC/1973, a aplicação imediata do CPC/2015 implicaria
retroatividade da lei nova, na medida em que o marco temporal para a
impugnação ao cumprimento de sentença seria um fato processual ocorrido na
vigência do CPC/1973, qual seja, o fim do prazo para pagamento voluntário.
Por outro lado, a aplicação do ultra-ativa CPC/1973 para reger a
impugnação de sentença após a entrada em vigor do CPC/2015 não parece
adequada, pois a impugnação, antes da entrada em vigor do CPC/2015, era
evento futuro e incerto, na medida em que dependia da ocorrência de penhora,
e, sendo fato futuro, seria o caso de aplicação da lei nova (tempus regit
actum).
Ademais, a aplicação do CPC/1973 em hipóteses como a dos autos traria
o inconveniente de deixar a lei antiga, em tese, com uma ultra-atividade
indefinida no tempo, uma vez que não se sabe de antemão "se", nem
"quando", ocorrerá a penhora.
Essa dificuldade de se aplicar a técnica de direito intertemporal do
isolamento dos autos processuais ao caso dos autos decorre da conexidade
existente entre a intimação para pagamento voluntário e a posterior impugnação
ao cumprimento de sentença, na medida em que, tanto no CPC revogado,
como no vigente, o decurso do prazo para pagamento é condição para a impugnação ao cumprimento de sentença.
Sobre essa dificuldade de aplicação da teoria do isolamento dos atos
processuais na hipótese de conexidade entre dois atos processuais, vale
mencionar o entendimento doutrinário de ANDRÉ VASCONCELOS ROQUE
e FERNANDO DA FONSECA GAJARDONI, em obra coordenada por
FLÁVIO L. YARSHELL e FÁBIO G. T. PESSOA, litteris:
"Dizer que os atos processuais se consideram aperfeiçoados logo que
praticados não resolve todos os problemas, uma vez que, ao longo do
procedimento processual, alguns deles produzem efeitos que se
prolongam no tempo.
Além disso, há atos que, de tão fortemente encadeados com os que
lhe antecederam no processo, não podem ser submetidos a regimes
jurídicos distintos, caso a nova lei entre em vigor precisamente entre
um e outro ato processual.
Nesse ponto, os estudos de Roubier prestam importante
contribuição. Em relação às situações jurídicas em curso - não
consolidadas, portanto - seria possível, em tese, cogitar de incidência
imediata da lei nova. Entretanto, aqueles efeitos imanentes e
inseparáveis de um ato jurídico perfeito ou de um direito adquirido não
podem ser atingidos. É por isso, por exemplo, que o prazo para
determinado recurso iniciado ao tempo do CPC-1973 não pode ser
atingido pelo CPC-2015.
Da mesma forma, a relação de intensa conexidade entre atos
processuais deve afastar a regra geral de isolamento dos atos
processuais estabelecida no art. 1.046, caput do CPC-2015. Dois atos
processuais somente podem ser regidos por leis distintas no tempo se
possível a compatibilização. Caso contrário, deverá a lei velha
continuar a ser aplicada mesmo para atos posteriores (ultra-atividade
da lei revogada) enquanto for necessário para resguardar a
harmonização do procedimento processual". (Breves questões sobre
direito transitório no novo CPC in: Direito intertemporal. Salvador:
Juspodvm, 2016, p. 56/57, Coleção Grandes Temas do Novo CPC. v. 7.
coord. geral Fredie Didier Jr. sem grifos no original)
Como se verifica nessa passagem doutrinária, há necessidade de se
buscar uma compatibilização entre as regras da lei nova e as da lei velha, na
hipótese de conexidade entre atos processuais, pois a técnica do isolamento dos
atos processuais não é suficiente para resolver adequadamente o problema da lei processual aplicável.
Nesse passo, uma proposta compatibilização específica para o caso da
impugnação ao cumprimento de sentença foi elaborada pelo Fórum
Permanente de Processualistas Civis - FPPC, no encontro do ano de 2015, em
Curitiba.
Trata-se do Enunciado 530, abaixo transcrito:
En. 530/FPPC - (art. 525). Após a entrada em vigor do CPC-2015, o
juiz deve intimar o executado para apresentar impugnação ao
cumprimento de sentença, em quinze dias, ainda que sem depósito,
penhora ou caução, caso tenha transcorrido o prazo para cumprimento
espontâneo da obrigação na vigência do CPC-1973 e não tenha àquele
tempo garantido o juízo. (Grupo: Direito Intertemporal)
Como se verifica no enunciado acima transcrito, essa proposta, por um
lado, elimina a possibilidade de aplicação retroativa do CPC/2015, na medida
em que o prazo começa a ser contado de uma intimação a ser realizada na
vigência do CPC/2015, não a partir do fim do prazo para pagamento
voluntário, ocorrido na vigência do CPC/1973.
Por outro lado, essa proposta elimina também a já mencionada
ultra-atividade indefinida do CPC/1973, caso se entendesse por aplicar o
código revogado.
Além disso, a exigência de uma intimação confere segurança jurídica às
partes, evitando que seus interesses sejam prejudicadas pelo simples fato de
seu caso estar situado em uma zona cinzenta da aplicação do direito
intertemporal.
Vale destacar que a intimação ora proposta somente é aplicável na
transição do CPC/1973 para o CPC/2015, pois, para os casos integralmente
regidos pelo CPC/2015, não há previsão dessa intimação (cf. art. 525 do
CPC/2015).
Aplicando-se, então, o En. 530/FPPC ao caso dos autos, vislumbra-se a necessidade de reforma do acórdão recorrido, pois o banco ora recorrente não
foi intimado para impugnar o cumprimento de sentença na vigência do
CPC/2015, mas intimado apenas para impugnar a ordem de indisponibilidade
de numerário, nos termos do art. 854, § 3º, do CPC/2015, alhures transcrito.
De todo modo, observa-se que banco ora recorrente já se antecipou,
tendo oferecido impugnação ao cumprimento de sentença na origem.
Essa impugnação, embora oferecida antecipadamente, merece ser tida
por tempestiva, ex vi do enunciado do art. 218, § 4º, do CPC/2015, abaixo
destacado:
Art. 218. Os atos processuais serão realizados nos prazos prescritos em
lei.
§ 1º Quando a lei for omissa, o juiz determinará os prazos em
consideração à complexidade do ato.
§ 2º Quando a lei ou o juiz não determinar prazo, as intimações somente
obrigarão a comparecimento após decorridas 48 (quarenta e oito)
horas.
§ 3º Inexistindo preceito legal ou prazo determinado pelo juiz, será de 5
(cinco) dias o prazo para a prática de ato processual a cargo da parte.
§ 4º Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo
inicial do prazo.
Sendo tempestiva a impugnação, é de rigor a devolução dos autos à
origem para que prossiga a admissibilidade e, eventualmente, o exame de
mérito da impugnação.
Destarte, o recurso especial merece ser provido.
Ante o exposto, voto no sentido de DAR PROVIMENTO ao
recurso especial para, reformando o acórdão recorrido, declarar
tempestiva a impugnação ao cumprimento de sentença, determinado o
retorno dos autos ao juízo de origem a fim de que prossiga a apreciação
da impugnação, como se entender de direito.
É o voto.