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18 de outubro de 2021

É possível o ajuizamento de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessária a prévia propositura de ação para resolução do contrato

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-704-stj.pdf


CONTRATOS - É possível o ajuizamento de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessária a prévia propositura de ação para resolução do contrato

Não se pode impor à parte já prejudicada pelo inadimplemento ter o ônus de ajuizar demanda judicial para obter a resolução do contrato quando já existe uma cláusula resolutória expressa em seu favor. Exigir isso seria impor ônus demasiado e obrigação contrária ao texto expresso da lei, desprestigiando o princípio da autonomia da vontade, da não intervenção do Estado nas relações negociais, criando obrigação que refoge à verdadeira intenção legislativa.

Fundamento legal: Código Civil / Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. A cláusula resolutiva expressa é aquela expressamente estipulada pelas partes no momento da celebração do negócio jurídico ou em oportunidade posterior (por meio de aditivo contratual), porém, sempre antes da verificação da situação de inadimplência nela prevista, que constitui o suporte fático para a resolução do ajuste firmado. Nesta cláusula, as partes indicam as hipóteses que geram a extinção do contrato. 

STJ. 4ª Turma. REsp 1.789.863-MS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 10/08/2021 (Info 704). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João, proprietário de uma fazenda, celebrou com Pedro, compromisso de compra e venda do imóvel. Assim, João se comprometeu a vender a fazenda para Pedro, que ficou de pagar R$ 700 mil divididos em 7 prestações de R$ 100 mil. No momento da assinatura do contrato, João já transferiu a posse para Pedro, que passou a ocupar a fazenda, ali vivendo e trabalhando. Ocorre que Pedro pagou apenas duas prestações, tornando-se, a partir daí, inadimplente. João fez uma notificação extrajudicial do devedor conferindo o prazo de 10 dias para purgar a mora, sob pena de resolução do contrato, nos termos da cláusula 4.3 do contrato celebrado. Passou o prazo e Pedro não pagou a dívida nem desocupou o imóvel, caracterizando, assim, o esbulho, dada a posse precária exercida. Diante desse cenário, João ajuizou ação de reintegração de posse contra Pedro. O juiz concedeu a liminar determinando que o réu desocupasse o imóvel. O requerido recorreu e o Tribunal de Justiça extinguiu o processo, sem resolução de mérito, sob o argumento de que o correto seria o prévio ajuizamento de ação para rescisão do contrato. Desse modo, o Tribunal entendeu pela inadequação da via eleita (reintegração de posse sem pedido de rescisão do compromisso de compra e venda do imóvel). 

Agiu corretamente o Tribunal de Justiça? NÃO. 

Cláusula resolutiva 

O art. 474 do Código Civil trata sobre as cláusulas resolutivas expressa e tácita: 

Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. 

 (PGM Curitiba) A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. (certo) 

 (Defensor DPE-RN 2015 CESPE) A extinção do contrato decorrente de cláusula resolutiva expressa configura exercício do direito potestativo de uma das partes do contrato de impor à outra sua extinção e depende de interpelação judicial. (errado) 


CLÁUSULA RESOLUTIVA 

EXPRESSA 

Trata-se de uma cláusula expressamente estipulada pelas partes no momento da celebração do negócio jurídico ou em oportunidade posterior (por meio de aditivo contratual), porém, sempre antes da verificação da situação de inadimplência nela prevista, que constitui o suporte fático para a resolução do ajuste firmado. Nesta cláusula, as partes indicam as hipóteses que geram a extinção do contrato. Importante mencionar que a cláusula resolutiva expressa não extingue automaticamente o contrato, mas apenas permite ao credor exercer o direito de optar entre: • a execução da prestação; ou • a resolução do ajuste. 

A vantagem de se estipular uma cláusula resolutiva expressa é que, se ocorrer a situação ali prevista, haverá resolução da relação negocial independentemente de pronunciamento judicial. 


TÁCITA 

É aquela prevista pelo próprio texto legal, e se aplica em situações nas quais as partes não estipulam mediante cláusula expressa. Nessa modalidade de extinção, ocorrendo determinada circunstância ensejadora de descumprimento obrigacional, está a parte prejudicada autorizada a buscar o rompimento do vínculo contratual, nos termos do art. 395, parágrafo único, do CC: Art. 395 (...) Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos. 

Para que haja a resolução da relação negocial exige-se pronunciamento judicial. 


Interpretação tradicional do STJ para o art. 474 do CC 

Mesmo com a previsão legal do art. 474 do Código Civil, que dispensa as partes da ida ao Judiciário quando existente a cláusula resolutiva expressa por se operar de pleno direito, o STJ, ao interpretar esse dispositivo, entendia ser “imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos” (STJ. 4ª Turma. REsp 620.787/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 27/04/2009). 

Desse modo, se, no caso concreto acima narrado, fosse aplicada a jurisprudência sedimentada no STJ, sem uma análise mais criteriosa e específica, a solução seria, realmente, reconhecer a falta de interesse de agir do autor (João) por conta da “inadequação da via eleita” já que ele teria que, previamente, pleitear em juízo a resolução do contrato. 

STJ alterou seu entendimento 

Ocorre que o STJ afirmou que, casos como o narrado acima exigem uma solução diferente daquela que era tradicionalmente adotada pela jurisprudência. É necessária uma mudança para se adotar um entendimento mais condizente com as expectativas da sociedade hodierna, voltadas à mínima intervenção estatal no mercado e nas relações particulares, com foco na desjudicialização, simplificação de formas e ritos e, portanto, na primazia da autonomia privada. 

Cláusula resolutiva expressa + interpelação + concessão de prazo 

Após a necessária interpelação para constituição em mora, deve haver um período no qual o contrato não pode ser extinto e que o compromissário comprador tem possibilidade de purgar. Após o decurso do prazo in albis, isto é, sem a purgação da mora, nada impede que o compromitente vendedor exerça o direito potestativo concedido pela cláusula resolutiva expressa para a resolução da relação jurídica extrajudicialmente. Cumprida a necessidade de comprovação da mora e comunicado o devedor acerca da intenção da parte prejudicada de não mais prosseguir com a avença, ultrapassado o prazo para a purgação da mora, o contrato se resolve de pleno direito, sem interferência judicial. Essa resolução, como já mencionado, dáse de modo automático, pelo só fato do inadimplemento do promitente comprador, independentemente de qualquer outra providência. 

Em alguns casos será necessária intervenção judicial (ex: em casos de inadimplemento substancial) 

Não se nega a existência de casos nos quais, em razão de outros institutos, esteja a parte credora impedida de pôr fim à relação negocial, como, por exemplo, quando evidenciado o adimplemento substancial*. Porém, essas hipóteses não podem transformar a excepcionalidade em regra, principalmente caso as partes estipulem cláusula resolutiva expressa e o credor demonstre os requisitos para a comprovação da mora, aguarde a apresentação de justificativa plausível pelo inadimplemento ou a purga e comunique a intenção de desfazimento do ajuste, informação que pode constar da própria notificação. Nessas hipóteses excepcionais, quando sobressaírem motivos plausíveis e justificáveis para a não resolução do contrato, a parte devedora sempre poderá socorrer-se da via judicial a fim de alcançar a declaração de manutenção do ajuste, transformando o inadimplemento absoluto em parcial, oferecendo, na oportunidade, todas as defesas que considerar adequadas a fim de obter a declaração de prosseguimento do contrato. O que não se pode é exigir que a parte credora – já prejudicada pelo inadimplemento – tenha que propor demanda judicial para obter a resolução do contrato quando já existe uma cláusula resolutória expressa em seu favor. Exigir isso seria impor ônus demasiado e obrigação contrária ao texto expresso da lei, desprestigiando o princípio da autonomia da vontade, da não intervenção do Estado nas relações negociais, criando obrigação que refoge à verdadeira intenção legislativa. 

Exigências da notificação extrajudicial 

Ressalte-se que a notificação deve conter o valor do crédito em aberto, o cálculo dos encargos contratuais cobrados, o prazo e local de pagamento e, principalmente, a explícita advertência de que a não purgação da mora no prazo acarretará a gravíssima consequência da extinção do contrato por resolução, fazendo nascer uma nova relação entre as partes - de liquidação. Dito isso, afirma-se que a alteração jurisprudencial é necessária para tornar prescindível o intento de demanda/ação judicial nas hipóteses em que existir cláusula resolutória expressa e tenha a parte cumprido os requisitos para a resolução da avença. 

Em suma: É possível o manejo de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessário o ajuizamento de ação para resolução do contrato. STJ. 4ª Turma. REsp 1.789.863-MS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 10/08/2021 (Info 704). 

* DOD PÉDIA 

Antes de verificar o que decidiu o STJ, vamos relembrar o que é a teoria do adimplemento substancial

Por meio da teoria do adimplemento substancial, defende-se que, se o adimplemento da obrigação foi muito próximo ao resultado final, a parte credora não terá direito de pedir a resolução do contrato porque isso violaria a boa-fé objetiva, já que seria exagerado, desproporcional, iníquo. No caso do adimplemento substancial, a parte devedora não cumpriu tudo, mas quase tudo, de modo que o credor terá que se contentar em pedir o cumprimento da parte que ficou inadimplida ou então pleitear indenização pelos prejuízos que sofreu (art. 475, CC). Veja o clássico conceito de Clóvis do Couto e Silva: 

Adimplemento substancial “constitui um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização e/ou adimplemento, de vez que a primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé (objetiva)" (O Princípio da Boa-Fé no Direito Brasileiro e Português in Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português. São Paulo: RT, 1980, p. 56). 

Sua origem está no Direito Inglês, por volta do séc. XVIII, tendo lá recebido o nome de substancial performance. 

Esta teoria é prevista expressamente no ordenamento jurídico brasileiro? 

NÃO. Não existe uma previsão expressa dessa teoria. Apesar disso, ela encontra fundamento em diversos princípios, dentre eles: • a função social do contrato (art. 421 do CC); • a boa-fé objetiva (art. 422); • a equivalência das obrigações • a vedação ao abuso de direito (art. 187); • a eticidade • a razoabilidade e • a vedação ao enriquecimento sem causa (art. 884). 

Segundo o Min. Paulo de Tarso Sanseverino, atualmente, o fundamento para a aplicação da teoria do adimplemento substancial no Direito brasileiro é a cláusula geral do art. 187 do Código Civil, que permite a limitação do exercício de um direito subjetivo pelo seu titular quando se colocar em confronto com o princípio da boa-fé objetiva. Desse modo, esta teoria está baseada no princípio da boa-fé objetiva. Apontase também como outro fundamento o princípio da função social dos contratos. 

A teoria do adimplemento substancial já foi acolhida pelo STJ? 

SIM. Existem julgados adotando expressamente a teoria. Vale ressaltar, no entanto, que seu uso não pode ser banalizado a ponto de inverter a lógica jurídica de extinção das obrigações. O “normal” que as partes esperam legitimamente é que os contratos sejam cumpridos de forma integral e regular. Diante disso, a fim de que haja critérios, o STJ afirma que são necessários três requisitos para a aplicação da teoria: 

a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; 

b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; 

c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários. 

STJ. 4ª Turma. REsp 1581505/SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 18/08/2016. 

Na Inglaterra, onde surgiu a teoria, “os autores ingleses formularam três requisitos para admitir a substantial performance: (a) insignificância do inadimplemento; (b) satisfação do interesse creditório; (c) diligência por parte do devedor no desempenho de sua prestação, ainda que a mesma se tenha operado imperfeitamente” (RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006). 

Importante destacar que o STJ considera que essa teoria não deve ser aplicada nos casos envolvendo alienação fiduciária em garantia: 

Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto-Lei 911/69. STJ. 2ª Seção. REsp 1622555-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/2/2017 (Info 599).



15 de outubro de 2021

É possível o ajuizamento de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessária a prévia propositura de ação para resolução do contrato

Fonte: Dizer o Direito

Referência:  

É possível o ajuizamento de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessária a prévia propositura de ação para resolução do contrato

 Imagine a seguinte situação hipotética:

João, proprietário de uma fazenda, celebrou com Pedro, compromisso de compra e venda do imóvel.

Assim, João se comprometeu a vender a fazenda para Pedro, que ficou de pagar R$ 700 mil divididos em 7 prestações de R$ 100 mil.

No momento da assinatura do contrato, João já transferiu a posse para Pedro, que passou a ocupar a fazenda, ali vivendo e trabalhando.

Ocorre que Pedro pagou apenas duas prestações, tornando-se, a partir daí, inadimplente.

João fez uma notificação extrajudicial do devedor conferindo o prazo de 10 dias para purgar a mora, sob pena de resolução do contrato, nos termos da cláusula 4.3 do contrato celebrado.

Passou o prazo e Pedro não pagou a dívida nem desocupou o imóvel, caracterizando, assim, o esbulho, dada a posse precária exercida.

Diante desse cenário, João ajuizou ação de reintegração de posse contra Pedro.

O juiz concedeu a liminar determinando que o réu desocupasse o imóvel.

O requerido recorreu e o Tribunal de Justiça extinguiu o processo, sem resolução de mérito, sob o argumento de que o correto seria o prévio ajuizamento de ação para rescisão do contrato.

Desse modo, o Tribunal entendeu pela inadequação da via eleita (reintegração de posse sem pedido de rescisão do compromisso de compra e venda do imóvel).

 

Agiu corretamente o Tribunal de Justiça?

NÃO.

 

Cláusula resolutiva

O art. 474 do Código Civil trata sobre as cláusulas resolutivas expressa e tácita:

Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.

 

þ(PGM Curitiba) A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. (certo)

ý (Defensor DPE-RN 2015 CESPE) A extinção do contrato decorrente de cláusula resolutiva expressa configura exercício do direito potestativo de uma das partes do contrato de impor à outra sua extinção e depende de interpelação judicial. (errado)

 

CLÁUSULA RESOLUTIVA

EXPRESSA

TÁCITA

Trata-se de uma cláusula expressamente estipulada pelas partes no momento da celebração do negócio jurídico ou em oportunidade posterior (por meio de aditivo contratual), porém, sempre antes da verificação da situação de inadimplência nela prevista, que constitui o suporte fático para a resolução do ajuste firmado.

                                                            

Nesta cláusula, as partes indicam as hipóteses que geram a extinção do contrato.

Importante mencionar que a cláusula resolutiva expressa não extingue automaticamente o contrato, mas apenas permite ao credor exercer o direito de optar entre:

· a execução da prestação; ou

· a resolução do ajuste.

É aquela prevista pelo próprio texto legal, e se aplica em situações nas quais as partes não estipulam mediante cláusula expressa.

Nessa modalidade de extinção, ocorrendo determinada circunstância ensejadora de descumprimento obrigacional, está a parte prejudicada autorizada a buscar o rompimento do vínculo contratual, nos termos do art. 395, parágrafo único, do CC:

 

Art. 395 (...)

Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.

 

 

A vantagem de se estipular uma cláusula resolutiva expressa é que, se ocorrer a situação ali prevista, haverá resolução da relação negocial independentemente de pronunciamento judicial.

Para que haja a resolução da relação negocial exige-se pronunciamento judicial.

 

Interpretação tradicional do STJ para o art. 474 do CC

Mesmo com a previsão legal do art. 474 do Código Civil, que dispensa as partes da ida ao Judiciário quando existente a cláusula resolutiva expressa por se operar de pleno direito, o STJ, ao interpretar esse dispositivo, entendia ser “imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos” (STJ. 4ª Turma. REsp 620.787/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 27/04/2009).

Desse modo, se, no caso concreto acima narrado, fosse aplicada a jurisprudência sedimentada no STJ, sem uma análise mais criteriosa e específica, a solução seria, realmente, reconhecer a falta de interesse de agir do autor (João) por conta da “inadequação da via eleita” já que ele teria que, previamente, pleitear em juízo a resolução do contrato.

 

STJ alterou seu entendimento

Ocorre que o STJ afirmou que, casos como o narrado acima exigem uma solução diferente daquela que era tradicionalmente adotada pela jurisprudência. É necessária uma mudança para se adotar um entendimento mais condizente com as expectativas da sociedade hodierna, voltadas à mínima intervenção estatal no mercado e nas relações particulares, com foco na desjudicialização, simplificação de formas e ritos e, portanto, na primazia da autonomia privada.

 

Cláusula resolutiva expressa + interpelação + concessão de prazo

Após a necessária interpelação para constituição em mora, deve haver um período no qual o contrato não pode ser extinto e que o compromissário comprador tem possibilidade de purgar.

Após o decurso do prazo in albis, isto é, sem a purgação da mora, nada impede que o compromitente vendedor exerça o direito potestativo concedido pela cláusula resolutiva expressa para a resolução da relação jurídica extrajudicialmente.

Cumprida a necessidade de comprovação da mora e comunicado o devedor acerca da intenção da parte prejudicada de não mais prosseguir com a avença, ultrapassado o prazo para a purgação da mora, o contrato se resolve de pleno direito, sem interferência judicial. Essa resolução, como já mencionado, dá-se de modo automático, pelo só fato do inadimplemento do promitente comprador, independentemente de qualquer outra providência.

 

 

Em alguns casos será necessária intervenção judicial (ex: em casos de inadimplemento substancial)

Não se nega a existência de casos nos quais, em razão de outros institutos, esteja a parte credora impedida de pôr fim à relação negocial, como, por exemplo, quando evidenciado o adimplemento substancial*. Porém, essas hipóteses não podem transformar a excepcionalidade em regra, principalmente caso as partes estipulem cláusula resolutiva expressa e o credor demonstre os requisitos para a comprovação da mora, aguarde a apresentação de justificativa plausível pelo inadimplemento ou a purga e comunique a intenção de desfazimento do ajuste, informação que pode constar da própria notificação.

Nessas hipóteses excepcionais, quando sobressaírem motivos plausíveis e justificáveis para a não resolução do contrato, a parte devedora sempre poderá socorrer-se da via judicial a fim de alcançar a declaração de manutenção do ajuste, transformando o inadimplemento absoluto em parcial, oferecendo, na oportunidade, todas as defesas que considerar adequadas a fim de obter a declaração de prosseguimento do contrato.

O que não se pode é exigir que a parte credora – já prejudicada pelo inadimplemento – tenha que propor demanda judicial para obter a resolução do contrato quando já existe uma cláusula resolutória expressa em seu favor. Exigir isso seria impor ônus demasiado e obrigação contrária ao texto expresso da lei, desprestigiando o princípio da autonomia da vontade, da não intervenção do Estado nas relações negociais, criando obrigação que refoge à verdadeira intenção legislativa.

 

Exigências da notificação extrajudicial

Ressalte-se que a notificação deve conter o valor do crédito em aberto, o cálculo dos encargos contratuais cobrados, o prazo e local de pagamento e, principalmente, a explícita advertência de que a não purgação da mora no prazo acarretará a gravíssima consequência da extinção do contrato por resolução, fazendo nascer uma nova relação entre as partes - de liquidação.

Dito isso, afirma-se que a alteração jurisprudencial é necessária para tornar prescindível o intento de demanda/ação judicial nas hipóteses em que existir cláusula resolutória expressa e tenha a parte cumprido os requisitos para a resolução da avença.

 

Em suma:

É possível o manejo de ação possessória, fundada em cláusula resolutiva expressa, decorrente de inadimplemento contratual do promitente comprador, sendo desnecessário o ajuizamento de ação para resolução do contrato.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.789.863-MS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 10/08/2021 (Info 704).

 

* DOD Pédia

Antes de verificar o que decidiu o STJ, vamos relembrar o que é a teoria do adimplemento substancial

Por meio da teoria do adimplemento substancial, defende-se que, se o adimplemento da obrigação foi muito próximo ao resultado final, a parte credora não terá direito de pedir a resolução do contrato porque isso violaria a boa-fé objetiva, já que seria exagerado, desproporcional, iníquo.

No caso do adimplemento substancial, a parte devedora não cumpriu tudo, mas quase tudo, de modo que o credor terá que se contentar em pedir o cumprimento da parte que ficou inadimplida ou então pleitear indenização pelos prejuízos que sofreu (art. 475, CC).

Veja o clássico conceito de Clóvis do Couto e Silva:

Adimplemento substancial “constitui um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização e/ou adimplemento, de vez que a primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé (objetiva)" (O Princípio da Boa-Fé no Direito Brasileiro e Português in Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português. São Paulo: RT, 1980, p. 56).

 

Sua origem está no Direito Inglês, por volta do séc. XVIII, tendo lá recebido o nome de substancial performance.

 

Esta teoria é prevista expressamente no ordenamento jurídico brasileiro?

NÃO. Não existe uma previsão expressa dessa teoria. Apesar disso, ela encontra fundamento em diversos princípios, dentre eles:

• a função social do contrato (art. 421 do CC);

• a boa-fé objetiva (art. 422);

• a equivalência das obrigações

• a vedação ao abuso de direito (art. 187);

• a eticidade

• a razoabilidade e

• a vedação ao enriquecimento sem causa (art. 884).

 

Segundo o Min. Paulo de Tarso Sanseverino, atualmente, o fundamento para a aplicação da teoria do adimplemento substancial no Direito brasileiro é a cláusula geral do art. 187 do Código Civil, que permite a limitação do exercício de um direito subjetivo pelo seu titular quando se colocar em confronto com o princípio da boa-fé objetiva. Desse modo, esta teoria está baseada no princípio da boa-fé objetiva. Aponta-se também como outro fundamento o princípio da função social dos contratos.

 

A teoria do adimplemento substancial já foi acolhida pelo STJ?

SIM. Existem julgados adotando expressamente a teoria.

Vale ressaltar, no entanto, que seu uso não pode ser banalizado a ponto de inverter a lógica jurídica de extinção das obrigações. O “normal” que as partes esperam legitimamente é que os contratos sejam cumpridos de forma integral e regular.

Diante disso, a fim de que haja critérios, o STJ afirma que são necessários três requisitos para a aplicação da teoria:

a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes;

b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio;

c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários.

STJ. 4ª Turma. REsp 1581505/SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 18/08/2016.

 

Na Inglaterra, onde surgiu a teoria, “os autores ingleses formularam três requisitos para admitir a substantial performance: (a) insignificância do inadimplemento; (b) satisfação do interesse creditório; (c) diligência por parte do devedor no desempenho de sua prestação, ainda que a mesma se tenha operado imperfeitamente” (RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006).

 

Importante destacar que o STJ considera que essa teoria não deve ser aplicada nos casos envolvendo alienação fiduciária em garantia:

Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto-Lei 911/69.

STJ. 2ª Seção. REsp 1622555-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/2/2017 (Info 599). 

24 de agosto de 2021

Para Quarta Turma, cláusula resolutiva expressa em contrato imobiliário dispensa ação para rescisão por falta de pagamento

 A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a existência de cláusula com previsão expressa de resolução contratual por falta de pagamento autoriza o ajuizamento de ação possessória, sem a necessidade de outra ação judicial, prévia ou concomitante, para rescindir o negócio de compra e venda de imóvel.

Alterando o entendimento jurisprudencial que prevalecia até agora na interpretação do artigo 474 do Código Civil, o colegiado, por maioria, concluiu que impor à parte prejudicada a obrigação de ajuizar uma ação para obter a resolução do contrato, quando este já estabelece em seu favor a garantia de cláusula resolutória expressa, seria contrário ao texto legal e um desprestígio aos princípios da autonomia da vontade e da não intervenção do Estado nas relações negociais.

A decisão seguiu o voto do ministro Marco Buzzi, relator do recurso especial julgado na turma. Segundo ele, a Lei 13.097/2015 – mesmo não se aplicando ao caso, por ser posterior – trouxe um novo olhar na interpretação de controvérsias sobre contratos com cláusula resolutiva expressa.

Inadimplência e re​​integração de posse

Na origem do caso, uma fazenda foi vendida em sete prestações e entregue ao comprador após o pagamento da primeira delas. Diante da inadimplência das demais parcelas, a vendedora notificou extrajudicialmente o comprador, com base no contrato – que trazia cláusula resolutória expressa –, e promoveu a resolução contratual.

Foi concedida a reintegração de posse do imóvel à vendedora, e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul considerou desnecessário o ajuizamento de ação de resolução contratual, diante da existência de cláusula resolutória automática para o caso de falta de pagamento.

No recurso especial, o comprador questionou a reintegração de posse sem pedido judicial de rescisão do contrato.

Legislação não impõe resolução j​udicial

O relator observou que, embora o artigo 474 do Código Civil dispense a via judicial quando existente a cláusula resolutiva expressa – a qual se opera de pleno direito – o STJ considerava imprescindível a prévia manifestação judicial para que fosse consumada a resolução do compromisso de compra e venda de imóvel, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva. Entre outros precedentes, mencionou o REsp 620.787, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão.

No entanto, para Marco Buzzi, "a lei não determina que o compromisso de compra e venda deva, em todo e qualquer caso, ser resolvido judicialmente; pelo contrário, admite expressamente o desfazimento de modo extrajudicial, exigindo, apenas, a constituição em mora ex persona e o decurso do prazo legal conferido ao compromissário comprador para purgar sua mora".

O ministro destacou que a solução proposta – mais condizente com as expectativas da sociedade em relação a uma mínima intervenção estatal no mercado e nas relações particulares – considera a necessidade de desjudicialização e simplificação de formas e ritos.

"Compreender a exigência de interpelação para constituição em mora como necessidade de se resolver o compromisso de compra e venda apenas judicialmente enseja confusão e imposição que refogem à intenção do legislador ordinário, por extrapolar o que determina a legislação específica sobre o compromisso de compra e venda de imóvel", sustentou o magistrado.

Com motivos plausíveis, co​ntrato pode ser mantido

Segundo Marco Buzzi, nada impede a aplicação de cláusula resolutiva expressa em contratos de compra e venda de imóveis, após a notificação do comprador inadimplente e decorrido o prazo sem a quitação da dívida. A partir daí, é facultado ao vendedor exercer o direito potestativo concedido pela cláusula resolutiva para a resolução do negócio de forma extrajudicial.

"A eventual necessidade de o interessado recorrer ao Poder Judiciário para pedir a restituição da prestação já cumprida, ou devolução da coisa entregue, ou perdas e danos, não tem efeito desconstitutivo do contrato, mas meramente declaratório de relação evidentemente já extinta por força da própria convenção das partes", declarou.

O ministro ressaltou ainda que, em situações excepcionais, havendo motivos plausíveis e justificáveis para a não resolução do contrato, o devedor poderá buscar a via judicial para tentar manter o ajuste, oferecendo todas as defesas que considerar adequadas a fim de obter a declaração de prosseguimento do contrato.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1789863