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9 de fevereiro de 2022

Nos casos em que o acolhimento da pretensão não tenha correlação com o valor da causa ou não permita estimar eventual proveito econômico, os honorários de sucumbência devem ser arbitrados, por apreciação equitativa (§ 8º do art. 85) porque a situação não se enquadra nas hipóteses do § 2º do art. 85 do CPC

 HONORÁRIOS POR EQUIDADE

STJ. 3ª Turma. REsp 1.885.691-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, jugado em 26/10/2021 (Info 717)

Nos casos em que o acolhimento da pretensão não tenha correlação com o valor da causa ou não permita estimar eventual proveito econômico, os honorários de sucumbência devem ser arbitrados, por apreciação equitativa (§ 8º do art. 85) porque a situação não se enquadra nas hipóteses do § 2º do art. 85 do CPC.

Art. 85, § 8º: Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.

Art. 85, § 2º: Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:

I - o grau de zelo do profissional;

II - o lugar de prestação do serviço;

III - a natureza e a importância da causa;

IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Caso concreto: Ação Popular

Art. 12, Lei nº 4.717/65 (Lei da Ação Popular): A sentença incluirá sempre, na condenação dos réus, o pagamento, ao autor, das custas e demais despesas, judiciais e extrajudiciais, diretamente relacionadas com a ação e comprovadas, bem como o dos honorários de advogado

ausência de regramento específico - buscar as regras gerais do CPC; art. 22 da Lei nº 4.717/65

Art. 22, Lei nº 4.717/65: Aplicam-se à ação popular as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não contrariem os dispositivos desta lei, nem a natureza específica da ação.

Honorários por equidade

honorários advocatícios só podem fixados base equidade de forma subsidiária

quando não for possível o arbitramento pela regra geral; ou

quando for inestimável ou irrisório o valor da causa.

STJ. 2ª Seção. REsp 1746072-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, j. 13/02/2019 (Info 645): o juízo de equidade na fixação dos honorários advocatícios somente pode ser utilizado de forma subsidiária quando não presente qualquer hipótese prevista no § 2º do art. 85 do CPC.

STJ. 1ª Turma. REsp 1826794/SE, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 17/09/2019: Nos casos em que o acolhimento da pretensão não tenha correlação com o valor da causa ou não permita estimar eventual proveito econômico, os honorários de sucumbência devem ser arbitrados, por apreciação equitativa, com observância dos critérios do § 2º, art. 85, CPC, conforme disposto no § 8º desse mesmo dispositivo.

o § 2º do art. 85 do CPC/2015 traz uma regra geral e obrigatória de que os honorários sucumbenciais devem ser fixados no patamar de 10% a 20%

Esse percentual de 10% a 20% deverá incidir:

i. sobre o valor da condenação

ii. sobre o proveito econômico objetivo; ou

iii. sobre valor atualizado causa (caso não seja possível mensurar proveito econômico)

§ 8º do art. 85 prevê a fixação dos honorários com base na equidade

Hipótese excepcional, de aplicação subsidiária, que somente incidirá nas causas em que

proveito econômico for inestimável ou irrisório; ou

quando o valor da causa for muito baixo

A incidência, pela ordem, de uma das hipóteses do art. 85, § 2º, impede que o julgador prossiga com sua análise a fim de investigar eventual enquadramento no § 8º do mesmo dispositivo, porque a subsunção da norma ao fato já se terá esgotado

 

18 de novembro de 2021

Os honorários advocatícios devem ser fixados com base em equidade fora das hipóteses do art. 85, § 2º, do CPC/2015

Processo

REsp 1.885.691-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, jugado em 26/10/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação popular. Especificidades. Caso concreto. Mensuração do proveito econômico. Impossibilidade. Honorários advocatícios. Equidade.

DESTAQUE

Os honorários advocatícios devem ser fixados com base em equidade fora das hipóteses do art. 85, § 2º, do CPC/2015.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A Lei da Ação Popular, em seu art. 12, estabelece que "a sentença incluirá sempre, na condenação dos réus, o pagamento, ao autor, das custas e demais despesas, judiciais e extrajudiciais, diretamente relacionadas com a ação e comprovadas, bem como o dos honorários de advogado". Com isso, a referida lei não explicita a forma de fixação da verba honorária, motivo pela qual aplica-se subsidiariamente o regramento da legislação processual civil (art. 22 da Lei n. 4.717/1965).

De início, cumpre ressaltar que "o marco temporal para a aplicação das normas do CPC/2015 a respeito da fixação e distribuição dos ônus sucumbenciais é a data da prolação da sentença" (EDcl na MC 17.411/DF, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Corte Especial, Julgado em 20/11/2017, DJe 27/11/2017).

O § 2º do art. 85 do CPC/2015 estabelece que "são devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente". Já o § 8º preceitua que, "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º".

No julgamento do Recurso Especial nº 1.746.072/PR, a Segunda Seção desta Corte Superior assentou que a nova codificação processual civil reduziu a subjetividade do julgador no tocante à fixação da verba honorária e, em consequência, estabeleceu a ordem de preferência da base de cálculo a ser observada pelo magistrado, ficando o critério de equidade de aplicabilidade excepcional e subsidiária (Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 13/2/2019, DJe 29/3/2019).

No caso, observa-se que o comando sentencial impôs à ré obrigações de fazer, tais como a reativação de contas bancárias, a demonstração do destino de valores das contas não movimentadas, a manutenção de controles internos individualizados, a renovação de intimações direcionadas aos clientes lesados pela instituição financeira e o confronto do banco de dados de contas encerradas com a base da Receita Federal do Brasil (RFB).

Por outro lado, há uma determinação de devolver valores depositados em conta poupança, porém tal condenação não possui conteúdo econômico aferível de imediato. E assim é por dois motivos: (i) porque somente há falar em restituição de quantia se a recorrente não realizar a reativação das contas encerradas, caracterizando-se obrigação de natureza alternativa, e (ii) porque o cumprimento dessa imposição somente ocorrerá se o cliente tiver regularizado o seu cadastro (CPF ou CNPJ, conforme o caso).

Diante das circunstâncias, na hipótese, não há como estabelecer a fixação da verba honorária com base no montante da condenação e, pelas mesmas razões, não é possível mensurar o proveito econômico obtido pelo autor da ação.

De fato, há algumas situações nas quais a condenação em obrigação de fazer pode ser a base para a fixação da verba honorária, desde que possa ser economicamente quantificada.

Quanto à possibilidade de incidência dos honorários sobre o valor atribuído à causa na ação popular, nos termos dos arts. 258 e 259 do CPC/1973 - vigentes à época da propositura da ação -, o valor da causa deve corresponder, em princípio, ao conteúdo econômico a ser obtido na demanda. Entretanto, na impossibilidade de mensuração da expressão econômica do litígio, admite-se que seja fixado por estimativa, sujeito a posterior adequação ao valor apurado na sentença (REsp 1.220.272/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/12/2010, DJe 07/02/2011).

No caso de ações coletivas, o tema se mostra ainda mais sensível, porquanto não raras vezes o proveito econômico da demanda não está vinculado a benefícios patrimoniais diretos ou imediatos, mas, sim, aos danos suportados de forma individual por determinado conjunto de pessoas (direitos individuais homogêneos) ou por titulares indeterminados ou indetermináveis (direitos difusos).

Nesse contexto, cumpre ressaltar que a fixação muito elevada do valor inicial da causa, destoante da verdadeira expressão econômica da ação coletiva, implica em vultosa quantia a ser arbitrada a título de honorários advocatícios, caso os pedidos sejam julgados procedentes e o réu tenha que arcar com o ônus da sucumbência.

Assim, em razão de todas as especificidades, no caso concreto, não há falar em aplicação do § 2º do art. 85 do CPC/2015, motivo pelo qual o julgador deve atribuir o valor dos honorários com base em equidade.

 

7 de maio de 2021

DIREITO AMBIENTAL. DESASTRE DE BRUMADINHO. ROMPIMENTO DE BARRAGEM DA EMPRESA VALE DO RIO DOCE. AÇÃO POPULAR. LEI 4.717/1965. COMPETÊNCIA PARA JULGAR A AÇÃO POPULAR QUANDO JÁ EM ANDAMENTO AÇÃO CIVIL PÚBLICO COM OBJETO ASSEMELHADO. DISTINGUISHING. TEMA AMBIENTAL. FORO DO LOCAL DO FATO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 164.362 - MG (2019/0069556-8) 

RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DIREITO AMBIENTAL. DESASTRE DE BRUMADINHO. ROMPIMENTO DE BARRAGEM DA EMPRESA VALE DO RIO DOCE. AÇÃO POPULAR. LEI 4.717/1965. COMPETÊNCIA PARA JULGAR A AÇÃO POPULAR QUANDO JÁ EM ANDAMENTO AÇÃO CIVIL PÚBLICO COM OBJETO ASSEMELHADO. DISTINGUISHING. TEMA AMBIENTAL. FORO DO LOCAL DO FATO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. HISTÓRICO DA DEMANDA 

1. Trata-se, na origem, de Ação Popular proposta por Felipe Torello Teixeira, advogado qualificado nos autos, contra a União, o Distrito Federal, o Estado de Minas Gerais e a Vale S.A., objetivando liminarmente o bloqueio de ativos financeiros dos réus, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais) e, ao final, a confirmação da tutela liminar, cumulada com a declaração de nulidade dos atos comissivos da Vale S.A. e omissivos da União, do Distrito Federal e do Estado de Minas Gerais, bem como a condenação dos réus a: a) recuperar o meio ambiente degradado pelo rompimento da barragem da Vale S.A. no Município de Brumadinho – MG; b) pagar indenização pelos danos materiais e morais decorrentes do desastre, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais); c) a pagar multa civil por dano ambiental, em montante a ser arbitrado por este Juízo. Neste momento, o STJ aprecia apenas o Conflito de Competência. 

2. O juiz suscitado entendeu que o foro competente, na situação específica dos autos, não se enquadraria na regra geral do domicílio do autor, haja vista que, em virtude da defesa do interesse coletivo, o processamento da ação seria mais bem realizado no local da ocorrência do ato que o cidadão pretende ver anulado. O juiz suscitante, por sua vez, defende que o julgamento poderá ser atribuído à Vara Federal do domicílio do peticionante. 

A JURISPRUDÊNCIA DO STJ À LUZ DAS CIRCUNSTÂNCIAS PECULIARES DO CASO CONCRETO 

3. Não se desconhece a jurisprudência do STJ favorável a que, sendo igualmente competentes o juízo do domicílio do autor popular e o do local onde houver ocorrido o dano (local do fato), a competência para examinar o feito é daquele em que menor dificuldade haja para o exercício da Ação Popular. A propósito: CC 47.950/DF, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJ 7/5/2007, p. 252; CC 107.109/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe 18/3/2010. 

4. Malgrado isso, as circunstâncias do caso concreto devem ser analisadas de forma que se ajuste o Direito à realidade. Para tanto, mister recordar os percalços que envolveram a definição da competência jurisdicional no desastre de Mariana/MG, o que levou o STJ a eleger um único juízo para todas as ações, de maneira a evitar decisões conflitantes e possibilitar que a Justiça se realize de maneira mais objetiva, célere e harmônica. 

5. A hipótese dos autos apresenta inegáveis peculiaridades que a distinguem dos casos anteriormente enfrentados pelo STJ, o que impõe adoção de solução mais consentânea com a imprescindibilidade de se evitar tumulto processual em demanda de tamanha magnitude social, econômica e ambiental. Assim, necessário superar, excepcionalmente, a regra geral contida nos precedentes invocados, nos moldes do que dispõe o art. 489, § 1º, VI, do CPC/2015. De fato a tragédia ocorrida em Brumadinho/MG invoca solução prática diversa, a fim de entregar, da melhor forma possível, a prestação jurisdicional à população atingida. Impõe-se, pois, ao STJ adotar saída pragmática que viabilize resposta do Poder Judiciário aos que sofrem os efeitos da inominável tragédia. 

DISTINGUISHING: AÇÃO POPULAR ISOLADA E AÇÃO POPULAR EM COMPETIÇÃO COM AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM OBJETO ASSEMELHADO 

6. A solução encontrada é de distinguishing à luz de peculiaridades do caso concreto e não de revogação universal do entendimento do STJ sobre a competência para a ação popular, precedentes que devem ser mantidos, já que lastreados em sólidos e atuais fundamentos legais e justificáveis argumentos políticos, éticos e processuais. 

9 [7]. Assim, a regra geral do STJ não será aplicada aqui, porque deve ser usada quando a Ação Popular for isolada. Contudo, na atual hipótese, tem-se que a Ação Popular estará competindo e concorrendo com várias outras Ações Populares e Ações Civis Públicas, bem como com centenas, talvez milhares, de ações individuais, razão pela qual, em se tratando de competência concorrente, deve ser eleito o foro do local do fato. 

AÇÃO POPULAR EM TEMAS AMBIENTAIS 

8. Deveras a Lei de Ação Popular (Lei 4.717/1965) não contém regras de definição do foro competente. À época de sua edição, ainda não vigorava a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985); portanto se utilizava, até então, o CPC, subsidiariamente. Todavia, com a promulgação da retromencionada Lei 7.347/1985, a aplicação subsidiária do CPC passou a ser reservada àqueles casos para os quais as regras próprias do processo coletivo também não se revelassem suficientes. 

9. Nesse contexto, a definição do foro competente para a apreciação da Ação Popular, máxime em temas como o de direito ambiental, reclama a aplicação, por analogia, da regra pertinente contida no artigo 2º da Lei da Ação Civil Pública. Tal medida se mostra consentânea com os princípios do Direito Ambiental, por assegurar a apuração dos fatos pelo órgão judicante que detém maior proximidade com o local do dano e, portanto, revela melhor capacidade de colher as provas de maneira célere e de examiná-las no contexto de sua produção. 

10. É verdade que, ao instituir a Ação Popular, o legislador constituinte buscou privilegiar o exercício da fiscalização e da própria democracia pelo cidadão. Disso não decorre, contudo, que as Ações Populares devam ser sempre distribuídas no foro mais conveniente a ele; neste caso, o de seu domicílio. Isso porque, casos haverá, como o destes autos, em que a defesa do interesse coletivo será mais bem realizada no local do ato que, por meio da ação, o cidadão pretenda ver anulado. Nessas hipóteses, a sobreposição do foro do domicílio do autor ao foro onde ocorreu o dano ambiental acarretará prejuízo ao próprio interesse material coletivo tutelado por intermédio desta ação, em benefício do interesse processual individual do cidadão, em manifesta afronta à finalidade mesma da demanda por ele ajuizada. 

AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA O AUTOR DA AÇÃO POPULAR 

11. Cumpre destacar que, devido ao processamento eletrônico, as dificuldades decorrentes da redistribuição para local distante do domicílio do autor são significativamente minimizadas, se não totalmente afastadas, em decorrência da possibilidade de acesso integral aos autos por meio do sistema de movimentação processual. 

COMPETÊNCIA DO LOCAL DO FATO 

12. Na presente hipótese, é mais razoável determinar que o foro competente para julgamento desta Ação Popular seja o do local do fato. Logo, como medida para assegurar a efetividade da prestação jurisdicional e a defesa do meio ambiente, entende-se que a competência para processamento e julgamento do presente feito é da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais. 

CONCLUSÃO 

13. Conflito de Competência conhecido para declarar competente o Juízo suscitante. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça: ""Prosseguindo no jugamento, a Seção, por unanimidade, conheceu do conflito e declarou competente o Juízo da 17a. Vara da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, o suscitante, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator." Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves, Assusete Magalhães, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente o Sr. Ministro Og Fernandes e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão." 

Brasília, 12 de junho de 2019(data do julgamento). 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Cuida-se de Conflito Negativo de Competência instaurado entre o Juízo da 2ª Vara Federal de Campinas (SP), suscitado, e o da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, suscitante, para processar e julgar o feito 1001868-13.2019.4.01.3800. 

Trata-se, na origem, de Ação Popular proposta por Felipe Torello Teixeira, advogado qualificado nos autos, contra a União, o Distrito Federal, o Estado de Minas Gerais e a Vale S.A., objetivando liminarmente o bloqueio de ativos financeiros dos réus no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais), e, ao final, a confirmação da tutela liminar, cumulada com a declaração de nulidade dos atos comissivos da Vale S.A. e omissivos da União, do Distrito Federal e do Estado de Minas Gerais, bem como a condenação dos réus: (1) a recuperar o meio ambiente degradado pelo rompimento da barragem da Vale S.A. no Município de Brumadinho – MG; (2) a pagar indenização compensatória dos danos materiais e morais, decorrentes do referido rompimento, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais); (3) a pagar multa por dano ambiental, em montante a ser arbitrado por este Juízo. 

O juiz suscitado entendeu que o foro competente, na situação específica dos autos, não se enquadra na regra geral do domicílio do autor, haja vista que, em virtude da defesa do interesse coletivo, o processamento da ação seria mais bem realizado no local da ocorrência do ato que o cidadão pretende ver anulado. 

O juiz suscitante, por sua vez, defende que o julgamento poderá ser atribuído à Vara Federal do domicílio do peticionante. 

Parecer do Ministério Público, opinando pela competência do Juízo suscitado, às fls. 74-79. Cita-se sua ementa: Conflito Negativo de Competência. Ação Popular. Inteligência dos artigos 5º, inciso LXXIII, 109, §2º, ambos da CF/88; 51, § único, 52, § único, do CPC/2015, e 5º, §1º, da Lei 4.717/65. 

Competência Territorial. Aplicação do Princípio da “Perpetuatio Jurisdicionis”. Sendo igualmente competentes os Juízos do domicílio do autor ou onde houver ocorrido o dano (local do fato), o conflito encontra solução no princípio da “perpetuatio jurisdicionis. ” Precedentes. Parecer pelo conhecimento do conflito, proclamando-se a competência do Juízo suscitado. 

Na seção de julgamento do dia 22/5/2019, o Min. Og Fernandes apresentou voto-vogal, com a proficiência que lhe é costumeira, entendendo ser competente o Juízo suscitante. 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 16.4.2019. Voto realinhado após debates realizados na sessão de julgamento da Primeira Sessão de 22.5.2019, e voto-vogal lavrado pelo eminente Ministro Og Fernandes. 

Na instância de origem, o autor da ação pleiteou o deferimento de liminar para bloqueio de ativos financeiros dos réus no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais). 

Contudo, neste momento, o STJ aprecia apenas o Conflito de Competência. 

A respeito da competência para analisar este tipo de ação, verifica-se que há discussão acerca da possibilidade de os cidadãos ingressarem com pretensões do mesmo gênero por todo o Brasil, com decisões divergentes. E, por outro lado, questiona-se a existência do interesse do cidadão de ingressar com o remédio constitucional, com maior facilidade, em seu próprio domicílio. 

Portanto, cabe, no presente Conflito, determinar o foro competente para tanto: se o do local em que se consumou o ato danoso ou o do domicílio do autor. 

Dispõe a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LXXIII, que "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência". Tal ação é regulada pela Lei 4.717/1965, recepcionada pela Carta Magna. 

Dessarte, o art. 5º da referida norma legal determina que a competência para processamento e julgamento da Ação Popular será aferida considerando-se a origem do ato impugnado. Assim, caberá à Justiça Federal apreciar a controvérsia se houver interesse da União; e à Justiça Estadual se o interesse for dos Estados ou dos Municípios. A citada Lei 4.717/1965, entretanto, em nenhum momento fixa o foro em que a Ação Popular deve ser ajuizada, dispondo, apenas, no art. 22, serem aplicáveis as regras do Código de Processo Civil naquilo em que não contrarie os dispositivos da lei, nem a natureza específica da ação. Portanto, para fixar o foro competente para apreciar a ação em comento, mostra-se necessário considerar o objetivo maior da Ação Popular, isto é, o que esse instrumento, previsto na Carta Magna e colocado à disposição do cidadão, visa proporcionar. 

Consoante a doutrina, o direito do cidadão de promover a Ação Popular constitui um direito político fundamental, da mesma natureza de outros direitos políticos previstos na Constituição Federal. 

A Ação Popular caracteriza um instrumento que garante à coletividade a oportunidade de fiscalizar os atos praticados pelos governantes, de modo que possa impugnar qualquer medida tomada que cause danos à sociedade como um todo, ou seja, visa proteger direitos transindividuais. Não pode, por conseguinte, o exercício desse direito sofrer restrições, isto é, não se pode admitir a criação de entraves que venham a inibir a atuação do cidadão na proteção de interesses que dizem respeito a toda a coletividade. 

Não se desconhece a jurisprudência do STJ segundo a qual, sendo igualmente competentes o juízo do domicílio do autor e o do local onde houver ocorrido o dano (local do fato), a competência para examinar o feito em tela é daquele em que menor dificuldade haja para o exercício da Ação Popular. 

A propósito: 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO POPULAR AJUIZADA EM FACE DA UNIÃO. LEI 4.717/65. POSSIBILIDADE DE PROPOSITURA DA AÇÃO NO FORO DO DOMICÍLIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DOS ARTS. 99, I, DO CPC, E 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Não havendo dúvidas quanto à competência da Justiça Federal para processar e julgar a ação popular proposta em face da União, cabe, no presente conflito, determinar o foro competente para tanto: se o de Brasília (local em que se consumou o ato danoso), ou do Rio de Janeiro (domicílio do autor). 2. A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art. 5º, LXXIII, que "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência". Tal ação é regulada pela Lei 4.717/65, recepcionada pela Carta Magna. 3. O art. 5º da referida norma legal determina que a competência para processamento e julgamento da ação popular será aferida considerando-se a origem do ato impugnado. Assim, caberá à Justiça Federal apreciar a controvérsia se houver interesse da União, e à Justiça Estadual se o interesse for dos Estados ou dos Municípios. A citada Lei 4.717/65, entretanto, em nenhum momento fixa o foro em que a ação popular deve ser ajuizada, dispondo, apenas, em seu art. 22, serem aplicáveis as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não contrariem os dispositivos da Lei, nem a natureza específica da ação. Portanto, para se fixar o foro competente para apreciar a ação em comento, mostra-se necessário considerar o objetivo maior da ação popular, isto é, o que esse instrumento previsto na Carta Magna, e colocado à disposição do cidadão, visa proporcionar. 4. Segundo a doutrina, o direito do cidadão de promover a ação popular constitui um direito político fundamental, da mesma natureza de outros direitos políticos previstos na Constituição Federal. Caracteriza, a ação popular, um instrumento que garante à coletividade a oportunidade de fiscalizar os atos praticados pelos governantes, de modo a poder impugnar qualquer medida tomada que cause danos à sociedade como um todo, ou seja, visa a proteger direitos transindividuais. Não pode, por conseguinte, o exercício desse direito sofrer restrições, isto é, não se pode admitir a criação de entraves que venham a inibir a atuação do cidadão na proteção de interesses que dizem respeito a toda a coletividade. 5. Assim, tem-se por desarrazoado determinar-se como foro competente para julgamento da ação popular, na presente hipótese, o do local em que se consumou o ato, ou seja, o de Brasília. Isso porque tal entendimento dificultaria a atuação do autor, que tem domicílio no Rio de Janeiro. 6. Considerando a necessidade de assegurar o cumprimento do preceito constitucional que garante a todo cidadão a defesa de interesses coletivos (art. 5º, LXXIII), devem ser empregadas as regras de competência constantes do Código de Processo Civil - cuja aplicação está prevista na Lei 4.717/65 -, haja vista serem as que melhor atendem a esse propósito. 7. Nos termos do inciso I do art. 99 do CPC, para as causas em que a União for ré, é competente o foro da Capital do Estado. Esse dispositivo, todavia, deve ser interpretado em conformidade com o § 2º do art. 109 da Constituição Federal, de modo que, em tal caso, "poderá o autor propor a ação no foro de seu domicílio, no foro do local do ato ou fato, no foro da situação do bem ou no foro do Distrito Federal" (PIZZOL, Patrícia Miranda. "Código de Processo Civil Interpretado", Coordenador Antônio Carlos Marcato, São Paulo: Editora Atlas, 2004, p. 269). Trata-se, assim, de competência concorrente, ou seja, a ação pode ser ajuizada em quaisquer desses foros. 8. Na hipótese dos autos, portanto, em que a ação popular foi proposta contra a União, não há falar em incompetência, seja relativa, seja absoluta, do Juízo Federal do domicílio do demandante. 9. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 10ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, o suscitado. (CC 47.950/DF, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ 7/5/2007, p. 252) 

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO POPULAR AJUIZADA CONTRA ATO DO PRESIDENTE DO BNDES, QUE, POR DISCIPLINA LEGAL, EQUIPARA-SE A ATO DA UNIÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, § 1º DA LEI 4.717/65. APLICAÇÃO DOS ARTS. 99, I, DO CPC, E 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICTIONIS. 1. Debate-se a respeito da competência para julgamento de ação popular proposta contra o Presidente do Sistema BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, empresa pública federal. Não se questiona, portanto, a competência da Justiça Federal para processamento e julgamento do feito, mas busca-se a fixação da Seção Judiciária competente, se a do Rio de Janeiro (suscitante), ou de Brasília (suscitada). 2. "O art. 5º da referida norma legal [Lei 4.717/65] determina que a competência para processamento e julgamento da ação popular será aferida considerando-se a origem do ato impugnado. Assim, caberá à Justiça Federal apreciar a controvérsia se houver interesse da União, e à Justiça Estadual se o interesse for dos Estados ou dos Municípios. A citada Lei 4.717/65, entretanto, em nenhum momento fixa o foro em que a ação popular deve ser ajuizada, dispondo, apenas, em seu art. 22, serem aplicáveis as regras do Código de Processo Civil, naquilo em que não contrariem os dispositivos da Lei, nem a natureza específica da ação. Portanto, para se fixar o foro competente para apreciar a ação em comento, mostra-se necessário considerar o objetivo maior da ação popular, isto é, o que esse instrumento previsto na Carta Magna, e colocado à disposição do cidadão, visa proporcionar" (CC 47.950/DF, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJU de 07.05.07). 3. Partindo da análise da importância da ação popular como meio constitucional posto à disposição "de qualquer cidadão" para defesa dos interesses previstos no inc. LXXIII do art. 5º da Constituição Federal/88, concluiu a Primeira Seção desta Corte pela impossibilidade de impor restrições ao exercício desse direito, terminando por fixar a competência para seu conhecimento consoante as normas disciplinadas no Código de Processo Civil em combinação com as disposições constitucionais. 4. Ato de Presidente de empresa pública federal equipara-se, por disciplina legal (Lei 4.717/65, art. 5º, § 1º), a ato da União, resultando competente para conhecimento e julgamento da ação popular o Juiz que "de acordo com a organização judiciária de cada Estado, o for para as causas que interessem à União" (Lei 4.717/65, art. 5º, caput). 5. Sendo igualmente competentes os Juízos da seção judiciária do domicílio do autor, daquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, do Distrito Federal, o conflito encontra solução no princípio da perpetuatio jurisdicionis. 6. Não sendo possível a modificação ex officio da competência em razão do princípio da perpetuatio jurisdicionis, a competência para apreciar o feito em análise é do Juízo perante o qual a demanda foi ajuizada, isto é, o Juízo Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, o suscitado. 7. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 7ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, o suscitado. (CC 107.109/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 18/3/2010) 

Não se pretende aqui revogar o retromencionado entendimento do STJ sobre a competência, haja vista ser ele indubitavelmente legal e ancorado em precedentes. Mas deve ser realizado um distinguishing, ante as peculiaridades do caso que levam a que se proceda a este julgamento nos termos da eficiência e da eficácia que se deseja no caso desses processos e com a complexidade inerente. 

Desse modo, a regra geral do STJ não será aplicada aqui, porque deve ser usada quando a Ação Popular for isolada. Contudo, na atual hipótese, tem-se que a Ação Popular estará competindo e concorrendo com várias outras Ações Populares e Ações Civis Públicas, bem como com centenas, talvez milhares, de ações individuais. 

Malgrado isso, as circunstâncias do caso concreto devem ser analisadas de forma que se ajuste o Direito à realidade. Para tanto, mister recordar dos percalços que envolvem a competência jurisdicional para apreciar o desastre de Mariana/MG, o que levou o STJ a eleger um único juízo para julgar todas as ações que versassem sobre o tema, precisamente um Juízo Federal em Minas Gerais, para evitar decisões conflitantes e possibilitar que a Justiça possa ser realizada de maneira mais objetiva. 

Assim, consoante o ínclito Min. Og Fernandes, em seu voto-vogal, a presente hipótese apresenta peculiaridades que a distinguem dos feitos anteriormente enfrentados pelo STJ, de modo que fica superada a regra geral contida nos precedentes invocados, nos moldes no que dispõe o art. 489, § 1º, VI, do CPC/2015. De fato a tragédia sem precedentes ocorrida em Brumadinho/MG traz à tona a necessidade de solução prática diversa, a fim de entregar, da melhor forma possível, a prestação jurisdicional à população atingida. Impõe-se ao STJ adotar saída pragmática que viabilize uma resposta do Poder Judiciário aos que sofrem os efeitos da inominável tragédia. 

Deveras a Lei 4.717/1965 não contém regras de definição do foro competente para o processamento das Ações Populares. À época de sua edição, ainda não vigorava a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), portanto utilizava-se até então o CPC, subsidiariamente. Todavia, com a promulgação da retromencionada Lei 7.347/1985, a aplicação subsidiária do CPC passou a ser reservada àqueles casos para os quais as regras próprias do processo coletivo também não se revelassem suficientes. 

Por conseguinte, a definição do foro competente para a apreciação da Ação Popular, máxime em temas como o de direito ambiental, reclama a aplicação, por analogia, da regra pertinente contida no seu artigo 2º: 

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. Parágrafo único. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001). 

Tal medida se mostra consentânea com os princípios do Direito Ambiental, por assegurar a apuração dos fatos pelo órgão judicante que detém maior proximidade com o local do dano e, portanto, revela melhor capacidade de colher as provas de maneira célere e de examiná-las no contexto de sua produção. 

É verdade que, ao instituir a Ação Popular, o legislador constituinte buscou privilegiar o exercício da fiscalização e da própria democracia pelo cidadão. 

Disso não decorre, contudo, que as Ações Populares devam ser sempre distribuídas no foro mais conveniente a ele; no caso, o de seu domicílio. Isso porque casos haverá, como o destes autos, em que a defesa do interesse coletivo será mais bem realizada no local do ato que, por meio da ação, o cidadão pretenda ver anulado. Nessas hipóteses, a sobreposição do foro do domicílio do autor ao foro onde ocorreu o dano ambiental acarretará prejuízo ao próprio interesse material coletivo tutelado por intermédio dessa ação, em benefício do interesse processual individual do cidadão, em manifesta afronta à finalidade mesma da demanda por ele ajuizada. 

No sentido do exposto, cito Celso Antônio Pacheco Fiorillo (Princípios do Direito Processual Ambiental, 4ª edição, São Paulo, Saraiva, 2010, p. 224), para quem, 

“tratando-se de meio ambiente, as regras de fixação de competência serão orientadas pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor, de maneira que será competente para o julgamento da ação popular o juízo do local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, independente de onde o ato teve sua origem.” O referido autor reputa absoluta a competência mencionada, acrescentando (p. 169): 

Determina o art. 2º da Lei da Ação Civil Pública que o juízo competente para processar e julgar ações coletivas ambientais é o do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano. Trata-se de competência funcional, portanto, absoluta, que não pode ser prorrogada por vontade das partes e, se inobservada, acarreta a nulidade dos atos processuais decisórios (art. 113, § 2º, do CPC) e enseja, após o trânsito em julgado (respeitado o prazo de 2 anos), a propositura de ação rescisória, com fundamento no art. 485, II, do Código de Processo Civil. 

Também, para comentar a natureza absoluta da competência em questão, trago Hugo Nigro Mazzilli (A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, 25ª edição, São Paulo, Saraiva, 2012, p. 292): 

Diz a LACP que a competência para as ações civis públicas é funcional, do foro do local do dano. Como não foram sequer instituídos juízos com competência funcional para a defesa de interesses difusos ou coletivos, a nosso ver, quis a lei desde já assegurar que a competência nessas ações, embora fixada em razão do local do dano, é absoluta e, portanto, inderrogável e improrrogável por vontade das partes. 

Cumpre destacar, por fim, que, devido ao processamento eletrônico, as dificuldades decorrentes da redistribuição para local distante do domicílio do autor são significativamente minimizadas, se não totalmente afastadas, em decorrência da possibilidade de acesso integral aos autos por meio do sistema de movimentação processual. 

Assim, tem-se que, na presente hipótese, é mais razoável determinar que o foro competente para julgamento desta Ação Popular seja o do local do fato. Logo, como medida para assegurar a efetividade da prestação jurisdicional e a defesa do meio ambiente, entende-se que a competência para processamento e julgamento do presente feito é da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais. 

Pelo exposto, conhece-se do Conflito para declarar competente o Juízo suscitante. 

É o voto. 

VOTO-VOGAL 

O EXMO. SR. MINISTRO OG FERNANDES: Peço vênia para divergir do eminente Relator. Explico. 

O Min. Relator conclui pela competência do juízo suscitado (o Juízo Federal da 2ª Vara de Campinas-SP), como se lê na ementa: 

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DESASTRE DE BRUMADINHO. ROMPIMENTO DE BARRAGEM DA EMPRESA VALE DO RIO DOCE. AÇÃO POPULAR. LEI 4.717/1965. POSSIBILIDADE DE PROPOSITURA DA AÇÃO NO FORO DO DOMICÍLIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DOS ARTS. 99, I, DO CPC, E 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICTIONIS. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Na instância de origem, o autor da ação pleiteou o deferimento de liminar para bloqueio de ativos financeiros dos réus, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais), para indenizar os prejuízos sofridos no desastre de Brumadinho. Contudo, neste momento, o STJ aprecia apenas o Conflito de Competência. 2. Trata-se, na origem, de Ação Popular proposta por Felipe Torello Teixeira, advogado qualificado nos autos, contra União, Distrito Federal, Estado de Minas Gerais e Vale S.A., objetivando liminarmente o bloqueio de ativos financeiros dos réus, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais), e, ao final, a confirmação da tutela liminar, cumulada com a declaração de nulidade dos atos comissivos da Vale S.A. e omissivos da União, do Distrito Federal e do Estado de Minas Gerais, bem como a condenação dos réus: (1) à recuperação do meio ambiente degradado pelo rompimento da barragem da Vale S.A. no Município de Brumadinho – MG; (2) ao pagamento de indenização compensatória dos danos materiais e morais decorrentes do referido rompimento, no valor de R$ 4.000.000.000,00 (quatro bilhões de reais); (3) ao pagamento de multa por dano ambiental, em montante a ser arbitrado por este Juízo. 3. O juiz suscitado entendeu que o foro competente, na situação específica dos autos, não seria a regra geral do domicílio do autor, haja vista que, em virtude da defesa do interesse coletivo, o processamento da ação seria mais bem realizado no local da ocorrência do ato que, por meio da ação, o cidadão pretende anular. O juiz suscitante, por sua vez, defende que o julgamento poderá ser atribuído à Vara Federal do domicílio do peticionante. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRINGIR A AÇÃO POPULAR 4. Partindo da análise da importância da Ação Popular como meio constitucional posto à disposição "de qualquer cidadão" para defesa dos interesses previstos no inc. LXXIII do art. 5º da Constituição Federal/1988, concluiu a Primeira Seção do STJ pela impossibilidade de impor restrições ao exercício desse direito, terminando por fixar a competência para seu conhecimento consoante as normas disciplinadas no Código de Processo Civil em combinação com as disposições constitucionais. Assim, nos termos do inciso I do art. 99 do CPC, para as causas em que a União for ré, é competente o foro da Capital do Estado. Esse dispositivo, todavia, deve ser interpretado em conformidade com o § 2º do art. 109 da Constituição Federal, de modo que, em tal caso, "poderá o autor propor a ação no foro de seu domicílio, no foro do local do ato ou fato, no foro da situação do bem ou no foro do Distrito Federal". Trata-se, assim, de competência concorrente, ou seja, a ação pode ser ajuizada em quaisquer desses foros (CC 47.950/DF, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJ 7/5/2007, p. 252). PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICIONIS 5. O STJ já apresentou seu entendimento sobre a matéria ao julgar caso que guarda similitude com o presente, no sentido de que, sendo igualmente competentes os Juízos do domicílio do autor ou onde houver ocorrido o dano (local do fato), o conflito encontra solução no princípio da perpetuatio jurisdicionis (CC 107.109/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe 18/3/2010). COMPETÊNCIA TERRITORIAL 6. Com efeito, não sendo possível a modificação ex officio da competência em razão do princípio da perpetuatio jurisdicionis, a competência para examinar o feito em tela é do Juízo perante o qual a demanda foi ajuizada, isto é, o Juízo Federal da 2ª Vara de Campinas – SJ/SP, o suscitado. CONCLUSÃO 7. Conflito de Competência conhecido para declarar competente o Juízo suscitado.” (grifos no original) 

Note-se que o eminente Relator embasa seu voto em dois fundamentos principais: 1) "o direito do cidadão de promover a Ação Popular constitui um direito político fundamental, da mesma natureza de outros direitos políticos previstos na Constituição Federal" e "tem-se por desarrazoado determinar-se como foro competente para julgamento da Ação Popular, na presente hipótese, o do local em que se consumou o ato. Isso porque tal entendimento dificultaria a atuação do autor, que vive em outro domicílio"; 2) a Primeira Seção tem precedentes no sentido da possibilidade de eleição de foro de domicílio do autor nas ações em que a União ou Estado forem os demandados, como, de fato, ocorreu no caso vertente. 

O caso concreto, no entanto, apresenta peculiaridades que o distinguem dos feitos anteriormente enfrentados por esta Corte Superior, de modo a superar a regra geral contida nos precedentes invocados pelo Min. Relator, nos moldes do que dispõe o art. 489, § 1º, VI, do CPC/2015. 

De fato, a tragédia sem precedentes ocorrida em Brumadinho/MG traz à tona a necessidade de solução prática diversa, a fim de entregar a prestação jurisdicional à população atingida da melhor forma possível. 

Entendo que a fixação do local em que se consumou o ato como foro competente para julgamento da ação popular não representa restrição ao manejo desse tipo especial de ação. Isso porque a ação popular prosseguirá, apenas não tramitando no domicílio do autor. A dificuldade de participação do autor na instrução é muito menos danosa do que o incremento nos custos financeiros e nas dificuldades da realização da instrução no feito em tela. 

A existência de foros concorrentes no art. 109, § 2º, da Constituição Federal, e nos arts. 51 e 52 do CPC/2015, não deve ser interpretado como uma regra absoluta, podendo sofrer restrições, como a que penso devamos realizar no caso concreto. 

A distância de Brumadinho/MG a Campinas/SP é de cerca de 540 km, o que dificultaria sobremaneira a produção da prova, lembrando que a instrução probatória no presente feito é de extrema complexidade técnica e envolve um número avassalador de vítimas. A distância de Brumadinho/MG a Belo Horizonte/MG, por outro lado, é de apenas 60 km. 

O apego a tecnicalidades jurídicas, no presente caso, resultaria em um imenso prejuízo ao interesse público e à participação dos cidadãos em sua defesa, justamente o contrário do que a previsão de foros concorrentes pretende evitar. 

Impõe-se ao STJ, segundo penso, a adoção de uma solução pragmática que viabilize uma resposta do Poder Judiciário à população que sofre os efeitos da inominável tragédia. 

Assim, rogando vênias por divergir do Exmo. Min. Relator, voto pela competência do juízo suscitante (17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais) para o processamento e julgamento do presente processo. 

É como voto. 

VOTO-VOGAL 

MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES: Senhor Presidente, quero registrar que acompanho o Ministro HERMAN BENJAMIN, na solução dada a esse caso. 

Efetivamente, estamos dando aqui uma solução análoga e consentânea com aquela que foi dada em relação às ações do desastre ambiental de Mariana. O local do dano, no caso, é onde se encontra todo o objeto da prova a ser colhida. 

Penso que é a solução, além de coerente com a dada ao desastre de Mariana, a mais adequada ao deslinde dos vários processos que gravitam em torno do trágico desastre. 

24 de abril de 2021

AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. SUJEIÇÃO À PASSAGEM DO TEMPO. APURAÇÃO CONCEITUAL. DIREITO SUBJETIVO. PRETENSÃO. DIREITO ABSTRATO DE AÇÃO. TEORIA DA ACTIO NATA. VIÉS SUBJETIVO. ILÍCITO EXTRACONTRATUAL. EFETIVA POSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DA PRETENSÃO. CONHECIMENTO DOS ELEMENTOS DA LESÃO E DO DANO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.736.091 - PE (2017/0304773-5) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO INDICAÇÃO. SÚMULA 284/STF. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. SUJEIÇÃO À PASSAGEM DO TEMPO. APURAÇÃO CONCEITUAL. DIREITO SUBJETIVO. PRETENSÃO. DIREITO ABSTRATO DE AÇÃO. TEORIA DA ACTIO NATA. VIÉS SUBJETIVO. ILÍCITO EXTRACONTRATUAL. EFETIVA POSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DA PRETENSÃO. CONHECIMENTO DOS ELEMENTOS DA LESÃO E DO DANO. 

1. Ação coletiva de consumo por meio da qual questiona a venda de suplemento alimentar sem registro na ANVISA e a prática de propaganda enganosa, em virtude de o produto ser apresentado ao público consumidor como se possuísse propriedades medicinais. 

2. O propósito recursal consiste em determinar se: a) ocorreu negativa de prestação jurisdicional; b) existe prazo para o ajuizamento de ação coletiva de consumo e c) se, na hipótese concreta, o pedido de instauração de inquérito civil representou marco apto a autorizar o início do fluxo de lapso temporal para o exercício do direito processual ou do direito material. 

3. Recurso especial interposto em: 09/08/2016; conclusão ao Gabinete em: 11/01/2018; aplicação do CPC/15. 

4. A ausência de expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais enseja o não conhecimento do recurso especial. 

5. O direito subjetivo é a extensão prática, concreta e de direito material da previsão genérica do direito objetivo que define a possibilidade de um indivíduo exigir de outro um certo agir, pressupondo, pois, a intersubjetividade. 

7. A pretensão, que também pertence ao direito material, está ligada intimamente à responsabilidade (haftung), se relacionando à exigibilidade da prestação. 

8. O direito subjetivo nasce com o estabelecimento da relação jurídica, com a previsão com base no direito objetivo do nascimento dos feixes obrigacionais, ao passo que a pretensão somente surge no momento em que a prestação, decorrente do direito subjetivo, passa a ser exigível, com sua violação. 

9. No Estado Democrático de Direito, em virtude do monopólio estatal da violência, há o desdobramento do direito de ação, e a consequente a previsão de um direito processual e abstrato de agir de titularidade de qualquer sujeito e que é dirigido ao Estado, para a obtenção da prestação jurisdicional. 

10. O direito público subjetivo e processual de ação deve ser considerado, em si, imprescritível, haja vista ser sempre possível requerer a manifestação do Estado sobre um determinado direito e obter a prestação jurisdicional, mesmo que ausente, por absoluto, o direito material. 

11. O máximo que pode que ocorrer é a impossibilidade da satisfação de uma determinada pretensão por meio de um específico procedimento processual, ante a passagem do tempo qualificada pela inércia do titular, caracterizadora da preclusão, o que, todavia, não impossibilita, em absoluto, o uso da específica ação ou procedimento. 

12. A ação do tempo somada à inércia do titular tem, portanto, em regra, relação unicamente com a pretensão de direito material. 

13. Pelo viés objetivo da teoria da actio nata, a prescrição começa a correr com a violação do direito, assim que a prestação se tornar exigível. 

14. Por outro lado, segundo a vertente subjetiva da actio nata, a contagem do prazo prescricional exige a efetiva inércia do titular do direito, a qual somente se verifica diante da inexistência de óbices ao exercício da pretensão e a partir do momento em que o titular tem ciência inequívoca do dano, de sua extensão, e da autoria da lesão. 

15. Segundo a jurisprudência desta Corte, a aplicação da actio nata sob a vertente subjetiva é excepcional, somente cabível nos ilícitos extracontratuais. Precedentes. 

16. Embora o inquérito civil tenha por objetivo apurar indícios para dar sustentação a uma eventual ação coletiva, a fim de que não se ingresse em demanda por denúncia infundada, sua instauração não é obrigatória, podendo o autor coletivo pela presença de elementos suficientes para o imediato exercício do direito de ação. Precedentes. 

16. Na hipótese concreta, o Tribunal de origem concluiu que somente ao final do inquérito civil o Ministério Público se convenceu da natureza enganosa da publicidade. Assim, rever esse posicionamento demandaria o reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula 7/STJ. 

17. Ademais, como se trata de ilícito extracontratual, o termo inicial do prazo prescricional somente é contabilizado a partir do efetivo conhecimento de todos os elementos da lesão, por aplicação da teoria da actio nata sob viés subjetivo, da forma como concluiu o Tribunal de origem. 

18. Recurso especial parcialmente conhecido e, no ponto, não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 14 de maio de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de recurso especial interposto por SUPLAN LABORATÓRIO DE SUPLEMENTOS ALIMENTARES LTDA, com fundamento nas alíneas "a" e “c” do permissivo constitucional. 

Ação: coletiva de consumo, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO em face da recorrente, por meio da qual questiona a venda de suplemento alimentar sem registro na ANVISA e a prática de propaganda enganosa, em virtude de o produto ser apresentado ao público consumidor como se possuísse propriedades medicinais. 

Sentença: julgou procedentes os pedidos, para condenar a recorrente a: a) não mais ofertar suplementos alimentares sem a autorização da ANVISA, sob pena de multa diária; b) não mais realizar publicidades enganosas ou abusivas, ainda que por omissão, também sob pena de multa diária; c) compensar danos morais coletivos, fixados no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais); e d) reparar os danos morais e materiais experimentados individualmente pelos consumidores, conforme apuração em liquidação de sentença. 

Acórdão: por maioria, rejeitou a alegação de prescrição da ação coletiva de consumo e negou provimento ao agravo retido e à apelação interpostos pela recorrente. 

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados. 

Recurso especial: aponta violação dos arts. 197 e 202 do CC/02; 7º, 27 e 90 do CDC e 21 da Lei 7.347/65, além de divergência jurisprudencial. 

Aduz que, pelo princípio da actio nata, o termo inicial do prazo prescricional é a data da efetiva lesão ou ameaça ao direito tutelado, o qual, na hipótese concreta, ocorreu em 08/07/2003, ocasião em que foi requerida a abertura da investigação junto ao Ministério Público Estadual e na qual já o Ministério Público já possuía todas as informações necessárias ao ajuizamento de ação civil pública. 

Afirma, que o sujeito passivo não pode ser submetido à ação judicial por prazo indefinido e que a abertura de inquérito civil público não tem o condão de obstar o início do curso do prazo prescricional. 

Sustenta que, como a denúncia do fato danoso e da autoria ocorreram em 2003 e a ação coletiva somente foi ajuizada em 2009, mais de cinco anos após a configuração da lesão, deveria ser reconhecida a prescrição da ação coletiva. 

Decisão de admissibilidade: o TJ/PE inadmitiu o recurso especial. 

Agravo: interposto pelo recorrente, determinei sua reautuação como recurso especial. 

Parecer do Ministério Público: opina pelo não conhecimento do recurso especial. 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): O propósito recursal consiste em determinar se: a) ocorreu negativa de prestação jurisdicional; b) existe prazo para o ajuizamento de ação coletiva de consumo e c) na hipótese concreta, o pedido de instauração de inquérito civil representou marco apto a autorizar o início do fluxo de lapso temporal para o exercício do direito processual ou do direito material. 

Recurso especial interposto em: 09/08/2016. 

Conclusão ao Gabinete em: 11/01/2018. 

Aplicação do CPC/15 

1. DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL 

No presente recurso especial, a recorrente não cuidou de evidenciar, de forma clara, quais teriam sido as matérias omitidas pelo Tribunal de origem no exame de seus embargos de declaração, limitando-se a defender o direito de ter todos seus argumentos examinados, sob pena de ser reconhecido seu prequestionamento. 

Nessas circunstâncias, em que ausente expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais, o recurso especial não pode ser conhecido. Aplica-se, neste caso, a Súmula 284/STF. 

2. DELIMITAÇÃO CONCEITUAL 

A controvérsia devolvida à apreciação desta e. Corte não pode ser enfrentada sem antes se proceder a uma apuração conceitual dos institutos relacionados ao transcurso do tempo e seus efeitos sobre o exercício de direitos. 

De fato, antes de se examinar a ocorrência, na presente hipótese, da extinção do direito de ajuizar ação coletiva de consumo pelo efeito da passagem do tempo, é necessário conceituar e distinguir os institutos: i) do direito subjetivo, ii) da pretensão; e iii) do direito de ação, muitas vezes confundidos na doutrina e na atuação jurisdicional. 

2.1. Do direito subjetivo 

O conceito de direito subjetivo, chave para entendimento do fenômeno jurídico, já esteve sujeito a diversas e variadas concepções e teorias. 

Apesar disso, em termos gerais, a adoção de referido conceito pela dogmática jurídica é justificada pela necessidade de representação da interdependência entre a normatividade positiva, prevista nos diplomas legais, e os limites das liberdades individuais, o que ainda hoje é realizado pela adoção da dicotomia “direito objetivo” X “direito subjetivo”. 

Realmente, por força dessa relação entre normatividade e liberdade, considera-se que “o direito subjetivo nada mais é do que essa garantia conferida pelo direito objetivo, a qual se invoca quando a liberdade é violada”, de modo que o direito subjetivo “corresponde a uma situação favorável na qual se encontra determinada pessoa em relação a outra, por força da incidência do direito objetivo sobre a relação entre eles mantida” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 148). 

Nesse sentido, portanto, o direito subjetivo é a extensão prática, concreta e material da previsão genérica do direito objetivo que define a possibilidade de um indivíduo exigir de outro um certo agir. 

A intersubjetividade é, pois, elemento essencial da definição do direito subjetivo, haja vista a doutrina, no esteio da lição de TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, inscrever o instituto na “situação jurídica [...] da perspectiva de um sujeito a quem ela favorece”, e que “geralmente [...] surge em face de normas que restringem o comportamento dos outros” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 150). 

Destaca-se, assim, que “o uso do conceito [direito subjetivo] pressupõe a possibilidade de fazer valer sua situação em face de outros, ou seja, implica 'faculdade' ou poder' e ainda a afirmação autônoma do indivíduo” (Idem, ibidem, p. 151, sem destaque no original). 

O direito subjetivo não deve, no entanto, ser confundido nem com a pretensão nem com o direito de ação. 

De fato, “o direito subjetivo é conferido pelo ordenamento objetivo e é pré-processual, isso porque o direito subjetivo surge a partir do momento em que se estabelecem as relações de direito material” (Nery Junior, Nelson. Abboud, Georges. Pontes de Miranda e o processo civil: a importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014). 

2.2. Da pretensão 

Como demonstrado, o direito subjetivo tem como característica essencial a intersubjetividade, razão pela qual seu exercício exige um determinado poder de sujeição de um indivíduo em relação a outro. 

Entre esses poderes de sujeição, o que interessa para fins de prescrição é a pretensão, que representa a possibilidade juridicamente reconhecida de se exigir a satisfação do direito subjetivo em virtude de sua violação, estando, pois, diretamente referida à exigibilidade de uma prestação. 

De fato, como definiu o mestre PONTES DE MIRANDA, a pretensão é “a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955. p. 451. Vol. V, § 615). 

O professor ÁLVARO VILAÇA DE AZEVEDO ressalta, quanto ao ponto, a distinção germânica entre débito (Schuld) e responsabilidade (Haftung), estando a primeira relacionada ao direito subjetivo obrigacional, e a segunda à violação desse direito. 

Esclarece o ilustre professor essa mencionada distinção, asseverando que “se a relação jurídica originária não for cumprida, ou seja, se o devedor, por ato espontâneo, não efetivar a prestação jurídica a que se obrigou junto a seu credor, surge, em razão desse descumprimento, desse inadimplemento obrigacional, a responsabilidade”, a qual é “uma relação jurídica derivada do inadimplemento da obrigação jurídica originária (obrigação)” (AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Teoria Geral das Obrigações. 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 39). 

Assim, a pretensão está ligada intimamente à responsabilidade (haftung), de modo que “não se pode cogitar de pretensão se não estiver presente a exigibilidade” (Silva, Ovídio Baptista da. Direito subjetivo, pretensão de direito material e ação. Ajuris. n. 29. ano X. p. 102. Porto Alegre: Ajuris, nov. 1983). 

A distinção entre o direito subjetivo e a pretensão é, portanto, a de que o primeiro nasce com o estabelecimento da relação jurídica, com a previsão com base no direito objetivo do nascimento dos feixes obrigacionais, ao passo que a segunda somente surge no momento em que a prestação, decorrente do direito subjetivo, passa a ser exigível, com sua violação. 

2.3. Direito de ação e sua relação com a pretensão 

Uma vez exigível a prestação, dando origem à pretensão, cabe averiguar sua relação com o direito de ação. No ponto, a doutrina vislumbra a existência de um direito de ação de cunho material, o qual surge no momento em que a pretensão é exigida pelo próprio sujeito ativo ao passivo, que se nega a adimpli-la. 

Esse direito de ação de cunho material é, portanto, o agir do próprio titular para a realização do direito em relação ao sujeito passivo e independentemente da vontade do último. Realmente, a ação de direito material pode ser definida como “exercício do próprio direito por ato de seu titular, independentemente de qualquer atividade voluntária do obrigado” (NERY JUNIOR, Nelson. ABBOUD, Georges. Pontes de Miranda e o processo civil: a importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014). 

2.4. Do direito de ação, de natureza material e processual 

O campo de atuação do direito de ação de cunho material é, todavia, bastante reduzido em razão da proibição da justiça com as próprias mãos e do monopólio estatal da violência e da força física institucionalizada, característicos do Estado Democrático de Direito. 

Assim, segundo a lição de OVÍDIO BATISTA “pode-se afirmar que [...] ocorreu uma duplicação do direito de ação que pode ser tanto a material (possibilidade de obrigar o sujeito passivo a cumprir/adimplir a pretensão) quanto a processual, que não é dirigida contra o particular obrigado a cumprir a pretensão, mas sim contra o Estado, para que este, por meio do juiz, pratique a ação cuja realização privada, pelo titular do direito, o próprio Estado proibiu” (Apud: NERY JUNIOR, Nelson. ABBOUD, Georges. Pontes de Miranda e o processo civil: a importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014, sem destaque no original). 

No Estado Democrático de Direito há, portanto, o desdobramento do direito de ação e a consequente previsão de um direito processual e abstrato de agir, de titularidade de qualquer sujeito e que é dirigido ao Estado, como forma de obtenção da prestação jurisdicional. 

Esse direito de ação processual é, segundo a mais moderna doutrina, abstrato, pois não deriva diretamente da exigibilidade da prestação (pretensão), mas sim da impossibilidade da exigência de quaisquer prestações pela atuação autônoma do sujeito (ação de direito material) e, assim, independe da procedência ou não do pedido deduzido pelo autor, não tendo relação com o mérito da demanda. 

Portanto, se de um lado o direito de ação material dirige-se contra o particular sujeito passivo da relação de direito material, por outro, a ação processual é dirigida em face do Estado, em razão do monopólio da jurisdição, e conduz a que o Estado forneça a prestação jurisdicional e, somente se for cabível, faça o uso da força para tornar efetiva a pretensão de direito material. 

Com efeito, sempre que o Judiciário é provocado e pronuncia-se, ainda que para julgar improcedente a demanda, a ação processual foi exercida, porque se obteve do Judiciário um pronunciamento, ainda que desfavorável. 

Assim, o direito processual de ação: a) é dirigido contra o Estado, e não contra o sujeito passivo da relação de direito material; b) não exige que o sujeito que o exerce seja o efetivo titular do direito subjetivo material; c) não é um poder de obter uma sentença favorável, senão unicamente o direito de obter uma decisão; d) é uma relação e, nisso, distingue-se da pretensão, que é um ato, uma exigência de subordinação. 

2.5. Do direito público subjetivo e abstrato de ação e sua relação com a passagem do tempo 

É preciso, nesse ponto, verificar se o direito público subjetivo e abstrato de ação, de cunho processual, dirigido ao Estado, se submete aos efeitos da passagem do tempo e em quais circunstâncias, sobretudo porque, por ser abstrato, não tem qualquer relação com o direito material deduzido pelo sujeito que movimenta a máquina jurisdicional estatal. 

É oportuna, novamente, a lição de OVÍDIO BATISTA, que, em homenagem à concepção abstrata e ao Estado Democrático de Direito, esclarece que o “direito subjetivo público de ação nasce no exato momento em que é estabelecido o monopólio da jurisdição pelo Estado, ou seja, quando da própria constituição deste; não necessita de norma expressa, por conseguinte, para que reste plenamente caracterizado, já que a vedação à autotutela é pressuposto da própria existência do Estado” (SILVA, Ovídio Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 133). 

Segundo essa definição mais moderna, portanto, o direito subjetivo público e processual de ação está relacionado unicamente à ideia de inércia do Poder Judiciário, de forma que o exercício desse direito público processual representa a mera provocação do Judiciário para que saia de sua imobilidade e se manifeste sobre o direito aplicável à relação jurídica deduzida em juízo. 

Ao direito subjetivo público e processual de ação corresponde, via de consequência, uma obrigação do Estado d e manifestar-se sobre o pedido formulado, para, se chegar a examinar o mérito, conforme o caso, deferi-lo ou indeferi-lo, segundo esteja ou não tutelado pelo direito objetivo. 

Assim, a conclusão necessária e inafastável é de que, como não depende da efetiva existência do direito subjetivo de cunho material vindicado por aquele que o exerce, decorrendo do próprio Estado Democrático de Direito, o direito subjetivo público de ação não se submete a passagem do tempo nos moldes estabelecidos para o direito material. 

Sendo uma consequência do próprio Estado Democrático de Direito, o direito público subjetivo e processual de ação deve ser considerado, em si, imprescritível, haja vista ser sempre possível requerer a manifestação do Estado sobre um determinado direito e obter a prestação jurisdicional, mesmo que ausente, por absoluto, o direito material. 

De fato, o direito de obter do Estado uma manifestação jurisdicional é imperecível, de forma que o máximo que pode que ocorrer é a impossibilidade da satisfação de uma determinada pretensão por meio de um específico procedimento processual, ante a passagem do tempo qualificada pela inércia do titular, apta a caracterizar a preclusão, a qual, todavia, por si só, não impossibilita o uso abstrato da específica ação ou procedimento. 

Um dos mais ilustrativos exemplos dessa circunstância é a da obrigação consubstanciada em cheque, cuja prestação pode ser exigida pelos procedimentos específicos da a) execução do art. 47 da Lei 7.357/85, no prazo de 6 (seis) meses contados do término do prazo para apresentação; b) ação de enriquecimento, no prazo de 2 anos do término do prazo para a apresentação; c) por meio de ação monitória (art. 1.102-A do CPC/73 e 700 do CPC/15, no prazo de 5 (cinco) anos (Súmula 503/STJ); ou ainda d) por meio de ação cobrança, de rito ordinário. 

Esse é o entendimento desta 2ª Seção, que vaticina que “prescrita a ação executiva do cheque, assiste ao credor a faculdade de ajuizar a ação cambial por locupletamento ilícito, no prazo de 2 (dois) anos (art. 61 da Lei 7.357/85); ação de cobrança fundada na relação causal (art. 62 do mesmo diploma legal) e, ainda, ação monitória, no prazo de 5 (cinco) anos, nos termos da Súmula 503/STJ” (REsp 1677772/RJ, Terceira Turma, DJe 20/11/2017). No mesmo sentido: REsp 926.312/SP, Quarta Turma, DJe 17/10/2011. 

A cobrança da dívida inscrita no cheque ilustra que, de fato, o direito abstrato de ação e a pretensão não se confundem, porquanto a prestação continua a ser exigível, a despeito da perda do direito de utilização de um específico procedimento e, de outro lado, o direito de requerer a prestação jurisdicional (de ação) não está vinculado ao direito material vindicado (dívida inscrita em cheque), que pode ser exercido por meio de diversas ações submetidas a diversos ritos. 

2.6. Da inexistência de prazo para o ajuizamento de ação coletiva de consumo 

A aplicação analógica o prazo de cinco anos do art. 21 da Lei de Ação Popular para a ação coletiva de consumo, reconhecida pela jurisprudência esta e. Corte (AgInt no AREsp 872.801/SP, Terceira Turma, DJe 25/11/2016; REsp 1392449/DF, Segunda Seção, DJe 02/06/2017; AgRg nos EREsp 1070896/SC, Corte Especial, DJe 10/05/2013 ), tem como pressuposto o fato de não existir na Lei de Ação Civil Pública expresso prazo para o exercício dessa modalidade de direito subjetivo público ação, tampouco a previsão expressa de perda da possibilidade de uso desse específico rito processual pela mera passagem do tempo. 

Todavia, conforme consigna a doutrina especializada e ao contrário do entendimento prevalente, esse “silêncio do ordenamento é eloquente, ao não estabelecer direta e claramente prazos para o exercício dos interesses metaindividuais e para o ajuizamento das respectivas ações, permitindo o reconhecimento da não ocorrência da prescrição” (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 385, sem destaque no original). 

Realmente, o silêncio do ordenamento deve ser considerado intencional, pois o prazo de 5 anos para o ajuizamento da ação popular, contido no art. 21 da Lei 4.717/65, foi previsto com vistas à concretização de uma única e específica prestação jurisdicional. 

Conforme dispõe expressamente o art. 1º da Lei 4.717/65, o desígnio da ação popular é a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público em sentido amplo, constatado a partir dos vícios enumerados no art 2º de referido diploma legal, que consubstanciam as causas de pedir passíveis de serem apuradas em referida modalidade de ação, a saber: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e e) desvio de finalidade. 

As ações coletivas de consumo, por sua vez, atendem a um espectro de prestações de direito material muito mais amplo, podendo não só anular ou declarar a nulidade de atos, como também quaisquer outras providências ou ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela dos consumidores, nos termos do art. 83 do CDC. 

Desse modo, ainda que a ação popular e a ação coletiva de consumo componham o microssistema de defesa de interesses coletivos em sentido amplo, é substancial a disparidade existente entre os objetos e causas de pedir de cada uma dessas ações, o que demonstra a impossibilidade do emprego da analogia, que pressupõe a “aplicação de um princípio jurídico estatuído para determinado caso a outro que, apesar de não ser igual, é semelhante ao previsto pelo legislador”, de modo que seja realizada a “extensão do tratamento jurídico, previsto expressamente para determinado caso, a um semelhante, não previsto” (GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução à Ciência do Direito. 7ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1976, p.278, sem destaque no original). 

É, assim, necessária a superação (overruling) da atual orientação jurisprudencial desta Corte, pois não há razão para se limitar o uso da ação coletiva ou desse especial procedimento coletivo de enfrentamento de interesses individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos, sobretudo porque o escopo desse instrumento processual é o tratamento isonômico e concentrado de lides de massa relacionadas a questões de direito material que afetem uma coletividade de consumidores, tendo como resultado imediato beneficiar a economia processual. 

De fato, submeter a ação coletiva de consumo a prazo determinado tem como única consequência impor aos consumidores os pesados ônus do ajuizamento de ações individuais, em prejuízo da razoável duração do processo e da primazia do julgamento de mérito, princípios expressamente previstos no atual CPC em seus arts. 4º e 6º, respectivamente, além de prejudicar a isonomia, ante a possibilidade de julgamentos discrepantes. 

Portanto, como consignei em recentíssimo julgado, ainda não concluído, a interpretação mais consentânea com o atual desenvolvimento do direito processual é a de que, em regra, somente as pretensões de direito material ficam submetidas à extinção pela inércia do titular por determinado tempo, haja vista que: 

[...] os direitos individuais homogêneos são os mesmos direitos comuns ou afins, cuja defesa coletiva se legitima apenas do ponto de vista instrumental, objetivando conferir maior efetividade à prestação jurisdicional. Nesse aspecto, os direitos homogêneos são, por motivos exclusivamente pragmáticos, transformados em estruturas moleculares, não como fruto de sua indivisibilidade inerente ou natural ou da organização ou da existência de uma relação jurídica base, mas por razões d e facilitação de acesso à justiça, pela priorização da eficiência e da economia processuais. (Resp 1.774.637/SP, 3ª Turma, pendente de publicação). 

Ressalte-se, por fim, ser desnecessário, para a revisão dessa orientação, a observância de procedimento específico, haja vista que o único entendimento fixado sob o rito dos repetitivos pela e. Segunda Seção é o de que “no âmbito do Direito Privado, é de cinco anos o prazo prescricional para ajuizamento da execução individual em pedido de cumprimento de sentença proferida em Ação Civil Pública” (REsp 1273643/PR, Segunda Seção, DJe 04/04/2013), não havendo, assim, tese repetitiva sobre prazo para ajuizamento de ação coletiva de consumo de conhecimento. 

3. DA PRESCRIÇÃO E DA TEORIA DA ACTIO NATA NA FEIÇÃO SUBJETIVA 

O Código Civil de 1916 ainda não albergava os avanços da moderna ciência processual, assinalando, em seu art. 177, que a prescrição estaria relacionada às “ações pessoais”, adotando, assim, a teoria imanentista da ação, segundo a qual o direito de ação era indissociavelmente ligado ao direito material. A Súmula 150/STF, de igual maneira, adotava a teoria imanentista, ao consignar que “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação” (sem destaque no original). 

O atual Código Civil adequou-se, todavia, à atual teoria do direito subjetivo público e abstrato de ação, passando a prever, em seu art. 189, que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição” (sem destaque no original). 

Como se vê, a perspectiva normativa foi modificada, haja vista no CC/16 ser feita referência à ação do tempo sobre as “ações pessoais”, ao passo que o CC/02 faz menção à prescrição da pretensão. 

Com efeito, a doutrina ressalta no ponto que “o novo Código Civil brasileiro esposou o entendimento antes consagrado pelo direito alemão, no sentido de conectar a ideia de prescrição ao fenômeno da pretensão, ou da 'Anspruch', na linguagem tedesca” (Theodoro Júnior, Humberto. Prescrição: ação, exceção e pretensão. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 9, n. 51, p. 22-39, nov./dez. 2012). 

Trata-se, pois, de um notável refinamento conceitual. 

Nesse contexto, a prescrição gera a extinção da pretensão e se relaciona unicamente à pretensão e, assim, a esse específico aspecto do direito material violado, haja vista que o direito subjetivo material em si quanto o direito subjetivo processual de ação permanecem incólumes. 

De fato, a prescrição fulmina a pretensão, mantendo a existência do direito subjetivo material, mas sem proteção jurídica para solucioná-lo. Tanto isso é verdade que uma dívida prescrita pode ser paga, apesar de não poder ser exigida, e, sendo paga, não caberá a ação de repetição de indébito, conforme previsão expressa do art. 882 do CC/02. 

Diante desses esclarecimentos, “a prescrição pode ser conceituada como a perda da pretensão pelo seu não exercício em determinado lapso temporal, estando relacionada a direitos subjetivos de cunho patrimonial” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Prescrição. Conceito e princípios regentes. Início do prazo e teoria da Actio Nata, em sua feição subjetiva. Eventos continuados ou sucessivos que geram o enriquecimento sem causa. Lucro da atribuição. Termo a quo contado da ciência do último ato lesivo. Análise de julgado do Superior Tribunal de Justiça e relação com eventos descritos. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 12, n. 70, p. 98-126, jan./fev. 2016). 

3.1. Da Teoria da actio nata 

A Teoria da actio nata tem intrínseca relação com a distinção, no campo material, entre o direito subjetivo e a pretensão, haja vista ter como pedra fundamental o momento da exigibilidade da prestação – ou seja, a pretensão – para marcar o termo inicial da fluência do prazo prescricional. 

Realmente, segundo referida teoria, o prazo prescricional somente pode iniciar seu curso a partir do momento em que a prestação se torne exigível, com a violação do direito subjetivo. 

Desse modo, como afirmado por esta e. Terceira Turma, “o prazo prescricional subordina-se ao princípio da actio nata: o prazo tem início a partir da data em que a credora pode demandar [...] a satisfação do direito”, razão pela qual “antes que exista uma pretensão exercitável, não pode correr a prescrição” (REsp 949.434/MT, Terceira Turma, DJe 10/06/2010, sem destaque no original). 

De igual forma, a Quarta Turma pontua que “o termo inicial da contagem dos prazos de prescrição encontra-se na lesão ao direito, da qual decorre o nascimento da pretensão, que traz em seu bojo a possibilidade de exigência do direito subjetivo violado” (AgInt no REsp 1388503/RJ, Quarta Turma, DJe 18/02/2019, sem destaque no original). 

3.1. Da vertente subjetiva da teoria da actio nata 

Embora, em regra, o início do prazo prescricional tenha início com o nascimento da pretensão – ou seja, com a exigibilidade da prestação –, a vertente subjetiva da teoria da actio nata ensina que a contagem do prazo prescricional exige a efetiva inércia do titular do direito, a qual somente se verifica diante da inexistência de óbices ao exercício da pretensão e a partir do momento em que o titular tem ciência inequívoca do dano, de sua extensão, e da autoria da lesão. 

Elaborando a ideia de “pretensão exercitável”, a doutrina salienta, quanto ao tema, que “não basta surgir a ação (actio nata), mas é necessário o conhecimento do fato” e que “trata-se de situação excepcional, pela qual o início do prazo, de acordo com a exigência legal, só se dá quando a parte tenha conhecimento do ato ou fato do qual decorre o seu direito de exigir”, de modo que “não basta assim, que o ato ou fato violador do direito exista para que surja para ela [a pretensão]” (SIMÃO, José Fernando. Tempo e Direito Civil. Prescrição e Decadência. São Paulo: USP 2011, p. 268, sem destaque no original). 

Assim, conforme reconheceu esta e. 3ª Turma, adotando o escólio de CÂMARA LEAL (Da Prescrição e da Decadência. 4ª Edição. Editora Forense. Rio de Janeiro. 1982. p. 20-24), são quatro as condições para o início do prazo prescricional “a) existência de uma ação exercitável; b) inércia do titular da ação pelo seu não-exercício; c) continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo; d) ausência de causas preclusivas de seu curso” (REsp 1.347.715/RJ, Terceira Turma, DJe 04/12/2014, sem destaque no original). 

A aplicação da teoria da actio nata em sua vertente subjetiva – e a contagem do prazo a partir do momento em que o titular tem o total conhecimento dos fatores que compõe a lesão e o dano – é, contudo, excepcional.

Com efeito, segundo a jurisprudência desta 3ª Turma, “admite-se a aplicação da chamada teoria da actio nata em seu viés subjetivo que, em síntese, confere ao conhecimento da lesão pelo titular do direito subjetivo violado a natureza de pressuposto indispensável para o início do prazo de prescrição”, mas “essa teoria tem sido aplicada por esta Corte em casos de ilícitos extracontratuais nos quais a vítima não tem como conhecer a lesão a sua esfera jurídica no momento em que ocorrida” (REsp 1711581/PR, Terceira Turma, DJe 25/06/2018, sem destaque no original). No mesmo sentido: REsp 1.645.746/BA, Terceira Turma, DJe 10/08/2017; e REsp 1354348/RS, Quarta Turma, DJe 16/9/2014. 

4. DO INQUÉRITO CIVIL 

O inquérito civil, inscrito pelo art. 129, III, da CF/88 entre as funções institucionais do Ministério Público, é “uma investigação administrativa [...] destinada basicamente a colher elementos de convicção para eventual propositura de ação civil pública”, sobretudo para “determinar a materialidade e a autoria de fatos que possam ensejar o ajuizamento de processo coletivo” (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 28ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p.511, sem destaque no original). 

Ainda que não se trate de procedimento marcado pelo formalismo, é imprescindível a presença de justa causa para a investigação, de modo que “pressuposto material ou substancial para sua instauração é a notícia da existência de fatos ou situação determinada, que, ao menos em tese [...] sejam aptos a justificar a propositura de determinada demanda coletiva, se comprovados indiciariamente” (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 340) 

Nos termos da jurisprudência desta Corte, “o inquérito civil, promovido para apurar indícios que passam dar sustentação a uma eventual ação civil pública, funciona como espécie de produção antecipada de prova, a fim de que não ingresse o autor da ação civil em demanda por denúncia infundada, o que levaria ao manejo de lides com caráter temerário” e que tem, pois, “por escopo viabilizar o ajuizamento da ação civil pública” (REsp 1101949/DF, Quarta Turma, DJe 30/05/2016, sem destaque no original). 

Todavia, se o Ministério Público entender já possuir elementos suficientes para dar suporte a sua atuação, pode, desde logo, ajuizar a ação coletiva de consumo, pois “a instauração de Inquérito Civil não é obrigatória para a propositura de Ação Civil Pública” (AgRg no REsp 1225110/RS, Primeira Turma, DJe 15/10/2015, sem destaque no original). 

5. DA HIPÓTESE DOS AUTOS 

Na hipótese em exame, o Ministério Público recebeu denúncia sobre suposta prática de publicidade abusiva relacionada ao produto Suplan Mistura em 08/07/2003. 

Como consignado no acórdão recorrido, “diante disso, em 15.07.2003 foi instaurado inquérito civil (fl. 19) para a devida apuração, com conclusão em 29.07.2008 (fl. 274) e, entendendo o Parquet, nessa ocasião, caracterizada a veiculação de propaganda enganosa pelo investigado, em 27.11.2009 o órgão ministerial competente aforou a ação civil pública” (e-STJ, fl. 655). 

O Tribunal a quo concluiu que “apenas ao final das investigações sobre a legalidade ou não da propaganda veiculada pelo Sr. José Brito da Cunha Neto, o Ministério Público se convenceu da sua natureza enganosa em razão do produto, cuja produção é de responsabilidade da apelante” (e-STJ, fl. 655), razão pela qual a preliminar de prescrição foi rejeitada. 

A pretensão do recorrente, de que fosse reconhecido que o Ministério Público possuiria, desde o pedido de abertura de inquérito civil, em 08/07/2003, todas as informações necessárias para o ajuizamento de ação coletiva de consumo, esbarra, portanto, no óbice da Súmula 7/STJ, haja vista a revisão das conclusões da Corte de origem no ponto demandar o reexame de fatos e provas. 

Assim, a aspiração do reconhecimento da prescrição da ação coletiva como um todo não encontra respaldo na legislação de regência e na jurisprudência desta Corte, pois, como demonstrado a) não há prazo de natureza processual para o ajuizamento de ação coletiva de consumo ou para a utilização de seu rito especial, não sendo possível a aplicação analógica do prazo do art. 21 da Lei 4.717/65; e, mesmo que houvesse, b) o termo inicial do prazo prescricional, relacionado às pretensões ligadas a ilícitos extracontratuais – como o que foi verificado na hipótese dos autos, consistente em propaganda abusiva e venda de produto sem registro na ANVISA – somente é contabilizado a partir do efetivo conhecimento de todos os elementos da lesão, do dano e de sua extensão, nos termos da teoria da actio nata, em sua vertente subjetiva. 

Assim, não merece reforma o acórdão recorrido no ponto. 

6. CONCLUSÃO 

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao presente recurso especial.