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6 de junho de 2021

Se uma associação ajuizou ACP, na condição de substituta processual, e obteve sentença coletiva favorecendo os substituídos, todos os beneficiados possuem legitimidade para a execução individual, mesmo que não sejam filiados à associação autora

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-694-stj-1.pdf


PROCESSO COLETIVO - Se uma associação ajuizou ACP, na condição de substituta processual, e obteve sentença coletiva favorecendo os substituídos, todos os beneficiados possuem legitimidade para a execução individual, mesmo que não sejam filiados à associação autora 

Em ação civil pública proposta por associação, na condição de substituta processual, possuem legitimidade para a liquidação e execução da sentença todos os beneficiados pela procedência do pedido, independentemente de serem filiados à associação promovente. STJ. 2ª Seção. REsp 1.438.263/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/03/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 948) (Info 694). 

Forma de atuação de uma associação em um processo coletivo 

A atuação das associações em processos coletivos pode se verificar de duas maneiras: 

a) por meio da ação coletiva ordinária, hipótese de representação processual, com base no permissivo contido no art. 5º, inciso XXI, da CF/88: 

Art. 5º (...) XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; 

b) na ação civil pública, agindo a associação nos moldes da substituição processual prevista no Código de Defesa do Consumidor e na Lei da Ação Civil Pública. 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) ajuizou ação civil pública contra o Banco Nossa Caixa afirmando que a instituição financeira aplicou indevidamente os índices de atualização monetária para os clientes que tinham contas na poupança. Em outras palavras, o autor alegou que o banco aplicou índices de correção monetária menores do que os que seriam devidos e, em razão disso, os poupadores tiveram menos rendimentos do que teriam direito. Vale ressaltar que o IDEC é uma associação de defesa dos consumidores. Importante também esclarecer que a ACP proposta pelo IDEC buscava beneficiar não apenas os filiados da associação, mas sim todos os consumidores que se encontrassem na situação, ou seja, todos os consumidores que foram prejudicados com a prática indevida do banco. Era uma ação buscando a tutela de direitos individuais homogêneos. 

Antes de prosseguirmos, faço uma interessante indagação: as associações precisam de autorização específica dos associados para ajuizar ação coletiva? 

Depende: 

1) Ação coletiva de rito ordinário proposta pela associação na defesa dos interesses de seus associados: SIM. 

2) Ação civil pública (ação coletiva proposta na defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos): NÃO. 

As associações precisam de autorização específica dos associados para ajuizar ação coletiva? Quando uma associação ajuíza ação coletiva, ela atua como representante processual ou como substituta processual? 

1) Ação coletiva de rito ordinário proposta pela associação na defesa dos interesses de seus associados: SIM 

A associação, quando ajuíza ação na defesa dos interesses de seus associados, atua como REPRESENTANTE PROCESSUAL e, por isso, é obrigatória a autorização individual ou assemblear dos associados. 

Aplica-se o entendimento firmado pelo STF no RE 573232/SC (veja abaixo).

O disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Carta da República encerra representação específica, não alcançando previsão genérica do estatuto da associação a revelar a defesa dos interesses dos associados. As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial. STF. Plenário. RE 573232/SC, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 14/5/2014 (repercussão geral) (Info 746).


2) Ação civil pública (ação coletiva proposta na defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos): NÃO 

A associação, quando ajuíza ação na defesa de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, atua como SUBSTITUTA PROCESSUAL e não precisa dessa autorização.  O entendimento firmado no RE 573232/SC não foi pensado para esses casos.  (...) 1. Ação civil pública, ajuizada pelo Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais, na qual sustenta a nulidade de cláusulas de contratos de arrendamento mercantil. (...) 3. Por se tratar do regime de substituição processual, a autorização para a defesa do interesse coletivo em sentido amplo é estabelecida na definição dos objetivos institucionais, no próprio ato de criação da associação, sendo desnecessária nova autorização ou deliberação assemblear. (...) 9. As teses de repercussão geral resultadas do julgamento do RE 612.043/PR e do RE 573.232/SC tem seu alcance expressamente restringido às ações coletivas de rito ordinário, as quais tratam de interesses meramente individuais, sem índole coletiva, pois, nessas situações, o autor se limita a representar os titulares do direito controvertido, atuando na defesa de interesses alheios e em nome alheio. (...) STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1799930/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/08/2019. 

No caso do nosso exemplo, o IDEC ajuizou uma ação civil pública (e não uma ação coletiva ordinária). Logo, não precisou de autorização específica dos seus associados para propor a demanda. 

Sentença coletiva 

O juiz julgou o pedido procedente para declarar que os índices aplicados foram realmente menores que os devidos e que os consumidores que tinham conta-poupança no banco naquele determinado período possuem direito de receber a diferença. A sentença coletiva transitou em julgado. 

Cumprimento individual de sentença 

João ficou sabendo da decisão pelo jornal e ingressou com cumprimento individual de sentença coletiva em face do banco. Ele demonstrou que era correntista da instituição financeira no período abrangido pela sentença e pediu o pagamento das diferenças que ele teria direito. 

Tese do banco de ilegitimidade do poupador por não ser associado do IDEC 

O banco argumentou que João, autor, não possuiria legitimidade para pleitear o cumprimento da sentença coletiva, pois não era associado ao IDEC no momento do ajuizamento da ação de conhecimento. 

Essa tese do banco foi acolhida pelo STJ? NÃO. 

Se uma associação ajuizou ação civil pública, na condição de substituta processual, e obteve uma sentença coletiva favorecendo os substituídos, todos os beneficiados pela procedência do pedido possuem legitimidade para pedir a liquidação e execução da sentença, mesmo que não sejam filiados à associação que propôs a ACP. Todos os substituídos numa ação civil pública que tem por objeto a tutela de um direito individual homogêneo possuem legitimidade para liquidação e execução da sentença, e que esses substituídos são todos aqueles interessados determináveis que se unem por uma mesma situação de fato. Os direitos individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, III do CDC) são direitos subjetivos individuais tutelados coletivamente em razão de decorrerem de uma mesma origem, resultam “não de uma contingência imposta pela natureza do direito tutelado, e sim de uma opção política legislativa, na busca de mecanismos que potencializem a eficácia da prestação jurisdicional”. A coisa julgada formada nas ações coletivas fundadas em direitos individuais homogêneos é estabelecida segundo o art. 103, III, do CDC: 

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: (...) III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. 

Assim, proposta uma ação coletiva fundada em direitos individuais homogêneos, já se sabe que a sentença irá formar coisa julgada pro et contra em relação aos legitimados coletivos, enquanto terá efeitos erga omnes no caso de procedência do pedido (secundum eventum litis). Importante também ressaltar que a sentença de uma ação coletiva fundada em direitos individuais homogêneos será sempre genérica, fixando apenas a responsabilidade do réu pelos danos causados (art. 95, do CDC). 

Em suma: Em ação civil pública proposta por associação, na condição de substituta processual, possuem legitimidade para a liquidação e execução da sentença todos os beneficiados pela procedência do pedido, independentemente de serem filiados à associação promovente. STJ. 2ª Seção. REsp 1.438.263/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/03/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 948) (Info 694). 

DOD PLUS – INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES 

Ainda está com dúvida? Quer entender melhor o que é essa ação coletiva ordinária? Veja abaixo mais algumas observações interessantes. 

AÇÃO COLETIVA ORDINÁRIA PROPOSTA POR ASSOCIAÇÃO EM FAVOR DE SEUS FILIADOS 

As associações podem propor ações coletivas em favor dos seus associados? SIM. A CF/88 autoriza que as associações façam a defesa, judicial ou extrajudicial, dos direitos e interesses individuais e coletivos de seus associados (art. 5º, XXI, da CF/88). 

A associação precisa da autorização dos associados para propor a ação na defesa de seus interesses? SIM. O inciso XXI do art. 5º da CF/88 exige que as associações tenham sido expressamente autorizadas. 

Imagine que a associação dos Auditores Fiscais ajuizou ação coletiva pedindo que a União fosse condenada a pagar a gratificação "X" a todos os Auditores filiados à associação, bem como àqueles que vierem a se associar até o momento da execução do título judicial. Esse pedido poderá ser conhecido? NÃO. 

A associação não tem legitimidade ativa para defender os interesses dos associados que vierem a se agregar somente após o ajuizamento da ação de conhecimento. STJ. 2ª Turma. REsp 1.468.734-SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 1º/3/2016 (Info 579). 

Conforme foi definido pelo STF, “as balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial.” (STF. Plenário. RE 573232/SC, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, julgado em 14/5/2014. Info 746). Em palavras mais simples, no momento em que a associação ajuíza a demanda, ela deverá juntar aos autos autorização expressa dos associados para a propositura dessa ação e uma lista com os nomes de todas as pessoas que estão associadas naquele momento. A associação não tem legitimidade ativa para defender os direitos de pessoas que, depois da propositura da ação, vierem a se agregar à entidade. Caso a ação seja julgada procedente, o título executivo irá beneficiar apenas os associados cujos nomes estão na lista de filiados juntada com a petição inicial. Só essas pessoas é que poderão executar o título. Em suma, as pessoas que se filiarem à associação em momento posterior à data do ajuizamento da ação e que, por esse motivo, não constaram da relação de nomes anexada à inicial da demanda, não são alcançadas e beneficiadas pela eficácia da coisa julgada. 

Por quê? 

A enumeração dos associados até o momento imediatamente anterior ao do ajuizamento se presta à observância do princípio do devido processo legal, inclusive sob o enfoque da razoabilidade. Por meio dela, presente a relação nominal é que se viabiliza o direito de defesa, o contraditório e a ampla defesa 

AÇÃO COLETIVA PROPOSTA POR ASSOCIAÇÃO SOMENTE ALCANÇA OS FILIADOS RESIDENTES NO ÂMBITO DA JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO JULGADOR 

Imagine a seguinte situação hipotética: A Associação dos Servidores da Justiça Federal da 4ª Região ajuizou uma ação coletiva pedindo que a União pagasse a gratificação “X” para os integrantes da carreira. A ação foi proposta originalmente perante a Justiça Federal de 1ª instância de Curitiba. O juiz julgou a ação procedente determinando que a União pague a gratificação. Suponhamos que houve o trânsito em julgado. 

Essa decisão irá beneficiar todos os servidores da Justiça Federal da 4ª Região (que abrange os Estados do RS, SC e PR)?

 NÃO. A sentença terá eficácia apenas para os associados que, no momento do ajuizamento da ação, tinham domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator da decisão. Isso está previsto no caput do art. 2º-A da Lei nº 9.494/97: 

Art. 2º-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator. 

Assim, neste exemplo, a decisão irá beneficiar apenas os servidores que, na data da propositura da ação, tinham domicílio em Curitiba (âmbito da competência territorial do órgão prolator). 

Esse art. 2º-A da Lei nº 9.494/97 é constitucional? 

SIM. O STF, no julgamento do RE 612043/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/5/2017, declarou a constitucionalidade do art. 2º-A da Lei nº 9.494/97. Veja: 

A eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica juntada à inicial do processo de conhecimento. STF. Plenário. RE 612043/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/5/2017 (repercussão geral) (Info 864). 



 



5 de junho de 2021

O Ministério Público Federal é parte legítima para pleitear indenização por danos morais coletivos e individuais em decorrência do óbito de menor indígena.

 AgInt no AREsp 1.688.809-SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 26/04/2021, DJe 28/04/2021.

Ação Civil Pública. Criança indígena. Falecimento em decorrência de alegada deficiência de serviço de prestação de saúde. Indenização por danos morais coletivos e individuais. Legitimação extraordinária do Parquet. Arts. 129, V e IX, da CF/1988 e 37, II, da Lei Complementar n. 75/1993. Relevância do bem jurídico tutelado. Vulnerabilidade dos índios e da comunidade indígena.

O Ministério Público Federal é parte legítima para pleitear indenização por danos morais coletivos e individuais em decorrência do óbito de menor indígena.

Na origem, trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Parquet em face da Fundação Serviços de Saúde de Mato Grosso do Sul (Hospital Regional do Mato Grosso do Sul, com atuação pelo SUS) e da União Federal - com o objetivo de obter pagamento de indenização por danos morais coletivos e individuais, em decorrência do óbito de menor indígena, pertencente à tribo Ofayé-Xavante.

A Constituição Federal reconhece a peculiar vulnerabilidade dos índios e das populações indígenas, motivo pelo qual o art. 37, II, da Lei Complementar n. 75/1993 confere legitimidade ao Ministério Público Federal "para defesa de direitos e interesses dos índios e das populações indígenas", o que se mostra consentâneo com o art. 129, V e IX, da CF/1988, que outorga legitimidade ao Ministério Público não só para "defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas", como também para "exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade".

Cuida-se , no caso, de atuação do Ministério Público Federal para a defesa de direitos e interesses de relevância social, vale dizer, o direito à saúde e à boa prestação de serviços de saúde aos índios e à comunidade indígena - de cuja alegada deficiência teria decorrido a morte da criança indígena -, bem como o direito de acesso à justiça pelos índios e pela sua comunidade, em região na qual o acórdão recorrido reconhece "há notória precariedade do acesso à Justiça". Como destacou o voto vencido, na origem, "Três Lagoas/MS e toda aquela região ainda não conta com a Defensoria Pública da União, a quem caberia atuar na representação processual para o pleito de danos morais individuais, segundo o entendimento do magistrado, e a Defensoria Pública estadual existente na localidade atua somente perante a Justiça Estadual".

A propósito da legitimação extraordinária do Ministério Público, o STJ, ao apreciar o REsp 1.682.836/SP, julgado sob o rito dos recursos repetitivos, firmou a tese de que o Ministério Público é parte legítima para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos nas demandas de saúde propostas contra os entes federativos, mesmo quando se tratar de feitos contendo beneficiários individualizados, porque se refere a direitos individuais indisponíveis, na forma do art. 1º da Lei n. 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).

A jurisprudência do STJ "vem sedimentando-se em favor da legitimidade do MP para promover Ação Civil Pública visando à defesa de direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis e divisíveis, quando há relevância social objetiva do bem jurídico tutelado (a dignidade da pessoa humana, a qualidade ambiental, a saúde, a educação, para citar alguns exemplos) ou diante da massificação do conflito em si considerado" (STJ, AgInt no REsp 1.701.853/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 19/03/2021).

Dessarte, a relevância social do bem jurídico tutelado e a vulnerabilidade dos povos indígenas autoriza, em face da peculiar situação do caso, a defesa dos interesses individuais dos índios pelo Ministério Público, em decorrência de sua atribuição institucional.

A propósito do tema, a Segunda Turma do STJ pronunciou-se no sentido de que, "no campo da proteção da saúde e dos índios, a legitimidade do Ministério Público para propor Ação Civil Pública é - e deve ser - a mais ampla possível, não derivando de fórmula matemática, em que, por critério quantitativo, se contam nos dedos as cabeças dos sujeitos especialmente tutelados. Nesse domínio, a justificativa para a vasta e generosa legitimação do Parquet é qualitativa, pois leva em consideração a natureza indisponível dos bens jurídicos salvaguardados e o status de hipervulnerabilidade dos sujeitos tutelados, consoante o disposto no art. 129, V, da Constituição, e no art. 6º da Lei Complementar n. 75/1993" (STJ, REsp 1.064.009/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 27/04/2011).