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26 de fevereiro de 2022

É juridicamente possível o pedido de exclusão do herdeiro em virtude da prática de ato infracional análogo ao homicídio, doloso e consumado, contra os pais, à luz da regra do art. 1.814, I, do CC/2002

Processo

REsp 1.938.984-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022, DJe 18/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação declaratória de reconhecimento de indignidade com pedido de exclusão de herdeiro. Possibilidade jurídica do pedido. Condição da ação no CPC/1973. Questão de mérito no CPC/2015. Resolução do processo com mérito. Aptidão para formar coisa julgada material. Divergência sobre a natureza do rol do art. 1.814 do CC/2002 e sobre as técnicas hermenêuticas admissíveis para a sua interpretação. Pedido juridicamente possível. Vedado o julgamento de improcedência liminar.

 

DESTAQUE

É juridicamente possível o pedido de exclusão do herdeiro em virtude da prática de ato infracional análogo ao homicídio, doloso e consumado, contra os pais, à luz da regra do art. 1.814, I, do CC/2002.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O enquadramento da possibilidade jurídica do pedido, na vigência do CPC/1973, na categoria das condições da ação, sempre foi objeto de severas críticas da doutrina, que reconhecia o fenômeno como uma questão de mérito, tendo sido esse o entendimento adotado pelo CPC/2015, conforme se depreende de sua exposição de motivos e dos dispositivos legais que atualmente versam sobre os requisitos de admissibilidade da ação.

O fato de a possibilidade jurídica do pedido ter sido realocada como questão de mérito, conquanto provoque reflexos significativos na forma como o processo será resolvido, com mérito e aptidão para formar coisa julgada material, não acarreta modificação substancial em seu conceito e conteúdo, que continua sendo a ausência de vedação, pelo ordenamento jurídico, à pretensão deduzida pelo autor, sob pena de, após o CPC/2015, conduzir à improcedência liminar do pedido.

Para que haja o reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido, há que se ter uma repulsa do sistema jurídico à pretensão autoral, de tal maneira eloquente e contundente, que seria capaz de resultar, de imediato e sem grande debate, na improcedência liminar do pedido formulado, ainda que essa situação, em específico, não tenha sido expressamente contemplada pelo art. 332 do CPC/2015.

Na hipótese, a questão relativa à possibilidade de exclusão do herdeiro que atenta contra a vida dos pais é objeto de severas controvérsias doutrinárias, seja sob a perspectiva da taxatividade, ou não, do rol do art. 1.814 do CC/2002, seja sob o enfoque dos métodos admissíveis e apropriados para a interpretação das hipóteses listadas no rol, razão pela qual as múltiplas possibilidades hermenêuticas do referido dispositivo induzem à inviabilidade do julgamento de improcedência liminar do pedido.




13 de novembro de 2021

É juridicamente possível o pedido de anulação da nomeação e posse de Conselheiro de Tribunal de Contas de Município, veiculado em ação civil pública, com fundamento na constatação de que este não preenche os requisitos de idoneidade moral e reputação ilibada.

Processo

REsp 1.347.443-RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 19/10/2021, DJe 21/10/2021.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação civil pública. Anulação da nomeação e posse de vereador para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas de Município. Alegação de inexistência de reputação ilibada e idoneidade moral. Possibilidade jurídica do pedido.

 

DESTAQUE

É juridicamente possível o pedido de anulação da nomeação e posse de Conselheiro de Tribunal de Contas de Município, veiculado em ação civil pública, com fundamento na constatação de que este não preenche os requisitos de idoneidade moral e reputação ilibada.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Trata-se de ação civil pública, em que a Corte de origem declarou inepta a petição inicial, ao fundamento de que o pedido de anulação da nomeação e posse do demandado não teria atacado o Decreto Legislativo que materializou sua escolha para o cargo de Conselheiro da Corte de Contas do Município.

No entanto, ao contrário do que entendeu o Tribunal estadual, o vício que, em tese, macularia o Decreto Legislativo, não se circunscreve a esse ato isoladamente, pois a alegada falta de idoneidade moral e de reputação ilibada do réu contamina, em tese, também aos subsequentes atos administrativos do respectivo iter para a ocupação do cargo, de feição complexa, alcançando, pois, as próprias nomeação e posse para a vaga de Conselheiro do Tribunal de Contas do Município, por isso que não há falar em inépcia da inicial.

Portanto, a obrigação de se declarar a prática de ato nulo, causador de dano à moralidade administrativa e à coletividade, não está circunscrita ao Decreto Legislativo, cuja eventual nulidade acarretará na também invalidade dos atos subsequentes e imprescindíveis à complexa conformação do ato final, que se ultima com a nomeação e posse do indicado para o cargo.

Já no que respeita à proclamada impossibilidade jurídica do pedido, ao analisar a matéria, a Corte de origem decidiu que a pretensão inicial seria juridicamente impossível, visto que, "tratando-se de requisitos subjetivos, somente o próprio Poder Legislativo tinha legitimidade para apreciá-los, sendo defeso ao Poder Judiciário interferir, sob pena de ofensa à regra constitucional da Separação dos Poderes".

Todavia, certo é que a indicação e a nomeação de Conselheiro para uma Corte de Contas não constitui ato administrativo puramente discricionário, fruto do livre arbítrio do poder político, haja vista que os requisitos da idoneidade moral e da reputação ilibada consubstanciam exigências normativas que vinculam a escolha política tanto do Poder Legislativo, ao indicar o nome para o cargo, como do Poder Executivo, ao proceder à respectiva nomeação.

De outra parte, é cediço que a idoneidade moral e a reputação ilibada, na espécie examinada, constituem conceitos que estão imbricados com o da moralidade administrativa e, embora indeterminados, possuem densidade mínima a permitir o seu escrutínio judicial.

Destarte, a escolha e nomeação de Conselheiro para o Tribunal de Contas, como qualquer outro ato administrativo, deve se pautar em critérios de elevado padrão moral e ético, nos termos do art. 37 da Constituição Federal, cujo controle será objetivamente realizado por meio de dados concretos, ou seja, aptos a aferir a adequação da conduta do agente frente ao império da lei e da Constituição.


5 de maio de 2021

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE MÉRITO. NECESSIDADE DE EXAME DOS ELEMENTOS QUE COMPÕEM O PEDIDO E DA POSSIBILIDADE DE DECOMPOSIÇÃO DO PEDIDO. ASPECTOS DE MÉRITO DO PROCESSO. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CONDIÇÃO DA AÇÃO AO TEMPO DO CPC/73. SUPERAÇÃO LEGAL. ASPECTO DO MÉRITO APÓS O CPC/15. RECORRIBILIDADE IMEDIATA DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE AFASTA A ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ADMISSIBILIDADE.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.757.123 - SP (2018/0190866-9) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE MÉRITO. NECESSIDADE DE EXAME DOS ELEMENTOS QUE COMPÕEM O PEDIDO E DA POSSIBILIDADE DE DECOMPOSIÇÃO DO PEDIDO. ASPECTOS DE MÉRITO DO PROCESSO. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CONDIÇÃO DA AÇÃO AO TEMPO DO CPC/73. SUPERAÇÃO LEGAL. ASPECTO DO MÉRITO APÓS O CPC/15. RECORRIBILIDADE IMEDIATA DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE AFASTA A ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ADMISSIBILIDADE. ART. 1.015, II, CPC/15. 

1- Ação proposta em 03/04/2017. Recurso especial interposto em 23/02/2018 e atribuído à Relatora em 16/08/2018. 

2- O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base no art. 1.015, II, do CPC/15, contra a decisão interlocutória que afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido. 

3- Ao admitir expressamente a possibilidade de decisões parciais de mérito quando uma parcela de um pedido suscetível de decomposição puder ser solucionada antecipadamente, o CPC/15 passou a exigir o exame detalhado dos elementos que compõem o pedido, especialmente em virtude da possibilidade de impugnação imediata por agravo de instrumento da decisão interlocutória que versar sobre mérito do processo (art. 1.015, II, CPC/15). 

4- Para o adequado exame do conteúdo do pedido, não basta apenas que se investigue a questão sob a ótica da relação jurídica de direito material subjacente e que ampara o bem da vida buscado em juízo, mas, ao revés, também é necessário o exame de outros aspectos relacionados ao mérito, como, por exemplo, os aspectos temporais que permitem identificar a ocorrência de prescrição ou decadência e, ainda, os termos inicial e final da relação jurídica de direito material. Precedentes. 

5- O enquadramento da possibilidade jurídica do pedido, na vigência do CPC/73, na categoria das condições da ação, sempre foi objeto de severas críticas da doutrina brasileira, que reconhecia o fenômeno como um aspecto do mérito do processo, tendo sido esse o entendimento adotado pelo CPC/15, conforme se depreende de sua exposição de motivos e dos dispositivos legais que atualmente versam sobre os requisitos de admissibilidade da ação. 

6- A possibilidade jurídica do pedido após o CPC/15, pois, compõe uma parcela do mérito em discussão no processo, suscetível de decomposição e que pode ser examinada em separado dos demais fragmentos que o compõem, de modo que a decisão interlocutória que versar sobre essa matéria, seja para acolher a alegação, seja também para afastá-la, poderá ser objeto de impugnação imediata por agravo de instrumento com base no art. 1.015, II, CPC/15. 

7- Recurso especial conhecido e provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). MARIANA CUNHA GLIORIO GOZZANO, pela parte RECORRENTE: OLAVO GLIORIO GOZZANO E ADVOGADOS ASSOCIADOS e Outro. 

Brasília (DF), 13 de agosto de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por OLAVO GLIORIO GOZZANO E ADVOGADOS ASSOCIADOS e OLAVO GLIORIO GOZZANO, com base na alínea “a” do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/SP que, por unanimidade, não conheceu do agravo de instrumento interposto pelos recorrentes. 

Recurso especial interposto em: 23/02/2018. Atribuído ao gabinete e m: 16/08/2018. 

Ação: de exigir contas ajuizada por RENATA CRISTINA OREFICE, recorrida, em face dos recorrentes. 

Decisão interlocutória: afastou a preliminar, arguida pelos recorrentes, de impossibilidade jurídica do pedido, “pois na inicial a autora relatou os fatos e especificou os motivos que a levaram a exigir contas” (fl. 19, e-STJ). 

Acórdão: por unanimidade, não conheceu do agravo de instrumento interposto pelos recorrentes, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXIGIR CONTAS – MANDATO – DECISÃO QUE NÃO ACOLHEU AS ALEGAÇÕES DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, INTERESSE DE AGIR E INÉPCIA DA INICIAL – MATÉRIAS QUE NÃO SE ENQUADRAM NO ROL TAXATIVO DO ARTIGO 1.015 DO NOVO CPC – RECURSO DE QUE NÃO SE CONHECE. (fls. 1.468/1.470, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se violação ao art. 1.015, II, do CPC/2015, ao fundamento de que a decisão que não acolhe a arguição de impossibilidade jurídica do pedido passou, a partir da nova legislação processual, a ser considerada como uma decisão que diz respeito ao mérito do processo (fls. 1.473/1.492, e-STJ). 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base no art. 1.015, II, do CPC/15, contra a decisão interlocutória que afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido. 

1. DA IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE AFASTA A ARGUIÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.015, II, DO CPC/15. 

Inicialmente, lembre-se que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento dos recursos especiais representativos da controvérsia nº 1.696.396/MT e 1.704.520/MT, ambos com acórdãos publicados no DJe de 19/12/2018, pronunciou-se expressamente pela impossibilidade de uso da interpretação extensiva e da analogia para alargar as hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento. 

No ponto, aliás, anote-se ter havido unanimidade da Corte Especial, na medida em que os e. Ministros que foram contrários à tese vencedora – taxatividade mitigada – filiaram-se ao entendimento de que o rol do art. 1.015 do CPC/15 era de taxatividade irrestrita, negando, consequentemente, a possibilidade de interpretação extensiva ou de uso da analogia. 

A tese veiculada neste recurso especial, contudo, não está fundada na extensão ou na analogia, mas, sim, na abrangência e no exato conteúdo do art. 1.015, II, do CPC/15, merecendo trânsito o recurso, pois, sob esse enfoque. 

Estabelecida essa premissa, anote-se que o conceito de decisão interlocutória que versa sobre “mérito do processo” é composto por conceito jurídico indeterminado que, sobretudo após a entrada em vigor do CPC/15, precisa ser objeto profundas e renovadas reflexões, notadamente, em primeiro lugar, porque a nova legislação processual civil incorpora ao direito positivo, de modo expresso, a possibilidade de serem proferidas decisões parciais de mérito. 

Como se assentou em recente precedente desta 3ª Turma, o CPC/15 “passou a reconhecer, expressamente, o fenômeno segundo o qual pedidos ou parcelas de pedidos podem amadurecer em momentos processuais distintos, seja em razão de inexistir controvérsia sobre a questão, seja em virtude da desnecessidade de dilação probatória para resolução daquela matéria”, a fim de que “que tais questões possam ser solucionadas antecipadamente, por intermédio de uma decisão parcial de mérito com aptidão para a formação de coisa julgada material”. (REsp 1.798.975/SP, 3ª Turma, DJe 04/04/2019). No mesmo sentido: REsp 1.702.725/RJ, 3ª Turma, DJe 28/06/2019. 

Assim, é correto afirmar que algum dos pedidos cumulados ou parcela do pedido único suscetível de decomposição podem ser solucionados antecipadamente por intermédio de uma decisão parcial de mérito, como, aliás, leciona-se na melhor doutrina: 

2. Situações em que ocorre cumulação própria e simples de pedidos e formulação de pedido único decomponível. O NCPC não deixa mais qualquer dúvida, estabelecendo de forma clara a possibilidade de fracionamento do mérito ou, em outras palavras, de que a resolução do mérito possa ocorrer não só em sentença, ao final da fase cognitiva do procedimento comum, mas também no curso do processo. O desmembramento do julgamento de mérito em pronunciamentos distintos pressupõe que haja cumulação própria e simples de pedidos, que é aquela em que o autor formula mais de um pedido, no mesmo processo, esperando que todos sejam acolhidos simultaneamente (art. 327). Nessa espécie de cumulação, inexiste dependência lógica entre os pedidos, de maneira que é possível, por exemplo, que o réu reconheceu a procedência jurídica de um deles e impugne os demais. A fragmentação do julgamento de mérito pode ocorrer, ainda, quando há formulação de um único pedido, que permite ser decomposto. (ARRUDA ALVIM, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 687/688). (...) 

3. Fracionamento do mérito pode se referir a alguns pedidos ou parcela deles. O juiz decidirá de forma parcial o mérito quando alguns dos pedidos formulados (na demanda originária ou na reconvencional) se enquadrar nas hipóteses indicadas nos incisos do texto legal em destaque. O importante é que os pedidos em condições de imediato julgamento sejam independentes dos demais, não podendo haver, por exemplo, cumulação sucessiva de pedidos, sendo aquele que ainda depende de outras provas pressuposto lógico para o acolhimento do outro pedido, que já estaria em condições de ser apreciado. Assim, por exemplo, se o autor deduziu pedidos de indenização por danos morais e materiais, mas se apenas o primeiro está em condições de imediato julgamento, o juiz decidirá conclusivamente o pleito relativa aos danos morais, determinando o prosseguimento do processo quanto à indenização por danos materiais, para que outras provas sejam produzidas. 3.1. O fatiamento pode se dar dentro de um mesmo pedido. Assim, por exemplo, em ação de cobrança em que se postula o pagamento de cem mil reais, se o réu admite ser devido o valor de cinquenta mil reais, esse montante se torna incontroverso e poderá o juiz apreciar conclusivamente essa parcela, prosseguindo o processo para a fase instrutória, relativamente à diferença controvertida. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 163). 

Para melhor compreensão do fenômeno da possibilidade de decomposição do pedido em fragmentos, é preciso destacar que o pedido é inicialmente cindível em imediato e mediato. Como destaca Carlos Eduardo Stefen Elias: 

O pedido imediato corresponde ao tipo de providência solicitada (classicamente, no processo de conhecimento: declaração, constituição ou condenação do réu), o que determinará a natureza do processo e a forma do procedimento; enquanto o pedido mediato carreia o comportamento ou, conforme termo utilizado correntemente na doutrina, o “bem da vida” pleiteado pelo autor. (ELIAS, Carlos Eduardo Stefen. As reformas processuais e o princípio da congruência entre sentença e pedido in Revista de Processo: RePro, vol. 33, nº 158, São Paulo: Revista dos Tribunais, abr. 2008, p. 46/47). 

Daí porque, conforme lecionam Olavo de Oliveira Neto e Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira, “O objeto da ação, que entre nos tomou a denominação de pedido, nada mais é do que aquilo que o autor pretende obter ao ingressar com sua demanda em juízo, seja no tocante ao tipo de provimento jurisdicional que requer do Estado, seja no tocante ao bem da vida que requer do sujeito passivo da ação. É o próprio mérito da ação”. (OLIVEIRA NETO, Olavo de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. A necessidade de pedido específico na ação de indenização por dano moral in Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo: RIASP, v. 12, nº 23, jan./jun. 2009. p. 254). 

Para o adequado exame do pedido, não basta apenas que se investigue a questão sob a ótica da relação jurídica de direito material subjacente e que ampara o bem da vida buscado em juízo, mas, ao revés, também é necessário o exame de outros aspectos relacionados ao mérito. 

Nesse contexto, merece destaque o exame de aspectos temporais do pedido, como, por exemplo, se ele foi deduzido em tempo hábil para que se possa, ato contínuo, enfrentar o mérito sob a específica perspectiva da relação de direito material. 

Não é por outro motivo que esta Corte consolidou o entendimento de que as decisões interlocutórias sobre prescrição e decadência (art. 487, II, do CPC/15), por dizerem respeito a um aspecto temporal do pedido, versam sobre o mérito e, assim, são agraváveis com base no art. 1.015, II, do CPC/15. A esse respeito: REsp 1.738.756/MG, 3ª Turma, DJe 22/02/2019; REsp 1.695.936/MG, 2ª Turma, DJe 19/12/2017; REsp 1.778.237/RS, 4ª Turma, DJe 28/03/2019 e REsp 1.772.839/SP, 4ª Turma, DJe 23/05/2019. 

O aspecto da temporalidade do pedido pode ser visto ainda sob outros e diferentes enfoques, como nas hipóteses em que a resolução da controvérsia pressupõe a definição da data inicial e da data final da relação jurídica de direito material. É um aspecto temporal do pedido (e, consequentemente, do mérito) dizer, por exemplo, em ação em que se pretenda a partilha de bens, qual o termo inicial e o termo final da relação havida entre os cônjuges ou conviventes (REsp 1.798.795/SP, 3ª Turma, DJe 04/04/2019). 

É nesse contexto, pois, que deve ser examinado o correto enquadramento da possibilidade jurídica do pedido após a entrada em vigor da nova legislação processual e, consequentemente, a eventual recorribilidade imediata da decisão interlocutória que versa sobre o tema, a teor do art. 1.015, II, do CPC/15. 

Como é cediço, a inserção, no CPC/73, da possibilidade jurídica do pedido na categoria das condições da ação decorre da adoção, por Alfredo Buzaid, da teoria eclética da ação desenvolvida por Enrico Tullio Liebman e que se fundava, essencialmente, em apenas uma situação exemplificativa: o ajuizamento da ação de divórcio, ao tempo proibido na Itália. 

Ocorre que, como detalhadamente noticia a doutrina, Liebman, já na terceira edição de seu clássico Manual de Direito Processual Civil (publicado no ano em que foi aprovado o CPC/73), abandonou a possibilidade jurídica do pedido como uma terceira condição da ação, o que se deve, justamente, ao fato de ter sido aprovada a Lei nº 898 de 1970, que passou a permitir o divórcio na Itália, fazendo com que, na doutrina de Liebman, a possibilidade jurídica do pedido passasse a ser classificada, a partir daquele momento, conjuntamente com o interesse de agir. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1. 11ª edição. Bahia: JusPodivm, 2009. p. 201). 

Conclui-se, assim, que a possibilidade jurídica do pedido como terceira condição da ação foi obra exclusiva do legislador do CPC/73 (que decorria, em especial, do art. 267, VI) e que sofreu, desde a sua entrada em vigor, contundentes críticas da doutrina que, àquela época, já qualificava a possibilidade jurídica do pedido como uma questão de mérito. 

Nesse sentido, confira-se a precisa lição de Ovídio Araújo Baptista da Silva, Luiz Melíbio Uiraçaba Machado, Ruy Armando Gessinger e Fábio Luiz Gomes: 

Quanto à possibilidade jurídica do pedido, a lição de Calmon de Passos é insuperável. Demonstra ele que não há qualquer distinção entre a impossibilidade da tutela em abstrato e a pretendida no caso concreto, citando como exemplo uma ação de usucapião em que o autor declinasse na inicial estar na posse de determinado imóvel há oito anos com “animus” de dono, requerendo a final que o juiz lhe declarasse proprietário; obviamente, pela sistemática do Código seria julgado “carecedor da ação” ante a ausência de previsão legal para o atendimento do pedido; por igual não se poderia falar em julgamento de mérito. Contudo, segue Calmon, se este mesmo autor houvesse ingressado com a ação alegando possuir a área há mais de dez anos e invocasse o art. 156, §3º (da Constituição Federal de 1946), estaria presente a referida “condição” da ação, ainda que durante a instrução do feito viesse a ficar comprovada a posse só de oito anos; mas neste caso não haveria “carência” de ação e sim julgamento de improcedência, ainda que resultante da impossibilidade de aplicar a vontade da lei. Qual a diferença entre as duas decisões, pergunta Calmon; ao que responde: Nenhuma, rigorosamente nenhuma. (SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; MACHADO, Luiz Melíbio Uiraçaba; GESSINGER, Ruy Armando; GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. Porto Alegre: Letras Jurídicas, 1983. p. 122). 

É sintomático, pois, que o CPC/15 não tenha reproduzido a possibilidade jurídica do pedido no atual art. 485, VI (que corresponde ao revogado art. 267, VI, do CPC/73), limitando-se a dizer, agora, que o juiz não resolverá o mérito somente quando “verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual”.

Nesse sentido, anote-se que a requalificação da possibilidade jurídica do pedido, de uma condição da ação para uma questão de mérito, consta expressamente da Exposição de Motivos do CPC/15: 

Com o objetivo de se dar maior rendimento a cada processo, individualmente considerado, e atendendo a críticas tradicionais da doutrina, deixou, a possibilidade jurídica do pedido, de ser condição da ação. A sentença que, à luz da lei revogada seria de carência da ação, à luz do Novo CPC é de improcedência e resolve definitivamente a controvérsia. 

No âmbito doutrinário, ensinam José Maria Rosa Tesheiner e Rennan Faria Krüger Thamay que “certo é que desapareceu a “possibilidade jurídica do pedido” como condição da ação, e com razão, porque a doutrina veio a concluir que ela não era senão uma hipótese de improcedência manifesta, tratando-se, pois, de questão de mérito”. (TESHEINER, José Maria Rosa; THAMAY, Rennan Faria Krüger. Condições da ação no novo CPC in Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 12, nº 68, set./out. 2015, p. 18). 

Ainda nesse sentido, o tema foi amplamente abordado por Adroaldo Furtado Fabrício, que assim leciona: 

Antes de qualquer outra dúvida suscitada pela possibilidade jurídica da demanda, uma primeira sempre inquietou a doutrina: seria mesmo logicamente possível apartar do mérito essa questão? Ainda antes: faria sentido, a respeito de qualquer objeto, indagar se ele é possível ou não, para só depois dirimir a questão de como ele é e o que é? E, sobretudo, seria razoável afirmar-se que, quando se diz que a coisa não pode ser, continua viva a questão de apurar se ela é? Algo assim como, em debate sobre haver o homem posto o pé na Lua, perguntar-se previamente, e sem responder àquela outra questão, se esse feito era ou não possível. Ora, se ele foi, era possível; se não foi, toda indagação sobre ser ou não possível cai no vazio da mais absoluta inutilidade. O impossível é aquilo que não se fez. A imprestabilidade do conceito é patente. Concluindo-se que sim, o pedido é compatível com o sistema, mas não se afirma desde logo sua procedência, ter-se-á um fútil exercício acadêmico, a brigar com o escopo prático do processo. Se a conclusão é negativa, frustram-se o esforço e o passivo processual já acumulado e tudo retorna à estaca zero, permanecendo aberta a porta à mesma demanda. Em um e outro caso, nada se ganhou ou progrediu; ao contrário, perde-se o que já se haja feito e retorna-se à situação existente antes da formação do processo. Argumentar-se que o exame prévio da possibilidade economizaria dispêndios talvez necessários à outra resposta seria inconclusivo: há todo um juízo de admissibilidade, com abrangência muito maior, a ser exercitado. A verificação prévia da razoabilidade da postulação (não apenas jurídica), permitindo o eventual indeferimento liminar, assim como as muitas hipóteses de julgamento sem resolução do mérito, asseguram ao julgador amplo instrumental de filtragem das demandas inviáveis. Não há razão para destacar-se desse conjunto o requisito em menção. Por que não, por exemplo, a impossibilidade material, física, que também se pode expor prima facie? É arbitrário o critério que erige em condição de existência (ou mesmo de regular exercício) da ação (como direito, faculdade) um requisito de sua procedência, vale dizer, do acolhimento à pretensão. O brilhante alvitre de restringir-se a verificação dessa condição ao pedido imediato (de prestação jurisdicional) não soluciona o impasse. Por certo, parcela considerável das objeções que oponho ao conceito resultaria afastada. Mas, de outra banda, esse mesmo conceito, assim desfigurado, já não corresponderia ao laboriosamente construído pela doutrina anterior e, o que é mais grave, o descaracterizaria como requisito ao qual se pretende subordinar o conceito de ação. À parte essas considerações, não há como sustentar-se que a decisão declaratória da impossibilidade jurídica seja estranha ao meritum causae – salvo, talvez, na modalidade atenuada que só contempla a inviabilidade da pretensão processual. Essa negativa envolve necessariamente a afirmação de que o autor não tem razão. Mais enfaticamente até do que ocorre na sentença de improcedência, que declara a inexistência em concreto do direito subjetivo invocado pelo autor: responde-lhe o juiz que esse pedido não se poderia atender em qualquer caso ou circunstância, porque contrário ao próprio sistema. Qualquer que seja o momento processual, e sem importar a extensão e natureza do material com que trabalhou o julgador, o resultado final é de improcedência da demanda porque estabelecido o convencimento judicial da sem-razão do autor. O ser impossível o objeto da postulação é apenas um dos motivos pelos quais ela pode ser repelida. Se dizemos ser impossível o homem ir à Lua, já fica dito que o homem não foi à Lua. Por outro lado, se afirmada a possibilidade jurídica, sem avaliar-se ainda a procedência, nada de útil se terá adiantado. Apenas estaria excluído um dos motivos possíveis de improcedência, em exercício estéril de raciocínio. Em regra, aliás, os juízes, sabiamente, não costumam entregar-se a esse onanismo intelectual: se não é caso de improcedência prima facie da demanda (entre cujos fundamentos cogitáveis está a impossibilidade), com evidência então já suficiente, remetem o exame da matéria à sentença final de mérito – sua sede natural (FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. O interesse de agir como pressuposto processual in Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, nº 1, jan./abr. 2018, p. 174/176). 

Finalmente, este também foi o entendimento desta Corte em recente precedente, no qual se consignou: 

“De se notar, ainda, que a terceira das tradicionais condições da ação, a possibilidade jurídica do pedido, deixou de ser prevista como requisito de admissibilidade da demanda, o que denota o acolhimento pelo legislador da corrente doutrinária que há muito contestava a possibilidade jurídica do pedido como categoria válida, pois que na verdade se trataria de matéria de mérito (posição que posteriormente chegou mesmo a ser adotada por Liebman). Com efeito, verifica-se que, no novo CPC, a possibilidade jurídica do pedido passou a integrar o mérito da causa”. (AR 3.667/DF, 1ª Seção, DJe 23/05/2016). 

A conclusão, pois, é de que a possibilidade jurídica do pedido compõe uma parcela do mérito em discussão no processo, suscetível de decomposição e que pode ser examinada em separado dos demais fragmentos que o compõem, razão pela qual a decisão interlocutória que versar sobre esse tema, seja para acolher a alegação, seja também para afastá-la, em verdade, versará sobre uma parte do mérito que se cristalizará após o julgamento. 

Na hipótese, a decisão interlocutória proferida em 1º grau de jurisdição afastou a alegada impossibilidade jurídica do pedido, qualificando-a ainda como preliminar, ao fundamento de que “na inicial a autora relatou os fatos e especificou os motivos que a levaram a exigir contas”. (fl. 19, e-STJ). 

O acórdão recorrido, por sua vez, não conheceu do agravo de instrumento interposto ao fundamento de que a preliminar de arguição de impossibilidade jurídica do pedido não se amoldaria às hipóteses de cabimento do referido recurso (fls. 1.468/1.470, e-STJ). 

Ocorre que, conforme amplamente exposto nas razões de decidir acima delineadas, a possibilidade jurídica do pedido, além de não ser mais uma condição da ação a ser examinada em caráter preliminar (como era no CPC/73 por expressa disposição legal), trata-se de parte da questão de mérito discutida no processo, pouco importando, a esse respeito, que se trate de situação não capitulada especificamente como hipótese de julgamento liminar de improcedência do pedido (art. 332 do CPC/15), sobretudo porque a questão pode não ser aferível ictu oculi, mas, ao revés, demandar a instauração de regular contraditório. 

Em síntese, por qualquer ângulo que se examine a questão em debate, conclui-se que o acórdão recorrido violou o art. 1.015, II, do CPC/15. 

2. CONCLUSÕES. 

Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, determinando o retorno do processo ao TJ/SP para que, afastado o óbice do cabimento, examine a alegação de que o pedido seria juridicamente impossível. 

Filigrana doutrinária: Impossibilidade jurídica do pedido - Adroaldo Furtado Fabrício

 Antes de qualquer outra dúvida suscitada pela possibilidade jurídica da demanda, uma primeira sempre inquietou a doutrina: seria mesmo logicamente possível apartar do mérito essa questão? Ainda antes: faria sentido, a respeito de qualquer objeto, indagar se ele é possível ou não, para só depois dirimir a questão de como ele é e o que é? E, sobretudo, seria razoável afirmar-se que, quando se diz que a coisa não pode ser, continua viva a questão de apurar se ela é? Algo assim como, em debate sobre haver o homem posto o pé na Lua, perguntar-se previamente, e sem responder àquela outra questão, se esse feito era ou não possível. Ora, se ele foi, era possível; se não foi, toda indagação sobre ser ou não possível cai no vazio da mais absoluta inutilidade. O impossível é aquilo que não se fez. A imprestabilidade do conceito é patente. Concluindo-se que sim, o pedido é compatível com o sistema, mas não se afirma desde logo sua procedência, ter-se-á um fútil exercício acadêmico, a brigar com o escopo prático do processo. Se a conclusão é negativa, frustram-se o esforço e o passivo processual já acumulado e tudo retorna à estaca zero, permanecendo aberta a porta à mesma demanda. Em um e outro caso, nada se ganhou ou progrediu; ao contrário, perde-se o que já se haja feito e retorna-se à situação existente antes da formação do processo. Argumentar-se que o exame prévio da possibilidade economizaria dispêndios talvez necessários à outra resposta seria inconclusivo: há todo um juízo de admissibilidade, com abrangência muito maior, a ser exercitado. A verificação prévia da razoabilidade da postulação (não apenas jurídica), permitindo o eventual indeferimento liminar, assim como as muitas hipóteses de julgamento sem resolução do mérito, asseguram ao julgador amplo instrumental de filtragem das demandas inviáveis. Não há razão para destacar-se desse conjunto o requisito em menção. Por que não, por exemplo, a impossibilidade material, física, que também se pode expor prima facie? É arbitrário o critério que erige em condição de existência (ou mesmo de regular exercício) da ação (como direito, faculdade) um requisito de sua procedência, vale dizer, do acolhimento à pretensão. O brilhante alvitre de restringir-se a verificação dessa condição ao pedido imediato (de prestação jurisdicional) não soluciona o impasse. Por certo, parcela considerável das objeções que oponho ao conceito resultaria afastada. Mas, de outra banda, esse mesmo conceito, assim desfigurado, já não corresponderia ao laboriosamente construído pela doutrina anterior e, o que é mais grave, o descaracterizaria como requisito ao qual se pretende subordinar o conceito de ação. À parte essas considerações, não há como sustentar-se que a decisão declaratória da impossibilidade jurídica seja estranha ao meritum causae – salvo, talvez, na modalidade atenuada que só contempla a inviabilidade da pretensão processual. Essa negativa envolve necessariamente a afirmação de que o autor não tem razão. Mais enfaticamente até do que ocorre na sentença de improcedência, que declara a inexistência em concreto do direito subjetivo invocado pelo autor: responde-lhe o juiz que esse pedido não se poderia atender em qualquer caso ou circunstância, porque contrário ao próprio sistema. Qualquer que seja o momento processual, e sem importar a extensão e natureza do material com que trabalhou o julgador, o resultado final é de improcedência da demanda porque estabelecido o convencimento judicial da sem-razão do autor. O ser impossível o objeto da postulação é apenas um dos motivos pelos quais ela pode ser repelida. Se dizemos ser impossível o homem ir à Lua, já fica dito que o homem não foi à Lua. Por outro lado, se afirmada a possibilidade jurídica, sem avaliar-se ainda a procedência, nada de útil se terá adiantado. Apenas estaria excluído um dos motivos possíveis de improcedência, em exercício estéril de raciocínio. Em regra, aliás, os juízes, sabiamente, não costumam entregar-se a esse onanismo intelectual: se não é caso de improcedência prima facie da demanda (entre cujos fundamentos cogitáveis está a impossibilidade), com evidência então já suficiente, remetem o exame da matéria à sentença final de mérito – sua sede natural 


FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. O interesse de agir como pressuposto processual in Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, nº 1, jan./abr. 2018, p. 174/176. 

Filigrana doutrinária: Impossibilidade jurídica do pedido - Ovídio Araújo Baptista da Silva

Quanto à possibilidade jurídica do pedido, a lição de Calmon de Passos é insuperável. Demonstra ele que não há qualquer distinção entre a impossibilidade da tutela em abstrato e a pretendida no caso concreto, citando como exemplo uma ação de usucapião em que o autor declinasse na inicial estar na posse de determinado imóvel há oito anos com “animus” de dono, requerendo a final que o juiz lhe declarasse proprietário; obviamente, pela sistemática do Código seria julgado “carecedor da ação” ante a ausência de previsão legal para o atendimento do pedido; por igual não se poderia falar em julgamento de mérito. Contudo, segue Calmon, se este mesmo autor houvesse ingressado com a ação alegando possuir a área há mais de dez anos e invocasse o art. 156, §3º (da Constituição Federal de 1946), estaria presente a referida “condição” da ação, ainda que durante a instrução do feito viesse a ficar comprovada a posse só de oito anos; mas neste caso não haveria “carência” de ação e sim julgamento de improcedência, ainda que resultante da impossibilidade de aplicar a vontade da lei. Qual a diferença entre as duas decisões, pergunta Calmon; ao que responde: Nenhuma, rigorosamente nenhuma. 


SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; MACHADO, Luiz Melíbio Uiraçaba; GESSINGER, Ruy Armando; GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. Porto Alegre: Letras Jurídicas, 1983. p. 122. 

Filigrana doutrinária: Impossibilidade jurídica do pedido como condição da - Fredie Didier

Ocorre que, como detalhadamente noticia a doutrina, Liebman, já na terceira edição de seu clássico Manual de Direito Processual Civil (publicado no ano em que foi aprovado o CPC/73), abandonou a possibilidade jurídica do pedido como uma terceira condição da ação, o que se deve, justamente, ao fato de ter sido aprovada a Lei nº 898 de 1970, que passou a permitir o divórcio na Itália, fazendo com que, na doutrina de Liebman, a possibilidade jurídica do pedido passasse a ser classificada, a partir daquele momento, conjuntamente com o interesse de agir. 


DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1. 11ª edição. Bahia: JusPodivm, 2009. p. 201.