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11 de abril de 2021

DIREITO PROCESSUAL PENAL / FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO - É inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para o Delegado Geral da Polícia Civil

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1010-stf.pdf

DIREITO PROCESSUAL PENAL / FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO - É inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para o Delegado Geral da Polícia Civil 

Extrapola a autonomia do estado previsão, em constituição estadual, que confere foro privilegiado a Delegado Geral da Polícia Civil. A autonomia dos estados para dispor sobre autoridades submetidas a foro privilegiado não é ilimitada, não pode ficar ao arbítrio político do constituinte estadual e deve seguir, por simetria, o modelo federal. STF. Plenário. ADI 5591/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 20/3/2021 (Info 1010). 

A situação concreta foi a seguinte: 

A Constituição do Estado de São Paulo previu foro por prerrogativa de função para o Delegado Geral da Polícia Civil. Em outras palavras, a Constituição Estadual determinou que essa autoridade deveria ser julgada criminalmente no Tribunal de Justiça. Confira: 

Art. 74. Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição, processar e julgar originariamente: (...) II - nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os juízes do Tribunal de Justiça Militar, os juízes de Direito e os juízes de Direito do juízo militar, os membros do Ministério Público, exceto o Procurador-Geral de Justiça, o Delegado Geral da Polícia Civil e o Comandante-Geral da Polícia Militar. 

Essa previsão da CE/SP é compatível com a CF/88? NÃO. 

É inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para o Delegado Geral da Polícia Civil. STF. Plenário. ADI 5591/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 20/3/2021 (Info 1010). 

Vamos entender com calma. 

O que é foro por prerrogativa de função? 

Trata-se de uma prerrogativa prevista pela Constituição, segundo a qual as pessoas ocupantes de alguns cargos ou funções somente serão processadas e julgadas criminalmente (não engloba processos cíveis) por determinados Tribunais (TJ, TRF, STJ, STF). 

Razão de existência 

O foro por prerrogativa de função existe porque se entende que, em virtude de determinadas pessoas ocuparem cargos ou funções importantes e de destaque, somente podem ter um julgamento imparcial e livre de pressões se forem julgadas por órgãos colegiados que componham a cúpula do Poder Judiciário. Ex: um Desembargador, caso pratique um delito, não deve ser julgado por um juiz singular, nem pelo Tribunal do qual faz parte, mas sim pelo STJ, órgão de cúpula do Poder Judiciário e, em tese, mais adequado para, no caso concreto, exercer a atividade com maior imparcialidade. Ex2: caso um Senador da República cometa um crime, ele será julgado pelo STF. 

Onde estão previstas as regras sobre o foro por prerrogativa de função? 

Em regra, os casos de foro por prerrogativa de função são previstos na Constituição Federal. Exs: art. 102, I, “b” e “c”; art. 105, I, “a”. As Constituições estaduais podem prever casos de foro por prerrogativa de função desde que seja respeitado o princípio da simetria com a Constituição Federal. Isso significa que a autoridade estadual que “receber” o foro por prerrogativa na Constituição Estadual deve ser equivalente a uma autoridade federal que tenha foro por prerrogativa de função na Constituição Federal. Essa autorização para que as Constituições Estaduais prevejam hipóteses de foro por prerrogativa de função no TJ existe por força do art. 125, § 1º, da CF/88: 

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. 

Assim, à luz do disposto no art. 125, § 1º, da Constituição Federal, o constituinte estadual possui legitimidade para fixar a competência do Tribunal de Justiça e, por conseguinte, estabelecer a prerrogativa de foro às autoridades que desempenham funções similares na esfera federal. O poder dos Estados-membros de definirem, em suas constituições, a competência dos tribunais de justiça está limitado pelos princípios da Constituição Federal (arts. 25, § 1º, e 125, § 1º). Extrapola a autonomia do estado previsão, em constituição estadual, que confere foro privilegiado a Delegado Geral da Polícia Civil. A autonomia dos estados para dispor sobre autoridades submetidas a foro privilegiado não é ilimitada, não pode ficar ao arbítrio político do constituinte estadual e deve seguir, por simetria, o modelo federal. No caso concreto, a CF/88 não prevê foro por prerrogativa de função para o Delegado-Geral da Polícia Federal, por exemplo. Logo, a instituição de foro por prerrogativa de função para o Delegado Geral da Polícia Civil não encontra simetria no modelo federal. 

Julgado correlato: 

É inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função, no Tribunal de Justiça, para Procuradores do Estado, Procuradores da ALE, Defensores Públicos e Delegados de Polícia. A CF/88, apenas excepcionalmente, conferiu prerrogativa de foro para as autoridades federais, estaduais e municipais. Assim, não se pode permitir que os Estados possam, livremente, criar novas hipóteses de foro por prerrogativa de função. STF. Plenário. ADI 2553/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/5/2019 (Info 940).

DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR - Convocação de concludentes do curso de Medicina e que haviam sido dispensados do serviço militar obrigatório por excesso de contingente: não há repercussão geral por ausência de questão constitucional

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1010-stf.pdf

DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR - Convocação de concludentes do curso de Medicina e que haviam sido dispensados do serviço militar obrigatório por excesso de contingente: não há repercussão geral por ausência de questão constitucional 

Não alcança envergadura constitucional a controvérsia relativa à convocação para o serviço militar obrigatório de estudante de Medicina — após a conclusão do curso —, anteriormente dispensado por excesso de contingente. STF. Plenário. RE 754276/RS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 20/3/2021 (Info 1010). 

Imagine a seguinte situação adaptada: Lucas, quando completou 18 anos, apresentou-se para o alistamento do serviço militar obrigatório. Ocorre que ele foi dispensado do serviço por excesso de contingente. Logo após concluir a faculdade de Medicina, Lucas foi convocado para servir no Exército como médico. Ele impetrou mandado de segurança e conseguiu obter sentença favorável sob o argumento de que já havia sido dispensado anos antes, não podendo, agora, ser novamente convocado. A União interpôs apelação, mas a sentença foi mantida pelo TRF. Ainda inconformada, a União interpôs recurso extraordinário. 

Ausência de repercussão geral 

A repercussão geral é um pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário previsto no art. 102, § 3º da CF/88: 

Art. 102 (...) § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. 

De acordo com o disposto no art. 1.035, § 1º, do CPC: 

Art. 1.035 (...) § 1º Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo. 

No caso concreto, o STF não conheceu do recurso extraordinário por considerar que não havia matéria constitucional sendo discutida no presente caso. A CF/88 trata sobre o serviço militar obrigatório de forma muito ampla, afirmando que o assunto será disciplinado pela lei: 

Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei. 

Desse modo, a presente controvérsia envolve essencialmente a interpretação da legislação infraconstitucional, não havendo, portanto, questão constitucional a ser dirimida pelo STF. O que se discute, no presente caso, é se a lei impõe, ou não, a obrigatoriedade do serviço militar nesse caso específico. Logo, não há dispositivos constitucionais sendo invocados ou debatidos. 

Em suma: Não alcança envergadura constitucional a controvérsia relativa à convocação para o serviço militar obrigatório de estudante de Medicina — após a conclusão do curso —, anteriormente dispensado por excesso de contingente. STF. Plenário. RE 754276/RS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 20/3/2021 (Info 1010). 

O STF não examinou, portanto, o mérito do recurso. No entanto, irei aplacar a curiosidade que poderá ter surgido em alguns leitores: é possível essa nova convocação para o serviço militar obrigatório depois que o indivíduo concluiu a faculdade de Medicina? 

Como o tema é infraconstitucional, a intepretação final incumbe ao STJ. Este Tribunal decidiu o seguinte: Estudantes de Medicina, Farmácia, Odontologia e Veterinária dispensados por excesso de contingente e que se formaram antes da entrada em vigor da Lei nº 12.336/2010, NÃO ESTÃO sujeitos à prestação do serviço militar obrigatório após o término do curso. Se a pessoa foi dispensada por excesso de contingente antes da Lei nº 12.336/2010, mas concluiu o curso após esta nova Lei, ela poderá ser convocada para o serviço militar obrigatório. STJ. 1ª Seção. EDcl no REsp 1186513/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 12/12/2012. 

A Primeira Seção desta Corte, no julgamento dos embargos de declaração no REsp 1.186.513/RS, realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos, pacificou o entendimento de que os estudantes de Medicina, Farmácia, Odontologia e Veterinária-MFDV, dispensados por excesso de contingente, estão sujeitos à prestação do serviço militar obrigatório após a conclusão do curso, se a convocação tiver ocorrido após a edição da Lei n. 12.336/2010. STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1428717/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 01/03/2021. 

Se quiser aprofundar um pouco mais, veja a explicação abaixo. 

A Lei nº 5.292/67 dispõe sobre a prestação do Serviço Militar pelos estudantes de Medicina, Farmácia, Odontologia e Veterinária e pelos Médicos, Farmacêuticos, Dentistas e Veterinários. Estas pessoas são chamadas pela Lei de “MFDV”, sigla formada pela inicial das profissões. O estudo deste tema precisa ser dividido em antes e depois da Lei nº 12.336/2010, que modificou diversos dispositivos da Lei nº 5.292/67. 

ANTES da Lei nº 12.336/2010 

Se o homem fosse convocado pelo serviço militar obrigatório e estivesse cursando medicina, farmácia, odontologia ou veterinária, poderia adiar sua incorporação até o término do curso. Nesse caso, os MFDV prestariam o serviço militar inicial obrigatório no ano seguinte ao fim do curso. O STJ, interpretando a Lei, possui entendimento pacífico de que os estudantes de MFDV, dispensados por excesso de contingente, antes da Lei nº 12.336/2010, não precisam se submeter ao serviço militar obrigatório após concluírem a faculdade. Assim, os estudantes de MFDV somente seriam obrigados a prestar serviço militar obrigatório após a faculdade se eles foram dispensados pelo simples fato de serem estudantes de tais cursos (o que é chamado de “adiamento de incorporação”). 

Resumindo – estudantes de MFDV – antes da Lei nº 12.336/2010: 

• Dispensados por serem estudantes de MFDV (“adiamento de incorporação”): no primeiro ano após terminarem a faculdade deverão prestar o serviço militar obrigatório; • Dispensados por excesso de contingente (“dispensa de incorporação”): não precisarão prestar o serviço militar obrigatório após concluírem o curso. Obs: as dispensas ocorridas antes da Lei nº 12.336/2010 seguem esta disciplina.

Vejamos agora como ficou o tema com a edição da Lei nº 12.336/2010. 

DEPOIS da Lei nº 12.336/2010 

Com a alteração ocorrida no art. 4º da Lei nº 5.292/67, além dos que adiaram a incorporação, também os que foram dispensados por excesso de contingente deverão prestar o serviço militar ao término da conclusão do curso ou da realização de programa de residência médica. O objetivo do Governo foi o de conseguir a convocação dos MFDV dispensados por excesso de contingente. Veja como é a nova redação do art. 4º: 

Art. 4º Os concluintes dos cursos nos IEs destinados à formação de médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários que não tenham prestado o serviço militar inicial obrigatório no momento da convocação de sua classe, por adiamento ou dispensa de incorporação, deverão prestar o serviço militar no ano seguinte ao da conclusão do respectivo curso ou após a realização de programa de residência médica ou pós-graduação, na forma estabelecida pelo caput e pela alínea ‘a’ do parágrafo único do art. 3º, obedecidas as demais condições fixadas nesta Lei e em sua regulamentação. (Redação dada pela Lei nº 12.336/10) 

Desse modo, o estudante de MFDV dispensado por excesso de contingente do serviço militar obrigatório após a Lei nº 12.336/2010 poderá ser chamado a prestar o serviço militar após concluir a faculdade. Resumindo – estudantes de MFDV – após da Lei nº 12.336/2010: 

• Dispensados por serem estudantes de MFDV (“adiamento de incorporação”): no primeiro ano após terminarem a faculdade deverão prestar o serviço militar obrigatório; 

• Dispensados por excesso de contingente (“dispensa de incorporação”): no primeiro ano após terminarem a faculdade também deverão prestar o serviço militar obrigatório. 

A Lei nº 12.336/2010 entrou em vigor no dia 27 de outubro de 2010. 

Aplicabilidade da Lei nº 12.336/2010 no tempo 

Se a pessoa foi dispensada por excesso de contingente antes da Lei nº 12.336/2010, mas concluiu o curso após esta nova Lei, ela poderá ser convocada para o serviço militar obrigatório? SIM. O STJ decidiu, em recurso especial representativo de controvérsia, que a Lei nº 12.336/2010 deve ser aplicada às pessoas que concluíram o curso de medicina, farmácia, odontologia e veterinária após a sua vigência (27/10/2010) mesmo que já tivessem sido dispensados anteriormente por excesso de contingente (dispensa de incorporação). Nesse sentido: EDcl no REsp 1186513/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 12/12/2012. Em suma, o que define a aplicação ou não das regras da Lei nº 12.336/2010 é a data da colação de grau. Se esta acontecer após a novidade legislativa, será regida pela nova Lei.

CONSTITUCIONAL / CULTURA - É constitucional a exigência editalícia de percentuais mínimos e máximos para a exibição da programação especial de produção local em processos seletivos de outorga dos serviços de radiodifusão

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1010-stf.pdf

CULTURA - É constitucional a exigência editalícia de percentuais mínimos e máximos para a exibição da programação especial de produção local em processos seletivos de outorga dos serviços de radiodifusão 

São constitucionais os procedimentos licitatórios que exijam percentuais mínimos e máximos a serem observados pelas emissoras de rádio na produção e transmissão de programas culturais, artísticos e jornalísticos locais, nos termos do art. 221 da Constituição Federal. STF. Plenário. RE 1070522/PE, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 18/3/2021 (Repercussão Geral – Tema 1013) (Info 1010). 

Exploração dos serviços de rádio ou TV 

Uma pessoa só pode explorar os serviços de rádio ou TV, no Brasil, se tiver recebido uma concessão, permissão ou autorização da União. É o que prevê a Constituição Federal: 

Art. 21. Compete à União: (...) XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; 

Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. 

Decreto nº 52.795/63 

O Decreto nº 52.795/63 regulamenta os serviços de radiodifusão. O referido Decreto trata, inclusive, sobre o procedimento de outorga dos serviços de radiodifusão: 

Art. 6º À União compete, privativamente, autorizar, em todo território nacional, inclusive águas territoriais e espaço aéreo, a execução de serviços de radiodifusão. § 1º Compete ao Presidente da República outorgar, por meio de concessão, a exploração dos serviços de radiodifusão de sons e imagens. § 2º Compete ao Ministro de Estado das Comunicações outorgar, por meio de concessão, permissão ou autorização, a exploração dos serviços de radiodifusão sonora. 

A outorga é feita, em regra, após procedimento licitatório: 

Art. 10. A outorga para execução dos serviços de radiodifusão será precedida de procedimento licitatório, observadas as disposições legais e regulamentares. 

Esse procedimento licitatório é deflagrado mediante a publicação de um edital: 

Art. 13. O edital será elaborado pelo Ministério das Comunicações, observados, dentre outros, os seguintes elementos e requisitos necessários à formulação das propostas para a execução do serviço: I - objeto da licitação; II - valor mínimo da outorga de concessão ou permissão; III - condições de pagamento pela outorga; (...) 

O art. 16, § 1º, alínea “c”, do Decreto, afirma que se for aberto um procedimento licitatório para outorga de rádio, o edital deverá prever percentuais mínimos e máximos de programas locais que deverão ser exibidos pela rádio. Esse é um dos critérios para exame das propostas: 

Art. 16. As propostas serão examinadas e julgadas em conformidade com os quesitos e critérios estabelecidos neste artigo. § 1º Para a classificação das propostas, serão considerados os seguintes critérios, conforme ato do Ministério das Comunicações: a) tempo destinado a programas educativos - máximo de vinte pontos; b) tempo destinado a serviço jornalístico e noticioso - máximo de vinte pontos; c) tempo destinado a programas culturais, artísticos, educativos e jornalísticos a serem produzidos no município de outorga - máximo de trinta pontos; e (...) 

Essa exigência dos percentuais mínimos e máximos é constitucional? SIM. 

É constitucional a exigência editalícia de percentuais mínimos e máximos para a exibição da programação especial de produção local em processos seletivos de outorga dos serviços de radiodifusão. 

STF. Plenário. RE 1070522/PE, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 18/3/2021 (Repercussão Geral – Tema 1013) (Info 1010). 

Trata-se de medida que cuida da articulação entre a disponibilidade dos serviços de radiodifusão e o exercício do direito coletivo de acesso à cultura nacional (art. 215, da CF/88). O conceito de programação especial de produção local (art. 16, § 1º, do Decreto nº 52.795/63) é compatível com o art. 221 da CF/88, que preceitua os princípios norteadores da produção e da programação das emissoras de rádio e televisão: 

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. 

A CF/88 eleva à condição de princípios a “promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação” (art. 221, II) e a “regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei” (CF, art. 221, III). A divulgação do modo de vida, dos costumes e dos acontecimentos locais fortalece o senso de pertencimento dos cidadãos aos municípios. 

Em suma: São constitucionais os procedimentos licitatórios que exijam percentuais mínimos e máximos a serem observados pelas emissoras de rádio na produção e transmissão de programas culturais, artísticos e jornalísticos locais, nos termos do art. 221 da Constituição Federal. STF. Plenário. RE 1070522/PE, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 18/3/2021 (Repercussão Geral – Tema 1013) (Info 1010).

10 de abril de 2021

Informativo 1009/STF: IMPOSTO DE RENDA - Imposto de Renda não incide sobre juros de mora por atraso no pagamento de verbas salariais

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1009-stf.pdf

IMPOSTO DE RENDA - Imposto de Renda não incide sobre juros de mora por atraso no pagamento de verbas salariais 

Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função. STF. Plenário. RE 855091/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/3/2021 (Repercussão Geral – Tema 808) (Info 1009). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João foi demitido sem justa causa da empresa onde trabalhava. Ele ajuizou reclamação trabalhista pedindo o pagamento de verbas que não foram quitadas. O juiz julgou o pedido procedente e condenou a empresa a pagar ao autor R$ 100 mil de verbas remuneratórias, quantia acrescida de juros de mora e correção monetária. Vamos supor, hipoteticamente, que os juros de mora seriam equivalentes a R$ 10 mil. 

João terá que pagar imposto de renda sobre os R$ 100 mil (verbas remuneratórias)? SIM. 

João terá que pagar imposto de renda sobre os R$ 10 mil (juros de mora)? NÃO. 

Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função. STF. Plenário. RE 855091/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/3/2021 (Repercussão Geral – Tema 808) (Info 1009). 

Juros de mora representam a recomposição dos danos emergentes 

Juros moratórios é uma expressão que designa a indenização pelo atraso no pagamento da dívida em dinheiro. Os juros de mora devidos em razão do atraso no adimplemento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função estão fora do campo de incidência do imposto de renda. Esses juros de mora têm por objetivo recompor, de modo estimado, os gastos a mais que o credor precisa suportar em razão do atraso no pagamento da verba de natureza alimentar a que tinha direito. Logo, os juros de mora podem ser considerados como danos emergentes, parcela que não se adequa à materialidade do tributo, por não resultar em acréscimo patrimonial. 

Imposto de renda incide em caso de acréscimo patrimonial 

A materialidade do imposto de renda (art. 153, III, da CF/88) está relacionada à existência de acréscimo patrimonial. Os juros de mora legais não representam acréscimo, considerando que possuem natureza de indenização. Importante esclarecer, no entanto, que o simples fato de uma verba ser denominada “indenizatória” não afasta, por si só, a incidência do imposto de renda. Assim, não é porque uma verba é indenizatória que, obrigatoriamente, estará fora do âmbito de incidência do imposto de renda. A palavra indenização abrange valores recebidos a título de danos emergentes — que não acrescem o patrimônio — e a título de lucros cessantes — tributáveis pelo imposto de renda, porquanto substituiriam o acréscimo patrimonial que deixou de ser auferido em razão de um ilícito. Em tese, o imposto de renda pode alcançar os valores referentes a lucros cessantes, mas não os relativos a danos emergentes. 

No caso concreto, os juros de mora têm o objetivo de recompor as perdas 

Na situação em apreço, os juros de mora não se sujeitam ao imposto de renda, pois visam, precipuamente, recompor efetivas perdas, decréscimos no patrimônio do credor. O atraso no pagamento de remuneração devida ao trabalhador decorrente do exercício de emprego, cargo ou função faz com que ele busque outros meios para atender suas necessidades, como o uso de cheque especial e a obtenção de empréstimos. Não é razoável presumir que o trabalhador aplicaria, durante todo o período em atraso, a integralidade da verba não recebida tempestivamente em algum instrumento que lhe gerasse renda equivalente aos juros de mora. Ademais, a expressão “juros moratórios” é própria do direito civil e, para o legislador, o não recebimento nas datas correspondentes dos valores em dinheiro aos quais se tem direito implica em prejuízo. Mesmo que se considere abranger lucros cessantes além de danos emergentes, não se vislumbra a possibilidade de os juros de mora no aludido contexto serem submetidos à tributação pelo imposto de renda sem se ferir o conteúdo mínimo da materialidade do tributo. Isso, porque o imposto acabaria incidindo sobre danos emergentes. 

Não recepção do art. 16 da Lei nº 4.506/64 

O parágrafo único do art. 16 da Lei nº 4.506/64 determina a incidência do imposto de renda sobre os juros de mora decorrentes de atraso no pagamento de salários, gratificações e outras verbas remuneratórias. Desse modo, se fossemos aplicar esse dispositivo, João teria que pagar imposto de renda sobre o valor recebido a título de juros de mora. Ocorre que o STF declarou que o parágrafo único do art. 16 da Lei nº 4.506/64 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 porque essa verba não representa acréscimo patrimonial, de forma que a cobrança do tributo nesse caso contraria o art. 153, III, da CF/88. 

Situação é de não incidência (não se trata de isenção) 

Importante destacar que o STJ, há muito tempo, possui o seguinte entendimento a respeito do tema: Não incide imposto de renda sobre os juros moratórios legais vinculados a verbas trabalhistas reconhecidas em decisão judicial. STJ. 1ª Seção. EDcl no REsp 1227133/RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 23/11/2011. 

Vale ressaltar, no entanto, que o argumento jurídico para o STJ chegar a essa conclusão era algo controvertido: 

• alguns Ministros do STJ entendiam que não deveria haver o pagamento do imposto de renda porque os juros de mora não representam acréscimo patrimonial e, portanto, seria caso de não incidência. É o mesmo fundamento jurídico agora utilizado pelo STF. 

• outros Ministros do STJ disseram que não deveria haver o pagamento do imposto de renda porque o art. 6º, V, da Lei nº 7.713/88 prevê uma regra de isenção do IR sobre as verbas indenizatórias pagas por ocasião da despedida ou rescisão do contrato de trabalho: 

Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: (...) V - a indenização e o aviso prévio pagos por despedida ou rescisão de contrato de trabalho, até o limite garantido por lei, bem como o montante recebido pelos empregados e diretores, ou respectivos beneficiários, referente aos depósitos, juros e correção monetária creditados em contas vinculadas, nos termos da legislação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço; 

Assim, para esse segundo grupo de Ministros, a situação se amolda ao fato gerador do imposto de renda, mas o legislador decidiu dispensar o pagamento. Agora, com a decisão do STF, essa segunda argumentação deve ser abandonada porque ficou decidido expressamente que o caso é de não incidência. Confira as palavras do Min. Dias Toffoli: “A meu sentir, os juros de mora legais, no contexto em tela, estão fora do campo de incidência do imposto de renda, pois visam, precipuamente, recompor efetivas perdas, decréscimos, não implicando aumento de patrimônio do credor. A hipótese, portanto, é de não incidência tributária e não de isenção ou exclusão de base de cálculo.”

Informativo 1009/STF: TRIBUNAL DO JÚRI - A tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1009-stf.pdf

TRIBUNAL DO JÚRI - A tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero 

Ao apreciar medida cautelar em ADPF, o STF decidiu que: a) a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, da CF/88); b) deve ser conferida interpretação conforme à Constituição ao art. 23, II e art. 25, do CP e ao art. 65 do CPP, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa; e c) a defesa, a acusação, a autoridade policial e o juízo são proibidos de utilizar, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento. STF. Plenário. ADPF 779 MC-Ref/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/3/2021 (Info 1009). 

A situação concreta foi a seguinte: 

O Partido Democrático Trabalhista (PDT) ajuizou ADPF pedindo para que o STF confira interpretação conforme à Constituição ao art. 23, II e art. 25, do CP e ao art. 65 do CPP e deixe claro que não é juridicamente possível invocar a tese da legítima defesa da honra. O autor alegou que a tese da legítima defesa da honra viola o art. 1º, III, o art. 3º, IV, e o art. 5º, LIV, da Constituição Federal. Vale ressaltar que, quando se fala em legítima defesa da honra, para os fins desse julgado, está se referindo “ao perdão do autor de feminicídio ou agressão praticado contra a esposa ou companheira adúltera”.  

Medida cautelar foi deferida 

No dia 26/02/2021, o Min. Dias Toffoli, monocraticamente, concedeu parcialmente a medida cautelar pleiteada pelo autor. No dia 15/03/2021, o STF se reuniu e referendou a medida cautelar. Desse modo, o STF entendeu que a chamada “legítima defesa da honra” não encontra qualquer amparo no ordenamento jurídico pátrio. Vamos entender o que foi decidido. 

Atecnia da tese da “legítima defesa da honra” 

Inicialmente, cumpre ressaltar que “legítima defesa da honra” não é, tecnicamente, legítima defesa. Tanto isso é verdade que essa tese é quase que exclusivamente invocada no Tribunal do Júri, no qual, em virtude da plenitude da defesa (art. 5º, XXXVIII, da CF/88), admite-se a utilização não apenas de argumentos jurídicos, mas também extrajurídicos. A legítima defesa é uma das causas excludentes da ilicitude previstas no Código Penal, as quais, consoante o teor do art. 23, excluem a configuração de um crime, e, consequentemente, afastam a aplicação da lei penal, tendo em vista a condição específica em que foi praticado determinado fato típico: 

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: (...) II - em legítima defesa; 

O art. 25 explica quando ficará caracterizada a legítima defesa: 

Legítima defesa 

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. 

Como se vê, o instituto caracteriza-se pela conjunção dos seguintes elementos: a) agressão injusta (atual ou iminente); b) proteção a direito próprio ou de terceiro; c) uso moderado dos meios necessários para repelir essa agressão (proibição do excesso); d) presença de um ânimo de defesa (animus defendendi). Isso porque é preciso que o agente saiba que atua nessa condição, ou, pelo menos, acredita agir assim. 

A legítima defesa é uma hipótese excepcional na qual o ordenamento jurídico admite que se afaste a aplicação da lei penal. Logo, somente se justifica se estiverem preenchidos os requisitos acima listados. Se os requisitos estiverem preenchidos, não há crime porque nesse caso o direito não atribui desvalor à conduta, já que ela foi praticada no exercício da proteção de um bem jurídico contra uma ofensa perpetrada por outrem. Diante dessa breve exposição do instituto, constata-se que a “legítima defesa da honra”, na realidade, não configura tecnicamente “legítima defesa”. A traição se encontra inserida no contexto das relações amorosas, sendo que tanto homens quanto mulheres estão suscetíveis de praticá-la ou de sofrê-la. Eventual desvalor ou censura ao ato de traição é algo restrito aos âmbitos ético e moral. Logo, não existe o direito subjetivo de agir com violência contra uma pessoa que traiu. Informativo comentado. Aliás, foi imbuído desse espírito e para evitar que a autoridade judiciária absolvesse o agente que agiu movido por ciúme ou outras paixões e emoções que o legislador ordinário inseriu no atual Código Penal a regra do art. 28, segundo a qual: Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal: I - a emoção ou a paixão; (...) 

Conforme explica Fernando Capez: “todos os direitos são suscetíveis de legítima defesa, tais como a vida, a liberdade, a integridade física, o patrimônio, a honra etc., bastando que esteja tutelado pela ordem jurídica. Dessa forma, o que se discute não é a possibilidade da legítima defesa da honra e sim a proporcionalidade entre a ofensa e a intensidade da repulsa. Nessa medida, não poderá, por exemplo, o ofendido, em defesa da honra, matar o agressor, ante a manifesta ausência de moderação. No caso de adultério, nada justifica a supressão da vida do cônjuge adúltero, não apenas pela falta de moderação, mas também devido ao fato de que a honra é um atributo de ordem personalíssima, não podendo ser considerada ultrajada por um ato imputável a terceiro, mesmo que este seja a esposa ou o marido do adúltero.” (Execução Penal – Simplificado. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 309-310). 

Aquele que pratica feminicídio ou usa de violência, com a justificativa de reprimir um adultério não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional de forma covarde e criminosa. Assim sendo, o adultério não configura uma agressão injusta apta a excluir a antijuridicidade de um fato típico, pelo que qualquer ato violento perpetrado nesse contexto deve estar sujeito à repressão do direito penal. 

Da ofensa constitucional à dignidade da pessoa humana, à vedação de discriminação e ao direito à vida e à igualdade 

Apesar da alcunha de “legítima defesa”, instituto técnico-jurídico amplamente amparado no direito brasileiro, a chamada “legítima defesa da honra” corresponde, na realidade, a recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo imensamente para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil. A ideia que subjaz à “legítima defesa da honra” - perdão do autor de feminicídio ou agressão praticado contra a esposa ou companheira adúltera - tem raízes arcaicas no direito brasileiro, constituindo um ranço, na retórica de alguns operadores do direito, de institucionalização da desigualdade entre homens e mulheres e de tolerância e naturalização da violência doméstica, as quais não têm guarida na Constituição de 1988. Com efeito, a “honra masculina” já foi um bem jurídico protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro, como se verificava, à época da colônia, no Livro V, Título XXXVIII, das Ordenações Filipinas, no qual se concedia ao homem o direito de matar sua esposa quando flagrada em adultério. Isso não é mais tolerado. A ideia de legítima defesa da honra é anacrônica e remonta a uma concepção rigidamente hierarquizada de família, na qual a mulher ocupa posição subalterna e tem restringida sua dignidade e sua autodeterminação. Segundo essa percepção, o comportamento da mulher, especialmente no que se refere à sua conduta sexual, seria uma extensão da reputação do “chefe de família”, que, sentindo-se desonrado, agiria para corrigir ou cessar o motivo da desonra. O argumento da “legítima defesa da honra” normaliza e reforça uma compreensão de desvalor da vida da mulher, tomando-a como ser secundário cuja vida pode ser suprimida em prol da afirmação de uma suposta honra masculina. Isso também está em descompasso com os objetivos fundamentais contidos no art. 3º da Carta Magna, especialmente os seguintes: “I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”; e “IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Trata-se, além do mais, de tese que viola os direitos à vida e à igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, caput e incisos I, da CF/88), também pilares de nossa ordem constitucional. A ofensa a esses direitos concretiza-se, sobretudo, no estímulo à perpetuação da violência contra a mulher e do feminicídio. A aceitação da tese da legítima defesa da honra tem o potencial de estimular práticas violentas contra as mulheres ao exonerar seus perpetradores da devida sanção. É dever do Estado criar mecanismos para coibir o feminicídio e a violência doméstica, a teor do que dispõe o art. 226, § 8º, da CF/88, segundo o qual o “Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”. Decorre da norma constitucional em tela não somente a obrigação do Estado de adotar condutas positivas, mas também o dever de não ser conivente e de não estimular a violência doméstica e o feminicídio. Por todo o exposto, o STF concluiu que o argumento da tese da “legítima defesa da honra” é prática que não se sustenta à luz da Constituição de 1988, por ofensiva à dignidade da pessoa humana, à vedação de discriminação e aos direitos à igualdade e à vida, não devendo ser veiculada no curso do processo penal nas fases pré-processual e processual, sob pena de nulidade do respectivo ato postulatório e do julgamento, inclusive quando praticado no tribunal do júri. 

Tribunal do júri e plenitude de defesa 

A plenitude de defesa é princípio constitucional essencial à instituição do tribunal do júri e está inscrita no rol de direitos e garantias fundamentais da Carta Magna, nos termos do art. 5º, XXXVIII, “a”, da CF/88. A Constituição garante aos réus submetidos ao tribunal do júri plenitude de defesa, no sentido de que são cabíveis argumentos jurídicos e não jurídicos – sociológicos, políticos e morais, por exemplo -, para a formação do convencimento dos jurados. Apesar disso, a “legítima defesa da honra” consiste não apenas em um argumento atécnico e extrajurídico, mas também em uma estratégia cruel, ofensiva à dignidade da pessoa humana, aos direitos à igualdade e à vida e totalmente discriminatória contra a mulher, por contribuir com a perpetuação da violência doméstica e do feminicídio no país. Com efeito, como bem colocou o Ministro do STJ Rogério Schietti, no julgamento do AREsp nº 1.553.933/SC, “é surpreendente ver ainda essa tese sustentada por profissional do Direito (…) como se a decisão judicial que afastou tão esdrúxula tese fosse contrária à lei penal. Como pretender lícito, ou conforme ao Direito (...), o comportamento de ceifar, covardemente a vida de uma mulher companheira[?]” Logo a legítima defesa da honra, nessa perspectiva, não pode ser invocada como argumento jurídico ou não jurídico mesmo diante da plenitude de defesa própria do Tribunal do Júri. A cláusula que garante a plenitude de defesa no Júri não pode se constituir em instrumento para a salvaguarda de práticas ilícitas. Vale ressaltar que não existem garantias individuais de ordem absoluta, especialmente com escopo de salvaguardar práticas ilícitas (STF. 2ª Turma. RHC 132.115, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 9/3/17). Assim, em uma ponderação de interesses, a dignidade da pessoa humana, a proibição de todas as formas de discriminação, o direito à igualdade e o direito à vida prevalecem sobre a plenitude da defesa, tendo em vista os riscos elevados e sistêmicos decorrentes da naturalização, da tolerância e do incentivo à cultura da violência doméstica e do feminicídio. 

O art. 483, § 2º, do CPP e a soberania dos veredictos 

O art. 483, III c/c o § 2º, do CPP prevê a possibilidade de, no Tribunal do Júri, ocorrer a absolvição genérica ou por clemência: 

Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: I – a materialidade do fato; II – a autoria ou participação; III – se o acusado deve ser absolvido; IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. (...) § 2º Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado? 

O art. 593, III, “d”, do CPP, afirma que é possível interpor apelação contra a decisão dos jurados se o veredicto for manifestamente contrário à prova dos autos: Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (...) III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: (...) d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. Ocorre que, em razão da previsão constitucional da soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, “c”), prevalece no STF o entendimento de que não cabe apelação com fundamento no art. 593, III, “d”, do CPP (decisão manifestamente contrária à prova dos autos) se o júri absolver o réu por clemência: A absolvição do réu, ante resposta a quesito genérico de absolvição previsto no art. 483, § 2º, do CPP, não depende de elementos probatórios ou de teses veiculadas pela defesa. Isso porque vigora a livre convicção dos jurados. Em razão da norma constitucional que consagra a soberania dos veredictos, a sentença absolutória de Tribunal do Júri, fundada no quesito genérico de absolvição, não implica nulidade da decisão a ensejar apelação da acusação. Os jurados podem absolver o réu com base na livre convicção e independentemente das teses veiculadas, considerados elementos não jurídicos e extraprocessuais. STF. 1ª Turma. HC 178777/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/9/2020 (Info 993). 

Em face da reforma introduzida no procedimento do Tribunal do Júri (Lei 11.689/2008), é incongruente o controle judicial, em sede recursal (art. 593, III, “d”, do CPP), das decisões absolutórias proferidas com fundamento no art. 483, III e § 2º, do CPP. STF. 2ª Turma. RHC 192431 Segundo AgR/SP e RHC 192432 Segundo AgR/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 23/2/2021 (Info 1007). 

Na reforma legislativa de 2008, alterou-se substancialmente o procedimento do júri, inclusive a sistemática de quesitação aos jurados. Inseriu-se um quesito genérico e obrigatório, em que se pergunta ao julgador leigo: “O jurado absolve o acusado?” (art. 483, III e §2º, CPP). Ou seja, o Júri pode absolver o réu sem qualquer especificação e sem necessidade de motivação. Considerando o quesito genérico e a desnecessidade de motivação na decisão dos jurados, configura-se a possibilidade de absolvição por clemência, ou seja, mesmo em contrariedade manifesta à prova dos autos. Se ao responder o quesito genérico o jurado pode absolver o réu sem especificar os motivos, e, assim, por qualquer fundamento, não há absolvição com tal embasamento que possa ser considerada “manifestamente contrária à prova dos autos”. Limitação ao recurso da acusação com base no art. 593, III, “d”, CPP, se a absolvição tiver como fundamento o quesito genérico (art. 483, III e §2º, CPP). Inexistência de violação à paridade de armas. Presunção de inocência como orientação da estrutura do processo penal. Inexistência de violação ao direito ao recurso (art. 8.2.h, CADH). Possibilidade de restrição do recurso acusatório. STF. 2ª Turma. HC 185068, Rel. Celso de Mello, Relator p/ Acórdão Gilmar Mendes, julgado em 20/10/2020. 

Como compatibilizar esse entendimento do STF acima explicado com a tese de que não se admite a legítima defesa da honra? 

• a maioria do STF continua entendendo que, em regra, o Ministério Público não pode recorrer de decisão absolutória do tribunal do júri baseada em quesito absolutório genérico (art. 483, III, c/c § 2º) alegando que a decisão foi manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, III, “d”, CPP). Isso não mudou; 

• o STF entende que o acusado de feminicídio não pode ser absolvido, na forma do art. 483, III, § 2º, do CPP, com base na tese da “legítima defesa da honra”; 

• assim, é proibido que a defesa, a acusação, a autoridade policial ou o magistrado utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante julgamento perante o tribunal do júri; 

• se, mesmo com a proibição, houver a invocação/aceitação dessa tese, isso acarretará a nulidade do ato e do julgamento; 

• se a defesa lançar mão, direta ou indiretamente, da tese da legítima defesa da honra no plenário do júri e o réu for absolvido, será possível que o Ministério Público interponha apelação, mas não com base no art. 593, III, “d”, do CPP (decisão manifestamente contrária à prova dos autos) e sim com fundamento na nulidade do julgamento (art. 593, III, “a”, do CPP): 

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (...) III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; (...) 

Resumindo: Ao apreciar medida cautelar em ADPF, o STF decidiu que: 

a) a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, da CF/88); 

b) deve ser conferida interpretação conforme à Constituição ao art. 23, II e art. 25, do CP e ao art. 65 do CPP, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa; e 

c) a defesa, a acusação, a autoridade policial e o juízo são proibidos de utilizar, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento. 

STF. Plenário. ADPF 779 MC-Ref/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/3/2021 (Info 1009).

Informativo 1009/STF: SERVIÇOS PÚBLICOS - É constitucional o Programa de Parcerias de Investimentos, instituído pela MP 727/2016, convertida na Lei nº 13.334/2016

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1009-stf.pdf

SERVIÇOS PÚBLICOS - É constitucional o Programa de Parcerias de Investimentos, instituído pela MP 727/2016, convertida na Lei nº 13.334/2016 

O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) destinado à ampliação e ao fortalecimento da interação entre o Estado e a iniciativa privada (MP 727/2016, convertida na Lei nº 13.334/2016) não afronta os princípios da Administração Pública e da proteção do meio ambiente e dos índios (art. 23, VI, art. 37, caput e art. 231, § 2º, da CF/88). STF. Plenário. ADI 5551/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 13/3/2021 (Info 1009). 

Programa de Parcerias de Investimentos 

A Lei nº 13.334/2016 criou o Programa de Parcerias de Investimentos - PPI, com o objetivo de ampliar e fortalecer a interação entre o Estado e a iniciativa privada, por meio da celebração de contratos de parceria para a execução de empreendimentos públicos de infraestrutura e de outras medidas de desestatização. Vale ressaltar que a Lei nº 13.334/2016 é fruto da conversão da Medida Provisória nº 727/2016. 

ADI 

O Partido dos Trabalhadores (PT) ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei. 

O que o STF decidiu? O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), instituído pela MP 727/2016, convertida na Lei nº 13.334/2016, é inconstitucional? 

NÃO. Por meio do PPI é implementada política pública nas contratações estatais para a execução de empreendimentos de infraestrutura, tidas como de importância fundamental e urgente pelas autoridades administrativas e governamentais competentes para a definição das políticas públicas. Vale ressaltar que não se trata da criação de uma nova forma de contratação pública. O programa nacional abrange instrumentos legais já existentes no ordenamento jurídico, como se extrai do § 2º do art. 1º: 

Art. 1º (...) § 2º Para os fins desta Lei, consideram-se contratos de parceria a concessão comum, a concessão patrocinada, a concessão administrativa, a concessão regida por legislação setorial, a permissão de serviço público, o arrendamento de bem público, a concessão de direito real e os outros negócios público-privados que, em função de seu caráter estratégico e de sua complexidade, especificidade, volume de investimentos, longo prazo, riscos ou incertezas envolvidos, adotem estrutura jurídica semelhante. 

A possibilidade de empreendimentos públicos de infraestrutura dos Estados, Distrito Federal e Municípios serem incluídos no PPI (art. 1º, § 1º, II) também não afronta a autonomia político-administrativa daqueles entes federativos: 

Art. 1º (...) § 1º Podem integrar o PPI: (...) II - os empreendimentos públicos de infraestrutura que, por delegação ou com o fomento da União, sejam executados por meio de contratos de parceria celebrados pela administração pública direta ou indireta dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios; e 

Isso porque não se confere à União possibilidade de ingerência na gestão de contratos celebrados por Estados, Distrito Federal ou Municípios ou em suas escolhas administrativas. O que a lei estabelece é apenas que os empreendimentos executados por aqueles entes com o fomento da União ou mediante delegação deverão integrar o PPI, o que se mostra compatível com os princípios da eficiência e do controle, notadamente pela responsabilidade do ente federal nestes casos. Cabe destacar que, pelo teor da norma do art. 6º, tornou-se expresso apenas o poder regulamentar da Administração Pública para a consecução dos fins estatais, ou seja, para a implementação do PPI estatuído em lei. Veja: 

Art. 6º Os órgãos, entidades e autoridades da administração pública da União com competências relacionadas aos empreendimentos do PPI formularão programas próprios visando à adoção, na regulação administrativa, independentemente de exigência legal, das práticas avançadas recomendadas pelas melhores experiências nacionais e internacionais, inclusive: 

I - edição de planos, regulamentos e atos que formalizem e tornem estáveis as políticas de Estado fixadas pelo Poder Executivo para cada setor regulado, de forma a tornar segura sua execução no âmbito da regulação administrativa, observadas as competências da legislação específica, e mediante consulta pública prévia; 

II - eliminação de barreiras burocráticas à livre organização da atividade empresarial; 

III - articulação com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, bem como com a Secretaria de Acompanhamento Econômico - SEAE do Ministério da Fazenda, para fins de compliance com a defesa da concorrência; e 

IV - articulação com os órgãos e autoridades de controle, para aumento da transparência das ações administrativas e para a eficiência no recebimento e consideração das contribuições e recomendações. 

Nesse ponto, não se vislumbra contrariedade aos princípios da reserva legal ou da separação dos Poderes, porque pela norma não se transferiu ao Poder Executivo a disciplina de matéria de competência do Congresso Nacional. 

Determina-se que os órgãos, entidades e agentes públicos com competência para a prática de atos administrativos relacionados ao PPI deverão aplicar, na regulação administrativa, as “práticas avançadas recomendadas pelas melhores experiências nacionais e internacionais”, preceito que atende ao princípio da eficiência insculpido no art. 37 da CF/88. 

Também está expresso na norma que a regulação administrativa deve observar “as competências da legislação específica” (art. 6º, I), exigindo-se também a “articulação com os órgãos e autoridades de controle, para aumento da transparência das ações administrativas e para a eficiência no recebimento e consideração das contribuições e recomendações”, preceitos alinhados aos princípios da probidade e publicidade. 

Ademais, a norma exige da Administração Pública, na avaliação e na execução de empreendimentos do PPI, atuação coerente com o caráter prioritário da política pública (art. 17), evitando-se contradições entre órgãos e entidades, gastos públicos desnecessários e procrastinações indevidas, sem que tanto signifique, autorize ou permita a supressão ou diminuição de obrigação do cumprimento de princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da motivação, da probidade, da publicidade e da moralidade administrativa. 

Tampouco pela norma se autoriza diminuição ou amesquinhamento, sob qualquer pretexto, do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado (art. 225 da CF/88). Cabe aos agentes públicos e órgãos estatais responsáveis pelo controle, fiscalização e implementação dos empreendimentos do PPI a Informativo comentado observância das regras de direito ambiental e dos princípios que lhes são inerentes, notadamente os princípios do desenvolvimento sustentável, da prevenção e da precaução. 

Além disso, nenhum empreendimento, público ou privado, pode sobrepor-se aos direitos originários dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam (art. 231, § 2º, da CF/88), sendo nulos os atos de disposição de imóveis cujo objeto seja o domínio e a posse de suas terras, que devem ser praticados em observância aos dispositivos constitucionais sobre a matéria. 

Com base nas razões expostas, o Plenário do STF, por unanimidade, julgou improcedente o pedido no tocante ao inciso II do § 1º e ao caput do art. 1º, ao art. 6º e ao art. 18 da MP 727/2016, convertida na Lei 13.334/2016. 

Em suma: O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) destinado à ampliação e ao fortalecimento da interação entre o Estado e a iniciativa privada (MP 727/2016, convertida na Lei nº 13.334/2016) não afronta os princípios da Administração Pública e da proteção do meio ambiente e dos índios (art. 23, VI, art. 37, caput e art. 231, § 2º, da CF/88). STF. Plenário. ADI 5551/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 13/3/2021 (Info 1009)

Informativo 1009/STF: PROCESSO LEGISLATIVO - Não há inconstitucionalidade formal no fato de a lei ter sido aprovada pelo Congresso Nacional por meio de votação virtual em razão da pandemia da Covid-19

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1009-stf.pdf

PROCESSO LEGISLATIVO - Não há inconstitucionalidade formal no fato de a lei ter sido aprovada pelo Congresso Nacional por meio de votação virtual em razão da pandemia da Covid-19 

A tramitação de projeto de lei por meio de sistema de deliberação remota não viola as normas do processo legislativo. Isso porque o fato de as sessões deliberativas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados terem acontecido por meio virtual não afasta a participação e o acompanhamento da população em geral. Ambas as Casas Legislativas fornecem meios de comunicação de amplo e fácil acesso, em tempo real, em relação ao exercício da atividade legislativa. Ademais, a circunstância de se estar diante de uma pandemia, cujo vírus se revelou altamente contagioso, justifica a prudente opção do Congresso Nacional em prosseguir com suas atividades por meio eletrônico. STF. Plenário. ADI 6442/DF, ADI 6447/DF, ADI 6450/DF e ADI 6525/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/3/2021 (Info 1009). 

O caso concreto foi o seguinte: 

Em 28/05/2020, foi publicada a Lei Complementar 173/2020, que estabeleceu o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus (Covid-19). Vale ressaltar que, quando essa lei foi aprovada, o Congresso Nacional não estava funcionando em regime presencial. Os Deputados Federais e Senadores estavam trabalhando por meio de reuniões virtuais. Diante disso, foi proposta a ADI 6447 contra a LC 173/2020 na qual uma das alegações foi a de inconstitucionalidade formal. Argumentou-se que a lei seria inconstitucional por ter sido promulgada por votação realizada em meio eletrônico, “sem o acesso da população e sem a possibilidade de participação dos interessados no processo decisório”, o que teria violado a necessidade de participação democrática na atividade legislativa. 

O STF acolheu o argumento do autor da ADI? 

NÃO. O trâmite do projeto de lei que culminou na promulgação da LC 173/2020, no tocante ao processo legislativo realizado em meio virtual, não violou o texto constitucional. Em decorrência da pandemia do coronavírus, diversas medidas sanitárias e de distanciamento social foram recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como forma de evitar e/ou diminuir a disseminação da Covid-19. O Senado Federal, atento às recomendações sanitárias, editou o Ato da Comissão Diretora 7/2020, pelo qual instituiu o Sistema de Deliberação Remota no âmbito daquela Casa. Vale ressaltar que a deliberação por meio eletrônico segue a mesma lógica e medidas das presenciais, permitindo aos parlamentares tanto o debate da matéria quanto a sua votação. Cada parlamentar recebe senhas de acesso para a votação, que são certificadas por meio de reconhecimento, sendo impositivo aos senadores e às senadoras a utilização de dispositivo eletrônico com câmera frontal. O Presidente da sessão comanda toda a votação de uma sala no Senado Federal. Todas as sessões virtuais são transmitidas ao vivo pela Rádio Senado, pela TV Senado e pelo canal da TV Senado no YouTube, Facebook e Twitter. Assim, o simples fato de as sessões deliberativas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, a respeito da então vindoura LC 173/2020, terem acontecido por meio virtual não afasta a participação e o acompanhamento da população em geral. Como visto, ambas as Casas Legislativas fornecem meios de comunicação de amplo e fácil acesso, em tempo real, em relação ao exercício da atividade legislativa. Não há se falar, portanto, em violação ao processo legislativo em razão de as deliberações terem ocorrido por meio do Sistema de Deliberação Remota, sobretudo quando se está diante de uma pandemia, cujo vírus se revelou altamente contagioso, o que justifica, ainda mais, a prudente opção do Congresso Nacional em prosseguir com suas atividades por meio eletrônico. 

Em suma: 

A tramitação de projeto de lei por meio de sistema de deliberação remota não viola as normas do processo legislativo. Isso porque o fato de as sessões deliberativas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados terem acontecido por meio virtual não afasta a participação e o acompanhamento da população em geral. Ambas as Casas Legislativas fornecem meios de comunicação de amplo e fácil acesso, em tempo real, em relação ao exercício da atividade legislativa. Ademais, a circunstância de se estar diante de uma pandemia, cujo vírus se revelou altamente contagioso, justifica a prudente opção do Congresso Nacional em prosseguir com suas atividades por meio eletrônico. STF. Plenário. ADI 6442/DF, ADI 6447/DF, ADI 6450/DF e ADI 6525/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/3/2021 (Info 1009).

Informativo 1009/STF: PUBLICIDADE - A redução da transparência dos dados referentes à Covid-19 viola o direito de acesso à informação, os princípios da publicidade e transparência da Administração Pública e o direito à saúde

Fonte: Dizer o Direito

https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1009-stf.pdf


PUBLICIDADE - A redução da transparência dos dados referentes à Covid-19 viola o direito de acesso à informação, os princípios da publicidade e transparência da Administração Pública e o direito à saúde

É necessária a manutenção da divulgação integral dos dados epidemiológicos relativos à pandemia da Covid-19. A interrupção abrupta da coleta e divulgação de importantes dados epidemiológicos, imprescindíveis para a análise da série histórica de evolução da pandemia (Covid-19), caracteriza ofensa a preceitos fundamentais da Constituição Federal, nomeadamente o acesso à informação, os princípios da publicidade e da transparência da Administração Pública e o direito à saúde. STF. Plenário. ADPF 690/DF, ADPF 691/DF e ADPF 692 /DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 13/03/2021 (Info 1009). 

A situação concreta foi a seguinte: 

Em 08/06/2020, a Rede Sustentabilidade, o PCdoB e o PSol ajuizaram no STF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) na qual contestam atos do Poder Executivo Federal que restringiram a publicidade dos dados relacionados à Covid-19. 

Na ação, os partidos pedem que o Ministério da Saúde seja obrigado a dar publicidade, diariamente, até às 19h30, dos dados sobre casos confirmados, óbitos, recuperados, hospitalizados e outros. No pedido, os partidos afirmam que, por três dias seguidos na semana anterior ao ajuizamento da ação, o Ministério da Saúde retardou a divulgação dos dados sobre a pandemia em sua página na internet. Posteriormente, sem nenhuma justificativa legítima, alterou o formato do Balanço Diário da Covid-19, omitindo dados como o total de casos confirmados, de casos recuperados e de óbitos, o acumulado nos últimos três dias, o número de mortes em investigação e o de pacientes que ainda estão em acompanhamento. 

Para os partidos, a retenção dessas informações inviabiliza o acompanhamento do avanço da Covid-19 no Brasil e atrasa a implementação de políticas públicas sanitárias de controle e prevenção da doença, além de representar afronta à população o fato de existir qualquer intenção de manipulação de dados. Os partidos alegam que as medidas violam preceitos fundamentais da Constituição Federal que tratam do direito à vida e à saúde, do dever de transparência da administração pública e do interesse público. 

Decisão monocrática 

No dia 09/06/2020, o Min. Relator Alexandre de Moraes deferiu a medida liminar para determinar ao Ministro da Saúde que mantenha, em sua integralidade, a divulgação diária dos dados epidemiológicos relativos à pandemia (Covid-19), inclusive no site. 

Confirmação da liminar 

No dia 20/11/2020, o Plenário do STF referendou a medida cautelar concedida (Info 1000 do STF). Julgamento do mérito No dia 13/03/2021, o STF apreciou em definitivo as ações e julgou parcialmente procedentes os pedidos para determinar que o Ministério da Saúde mantenha, em sua integralidade, a divulgação diária dos dados epidemiológicos relativos à pandemia (COVID-19), inclusive no sítio do Ministério da Saúde e com os números acumulados de ocorrências, exatamente conforme realizado até o dia 4 de junho de 2020. 

Principais argumentos 

A saúde é direito de todos e dever do Estado. Uma das principais finalidades do Estado é a efetividade de políticas públicas destinadas à saúde, inclusive as ações de vigilância epidemiológica, entre elas o fornecimento de todas as informações necessárias ao planejamento e combate da pandemia causada pela Covid-19. A gravidade da emergência ocasionada pela Covid-19 exige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção das medidas possíveis para o apoio e manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde. 

A CF/88 consagrou expressamente o princípio da publicidade como um dos vetores imprescindíveis à Administração Pública, conferindo-lhe absoluta prioridade na gestão administrativa e garantindo pleno acesso às informações a toda a sociedade. 

À consagração constitucional de publicidade e transparência corresponde a obrigatoriedade do Estado em fornecer as informações necessárias à sociedade. O acesso às informações consubstancia-se em verdadeira garantia instrumental ao pleno exercício do princípio democrático. 

Assim, salvo situações excepcionais, a Administração Pública tem o dever de absoluta transparência na condução dos negócios públicos, sob pena de desrespeito aos arts. 37, caput, e 5º, XXXIII e LXXII, da CF/88, pois “o modelo político-jurídico, plasmado na nova ordem constitucional, rejeita o poder que oculta e o poder que se oculta”. 

A divulgação constante e padronizada dos dados epidemiológicos permite análises e projeções comparativas necessárias para auxiliar as autoridades públicas na tomada de decisões e possibilitar à população em geral o pleno conhecimento da situação vivenciada no País. Ademais, cumpre ressaltar que a República Federativa do Brasil é signatária de tratados e regras internacionais relacionados à divulgação de dados epidemiológicos, tais como o Regulamento Sanitário Internacional aprovado pela 58ª Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 23 de maio de 2005, promulgado no Brasil pelo Decreto Legislativo 395/2009. 

Em suma: 

É necessária a manutenção da divulgação integral dos dados epidemiológicos relativos à pandemia da Covid-19. A interrupção abrupta da coleta e divulgação de importantes dados epidemiológicos, imprescindíveis para a análise da série histórica de evolução da pandemia (Covid-19), caracteriza ofensa a preceitos fundamentais da Constituição Federal, nomeadamente o acesso à informação, os princípios da publicidade e da transparência da Administração Pública e o direito à saúde. STF. Plenário. ADPF 690/DF, ADPF 691/DF e ADPF 692 /DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 13/03/2021 (Info 1009).