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5 de maio de 2021

AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. FUNDO DE INVESTIMENTO. LIQUIDAÇÃO. NORMAS E PROCEDIMENTOS CONTÁBEIS. DEVER DE OBSERVÂNCIA. OBRIGAÇÃO DO ADMINISTRADOR. LEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.834.003 - SP (2017/0254167-9) 

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. FUNDO DE INVESTIMENTO. LIQUIDAÇÃO. NORMAS E PROCEDIMENTOS CONTÁBEIS. DEVER DE OBSERVÂNCIA. OBRIGAÇÃO DO ADMINISTRADOR. LEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO. 

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

2. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as condições da ação, aí incluída a legitimidade, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial. 

3. O administrador de um fundo de investimento é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda em que se pretende a reparação de supostos danos resultantes da inadequada liquidação da aludida comunhão de recursos financeiros. 

4. Hipótese em que o administrador foi demandado pelo fato de ter realizado a liquidação do fundo de investimento, mediante distribuição do patrimônio líquido entre os cotistas, sem o prévio pagamento de um suposto passivo. 

5. A satisfação integral do passivo antes da partilha do patrimônio líquido entre os cotistas está, em regra, inserida entre as atribuições do administrador, sendo dele a responsabilidade, em tese, por eventuais prejuízos que guardem nexo de causalidade com a inobservância desse mister. 

6. Independentemente de previsão legal ou regulamentar específica, a realização do ativo, a satisfação do passivo e a partilha do acervo líquido entre os cotistas são atribuições dos liquidantes das massas patrimoniais em geral. 

7. A sujeição da lide à jurisdição estatal e a prescrição são questões de ordem pública que podem ser examinadas a qualquer tempo pelas instâncias ordinárias, independentemente de provocação. 

8. Se a pretensão deduzida na inicial não se confunde com o adimplemento do contrato que garantia aos autores a opção de compra de um determinado número de ações por um preço simbólico caso verificada a condição suspensiva pactuada, não se aplica a cláusula compromissória nele contida. 

9. Termo inicial do prazo de prescrição para a respectiva pretensão de natureza reparatória que deve ser contado a partir da liquidação questionada, ocorrida no final do ano de 2013. 

10. A denunciação da lide é obrigatória somente quando o litisdenunciado está obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar a parte em ação regressiva, não sendo admitida tal modalidade de intervenção de terceiros quando se pretende, pura e simplesmente, transferir responsabilidades pelo evento danoso. 

11. Recurso especial não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze. 

Brasília (DF), 17 de setembro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por SANTANDER SECURITIES SERVICES BRASIL DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS S.A., com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado: 

"FUNDO DE INVESTIMENTO. ADMINISTRADOR. RESPONSABILIDADE CIVIL POR MÁ LIQUIDAÇÃO DO FUNDO. CAUSA DE PEDIR E PEDIDO NESSE SENTIDO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ADMINISTRADOR, QUE É CHAMADO À LIDE PELA PRÁTICA DE ATOS E DE OMISSÕES PRÓPRIOS. INDENIZAÇÃO PLEITEADA COM BASE NO CONTRATO QUE NÃO FOI CUMPRIDO NO ENCERRAMENTO DO FUNDO. LEGITIMIDADE PASSIVA. RECONHECIMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO AFASTADA. DESCABIMENTO DE APLICAÇÃO DO ART. 1.013, § 3º, INC. II, DO NCPC. IMPRESCINDÍVEL A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO. Fundo de investimento e participações. Administrador. Responsabilidade civil. Alegação dos autores de má administração e má liquidação do fundo, sem satisfação das obrigações. Fundo que teria sido liquidado pelo réu sem que a obrigação assumida perante os autores tivesse sido cumprida. Responsabilidade civil do administrador, liquidante, a quem caberia levantar o ativo para pagamento do passivo e depois, dividir o saldo entre os cotistas. Legitimidade passiva. Reconhecimento. Perícia. Descabimento do art. 1.013, § 3º, inc., I, do NCPC. Imprescindível a realização de perícia para apuração dos fatos narrados na inicial e negados pelo réu. Anulação da sentença. Intimação da Comissão de Valores Mobiliários e da Bolsa de Valores de São Paulo BMF&Bovespa, para que ingressem nos autos, querendo, como amicus curiae. Previsão no NCPC. Sentença anulada. Recurso provido" (e-STJ fls. 2.787-2.788). 

Os embargos de declaração opostos na origem foram rejeitados. Em suas razões (e-STJ fls. 1.244-1.268), a recorrente aponta violação dos seguintes dispositivos legais com as respectivas teses: 

a) arts. 489, § 1º, IV e V, e 1.022, I e II, do Código de Processo Civil de 2015 – o acórdão combatido incorreu em negativa de prestação jurisdicional ao não apreciar as questões suscitadas nos embargos de declaração; 

b) arts. 1.315 e 1.319 do Código Civil – "(...) se o direito alegado pelos autores existiria 'em razão do implemento da condição suspensiva prevista no Contrato de Opção de Compra' e esse contrato fora firmado pelo Fundo, isto é, pelo condomínio, logo são os condôminos que têm de responder ao pleito da inicial, e não o mandatário dos condôminos" (e-STJ fl. 2.844 - grifou-se); 

c) arts. 663, 675, 679 e 1.314 do Código Civil – "(...) os cotistas do Fundo Genoa são os únicos legitimados para a ação na qual se discute, em última análise, os efeitos e obrigações decorrentes das ordens que o Fundo deu ao seu mandatário (Santander), extinguindo-se o processo em relação à recorrente" (e-STJ fl. 2.850); 

d) arts. 668 e 682, I, do Código Civil – "(...) com o encerramento do fundo, extinguiu-se o mandato da Santander Securities, não mais podendo ela ser chamada por atos que foram praticados no interesse dos cotistas, aos quais foram transferidos todos os benefícios colhidos pelo exercício do mandato" (e-STJ fls. 2.850-2.851); 

e) arts. 8º, I, da Lei nº 6.385/1976 e 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – "(...) o direito vigente em 2013 não impunha ao administrador dos fundos os deveres que o acórdão recorrido extraiu de norma que só veio a ser editada mais de um ano depois" (e-STJ fl. 2.855); 

f) art. 1.013, caput e § 1º do Código de Processo Civil de 2015 – "(...) o acórdão recorrido avançou no exame de outras questões que não haviam sido apreciadas na sentença e nem foram impugnadas na apelação, tais como a aplicabilidade da cláusula compromissória e a prescrição" (e-STJ fl. 2.856); 

g) arts. 1º, 4º, 8º, parágrafo único, e 20 da Lei nº 9.307/1996; 3º, § 1º, 337, X, §§ 5º e 6º, c/c o art. 485, VII, do CPC/2015, todos eles associados ao art. 927 do Código Civil – ainda que a recorrente não seja parte do contrato que instituiu a cláusula compromissória, referida cláusula foi pactuada entre os autores e o Fundo justamente para que a apreciação de eventual descumprimento de obrigações assumidas ficasse excluída da jurisdição estatal, não competindo à autoridade judiciária a apreciação de eventual lesão ao direito defendido pelos autores; 

h) arts. 206, § 3º, V, do Código Civil e 1.013, § 3º, I, do CPC/2015 – está prescrita a pretensão ao recebimento de eventual verba devida por conta das vendas em bolsa realizadas há mais 3 (três) anos da citação, e 

i) art. 125, II, do CPC/2015 (art. 70, III, do CPC/1973) – tendo a recorrente atuado como mandatária dos cotistas, deve ser admitida a denunciação da lide para que estes respondam regressivamente. 

Apresentadas as contrarrazões (e-STJ fls. 2.870-2.901), e inadmitido o recurso na origem, determinou-se a reautuação do agravo (AREsp nº 1.180.778/SP) como recurso especial para melhor exame da matéria. 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). A irresignação não merece prosperar. 

1) Breve resumo da demanda 

Trata-se, na origem, de ação de reparação de danos ajuizada por CARLOS EDUARDO TEREPINS, LUIS TEREPINS e KARY EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES S.A. contra SANTANDER SECURITIES SERVICES BRASIL DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS S.A. 

Na petição inicial, os autores afirmam que, na condição de sócios fundadores de EVEN CONSTRUTORA E INCORPORADORA S.A., permitiram o ingresso de GENOA FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES na companhia, na qualidade de sócio investidor, a fim de que fossem aportados os recursos necessários à realização de oferta pública inicial de ações da referida construtora no mercado de capitais. 

Aduzem, ainda, que celebraram com o FUNDO GENOA um contrato de opção de compra de ações com a previsão de que, "(...) caso o FUNDO GENOA obtivesse um retorno financeiro igual ou superior à taxa de 40% (quarenta por cento) na venda das ações da EVEN a terceiros, os autores teriam o direito de adquirir uma expressiva quantidade de ações de emissão da EVEN, pertencentes ao FUNDO GENOA, mediante o pagamento de um preço simbólico" (e-STJ fl. 2). 

Ressaltam, no entanto, que a oferta pública inicial das ações da EVEN foi implementada com sucesso, garantindo ao FUNDO GENOA um retorno financeiro superior a 40% (quarenta por cento), mas a ré, na qualidade de administradora do mencionado fundo, procedeu à sua liquidação sem antes honrar a opção de compra pactuada, daí decorrendo o dever de reparar os prejuízos suportados pelos autores. 

O magistrado de primeiro grau de jurisdição acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela ora recorrente sob a seguinte fundamentação: 

"(...) De acordo com as alegações das partes e toda vasta documentação juntada, é inequívoco que o requerido atuou como o administrador e gestor do Fundo Genoa, que no ano de 2007 adquiriu expressiva quantidade de ações ordinárias da Even, pelo preço total de R$ 72.254.227,00. Foram adquiridas também ações ordinárias da Even que eram de titularidade de Carlos Eduardo Terepins, pelo valor de R$ 8.250.000,00. Vê-se expressamente definido no art. 4º do Regulamento do Fundo Genoa, que 'o Fundo é administrado pelo BANCO SANTANDER BANESPA S/A, instituição financeira com sede na Cidade de São Paulo, Estado de São Paulo, na Rua Amador Bueno, 474, inscrita no CNPJ/MF sob n. 90.400.888/0001-42 (o 'Administrador'), devidamente autorizada pela CVM para o exercício profissional de administração e gestão de carteira de valores mobiliários' fls. 1707. Ao atuar como administrador, o requerido nada mais fez do que gerir o Fundo Genoa, que teve existência própria. Os autores imputam ao requerido a prática de ato ilícito consistente em proceder à liquidação do Fundo Genoa sem antes cumprir o contrato de opção de compra de ações. No entanto, esse dever somente emergiria se a taxa de retorno do Fundo, com a venda das ações, fosse superior a 40%. As partes, neste aspecto, trazem aos autos alegações totalmente antagônicas: os autores sustentam que a taxa de retorno do Fundo foi de 46%, enquanto que o requerido afirma que esta taxa foi de 23,65%. Este é, pois, o ponto controvertido central desta lide. Então a insurgência primeira dos autores, na verdade, não diz respeito à liquidação do Fundo por si só, já que o requerido tinha poderes para tanto. A irresignação recai sobre a assertiva do requerido de que a aludida taxa de retorno foi inferior a 40%. Mas ao assim proceder, o requerido nada mais está do que cumprindo o que foi deliberado pelo Fundo Genoa. Em outras palavras, o Fundo Genoa é que está afirmando que não houve taxa de retorno superior a 40%, e não o Banco Santander. A própria Instrução Normativa da CVM apontada na inicial (n. 306) dá embasamento à ilegitimidade do requerido, já que prevê a existência de responsabilidade do administrador em caso de dolo ou culpa, ou descumprimento de normas legais, regulamentares ou estatutárias. Ora, o requerido nada mais fez do que agir conforme o Fundo estipulou, não havendo de sua parte, pois, ato doloso ou culposo, ou descumprimento das regras retro descritas. Haveria responsabilidade do requerido se ele tivesse praticado algum ato fora dos poderes que lhe foram conferidos pelo Fundo Genoa, ou contrariamente ao que lhe tivesse sido determinado, circunstância de que não se cogita nos autos. Se fosse admitida a tese dos autores, qualquer ato ilícito praticado pelo Fundo Genoa recairia sobre o requerido, pois ele teria procedido à liquidação sem que tivesse sido cumprido um dever legal pelo Fundo, o que se mostra extremamente abusivo e equivocado. Vê-se, assim, que a pretensão não pode ser dirigida em face do requerido. Por tais motivos, acolhida a preliminar de ilegitimidade no polo passivo, com fundamento no disposto no art. 267, inc. VI, do CPC, JULGO EXTINTO O PROCESSO, sem julgamento do mérito" (e-STJ fls. 2.652-2.654). 

Todavia, em grau de apelação, a Segunda Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento ao recurso dos autores, ora recorridos, para anular a sentença e determinar a produção da prova pericial requerida, admitida a participação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da BM&F/BOVESPA como amici curiae, por entender que a pretensão deduzida em juízo não tem nenhuma relação com a conduta do Fundo perante os cotistas, mas, sim, com a má liquidação do fundo, que teria sido encerrado sem que todas as obrigações estivessem quitadas. O cerne da controvérsia, portanto, está limitado a definir se o administrador é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda na qual se pleiteia a reparação de possíveis danos resultantes da divisão do patrimônio de um fundo de investimento entre os cotistas, no momento de sua liquidação, sem antes proceder ao pagamento do passivo. 

2) Da negativa de prestação jurisdicional 

No que tange ao art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o Tribunal local, ainda que por fundamentos distintos daqueles apresentados pelas partes, adota fundamentação suficiente para decidir integralmente a controvérsia. 

No caso, o Tribunal de origem enfrentou a matéria posta em debate na medida necessária para o deslinde da controvérsia, concluindo que o administrador é parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda, considerando a especificidade da pretensão deduzida na inicial. 

Frisa-se que, mesmo à luz do art. 489 do Código de Processo Civil de 2015, o órgão julgador não está obrigado a se pronunciar acerca de todo e qualquer ponto suscitado pelas partes, mas apenas a respeito daqueles capazes de, em tese, de algum modo, infirmar a conclusão adotada pelo órgão julgador (inciso IV). 

A motivação contrária ao interesse da parte ou mesmo omissa em relação a pontos considerados irrelevantes pelo julgador não autoriza o acolhimento dos embargos declaratórios, daí porque se afasta também a alegada ofensa ao art. 489, § 1º, IV e V, do Código de Processo Civil de 2015. 

De fato, não houve pronunciamento sobre alguns aspectos de menor relevância, a exemplo da pretendida denunciação da lide. Todavia, os pontos sobre os quais se verificou a alegada omissão poderão ser examinados no âmbito desta Corte Superior por força do disposto no art. 1.025 do Código de Processo Civil de 2015: 

"Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade." 

3) Da legitimidade passiva do administrador 

3.1) Da natureza jurídica dos fundos de investimento 

Considerando que as razões do recurso especial indicam como contrariados dispositivos legais aplicáveis aos condomínios voluntários, passa-se, inicialmente, a definir a natureza jurídica dos fundos de investimento. 

Ao disciplinar o mercado de capitais e estabelecer as medidas para o seu desenvolvimento, a Lei nº 4.728/1965, em seção dedicada às sociedades e aos fundos de investimento, reportou-se a estes como um ente que se constitui sob a forma de condomínio, a teor do disposto em seu art. 50: 

"Art. 50. Os fundos em condomínios de títulos ou valôres mobiliários poderão converter-se em sociedades anônimas de capital autorizado, a que se refere a Seção VIII, ficando isentos de encargos fiscais os atos relativos à transformação. § 1º A administração da carteira de investimentos dos fundos, a que se refere êste artigo, será sempre contratada com companhia de investimentos, com observância das normas gerais que serão traçadas pelo Conselho Monetário Nacional. § 2º Anualmente os administradores dos fundos em condomínios farão realizar assembléia geral dos condôminos, com a finalidade de tomar as contas aos administradores e deliberar sôbre o balanço por êles apresentado. § 3º Será obrigatório aos fundos em condomínio a auditoria realizada por auditor independente, registrado no Banco Central. § 4º As quotas de Fundos Mútuos de Investimento constituídos em condomínio, observadas as condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, poderão ser emitidos sob a forma nominativa, endossável ou ao portador, podendo assumir a forma escritural." (grifou-se) 

Do mesmo modo, ao disciplinar a constituição e o funcionamento dos fundos de investimento financeiro, a Circular nº 2.616/1995 do Banco Central do Brasil adotou um conceito que, de antemão, já definia a sua natureza jurídica: 

"Art. 1º O fundo de investimento financeiro, constituído sob a forma de condomínio aberto, é uma comunhão de recursos destinados à aplicação em carteira diversificada de ativos financeiros e demais modalidades operacionais disponíveis no âmbito do mercado financeiro, observadas as limitações previstas neste Regulamento e na regulamentação em vigor." (grifou-se) 

Com a edição da Lei nº 10.303/2001, que incluiu o inciso V no art. 2º da Lei nº 6.385/1976, as cotas dos fundos de investimento passaram a ser classificadas obrigatoriamente como valores mobiliários. A partir de então, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passou a deter competência exclusiva para regular a matéria. 

A constituição sob a forma de condomínio também constou das diversas instruções da CVM relacionadas com o tema, estando vigente na atualidade a Instrução CVM nº 555/2014, aplicável a todo e qualquer fundo de investimento registrado perante aquele órgão. 

Confira-se: 

"Art. 3º O fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros. Art. 4º O fundo pode ser constituído sob a forma de condomínio aberto, em que os cotistas podem solicitar o resgate de suas cotas conforme estabelecido em seu regulamento, ou fechado, em que as cotas somente são resgatadas ao término do prazo de duração do fundo." (grifou-se) 

Cumpre anotar também, apenas para fins de registro, haja vista que a lei civil não retroage para alcançar situações constituídas sob a vigência da lei revogada ou modificada, que a denominada "Medida Provisória da Liberdade Econômica" (MP nº 881/2019) acrescentou ao Código Civil, no Livro III do Direito das Coisas, o Capítulo X, nele prevendo que "O fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros" (art. 1.368-C - grifou-se). 

Não obstante o conteúdo de tais normas, é um tanto conturbada na doutrina a definição da natureza jurídica dos fundos de investimento, como bem enfatiza Eduardo Montenegro Dotta: 

"(...) Em que pese a conceituação regulatória referir-se aos fundos de investimento enquanto condomínios, adentrando, desta forma, em sua natureza jurídica, parcela da doutrina tem compreendido que a natureza jurídica do instituto não se amolda integralmente à estrutura condominial prevista pela legislação civil (cf. artigos 1.314 e seguintes do Código Civil). Os fundos de investimento, seguindo a orientação regulatória da Comissão de Valores Mobiliários, possuem patrimônio que, em atenção à política de segregação de recursos a que se submetem, não se mistura com o patrimônio de seu administrador, possuem também órgão interno de decisão com poderes deliberativos limitados – que corresponde à assembleia de cotistas – além de escrituração contábil própria, formulada por auditor independente, com balanço destacado da instituição administradora, elementos estes que não se observam na figura do condomínio tradicional descrito pelo Código Civil. A estrutura jurídica dos fundos, considerados os itens que acabamos de listar, aproximam-no muito mais de uma fórmula societária do que de um condomínio, dado que, embora destituídos de personalidade jurídica, aos fundos de investimento são imputados direitos e deveres. Trata-se de entidade detentora de representatividade em suas relações internas e externas, a ponto da Comissão de Valores Mobiliários lhe garantir o direito, mediante deliberação tomada por quórum qualificado de cotistas, de realizar operações societárias de fusão, cisão ou incorporação. Além disso, as prerrogativas inseridas no artigo 1.314 do Código Civil não podem ser exercitadas pelo cotista de um fundo de investimento, uma vez que este não desfruta – de forma plena – de direitos em face dos ativos subjacentes ao fundo constituído, tal qual o condômino possui em relação à copropriedade condominial, mas somente direitos ligados à fração representativa da sua participação proporcional no fundo. A tese de Ricardo de Santos Freitas é precisa neste ponto: 'O artigo 1314 do Código Civil estabelece que 'cada condômino pode usar da coisa conforme a sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a divisão, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la. Assim, não obstante a pluralidade de titulares, o condomínio, enquanto instituto típico regulado pelo Código Civil representa direito real de domínio que confere a cada co-titular o direito de uso, gozo e disposição sobre a sua parte ideal. As estruturas de fundo reguladas pela CVM, no entanto, não permitem que os investidores exerçam plenamente os direitos mencionados no artigo 1314 do Código Civil. Com efeito, a regulamentação dos FI´s, por exemplo, estabelece que, no caso de fundo aberto, suas cotas são intransferíveis. Como se vê, as normas específicas aplicáveis no Direito Brasileiro aos diferentes tipos de fundos não permitem a livre disposição pelo titular de sua parte ideal, divergindo, portanto, do tratamento dado ao condomínio geral no Código Civil. Ao estudar a natureza jurídica dos fundos de investimento imobiliário – uma das modalidades de fundos admitidos pela Comissão de Valores Mobiliários – Arnoldo Wald compreendeu que: 'Quer se cogite de um condomínio especialíssimo ou sui generis de uma sociedade sem personalidade jurídica, na terminologia do Código de Processo Civil, ou de uma forma de trust já adaptado e consagrado pelo Direito brasileiro, a designação e a semântica são secundários, pois o importante é a capacidade substantiva e adjetiva do Fundo para adquirir e transmitir direitos, atuar em Juízo e praticar todos os atos da vida comercial, embora só possa exercer sua atividade por intermédio de seu gestor. Não se trata de contrato de comissão, pois os bens não são adquiridos em nome do gestor e por conta dos condôminos, mas em nome do Fundo e para o mesmo'. Para o respeitado jurista, o fundo de investimento 'é uma fórmula fiduciária pela qual os investimentos podem ser realizados em nome do fiduciário e no interesse do fiduciante, assemelhando-se ao trust, sob forma que também tem sido aceita e consagrada no Direito Comparado, não só nos países que admitem o trust como os Estados Unidos, mas também nas legislações de tradição romana, como acontece em Portugal e na França, segundo pudemos verificar nas transcrições de texto legislativo que fizemos. Não há, assim, qualquer dúvida quanto à possibilidade do Fundo Imobiliário ser titular em nome próprio de direitos e obrigações'. Na nossa compreensão os fundos de investimento adotam uma disciplina jurídica que não se confunde com o instituto civil do condomínio, melhor se caracterizando, tal qual ponderado pelo Professor Arnoldo Wald como uma estrutura jurídica por intermédio da qual os investidores admitem um administrador – investido na capacidade de representação e administração dos negócios do fundo – e que, por intermédio de sua gestão, realiza operações nos mercados financeiro, de capitais, e de futuros, obrigando-se, de acordo com as especificações constantes do regulamento do fundo e das normas regentes da sua atividade, a envidar os melhores esforços para obter a maior rentabilidade possível ao capital investido, dentro do perfil de exposição – indicado na política de investimentos – aos possíveis elementos de risco." (Responsabilidade civil dos administradores e gestores de fundos de investimento, São Paulo: Almedina, 2018, págs. 90-94 - grifou-se) 

Na conclusão de seu estudo a respeito da natureza jurídica dos fundos de investimento, Ricardo de Santos Freitas acentua que 

"(...) a insistente e expressa atribuição da condição de condomínio aos fundos de investimento, pelo legislador, na totalidade das espécies existentes, não tem o condão de subsumi-los ao instituto de Direito Civil. O conjunto de relações jurídicas compreendidas em um fundo de investimento colidem com as normas insculpidas no Código Civil como reguladoras da figura condominial. Em alguns países, como na Espanha, o legislador chega expressamente a vedar a utilização subsidiária das normas relativas à co-propriedade, na aplicação do Direito a tais formas. A teoria da organização associativa parece ser a que melhor resolve as dúvidas suscitadas pela dogmática dos fundos de investimento, e a mais consentânea com o ordenamento jurídico brasileiro. (...) Deveria, pois, o legislador, dar sua parcela de contribuição eliminando da regulamentação dos fundos de investimento qualquer referência ao instituto condominial. (...) Decorre dessa conclusão, que o aplicador do Direito deverá obrigatoriamente servir-se, subsidiariamente à norma legal específica e ao regulamento do fundo, em cada caso concreto, das normas e princípios inspiradores do Direito Societário." (Natureza jurídica dos fundos de investimento, São Paulo: Quatier Latin, 2005, págs. 269-271 - grifou-se) 

A despeito do desencontro de teses no âmbito doutrinário, para os fins que aqui interessam, importa reconhecer que: a) as normas aplicáveis aos fundos de investimento dispõem expressamente que eles são constituídos sob a forma de condomínio; b) nem todos os dispositivos legais que disciplinam os condomínios são indistintamente aplicáveis aos fundos de investimento, sujeitos a regramento específico; c) embora destituídos de personalidade jurídica, aos fundos de investimento são imputados direitos e deveres, tanto em suas relações internas quanto externas, e d) não obstante exercerem suas atividades por intermédio de seu administrador/gestor, os fundos de investimento podem ser titular, em nome próprio, de direitos e obrigações. 

3.2) Da legitimidade passiva segundo a teoria da asserção 

Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as condições da ação, aí incluída a legitimidade, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial. 

No caso em apreço, em defesa da sua ilegitimidade passiva ad causam, a recorrente indica como malferidos os arts. 1.314, 1.315 e 1.319 do Código Civil, aplicáveis ao condomínio voluntário, alegando, em síntese, que "(...) se o direito alegado pelos autores existiria 'em razão do implemento da condição suspensiva prevista no Contrato de Opção de Compra' e esse contrato fora firmado pelo Fundo, isto é, pelo condomínio, logo são os condôminos que têm de responder ao pleito da inicial, e não o mandatário dos condôminos" (e-STJ fl. 2.844 - grifou-se). 

Os arts. 1.315 e 1.319 do Código Civil, segundo os quais o condômino responde, na proporção de sua cota-parte, pelos ônus a que estiver sujeita a coisa e, perante os demais condôminos, pelo dano que a ela tiver causado, até poderiam justificar a presença do fundo e/ou dos respectivos cotistas no polo passivo da demanda se estivessem os autores a pleitear o próprio adimplemento do contrato de opção de compra de ações por preço simbólico celebrado com o FUNDO GENOA. 

Não é essa, contudo, a pretensão deduzida na petição inicial, como bem salientou o órgão julgador na origem: 

"(...) Sucede que a questão central a ser analisada nos autos, a fim de se concluir pela escorreita alocação do réu no polo passivo da lide, é a causa de pedir constante na petição inicial, o que não tem relação com a condição do administrador perante os cotistas do fundo, mas perante terceiros. Já se disse, para afastar a cláusula compromissória prevista no ajuste de fls. 145/154, que a petição inicial está fundamentada na responsabilidade do réu enquanto liquidante do Genoa Fundo de Investimento em Participações. Consta da exordial que 'a ré, administradora do FUNDO GENOA, procedeu à liquidação integral do fundo sem antes honrar a opção de compra firmada com os Autores, a despeito das inúmeras missivas que lhe foram encaminhadas pelos demandantes. Ao assim, proceder, a SANTANDER DTVM desrespeitou os deveres impostos ao administrador de fundos de investimento pelas normas da Comissão de Valores Mobiliários ('CVM'), devendo, pois, responder pelos prejuízos que o ato ilegal gerou aos Autores' (fls. 02). Os autores também imputaram ao réu a indevida sonegação de informações, posto que sustentaram ter a ele solicitado 'a relação individualizada das ações alienadas e o retorno financeiro obtido com aquela operação', mas afirmaram [que] o réu respondeu 'não ter a obrigação de informar o retorno financeiro obtido com a venda das ações, na medida em que a TAXA INTERNA DE RETORNO, não teria excedido o patamar de 40% (quarenta por cento) ao ano' (fls. 07/08). Os autores afirmaram, na inicial, ter reiterado a solicitação e também requerido a realização de reunião para debater o assunto, já que estão certos de que houve a valorização das ações na venda promovida pelo Genoa Fundo de Investimento e Participações suficiente a implementar a condição imposta no ajuste firmado, mas que nunca obtiveram sucesso em seus pedidos (fls. 07/11). Sustentaram os autores que o réu descumpriu regras legais e as regulações da Comissão de Valores Mobiliários; que 'sua atuação era crucial para garantir o cumprimento das obrigações do fundo perante terceiros'; que 'tinha o dever de tomar as medidas necessárias para promover a liquidação do fundo e de suas operações'; e que houve comportamento negligente do réu 'que descumpriu os deveres que lhe cabiam na qualidade de administradora do FUNDO GENOA, permitindo que ele fosse liquidado e encerrado sem a prévia satisfação do crédito dos AUTORES, oriundo do INSTRUMENTO DE OPÇÃO DE COMPRA' (fls. 11/13). E em seu pedido principal, os autores requereram a condenação do réu em 'indenização correspondente ao valor das ações da EVEN que os AUTORES faziam jus em razão do implemento da condição suspensiva prevista no CONTRATO DE OPÇÃO DE COMPRA, adotando-se o maior número de ações que resultar dos dois modos de cálculo possíveis (...)'; e 'indenização correspondente ao valor dos dividendos que teriam sido percebidos pelos AUTORES, desde a data em que os AUTORES deveriam ter sido notificados das vendas das ações até a data em que as ações atingiram a sua cotação máxima (...)' (fls. 17). Verifica-se, assim, que os autores imputaram conduta indevida ao réu como administrador e liquidante, vez que nessa qualidade teria omitido informações e providenciado o encerramento do fundo sem que tivesse cumprido todas as suas obrigações contratuais. Como se disse, a responsabilidade civil que os autores imputam ao réu não tem qualquer relação com sua conduta perante os cotistas (relação essa que, como visto, grande parte da doutrina entende ser de mandato). A responsabilidade civil imputada ao réu está relacionada à má liquidação do fundo, que teria sido encerrado sem que todas as obrigações estivessem quitadas, situação que teria causado prejuízo financeiro aos autores, cujo ressarcimento pediram seja por ele promovido. Daí por que está correto o chamamento do réu no polo passivo da lide" (e-STJ fls. 2.795-2.798 - grifou-se). 

Vale ressaltar que, a partir da alienação total da participação societária do FUNDO GENOA na empresa EVEN, tornou-se inexequível o contrato que garantia aos autores a opção de compra de um determinado número de ações por um preço simbólico caso verificada a condição suspensiva pactuada – retorno financeiro igual ou superior a 40% (quarenta por cento) na venda das ações da EVEN a terceiros. 

Diante de tal perspectiva, os autores optaram pelo ajuizamento da demanda contra a administradora do FUNDO GENOA (SANTANDER DTVM), elencando como causa de pedir a liquidação do fundo antes de satisfeitas as obrigações contraídas perante terceiros, e, como pedido, uma indenização correspondente ao valor das ações a que fariam jus em virtude do suposto implemento da condição suspensiva. 

É essa, portanto, a situação que, à luz da teoria da asserção, impõe a admissão da ora recorrente como parte legítima para figurar no polo passivo da demanda. 

Ao defender a prevalência da mencionada teoria, Alexandre Freitas Câmara pontua: 

"(...) As 'condições da ação' são requisitos exigidos para que o processo vá em direção ao seu fim normal, qual seja, a produção de um provimento de mérito. Sua presença, assim, deverá ser verificada em abstrato, considerando-se, por hipótese, que as assertivas do demandante em sua inicial são verdadeiras, sob pena de se ter uma indisfarçável adesão às teorias concretas da ação. Exigir a demonstração das 'condições da ação' significaria, em termos práticos, afirmar que só tem ação quem tenha o direito material. Pense-se, por exemplo, na demanda proposta por quem se diz credor do réu. Em se provando, no curso do processo, que o demandante não é titular do crédito, a teoria da asserção não terá dúvidas em afirmar que a hipótese é de improcedência do pedido. Como se comportará a outra teoria? Provando-se que o autor não é credor do réu, deverá o juiz julgar seu pedido improcedente ou considerá-lo 'carecedor de ação'? A se afirmar que o caso seria de improcedência do pedido, estariam os defensores dessa teoria admitindo o julgamento da pretensão de quem não demonstrou sua legitimidade; em caso contrário, se chegaria à conclusão de que só preenche as 'condições da ação' quem fizer jus a um provimento jurisdicional favorável. Parece-nos, assim, que apenas a teoria da asserção se revela adequada quando se defende uma concepção abstrata do poder de ação, como fazemos. As 'condições da ação', portanto, deverão ser verificadas pelo juiz in statu assertionis, à luz das alegações feitas pelo autor na inicial, as quais deverão ser tidas como verdadeiras a fim de se perquirir a presença ou ausência dos requisitos do provimento final." (Lições de Direito Processual Civil, Volume I, 12. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, págs. 132-133 - grifou-se) 

Sobre o tema: 

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO. SÚMULA Nº 83/STJ. CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS. GESTÃO COMERCIAL. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ. 1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as condições da ação, aí incluída a legitimidade para a causa, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial. 2. O revolvimento quanto à gestão comercial dos serviços objeto de contrato de concessão (esgotamento sanitário e abastecimento de água), firmado entre as partes, esbarra nos enunciados das Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 3. Agravo interno não provido." (AgInt no AREsp 966.393/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 7/2/2017, DJe 14/2/2017 - grifou-se). 

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AQUISIÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS POR INTERMÉDIO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. TEORIA DA ASSERÇÃO. PRECEDENTES. PRESCRIÇÃO. PRAZO. TERMO INICIAL. CIÊNCIA DA LESÃO. TEORIA DA ACTIO NATA. MOMENTO DA OCORRÊNCIA DA CIÊNCIA INEQUÍVOCA. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Não há ilegitimidade passiva nas hipóteses em que a pertinência subjetiva do réu em relação à pretensão deduzida em juízo torna-se evidente à luz da teoria da asserção, segundo a qual as condições da ação devem ser aferidas tomando como pressuposto, provisoriamente, apenas em juízo de admissibilidade da demanda, as próprias afirmações ou alegações contidas na petição inicial, dispensando-se qualquer atividade probatória. (...) 3. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no AREsp 740.588/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/10/2015, DJe 16/11/2015 - grifou-se).

 Sob um primeiro olhar, é, de fato, questionável se o administrador, à época da liquidação do FUNDO GENOA, tinha meios de apurar a existência do passivo indicado na petição inicial, sobretudo por se tratar de um débito sujeito a uma condição suspensiva e resultante de um contrato celebrado entre os autores e o mencionado fundo. 

Essa dúvida, no entanto, é dissipada pela seguinte alegação constante da petição inicial: 

"(...) 25. Uma vez ciente da venda de ações da EVEN por parte do FUNDO GENOA, em 16.03.2012 os AUTORES enviaram-lhe missiva, aos cuidados de seu administrador SANTANDER DTVM, solicitando a relação individualizada das ações alienadas e o retorno financeiro obtido com aquela operação (doc. 7). 26. Em 21.03.2012, o FUNDO GENOA, representado pela SANTANDER DTVM, respondeu à notificação, afirmando, em suma, não ter a obrigação de informar o retorno financeiro obtido com a venda das ações, na medida em que a TAXA INTERNA DE RETORNO não teria excedido o patamar de 40% (quarenta por cento) ao ano (doc. 8). 27. O pedido de informações acerca do retorno financeiro experimentado com a venda das ações foi reiterado em 13.04.2012 (doc. 9). Uma semana depois, o FUNDO GENOA, representado pela SANTANDER DTVM, manifestou-se e novamente deixou de prestar a informação prevista no CONTRATO DE OPÇÃO DE COMPRA (doc. 10). 28. Em 09.08.2013, o FUNDO GENOA, desta vez em papel timbrado da SANTANDER DTVM (então denominada CRV), enviou correspondência a CARLOS, LUIS e KARY, na qual informava que o FUNDO GENOA 'alienou a totalidade das ações de emissão da EVEN de que era titular', deixando de ser acionista da EVEN (doc. 11). 29. Naquele mesmo documento, asseverou-se que o CONTRATO DE OPÇÃO DE COMPRA supostamente deixara de produzir efeitos, bem como que a TAXA INTERNA DE RETORNO dos investimentos realizados pelo FUNDO GENOA na EVEN não superara o patamar mínimo estabelecido na Cláusula 1.1 do CONTRATO DE OPÇÃO DE COMPRA." (e-STJ fls. 7-8). 

Com efeito, se o administrador do FUNDO GENOA foi por diversas vezes notificado acerca da existência de um passivo e sustentou, em todas as oportunidades, que não houve o adimplemento da condição suspensiva, já não se pode negar que ele tinha meios de bem proceder à liquidação do fundo. 

Assim, diante da pretensão específica deduzida na petição inicial, na qual não se imputa ao fundo de investimento o descumprimento do contrato, mas, sim, a incorreta liquidação do fundo pelo seu administrador, é inegável a legitimidade da recorrente para figurar no polo passivo da demanda, não se aplicando, pelos mesmos motivos, os dispositivos legais concernentes ao mandato (arts. 663, 675, 679, 668 e 682, I, do Código Civil), porque a responsabilidade imputada à ré está fundada na sua atuação em nome próprio, na condição de administradora e liquidante do FUNDO GENOA. 

4) Da responsabilidade dos administradores de fundos de investimento 

Tendo em vista que o acórdão recorrido, ao concluir pela legitimidade da ora recorrente para figurar no polo passivo da ação, acabou por avançar em questões atinentes à responsabilidade dos administradores de fundos de investimento, passa-se a abordar alguns aspectos relacionados com o tema. 

A classificação atribuída a cada modalidade de fundo de investimento varia conforme os tipos de ativos financeiros admitidos para a composição da respectiva carteira. 

Como o próprio nome diz, GENOA FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES é um Fundo de Investimento em Participações (FIP), modalidade de fundo criada pela Instrução CVM nº 391/2003, que assim o descreve: 

"Art. 2º O Fundo de Investimento em Participações (fundo), constituído sob a forma de condomínio fechado, é uma comunhão de recursos destinados à aquisição de ações, debêntures, bônus de subscrição, ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias, abertas ou fechadas, participando do processo decisório da companhia investida, com efetiva influência na definição de sua política estratégica e na sua gestão, notadamente através da indicação de membros do Conselho de Administração." (grifou-se) 

Advirta-se que a distinção que se costuma fazer entre as atividades do administrador e do gestor não se mostra relevante para a solução da controvérsia porque o regulamento do FUNDO GENOA (e-STJ fls. 432-458) previa que tanto a sua administração quanto a sua gestão ficariam a cargo de CRV DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS S.A., posteriormente sucedida por SANTANDER SECURITIES SERVICES BRASIL DISTRIBUIDORA DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS S.A., ora recorrente. 

Em sua obra, Eduardo Dotta destaca que 

"(...) o administrador de fundos de investimento, ao captar poupança – por intermédio da instituição distribuidora – mediante a oferta de cotas e, posteriormente, o gestor, ao pôr em prática a aplicação dos recursos em ativos financeiros diversos, deverá atentar, de acordo com o fundo modelado, ao respectivo emaranhado normativo, emergindo daí suas obrigações tanto para com as entidades regulatórias quanto para o público poupador, para com terceiros e para com o próprio mercado." (ob. cit., pág. 117 - grifou-se) 

A partir das disposições contidas na Instrução CVM nº 555/2014, o estudioso afirma que o administrador e o gestor possuem obrigações de três ordens: 

"(...) i. Obrigações fiduciárias - ligadas à confiança que o investidor deposita nos prestadores de serviços (administrador e gestor) enquanto seus representantes junto ao mercado e guardião de seus recursos; ii. Obrigações administrativas - ligadas à organização dos negócios e do dia a dia do fundo e como interlocutor dos investidores junto à CVM; iii. Obrigações de empenho - ligada à credibilidade do administrador e gestor no emprego dos melhores esforços na busca das melhores condições de mercado para o investidor. Obrigações estas mais ligadas atualmente à performance do gestor de recursos." (ibidem - grifou-se) 

Levando em conta a especificidade da pretensão deduzida em juízo, não há dúvida de que a responsabilidade atribuída ao réu, no caso, está inserida entre aquelas obrigações de natureza puramente administrativa. 

Ao concluir, em tese, pela responsabilidade da ora recorrente, o Tribunal de origem assim consignou: 

"(...) Como administrador e liquidante do fundo, o réu tinha diversos deveres que estavam regulamentados pela Instrução CVM nº 409, de 18.08.2004, que vigia ao tempo do ajuizamento da demanda e, tudo indica, ao tempo do fato gerador que deu causa ao pedido em curso (alienação das ações em agosto de 2013 fls. 180). Referida Instrução estabeleceu um plexo de deveres ao administrador do fundo de investimento que preveem as regras que deve adotar em relação aos cotistas, como a boa gestão dos investimentos (art. 65-A), o gerenciamento de riscos a envolver a carteira (art. 65-B) e a prestação de informações periódicas e de resultados (art. 68), e também estabeleceu os deveres do administrador na constituição, na administração e na liquidação do fundo de investimento, valendo observar que no art. 106, determinou a Comissão de Valores Mobiliários que 'Na hipótese de liquidação do fundo por deliberação da assembleia geral, o administrador deve promover a divisão de seu patrimônio entre os cotistas, na proporção de suas cotas, no prazo máximo de 30 (trinta) dias'. E não há dúvidas de que, ao dispor ao administrador que distribua o patrimônio do fundo aos cotistas, referida Instrução determina que caberá a ele, com base na auditoria que deve ser realizada por determinação do § 2º, verificar se todas as obrigações do fundo foram cumpridas para, ao final, promover a distribuição dos lucros dos investimentos aos cotistas que dele participaram. O mandatário age em nome e a favor do mandante e por isso responde o mandante pelos atos que praticou. O liquidante do Fundo de Investimento, como apontado, agiu em nome próprio, desempenhando funções que não se identificam com os cotistas do Fundo. Nesse sentido o parecer de fls. 2.477/2.516, do Professor Fabio Ulhoa Coelho, juntado pelos autores, no qual se destaca as funções que devem ser realizadas pelos liquidantes das massas patrimoniais em geral, de modo a deixar evidenciada a responsabilidade do réu pelo correto encerramento do fundo: 'As funções dos liquidantes de massas patrimoniais são bastante específicas e têm três finalidades muito claras: (i) realização do ativo; (ii) satisfação do passivo; e (iii) partilha do acervo líquido'. E vai além o referido parecer ao anotar que 'De qualquer modo, se o liquidante causa prejuízo no exercício de suas atribuições em decorrência de 'má liquidação', ele será direta e pessoalmente responsável (...) O essencial é destacar que as atividades típicas da liquidação de qualquer massa patrimonial (decorrente da dissolução de sociedade, término de condomínio, encerramento de fundo de investimento etc), que são as de realização do ativo, satisfação do passivo e partilha não se destinam à realização exclusiva dos interesses do seu titular. Também não se destinam a atender apenas os interesses dos destinatários da partilha. A liquidação e os atos em que se desenvolve também atendem aos interesses de terceiros, entre os quais avultam os dos credores. Estes, enquanto titulares de posições ativas de obrigações componentes do passivo do patrimônio liquidando, têm os seus direitos igualmente protegidos pelo regime jurídico da liquidação. Quer dizer, ao dispor como se deve proceder à liquidação de massas patrimoniais, a lei não está tutelando apenas os interesses do titular do patrimônio, mas igualmente os dos destinatários da partilha, dos credores e terceiros'. Mais não é preciso dizer. O réu, enquanto administrador do fundo de investimento com quem os autores celebraram o contrato de fls. 145/154, tinha o dever de bem exercer todos os atos de gestão e de liquidação previstos na Instrução CVM, inclusive perante terceiros, o que incluía, definitivamente, o pagamento do passivo para a satisfação do ativo aos cotistas. Ademais, também evidencia a legitimidade do réu o fato de os autores terem pedido esclarecimentos e informações sobre o cumprimento do contrato de venda das ações antes da liquidação do fundo pelo réu, como demonstram as missivas de fls. 175/200. Não obstante as diversas correspondências e notificações encaminhadas pelos autores ao réu e seus representantes no ano de 2012, o réu liquidou o fundo em 02.09.2013 sem, contudo, demonstrar o efetivo cumprimento do contrato de opção de compra de ações firmado pelo fundo com os autores, como alegado na inicial. Portanto, o réu é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, na qual não se discute o descumprimento do ajuste pelo Fundo, mas a má administração e a má liquidação do fundo contratante pelo réu, que teria causado os prejuízos elencados na inicial" (e-STJ fls. 2.798-2.801 - grifou-se). 

É bem verdade que a Instrução CVM nº 409/2004, citada pelo órgão colegiado, enquanto vigente, excluía expressamente da sua disciplina os Fundos de Investimento em Participações (FIPs): 

"Art. 1º A presente Instrução dispõe sobre normas gerais que regem a constituição, a administração, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento e fundos de investimento em cotas de fundo de investimento definidos e classificados nesta Instrução. Parágrafo único. Excluem-se da disciplina desta Instrução os seguintes fundos, regidos por regulamentação própria: I – Fundos de Investimento em Participações;" (grifou-se) 

No entanto, como bem destacado no voto condutor do aresto impugnado, com supedâneo em parecer da lavra do Professor Fábio Ulhoa Coelho, a realização do ativo, a satisfação do passivo e a partilha do acervo líquido entre os cotistas são atribuições dos liquidantes das massas patrimoniais em geral. 

No referido parecer, o renomado doutrinador destacou: 

"(...) 3. A pessoa encarregada de proceder aos atos de liquidação (o liquidante) atua em nome próprio, no desempenho das funções típicas, acima brevemente indicadas. O liquidante é direta e pessoalmente responsável por eventuais danos que cause ao desempenhar as tarefas ínsitas à sua função. 4. O liquidante não é mandatário do titular do patrimônio que se encontra em liquidação; tampouco o é dos destinatários da partilha do acervo líquido. Age sempre em nome próprio. (...) 11. De qualquer modo, se o liquidante causa prejuízo no exercício de suas atribuições, em decorrência de 'má liquidação', ele será direta e pessoalmente responsável. Nem sempre caberá, em acréscimo à responsabilidade do liquidante, a responsabilização do titular da massa patrimonial ou, sendo esta sociedade, de seus sócios. Eles também serão responsabilizáveis pelos atos de liquidação em caso de culpa in eligendo apenas. Por exemplo, ninguém terá direito de buscar o ressarcimento junto ao controlador da instituição financeira liquidada extrajudicialmente, de prejuízos advindos de atos de 'má liquidação', tendo em vista ser o liquidante escolhido, neste caso, pelo Banco Central. 12. É certo que a lei não preceitua especificamente a responsabilidade do liquidante por atos de 'má liquidação' para toda e qualquer hipótese. Há aquelas a respeito da qual não se encontra norma legal específica, como no caso de associações e fundações. Mas tal responsabilidade certamente existe, até mesmo em função de remissão legal às normas de liquidação das sociedades (CC, art. 51, § 2º). 13. O essencial é destacar que as atividades típicas da liquidação de qualquer massa patrimonial (decorrente da dissolução de sociedade, término de condomínio, encerramento de fundo de investimento etc), que são as de realização do ativo, satisfação do passivo e partilha não se destinam à realização exclusiva dos interesses do seu titular. Também não se destinam a atender apenas os interesses dos destinatários da partilha. A liquidação e os atos em que se desenvolve também atendem aos interesses de terceiros, entre os quais avultam os dos credores. Estes, enquanto titulares de posições ativas de obrigações componentes do passivo do patrimônio liquidando, têm os seus direitos igualmente protegidos pelo regime jurídico da liquidação. Quer dizer, ao dispor como se deve proceder à liquidação de massas patrimoniais, a lei não está tutelando apenas os interesses do titular do patrimônio, mas igualmente os dos destinatários da partilha, dos credores e terceiros. 14. O liquidante, em suma, incumbe-se de realizar uma atividade autônoma, equidistante dos diversos interesses que gravitam em torno dela (titular do patrimônio, destinatários da partilha, credores etc). Para serem justa e efetivamente protegidos, na liquidação, os direitos correspondentes a tais interesses, o liquidante há de ser independente e, de qualquer modo, responder pessoal e diretamente por eventuais danos decorrentes dos atos que praticar" (e-STJ fls. 2.486-2.490 - grifou-se). 

Ademais, a Instrução CVM nº 391/2003, que primeiro tratou especificamente dos Fundos de Investimento em Participações (FIPs), já incluía entre as obrigações do administrador o dever de "cumprir e fazer cumprir todas as disposições do regulamento do fundo" (art. 14, XV). 

O regulamento do FUNDO GENOA, por seu turno, em seu Artigo 23, dispunha que, "(...) para efeito da determinação do valor do patrimônio líquido do Fundo, devem ser observadas as normas e os procedimentos contábeis previstos na legislação em vigor, especialmente no regulamento anexo à Instrução CVM 438/06" (e-STJ fl. 452 - grifou-se). 

Conclui-se, desse modo, que a satisfação integral do passivo antes da partilha do patrimônio líquido entre os cotistas está, em regra, inserida entre as atribuições do administrador, sendo dele a responsabilidade, em tese, por eventuais prejuízos que guardem nexo de causalidade com a inobservância desse mister. 

Saber se a condição suspensiva foi de fato implementada, a ponto de conferir existência ao passivo indicado pelos autores, e se a satisfação desse passivo específico estava, de fato, entre as atribuições do administrador, é questão que diz respeito ao mérito da demanda. 

5) Do efeito devolutivo da apelação 

Invocando contrariedade ao art. 1.013, caput e § 1º, do Código de Processo Civil de 2015, a recorrente afirma que "(...) o acórdão recorrido avançou no exame de outras questões que não haviam sido apreciadas na sentença e nem foram impugnadas na apelação, tais como a aplicabilidade da cláusula compromissória e a prescrição" (e-STJ fl. 2.856). 

Todavia, tanto o reconhecimento de que a lide se sujeita à jurisdição estatal quanto o afastamento da prescrição são questões de ordem pública que podem ser examinadas a qualquer tempo pelas instâncias ordinárias, independentemente de provocação. 

6) Da cláusula compromissória 

Em suas razões recursais, a recorrente afirma que, apesar de não ser parte no contrato firmado entre os autores e o FUNDO GENOA, a cláusula compromissória dele constante foi pactuada justamente para que a apreciação de eventual descumprimento das obrigações assumidas ficasse excluída da jurisdição estatal. 

Conforme já salientado, a pretensão deduzida na inicial não se confunde com o adimplemento do contrato que garantia aos autores a opção de compra de um determinado número de ações por um preço simbólico caso verificada a condição suspensiva pactuada. Se assim fosse, seria forçoso concluir pela incidência da referida cláusula compromissória. 

No entanto, tratando-se de demanda em que a causa de pedir está relacionada com a irregular liquidação do fundo de investimento antes de satisfeitas as obrigações contraídas perante terceiros e na qual se pede a reparação dos supostos danos daí resultantes, é completamente descabida a remessa dos autos ao juízo arbitral, como bem pontuado pelo Tribunal estadual: 

"(...) Tivesse a demanda, por fundamento, a relação jurídica estabelecida entre o fundo investidor e os sócios da companhia, outro seria seu desfecho quanto à questão do compromisso arbitral. No entanto, a pretensão encontrada na petição inicial é voltada contra a irregular liquidação do fundo de investimento, dando ensejo, segundo sustentaram os autores, à responsabilidade civil do réu, que o liquidou irregularmente, sem observar o cumprimento das obrigações assumidas. Não tem incidência, portanto, a cláusula compromissória, porque a responsabilidade que se imputa ao réu é distinta, fundada na sua atuação, em nome próprio, como gestor e liquidante do Fundo" (e-STJ fl. 2.790 - grifou-se). 

7) Da prescrição 

Presente a circunstância de que a demanda se volta contra a irregular liquidação do fundo de investimento, o termo inicial do prazo de prescrição para a respectiva pretensão de natureza reparatória deve ser contado a partir da sobredita liquidação, ocorrida no final do ano de 2013. 

Ademais, tratando-se de relação extracontratual, deve ser aplicado o prazo de que trata o art. 206, § 3º, V, do Código Civil, segundo o qual prescreve em 3 (três) anos a pretensão de reparação civil. 

Ajuizada a demanda em 2014, não se operou, no caso, a prescrição. 

8) Da denunciação da lide 

De acordo com a pacífica jurisprudência desta Corte Superior, somente é obrigatória a denunciação da lide quando o litisdenunciado esteja obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar a parte em ação regressiva, não sendo admitida tal modalidade de intervenção de terceiros quando se pretende, pura e simplesmente, transferir responsabilidades pelo evento danoso. 

A propósito: 

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. DESCABIMENTO. SÚMULAS N. 7 E 83 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a denunciação da lide não é cabível quando o réu pretende excluir a própria responsabilidade, transferindo-a integralmente ao denunciado. 2. Inadmissível o recurso especial quando o entendimento adotado pelo Tribunal de origem coincide com a jurisprudência do STJ (Súmula n. 83/STJ). (...) 4. Agravo interno a que se nega provimento." (AgInt no AREsp 1.154.988/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 19/12/2017 - grifou-se). 

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM PEDIDO DE REPARAÇÃO POR PERDAS E DANOS. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL. COMPRADOR QUE SE VÊ IMPOSSIBILITADO DE REGISTRAR O BEM JUNTO AO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS COMPETENTE. DENUNCIAÇÃO DA LIDE AO MUNICÍPIO E À OFICIALA DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. IMPOSSIBILIDADE. (...) 2. Cinge-se a controvérsia em determinar se, na presente ação de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel cumulada com pedido de reparação por perdas e danos, decorrente da impossibilidade de transferência da propriedade do bem junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, é possível a denunciação da lide à Municipalidade de Serra/ES e à Oficiala do Cartório do 1º Ofício 2ª Zona de Serra/ES. 3. A denunciação da lide, baseada no art. 70, III, do CPC/73, restringe-se às ações de garantia, isto é, àquelas em que se discute a obrigação legal ou contratual do denunciado em garantir o resultado da demanda, indenizando o garantido em caso de derrota. 4. Não cabe a denunciação da lide quando se pretende, pura e simplesmente, transferir responsabilidades pelo evento danoso, não sendo a denunciação obrigatória na hipótese do inciso III do art. 70 do CPC/73. Precedentes. 5. Consoante jurisprudência consolidada nesta Corte Superior, não é admissível a denunciação da lide embasada no art. 70, III, do CPC quando introduzir fundamento novo à causa, estranho ao processo principal, apto a provocar uma lide paralela, a exigir ampla dilação probatória, o que tumultuaria a lide originária, indo de encontro aos princípios da celeridade e economia processuais, os quais esta modalidade de intervenção de terceiros busca atender. Ademais, eventual direito de regresso não estará comprometido, pois poderá ser exercido em ação autônoma. Precedentes. 6. Na hipótese dos autos, não se justifica o acolhimento do pedido de denunciação da lide porque i) não está configurada qualquer obrigação legal ou contratual dos denunciados em indenizar regressivamente o recorrente; ii) perquirir acerca da responsabilidade dos denunciados implicaria na incontestável necessidade de dilação probatória, o que atentaria contra os princípios norteadores do instituto da denunciação da lide, quais sejam, princípios da celeridade, da economia e da presteza na entrega da prestação jurisdicional; e iii) o indeferimento do pedido de denunciação da lide não compromete eventual direito de regresso que possua o denunciante, ou seja, não impede a propositura de ação autônoma contra os denunciados. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido." (REsp 1.635.636/ES, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/3/2017, DJe 24/3/2017 - grifou-se). 

9) Dispositivo 

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. 

É o voto. 

Filigrana doutrinária: Fundos de Investimento - Ricardo de Santos Freitas

 "(...) a insistente e expressa atribuição da condição de condomínio aos fundos de investimento, pelo legislador, na totalidade das espécies existentes, não tem o condão de subsumi-los ao instituto de Direito Civil. O conjunto de relações jurídicas compreendidas em um fundo de investimento colidem com as normas insculpidas no Código Civil como reguladoras da figura condominial. Em alguns países, como na Espanha, o legislador chega expressamente a vedar a utilização subsidiária das normas relativas à co-propriedade, na aplicação do Direito a tais formas. A teoria da organização associativa parece ser a que melhor resolve as dúvidas suscitadas pela dogmática dos fundos de investimento, e a mais consentânea com o ordenamento jurídico brasileiro. (...) Deveria, pois, o legislador, dar sua parcela de contribuição eliminando da regulamentação dos fundos de investimento qualquer referência ao instituto condominial. (...) Decorre dessa conclusão, que o aplicador do Direito deverá obrigatoriamente servir-se, subsidiariamente à norma legal específica e ao regulamento do fundo, em cada caso concreto, das normas e princípios inspiradores do Direito Societário."


FREITAS, Ricardo de Santos. Natureza jurídica dos fundos de investimento, São Paulo: Quatier Latin, 2005, págs. 269-271

Filigrana doutrinária: Fundos de Investimento - Eduardo Montenegro Dotta

"(...) Em que pese a conceituação regulatória referir-se aos fundos de investimento enquanto condomínios, adentrando, desta forma, em sua natureza jurídica, parcela da doutrina tem compreendido que a natureza jurídica do instituto não se amolda integralmente à estrutura condominial prevista pela legislação civil (cf. artigos 1.314 e seguintes do Código Civil). Os fundos de investimento, seguindo a orientação regulatória da Comissão de Valores Mobiliários, possuem patrimônio que, em atenção à política de segregação de recursos a que se submetem, não se mistura com o patrimônio de seu administrador, possuem também órgão interno de decisão com poderes deliberativos limitados – que corresponde à assembleia de cotistas – além de escrituração contábil própria, formulada por auditor independente, com balanço destacado da instituição administradora, elementos estes que não se observam na figura do condomínio tradicional descrito pelo Código Civil. A estrutura jurídica dos fundos, considerados os itens que acabamos de listar, aproximam-no muito mais de uma fórmula societária do que de um condomínio, dado que, embora destituídos de personalidade jurídica, aos fundos de investimento são imputados direitos e deveres. Trata-se de entidade detentora de representatividade em suas relações internas e externas, a ponto da Comissão de Valores Mobiliários lhe garantir o direito, mediante deliberação tomada por quórum qualificado de cotistas, de realizar operações societárias de fusão, cisão ou incorporação. Além disso, as prerrogativas inseridas no artigo 1.314 do Código Civil não podem ser exercitadas pelo cotista de um fundo de investimento, uma vez que este não desfruta – de forma plena – de direitos em face dos ativos subjacentes ao fundo constituído, tal qual o condômino possui em relação à copropriedade condominial, mas somente direitos ligados à fração representativa da sua participação proporcional no fundo. A tese de Ricardo de Santos Freitas é precisa neste ponto: 'O artigo 1314 do Código Civil estabelece que 'cada condômino pode usar da coisa conforme a sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a divisão, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la. Assim, não obstante a pluralidade de titulares, o condomínio, enquanto instituto típico regulado pelo Código Civil representa direito real de domínio que confere a cada co-titular o direito de uso, gozo e disposição sobre a sua parte ideal. As estruturas de fundo reguladas pela CVM, no entanto, não permitem que os investidores exerçam plenamente os direitos mencionados no artigo 1314 do Código Civil. Com efeito, a regulamentação dos FI´s, por exemplo, estabelece que, no caso de fundo aberto, suas cotas são intransferíveis. Como se vê, as normas específicas aplicáveis no Direito Brasileiro aos diferentes tipos de fundos não permitem a livre disposição pelo titular de sua parte ideal, divergindo, portanto, do tratamento dado ao condomínio geral no Código Civil. Ao estudar a natureza jurídica dos fundos de investimento imobiliário – uma das modalidades de fundos admitidos pela Comissão de Valores Mobiliários – Arnoldo Wald compreendeu que: 'Quer se cogite de um condomínio especialíssimo ou sui generis de uma sociedade sem personalidade jurídica, na terminologia do Código de Processo Civil, ou de uma forma de trust já adaptado e consagrado pelo Direito brasileiro, a designação e a semântica são secundários, pois o importante é a capacidade substantiva e adjetiva do Fundo para adquirir e transmitir direitos, atuar em Juízo e praticar todos os atos da vida comercial, embora só possa exercer sua atividade por intermédio de seu gestor. Não se trata de contrato de comissão, pois os bens não são adquiridos em nome do gestor e por conta dos condôminos, mas em nome do Fundo e para o mesmo'. Para o respeitado jurista, o fundo de investimento 'é uma fórmula fiduciária pela qual os investimentos podem ser realizados em nome do fiduciário e no interesse do fiduciante, assemelhando-se ao trust, sob forma que também tem sido aceita e consagrada no Direito Comparado, não só nos países que admitem o trust como os Estados Unidos, mas também nas legislações de tradição romana, como acontece em Portugal e na França, segundo pudemos verificar nas transcrições de texto legislativo que fizemos. Não há, assim, qualquer dúvida quanto à possibilidade do Fundo Imobiliário ser titular em nome próprio de direitos e obrigações'. Na nossa compreensão os fundos de investimento adotam uma disciplina jurídica que não se confunde com o instituto civil do condomínio, melhor se caracterizando, tal qual ponderado pelo Professor Arnoldo Wald como uma estrutura jurídica por intermédio da qual os investidores admitem um administrador – investido na capacidade de representação e administração dos negócios do fundo – e que, por intermédio de sua gestão, realiza operações nos mercados financeiro, de capitais, e de futuros, obrigando-se, de acordo com as especificações constantes do regulamento do fundo e das normas regentes da sua atividade, a envidar os melhores esforços para obter a maior rentabilidade possível ao capital investido, dentro do perfil de exposição – indicado na política de investimentos – aos possíveis elementos de risco." 

DOTTA, Eduardo Montenegro. Responsabilidade civil dos administradores e gestores de fundos de investimento, São Paulo: Almedina, 2018, págs. 90-94