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15 de agosto de 2021

Os limites da publicidade diante dos direitos do consumidor

 Em um mercado de consumo movido pela propaganda, os limites da atuação publicitária e os potenciais efeitos de ações antiéticas nesse setor são temas de extremo interesse social. Embora existam alguns mecanismos de controle, como o Código de Autorregulamentação Publicitária – que, mesmo não sendo lei formal, define as boas práticas do mercado –, os limites nem sempre são claros; por isso, a publicidade é alvo de constantes embates judiciais.  

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece alguns princípios norteadores da atividade, entre eles a necessidade de identificação da publicidade (artigo 36), a vinculação contratual (artigos 30 e 35), a inversão do ônus da prova (artigo 38), a transparência (artigo 36, parágrafo único), a correção do desvio publicitário e a lealdade (artigo 4º, VI).

O CDC também é um importante instrumento utilizado pela Justiça para a configuração da publicidade enganosa, entendida como aquela que contém informação total ou parcialmente falsa, ou que, mesmo por omissão, é capaz de induzir o consumidor em erro (artigo 37, parágrafo 1º e 3º). Assim, o conceito está intimamente ligado à falta de veracidade, que pode decorrer tanto da informação falsa quanto da omissão de dado essencial.

Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para a configuração da publicidade enganosa, é preciso analisar o caso concreto, a fim de determinar os dados essenciais que deveriam constar da peça publicitária e que foram omitidos ou alterados; é necessário, ainda, considerar o público-alvo do anúncio, de modo a avaliar adequadamente o potencial enganoso desse tipo de comunicação.

Manipulação do universo lúdico i​​nfantil

É de 2016 o primeiro precedente que considerou abusiva a publicidade de alimentos dirigida direta ou indiretamente ao público infantil. Durante o julgamento na Segunda Turma, o ministro relator, Humberto Martins, apontou a ilegalidade de campanhas publicitárias de fundo comercial que "utilizem ou manipulem o universo lúdico infantil" (REsp 1.558.086).

Leia também​​: Decisão histórica condenou propaganda de alimentos dirigida ao público infantil

O processo chegou ao STJ após a empresa Pandurata Alimentos, dona da marca Bauducco, recorrer de decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que julgou procedente ação civil pública do Ministério Público estadual e considerou como venda casada a campanha "É hora de Shrek".

Na promoção, a Bauducco condicionava a aquisição de um relógio de pulso com a imagem do ogro Shrek e de outros personagens do desenho animado à apresentação de cinco embalagens dos produtos "Gulosos", além do pagamento adicional de R$ 5,00.

Para o relator, a hipótese caracterizava publicidade duplamente abusiva: primeiro, por se tratar de anúncio ou promoção de venda de alimentos direcionada, direta ou indiretamente, às crianças. "Segundo, pela evidente 'venda casada', ilícita em negócio jurídico entre adultos e, com maior razão, em contexto de marketing que utiliza ou manipula o universo lúdico infantil (artigo 39, I, do CDC)", afirmou o magistrado.

Em outro julgamento sobre anúncios dirigidos a crianças e adolescentes, o relator, ministro Herman Benjamin, explicou que, na ótica do direito do consumidor, a publicidade é oferta e, como tal, é ato precursor da celebração de contrato de consumo – negócio jurídico cuja validade depende da existência de sujeito capaz (artigo 104, I, do Código Civil).

"O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência reconhecendo a abusividade da publicidade de alimentos direcionada, de forma explícita ou implícita, a crianças. Isso porque a decisão de comprar gêneros alimentícios cabe aos pais, especialmente em época de altos e preocupantes índices de obesidade infantil", declarou o relator (REsp 1.613.561).

Dano moral coletivo por omissã​​o de informações

O ministro Herman Benjamin também relatou recurso no qual a Segunda Turma confirmou a condenação por dano moral coletivo imposta em ação civil pública contra concessionárias de Rondônia, em razão de anúncios de venda de veículos que não indicavam aos consumidores informações referentes ao valor de entrada, o total a prazo e os juros embutidos (REsp 1.828.620).

A ação foi proposta por uma organização não governamental após centenas de cidadãos serem "ludibriados por maquiavélicas publicidades enganosas" e depois não conseguirem honrar as compras. As instâncias de origem entenderam que as empresas deveriam ser responsabilizadas pela publicidade enganosa, porque anunciaram a venda de veículos sem a devida prestação de informações aos consumidores, induzindo-os em erro.

Segundo Herman Benjamin, o direito de não ser enganado antecede o próprio nascimento do direito do consumidor. "A oferta, publicitária ou não, deve conter não só informações verídicas, como também não ocultar ou embaralhar as essenciais. Sobre produto ou serviço oferecido, ao fornecedor é lícito dizer o que quiser, para quem quiser, quando e onde desejar, e da forma que lhe aprouver, desde que não engane, ora afirmando, ora omitindo", declarou.

No mercado de consumo, ressaltou o magistrado, juros embutidos ou disfarçados configuram uma das mais comuns, graves e nocivas modalidades de oferta enganosa, sendo passíveis de responsabilização nas esferas administrativa, civil e penal o uso de expressões do tipo "sem juros" ou a falta de indicação clara e precisa da taxa de juros e de outros encargos cobrados.

Para o relator, a informação é inadequada quando está estampada "em pé de página, com letras diminutas, na lateral, ou por ressalvas em multiplicidade de asteriscos, ou, ainda, em mensagem oral relâmpago ininteligível".

Coletividade tem o direito de não ser​​​ ludibriada

A Quarta Turma condenou uma imobiliária e seu proprietário ao pagamento de danos morais coletivos de R$ 30 mil, por negociarem terrenos em um condomínio de Betim (MG) com a falsa informação de que o loteamento estaria autorizado pelo poder público e seria possível registrar a propriedade em cartório (REsp 1.539.056).

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No julgamento, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, destacou o caráter reprovável da conduta perpetrada pelos réus "em detrimento do direito transindividual da coletividade de não ser ludibriada, exposta à oferta fraudulenta ou à publicidade enganosa ou abusiva, motivo pelo qual a condenação ao pagamento de indenização por dano extrapatrimonial coletivo é medida de rigor, a fim de evitar a banalização do ato reprovável e inibir a ocorrência de novas e similares lesões".

Condenação exige que informaç​​ão omitida seja essencial

Contudo, o mesmo colegiado ponderou que a falta de informação sobre preço, por si só, não caracteriza propaganda enganosa por omissão. Para os ministros, a condenação, nessa hipótese, exige a comprovação de que foi sonegada informação essencial sobre a qualidade do produto ou serviço, ou sobre suas reais condições de contratação (REsp 1.705.278).

No caso em análise, o Ministério Público do Maranhão recebeu denúncias de consumidores sobre panfletos de propaganda de celulares distribuídos em uma loja sem a informação dos preços. Em primeira e segunda instâncias, a telefônica e o estabelecimento comercial onde houve a distribuição do material foram condenados a pagar indenização de R$ 10 mil por dano coletivo aos consumidores.

Para o relator no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, no entanto, o CDC não exige a veiculação de todas as informações de um produto – o que seria impossível, devido à limitação de tempo e espaço nas peças publicitárias.

"Não é qualquer omissão informativa que configura o ilícito. Para a caracterização da ilegalidade, a ocultação necessita ser de uma qualidade essencial do produto, do serviço ou de suas reais condições de contratação, de forma a impedir o consentimento esclarecido do consumidor", concluiu.

Como o tribunal de segundo grau havia se limitado a afirmar, de forma genérica e abstrata, que o preço é um dado imprescindível na publicidade, o ministro determinou que a corte analisasse os pressupostos objetivos e subjetivos da informação omitida na campanha, para só então concluir pela caracterização ou não de publicidade enganosa.

Letra miúda pode configurar propagand​​a enganosa

No julgamento do REsp 1.599.423, a Terceira Turma manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que determinou que uma empresa telefônica, ao informar sobre restrições em sua promoção, utilizasse nas peças publicitárias da campanha um destaque proporcional ao anúncio das vantagens oferecidas ao consumidor, sob pena de multa.

A campanha da empresa trazia em destaque a possibilidade de o usuário falar por até 45 minutos e pagar apenas três minutos, mas informava em letras pequenas que essa vantagem só valeria para ligações locais realizadas para telefone fixo da própria operadora entre 20h e 8h do dia seguinte, de segunda a sábado, e em qualquer horário aos domingos e feriados.

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O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, verificou que a conclusão do tribunal paulista foi no sentido de que tal disparidade de informações poderia efetivamente induzir o consumidor em erro, configurando propaganda enganosa.

Em seu voto, o magistrado lembrou que o STJ já considerou enganosa, capaz de induzir em erro o consumidor, a mensagem que consta em letras minúsculas nas informações contratuais. Segundo ele, o CDC não obriga os consumidores a cumprir os contratos cujos termos foram redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido (artigo 46).

Regras contratuais devem e​​​vitar falsas expectativas

Sanseverino citou julgamento realizado sob relatoria do ministro Villas Bôas Cueva, no qual o colegiado garantiu a uma consumidora o direito de receber o prêmio de R$ 300 mil da Tele Sena do Dia das Mães de 1999, em razão da falta de clareza nas regras do sorteio (REsp 1.344.967).

Na edição especial de Dia das Mães daquele ano, havia uma regra para reduzir o número de ganhadores, a qual previa a desconsideração da 17ª dezena sorteada no segundo subconjunto. A informação, não explicitada em nenhuma publicidade do título, nem sequer justificada, somente se tornava conhecida quando aberto o carnê, que era vendido lacrado. No caso analisado, a consumidora teria completado os 25 pontos necessários caso a 17ª dezena sorteada tivesse sido considerada.

Na ocasião, Villas Bôas Cueva destacou que as regras contratuais devem ser apresentadas de modo a evitar falsas expectativas, tais como aquelas dissociadas da realidade, em especial quando o consumidor é desprovido de conhecimentos técnicos.

Publicidade comparativa não po​​​​de ser depreciativa

Em 2014, a Quarta Turma estabeleceu que é lícita a propaganda comparativa entre produtos alimentícios de marcas distintas e de preços próximos, desde que: a comparação tenha por objetivo principal o esclarecimento do consumidor; as informações veiculadas sejam verdadeiras, objetivas, não induzam o consumidor em erro, não depreciem o produto ou a marca, nem sejam abusivas; os produtos e as marcas comparados não sejam passíveis de confusão (REsp 1.377.911). 

Com esse entendimento, o colegiado negou recurso no qual uma fabricante de iogurte pedia o restabelecimento de decisão que impôs sanções a uma concorrente em razão de campanha comparativa entre os produtos das duas.

Os ministros acompanharam o relator, ministro Luis Felipe Salomão, para quem não houve ofensa à imagem do produto objeto da comparação e, por isso, não se configurou infração ao registro de marcas nem concorrência desleal.

"Para que a propaganda comparativa viole o direito marcário do concorrente, as marcas devem ser passíveis de confusão ou a referência da marca deve estar cumulada com ato depreciativo da imagem de seu produto/serviço, acarretando a degenerescência e o consequente desvio da clientela", afirmou.

Segundo o magistrado, entender de forma diversa seria impedir a livre-iniciativa e a livre concorrência, levando restrição desmedida à atividade econômica e publicitária. "Além disso, implicaria retirar do consumidor maior acesso às informações referentes aos produtos comercializados e a poderoso instrumento decisório", completou o ministro.​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1558086REsp 1613561REsp 1828620REsp 1539056REsp 1705278REsp 1599423REsp 1344967REsp 1377911

10 de abril de 2021

Informativo 1009/STF: PUBLICIDADE - A redução da transparência dos dados referentes à Covid-19 viola o direito de acesso à informação, os princípios da publicidade e transparência da Administração Pública e o direito à saúde

Fonte: Dizer o Direito

https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1009-stf.pdf


PUBLICIDADE - A redução da transparência dos dados referentes à Covid-19 viola o direito de acesso à informação, os princípios da publicidade e transparência da Administração Pública e o direito à saúde

É necessária a manutenção da divulgação integral dos dados epidemiológicos relativos à pandemia da Covid-19. A interrupção abrupta da coleta e divulgação de importantes dados epidemiológicos, imprescindíveis para a análise da série histórica de evolução da pandemia (Covid-19), caracteriza ofensa a preceitos fundamentais da Constituição Federal, nomeadamente o acesso à informação, os princípios da publicidade e da transparência da Administração Pública e o direito à saúde. STF. Plenário. ADPF 690/DF, ADPF 691/DF e ADPF 692 /DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 13/03/2021 (Info 1009). 

A situação concreta foi a seguinte: 

Em 08/06/2020, a Rede Sustentabilidade, o PCdoB e o PSol ajuizaram no STF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) na qual contestam atos do Poder Executivo Federal que restringiram a publicidade dos dados relacionados à Covid-19. 

Na ação, os partidos pedem que o Ministério da Saúde seja obrigado a dar publicidade, diariamente, até às 19h30, dos dados sobre casos confirmados, óbitos, recuperados, hospitalizados e outros. No pedido, os partidos afirmam que, por três dias seguidos na semana anterior ao ajuizamento da ação, o Ministério da Saúde retardou a divulgação dos dados sobre a pandemia em sua página na internet. Posteriormente, sem nenhuma justificativa legítima, alterou o formato do Balanço Diário da Covid-19, omitindo dados como o total de casos confirmados, de casos recuperados e de óbitos, o acumulado nos últimos três dias, o número de mortes em investigação e o de pacientes que ainda estão em acompanhamento. 

Para os partidos, a retenção dessas informações inviabiliza o acompanhamento do avanço da Covid-19 no Brasil e atrasa a implementação de políticas públicas sanitárias de controle e prevenção da doença, além de representar afronta à população o fato de existir qualquer intenção de manipulação de dados. Os partidos alegam que as medidas violam preceitos fundamentais da Constituição Federal que tratam do direito à vida e à saúde, do dever de transparência da administração pública e do interesse público. 

Decisão monocrática 

No dia 09/06/2020, o Min. Relator Alexandre de Moraes deferiu a medida liminar para determinar ao Ministro da Saúde que mantenha, em sua integralidade, a divulgação diária dos dados epidemiológicos relativos à pandemia (Covid-19), inclusive no site. 

Confirmação da liminar 

No dia 20/11/2020, o Plenário do STF referendou a medida cautelar concedida (Info 1000 do STF). Julgamento do mérito No dia 13/03/2021, o STF apreciou em definitivo as ações e julgou parcialmente procedentes os pedidos para determinar que o Ministério da Saúde mantenha, em sua integralidade, a divulgação diária dos dados epidemiológicos relativos à pandemia (COVID-19), inclusive no sítio do Ministério da Saúde e com os números acumulados de ocorrências, exatamente conforme realizado até o dia 4 de junho de 2020. 

Principais argumentos 

A saúde é direito de todos e dever do Estado. Uma das principais finalidades do Estado é a efetividade de políticas públicas destinadas à saúde, inclusive as ações de vigilância epidemiológica, entre elas o fornecimento de todas as informações necessárias ao planejamento e combate da pandemia causada pela Covid-19. A gravidade da emergência ocasionada pela Covid-19 exige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção das medidas possíveis para o apoio e manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde. 

A CF/88 consagrou expressamente o princípio da publicidade como um dos vetores imprescindíveis à Administração Pública, conferindo-lhe absoluta prioridade na gestão administrativa e garantindo pleno acesso às informações a toda a sociedade. 

À consagração constitucional de publicidade e transparência corresponde a obrigatoriedade do Estado em fornecer as informações necessárias à sociedade. O acesso às informações consubstancia-se em verdadeira garantia instrumental ao pleno exercício do princípio democrático. 

Assim, salvo situações excepcionais, a Administração Pública tem o dever de absoluta transparência na condução dos negócios públicos, sob pena de desrespeito aos arts. 37, caput, e 5º, XXXIII e LXXII, da CF/88, pois “o modelo político-jurídico, plasmado na nova ordem constitucional, rejeita o poder que oculta e o poder que se oculta”. 

A divulgação constante e padronizada dos dados epidemiológicos permite análises e projeções comparativas necessárias para auxiliar as autoridades públicas na tomada de decisões e possibilitar à população em geral o pleno conhecimento da situação vivenciada no País. Ademais, cumpre ressaltar que a República Federativa do Brasil é signatária de tratados e regras internacionais relacionados à divulgação de dados epidemiológicos, tais como o Regulamento Sanitário Internacional aprovado pela 58ª Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 23 de maio de 2005, promulgado no Brasil pelo Decreto Legislativo 395/2009. 

Em suma: 

É necessária a manutenção da divulgação integral dos dados epidemiológicos relativos à pandemia da Covid-19. A interrupção abrupta da coleta e divulgação de importantes dados epidemiológicos, imprescindíveis para a análise da série histórica de evolução da pandemia (Covid-19), caracteriza ofensa a preceitos fundamentais da Constituição Federal, nomeadamente o acesso à informação, os princípios da publicidade e da transparência da Administração Pública e o direito à saúde. STF. Plenário. ADPF 690/DF, ADPF 691/DF e ADPF 692 /DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 13/03/2021 (Info 1009).