Cabe reclamação sempre que se vislumbrar a usurpação de
competência de tribunal, a violação de autoridade de decisão, a ofensa à
autoridade de precedentes das Cortes Supremas (desde que esgotadas
as instâncias ordinárias, art. 988, § 5.º, II, CPC/2015) e de jurisprudência
vinculante. A opção legislativa a respeito do seu cabimento tem uma clara
vinculação, portanto, não só com a prestação da tutela dos direitos em
sua dimensão particular, isto é, para busca de uma decisão de mérito
justa e efetiva para o litígio (arts. 6.º e 988, I e II, CPC/2015), mas também
com a promoção da unidade do direito, isto é, com a tutela dos direitos
em sua dimensão geral (arts. 926 e 988, III e IV, CPC/2015).
Rigorosamente, no entanto, a reclamação deveria constituir apenas e tão
somente instrumento de tutela da decisão do caso concreto. Dito de outro
modo: ela não deveria ser vista como meio de tutela do precedente ou da
jurisprudência vinculante. Isso porque semelhante modo de ver o seu
papel pode ocasionar o fenômeno inverso àquele que se pretende evitar
com a instituição de filtros recursais: o abarrotamento do Supremo
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça com reclamações que,
per saltum, visam a outorgar força ao precedente – essa, aliás, a razão
pela qual a Lei 13.256, de 2016, deu nova redação aos incs. III e IV do
caput do art. 988 e ao seu § 5.º, do CPC/2015.
Nada obstante, até que as Cortes Supremas, as Cortes de Justiça e os
juízes de primeiro grau assimilem uma efetiva cultura do precedente
judicial, é imprescindível que se admita a reclamação com função de
outorga de eficácia de precedente. E foi com esse objetivo deliberado que o novo Código ampliou as hipóteses de cabimento da reclamação. Essa
finalidade fica muito clara não só com a leitura dos incs. III e IV do caput
do art. 988 do CPC/2015, mas também com a dos seus §§ 4.º e 5.º, inc.
II, que expressamente destinam a reclamação ao controle da aplicação
indevida de precedentes e da ausência de sua aplicação, desde que
devidamente esgotadas as instâncias ordinárias. A propósito, embora o
art. 988, § 5.º, inc. II, CPC/2015, fale em “acórdão” oriundo de julgamento
de “recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida” e em
“acórdão proferido em julgamento de recurso extraordinário ou especial
repetitivos”, é certo que a reclamação tutela todo e qualquer precedente
constitucional e federal, pouco importando a forma repetitiva. A restrição
que interessa aí diz respeito à necessidade de esgotamento da instância
ordinária para o cabimento da reclamação.
Diante do direito anterior, a Constituição permitia reclamação apenas
diante das Cortes Supremas. O Supremo Tribunal Federal entendeu
ainda que era cabível a reclamação diante dos Tribunais de Justiça,
desde que as respectivas Constituições estaduais assim o permitissem.
O novo Código permite a reclamação para preservação da competência e
para garantir a autoridade da decisão de “qualquer tribunal” (art. 988, § 1.º,
CPC/2015). Vale dizer: permite também reclamação diante dos Tribunais
Regionais Federais. (p. 140/141)
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código
de Processo Civil: artigos 976 a 1.044. Dir. Luiz Guilherme Marinoni. Coord. Sérgio
Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, vol. XVI