RECURSO ESPECIAL Nº 1852629 - SP (2019/0227657-9)
RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEI
DE ACESSO À INFORMAÇÃO. DADOS SOBRE ÓBITOS RELACIONADOS A
OCORRÊNCIAS POLICIAIS. CARÁTER PÚBLICO INCONTROVERSO.
IMPRENSA. VEDAÇÃO JUDICIAL DE USO DA INFORMAÇÃO EM
REPORTAGEM NOTICIOSA. DESCABIMENTO. CENSURA PRÉVIA.
RESTRIÇÃO À ATIVIDADE JORNALÍSTICA. DISTINÇÃO DA GENERALIDADE
DA SOCIEDADE. IMPOSSIBILIDADE. SEGURANÇA DE FAMILIARES DAS
VÍTIMAS. HIPÓTESE GENÉRICA DE SIGILO NÃO PREVISTA NO
ORDENAMENTO. PUBLICAÇÃO DOS DADOS EM PORTAL. FORMA DE
CUMPRIMENTO DA ORDEM. PERÍODO PARCIALMENTE COINCIDENTE
COM O REQUERIDO. INTERESSE DE AGIR. PERMANÊNCIA.
1. Hipótese em que o Tribunal denegou o pedido para assegurar à parte
impetrante o acesso a dados alusivos a óbitos relacionados a boletins de
ocorrência policial sob o fundamento de riscos à segurança e à privacidade dos
familiares das vítimas pela exposição em reportagens noticiosas. Afirmou-se,
ainda, ausência de interesse de agir, pela superveniente publicação das
informações em portal de acesso público.
2. Inexiste controvérsia quanto ao caráter público dos dados requeridos, bem
como a sua existência em documentos de posse da administração. Assim o
afirmaram tanto o Judiciário, inclusive o acórdão recorrido, e o órgão
administrativo recursal responsável pelos pedidos alusivos à Lei de Acesso à
Informação no Estado. Entretanto, embora reconhecido pela instância
administrativa superior sua natureza pública, a autoridade impetrada não
forneceu os dados requeridos.
3. Fundamento essencial do acórdão recorrido para denegar a ordem: "Embora
reconhecido [...] a publicidade dos elementos [...], mesmo não constituindo
ofensa a direitos individuais, não pode ser divulgada na mídia de grande
circulação [...] As informações requeridas são essencialmente públicas, mas sua
divulgação exige cautela e não são indispensáveis [...]".
4. Descabe à administração ou ao Judiciário apreciar as razões ou usos que se
pretende dar à informação de natureza pública. A informação, por ser pública,
deve estar disponível ao público, independentemente de justificações ou
considerações quanto aos interesses a que se destina o uso.
5. A imposição de restrições especiais ao exercício da atividade jornalística, em
contraste com a generalidade da população, é vedada pela Constituição
Federal. Razões de decidir (ratio decidendi) da ADPF 130/STF.
6. Na hipótese, não se está sequer diante de um produto jornalístico acabado,
cuja construção poderia ensejar, de forma absolutamente excepcional e ainda
assim questionável, controle à sua circulação, ante a gravidade dos danos
potenciais. Configura-se inequívoca censura prévia impedir-se à imprensa que
até mesmo apure eventual interesse jornalístico de divulgação de dados, reiterese, inequivocamente públicos.
7. A segurança individual não é hipótese legal de exceção de acesso a dados
públicos. Eventuais danos, caso efetivados, se resolvem pela responsabilização
civil, administrativa e penal.
8. A denegação da ordem pela origem configura verdadeiro bis in idem censório.
São dois direitos distintos, que o acórdão recorrido confunde para negar a
ambos: o direito de acesso à informação pública é autônomo diante do direito de
liberdade de imprensa. Não há razão nem mesmo em supor que os dados
públicos virão a ser publicados pela imprensa, que pode aproveitá-los de uma
infinidade de formas diversas da divulgação noticiosa, como subsídio à atividade
jornalística. Não se pode inviabilizar o acesso da imprensa à informação pública
pelo mero temor precognitivo de que a incerta e eventual veiculação midiática de
dados públicos causará potencialmente danos.
9. Persiste o interesse de agir pelo alcance, pela via da publicidade ativa, de
apenas parte do período requerido.
10. A existência de portal com os dados públicos solicitados apenas configura
meio de cumprimento da obrigação de fornecer o acesso ao solicitante, mas não
enseja a rejeição do pedido de informações nem afasta seu direito líquido e certo
em obtê-las. Previsão expressa da Lei de Acesso (art. 11, §§ 3º e 6º, da Lei n.
12.527/2011).
11. Recurso especial a que se dá provimento, para restabelecer a sentença,
concedendo a segurança.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a).
Ministro(a)-Relator(a).
Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães,
Francisco Falcão e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 06 de outubro de 2020.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Trata-se de recurso especial
interposto por Empresa Folha da Manhã S.A., com amparo na alínea "a" do
inciso III do art. 105 da CF/1988, contra acórdão proferido pelo Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo assim ementado (e-STJ, fl. 1.942):
PROCESSO
Registro de entradas de corpos em unidades do IML – Falecidos
Direito à informação – Acesso – Ordem concedida – Possibilidade: O
acesso da imprensa aos dados constantes de delegacia de polícia não
pode violar a privacidade e a segurança dos familiares dos falecidos.
Os embargos de declaração foram acolhidos apenas para corrigir
erro material acerca do dispositivo normativo citado no acórdão (e-STJ, fls.
1.963-1.968).
A recorrente defende, em síntese: i) prequestionamento ficto das
matérias (art. 1025 do CPC/2015); ii) caráter público das informações sobre
nome da vítima, número do boletim de ocorrência, distrito policial solicitante,
natureza da ocorrência, data de entrada do corpo e número de controle do
exame necroscópico, sendo seu direito acessá-las na forma requerida (arts. 10,
11 e 31 da Lei n. 12.257/2011); e iii) impossibilidade de considerar
antecipadamente o eventual mal uso das informações pela imprensa para negar
seu acesso aos dados públicos, sendo passível apenas de responsabilização
REsp 1852629 posterior (art. 31, § 2º, da LAI).
Apresentadas contrarrazões (e-STJ, fls. 2.026-2..043), o recurso
especial foi admitido por decisão desta Corte (e-STJ, fl. 2.139).
Parecer pelo não conhecimento (e-STJ, fls. 2.135-2.137).
Houve interposição de agravo em recurso extraordinário na origem
(e-STJ, fls. 2.067-2.088).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO OG FERNANDES (Relator): Na origem, trata-se de
pedido de acesso à informação mantida por órgãos públicos por veículo de
imprensa, para produção de reportagem noticiosa. A parte recorrente pretende
aceder a informações especificadas quanto a óbitos associados a boletins de
ocorrência policial.
Narra-se que o pedido foi acolhido em instâncias recursais
administrativas (pela Ouvidoria Geral do Estado), mas a decisão não foi
atendida pela autoridade policial. Disso resultou a impetração, que teve a
segurança concedida na instância inicial. Entrementes, a própria administração
publicou os dados, embora com escopo mais limitado que o pretendido.
Ao fim, em remessa necessária, acórdão assim fundamentou suas
conclusões para denegação da ordem (e-STJ, fls. 1.951-1.952, grifei):
Somente é restrita a divulgação de informações pessoais relativas à
intimidade, vida privada, honra e imagem (art.31, par.1º, inc.I).
Embora reconhecido pela Ouvidoria Geral do Estado, a publicidade
dos elementos identificadores dos falecidos e dos crimes de homicídio,
mesmo não constituindo ofensa a direitos individuais, não pode ser
divulgada na mídia de grande circulação porque poderá prejudicar a
segurança e a privacidade das respectivas famílias, tornando-as mais
vulneráveis a vinganças e ressentimentos que sempre permanecem
após os crimes contra a vida.
A proteção individual se sobrepõe ao controle da população sobre o
serviço de segurança prestado pelo Estado.
As informações requeridas são essencialmente públicas, mas sua
divulgação exige cautela e não são indispensáveis para servir como
parâmetro para medir a eficiência do serviço e a eficácia das políticas
adotadas pelo Governo na repressão e prevenção do crime.
Se o próprio Estado de São Paulo decidiu criar portal na Internet,
disponibilizado à população, para divulgação dos dados requeridos,
incumbe-lhe também zelar pela privacidade e segurança dos dados
que possam identificar os falecidos e suas famílias. E a imprensa não
necessita mais da impetração pois poderá acessar esse mesmo portal
para colher as informações que pretende para a verificação da eficácia
do serviço público.
Cabe, desde logo, afastar a apreciação da ocorrência de prequestionamento ficto, porquanto se trata de hipótese de prequestionamento,
se tanto, implícito. O acórdão recorrido discutiu especificamente as disposições
da Lei de Acesso à Informação, sendo dispensada a menção expressa aos
artigos normativos.
Além disso, não subsiste a indicação do Ministério Público de
incidência da Súmula 280/STF (Por ofensa a direito local não cabe recurso
extraordinário). Embora a Corte local tenha transcrito normas regulamentares
locais acerca da decretação de sigilo documental, seu efetivo fundamento
decorre da lei federal.
E esse fundamento essencial do acórdão recorrido é, textualmente,
que os dados públicos não podem ser divulgados pela mídia. Transcrevo mais
uma vez o ponto (e-STJ, fls. 1.951-1.952, grifei):
Embora reconhecido pela Ouvidoria Geral do Estado, a publicidade
dos elementos identificadores dos falecidos e dos crimes de homicídio,
mesmo não constituindo ofensa a direitos individuais, não pode ser
divulgada na mídia de grande circulação [...]
As informações requeridas são essencialmente públicas, mas sua
divulgação exige cautela e não são indispensáveis [...].
Note-se, portanto, que se dispensa o exame nesta sede até mesmo
do caráter público dos dados. Assim o reconhece não só a administração, mas
também o acórdão recorrido. Nada aqui se faz necessário considerar.
Dado que a informação é de natureza reconhecidamente pública,
resta a esta Corte apurar se o direito permite que o Judiciário, ou a
administração, teça considerações acerca de seu uso pela sociedade em geral
ou por meio da imprensa, em especial.
Entendo que a restrição imposta pelo Tibunal local não encontra
respaldo no ordenamento. Primeiro, porque descabe qualquer tratamento
especial da imprensa em matéria de responsabilização civil ou penal, em
particular para agravar sua situação diante da generalidade das pessoas físicas
ou jurídicas. É o que se assentou no julgamento da Lei de Imprensa pelo
Supremo Tribunal Federal:
O corpo normativo da Constituição brasileira sinonimiza liberdade de
informação jornalística e liberdade de imprensa, rechaçante de
qualquer censura prévia a um direito que é signo e penhor da mais
encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais
evoluído estado de civilização.
[...] A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição
Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os
direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de
personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite,
as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada,
imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as
primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo
prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e
natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo
as demais relações como eventual responsabilização ou consequência
do pleno gozo das primeiras. [...] Não há liberdade de imprensa pela
metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do
Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da
prestidigitação jurídica.
[...] Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais
democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e
opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de
prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades
civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades
que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir
abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa.
[...] A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse
público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que
legislativa ou judicialmente intentada.
[...] Interdição à lei quanto às matérias nuclearmente de imprensa,
retratadas no tempo de início e de duração do concreto exercício da
liberdade, assim como de sua extensão ou tamanho do seu conteúdo.
Tirante, unicamente, as restrições que a Lei Fundamental de 1988
prevê para o "estado de sítio" (art. 139), o Poder Público somente pode
dispor sobre matérias lateral ou reflexamente de imprensa, respeitada
sempre a ideia-força de que quem quer que seja tem o direito de dizer
o que quer que seja. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus
órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por
indivíduos e jornalistas. As matérias reflexamente de imprensa,
suscetíveis, portanto, de conformação legislativa, são as indicadas pela
própria Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização,
proporcionais ao agravo; proteção do sigilo da fonte ("quando
necessário ao exercício profissional"); responsabilidade penal por
calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos;
estabelecimento dos "meios legais que garantam à pessoa e à família
a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de
rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da
propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à
saúde e ao meio ambiente" (inciso II do § 3º do art. 220 da CF);
independência e proteção remuneratória dos profissionais de imprensa
como elementos de sua própria qualificação técnica (inciso XIII do art. 5º); participação do capital estrangeiro nas empresas de comunicação
social (§ 4º do art. 222 da CF); composição e funcionamento do
Conselho de Comunicação Social (art. 224 da Constituição).
Regulações estatais que, sobretudo incidindo no plano das
consequências ou responsabilizações, repercutem sobre as causas de
ofensas pessoais para inibir o cometimento dos abusos de imprensa.
[...] Do dever de irrestrito apego à completude e fidedignidade das
informações comunicadas ao público decorre a permanente
conciliação entre liberdade e responsabilidade da imprensa. Repita-se:
não é jamais pelo temor do abuso que se vai proibir o uso de uma
liberdade de informação a que o próprio Texto Magno do País apôs o
rótulo de "plena" (§ 1 do art. 220).
[...] 10.1. Óbice lógico à confecção de uma lei de imprensa que se orne
de compleição estatutária ou orgânica.[...] São irregulamentáveis os
bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo ou
substrato da liberdade de informação jornalística, por se tratar de bens
jurídicos que têm na própria interdição da prévia interferência do
Estado o seu modo natural, cabal e ininterrupto de incidir. Vontade
normativa que, em tema elementarmente de imprensa, surge e se
exaure no próprio texto da Lei Suprema.
10.2. Incompatibilidade material insuperável entre a Lei n° 5.250/67 e a
Constituição de 1988. Impossibilidade de conciliação que, sobre ser do
tipo material ou de substância (vertical), contamina toda a Lei de
Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço da
prestidigitadora lógica de que para cada regra geral afirmativa da
liberdade é aberto um leque de exceções que praticamente tudo
desfaz; b) quanto ao seu inescondível efeito prático de ir além de um
simples projeto de governo para alcançar a realização de um projeto de
poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo pensamento crítico
no País.
10.3 São de todo imprestáveis as tentativas de conciliação
hermenêutica da Lei 5.250/67 com a Constituição, seja mediante
expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja
mediante o emprego dessa refinada técnica de controle de
constitucionalidade que atende pelo nome de "interpretação conforme
a Constituição". A técnica da interpretação conforme não pode
artificializar ou forçar a descontaminação da parte restante do diploma
legal interpretado, pena de descabido incursionamento do intérprete
em legiferação por conta própria. Inapartabilidade de conteúdo, de fins
e de viés semântico (linhas e entrelinhas) do texto interpretado.
Caso-limite de interpretação necessariamente conglobante ou por
arrastamento teleológico, a pré-excluir do intérprete/aplicador do Direito
qualquer possibilidade da declaração de inconstitucionalidade apenas
de determinados dispositivos da lei sindicada, mas permanecendo
incólume uma parte sobejante que já não tem significado autônomo.
Não se muda, a golpes de interpretação, nem a inextrincabilidade de
comandos nem as finalidades da norma interpretada. Impossibilidade
de se preservar, após artificiosa hermenêutica de depuração, a
coerência ou o equilíbrio interno de uma lei (a Lei federal nº 5.250/67)
que foi ideologicamente concebida e normativamente apetrechada
para operar em bloco ou como um todo pro indiviso. [...] (ADPF 130, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno,
julgado em 30/04/2009, DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC
06-11-2009 EMENT VOL-02381-01 PP-00001 RTJ VOL-00213-01
PP-00020)
Isto é: não se pode conceber lei, ou norma, que se volte
especificamente à tutela da imprensa, para coibir sua atuação. Se há um direito
irrestrito de acesso pela sociedade à informação mantida pela administração,
porquanto inequivocamente pública, não se pode impedir a imprensa, apenas
por ser imprensa, de a ela aceder.
O posicionamento do acórdão recorrido vai além, e efetivamente faz
controle prévio genérico da veiculação noticiosa. Não se está diante sequer de
um texto pronto e acabado, hipótese em que, de modo já absolutamente
excepcional, poder-se-ia cogitar de apreciação judicial dos danos decorrentes
de sua circulação, a ponto de vedá-la. Na hipótese, a censura judicial prévia
inviabilizar até mesmo a apuração jornalística, fazendo mesmo secreta a
informação reconhecidamente pública.
A jurisprudência do Supremo repila tal abordagem:
AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. DIREITO
CONSTITUCIONAL. DETERMINAÇÃO DE RETIRADA DE
CONTEÚDO DA INTERNET. DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE
TUTELA ANTECIPADA. CONFIGURAÇÃO DE CENSURA PRÉVIA.
VIOLAÇÃO À ADPF 130. AGRAVO INTERNO PROVIDO. 1. A
liberdade de informação e de imprensa são apanágios do Estado
Democrático de Direito. 2. O interesse público premente no conteúdo
de reportagens e peças jornalísticas reclama tolerância quanto a
matérias de cunho supostamente lesivo à honra dos agentes públicos.
3. A medida própria para a reparação do eventual abuso da liberdade
de expressão é o direito de resposta e não a supressão liminar de texto
jornalístico, antes mesmo de qualquer apreciação mais detida quanto
ao seu conteúdo e potencial lesivo. 4. A reclamação tendo como
parâmetro a ADPF 130, em casos que versam sobre conflitos entre
liberdade de expressão e informação e a tutela de garantias individuais
como os direitos da personalidade, é instrumento cabível, na forma da
jurisprudência (Precedentes: Rcl 22328, Rel. Min. Roberto Barroso,
Primeira Turma, DJe 09/05/2018; Rcl 25.075, Rel. Min. Luiz Fux, DJe
31/03/2017). 5. In casu, não se evidencia que o intento da publicação
tenha sido o de ofender a honra de terceiros, mediante veiculação de
notícias sabidamente falsas. 6. Agravo interno provido.
(Rcl 28747 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES,
Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-239 DIVULG 09-11-2018
PUBLIC 12-11-2018)
CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO.
DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO DA PUBLICAÇÃO,
DIVULGAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE OBRA LITERÁRIA.
CONFIGURAÇÃO DE CENSURA PRÉVIA. VIOLAÇÃO À ADPF 130.
RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. RECURSO DE AGRAVO
A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Constituição protege a
liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é
exatamente "o cidadão pode se manifestar como bem entender", e o
negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de
censura prévia. 2. A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo,
permite posterior responsabilidade civil e criminal pelo conteúdo
difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há
permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no
seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo
do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que
certos conteúdos possam vir a ter junto ao público. 3. Desse modo, a
decisão judicial, que determinou “a suspensão da publicação,
divulgação e comercialização de obra literária”, impôs censura prévia,
cujo traço marcante é o “caráter preventivo e abstrato” de restrição à
livre manifestação de pensamento, que é repelida frontalmente pelo
texto constitucional, em virtude de sua finalidade antidemocrática, e
configura, de maneira inequívoca, ofensa à ADPF 130 (Rel. Min.
AYRES BRITTO, Pleno, DJe de 6/11/2009). Precedentes. 4. Logo,
ratifica-se, o entendimento aplicado, de modo a manter, em todos os
seus termos, a decisão agravada. 5. Recurso de agravo a que se nega
provimento.
(Rcl 38201 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES,
Primeira Turma, julgado em 21/02/2020, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-047 DIVULG 05-03-2020 PUBLIC 06-03-2020)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
CONSTITUCIONAL. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO E À
LIBERDADE DE IMPRENSA. DECISÃO LIMINAR QUE RESTRINGE
VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. SÚMULA 735/STF.
NÃO INCIDÊNCIA. MATÉRIA PASSÍVEL DE CONHECIMENTO POR
RECLAMAÇÃO ANTE POSSÍVEL OFENSA À DECISÃO
VINCULANTE NA ADPF 130/STF. PROVIMENTO DO AGRAVO
REGIMENTAL. [...] A alegação de ofensa à decisão da ADPF 130, Rel.
Min. Ayres Britto, na qual se proibiu a realização de qualquer forma de
censura prévia, dá ensejo ao cabimento, em tese, da reclamação
constitucional, uma vez que o STF proibiu a censura de publicações
jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de
intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões, sendo
certo, ainda, que eventual abuso da liberdade de expressão deve ser
reparado, preferencialmente, por meio de retificação, direito de
resposta ou indenização. 3. Agravo regimental provido.
(RE 840718 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI,
Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 10/09/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG
17-09-2018 PUBLIC 18-09-2018)
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/1973.
NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 93, IX, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA.
RAZÕES DE DECIDIR EXPLICITADAS PELO ÓRGÃO
JURISDICIONAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º, XL E LV, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LEI DE IMPRENSA. NÃO
RECEPÇÃO. APLICAÇÃO DOS TIPOS PENAIS DESCRITOS NA
LEGISLAÇÃO COMUM. PRECEDENTES. CONTRADITÓRIO E
AMPLA DEFESA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA DE
REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO
MERECE TRÂNSITO. AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO
CPC/2015. [...] 2. O entendimento adotado na decisão agravada
reproduz a jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal. Não
obstante esta Corte Suprema ter declarado a não recepção da Lei de
Imprensa pela Constituição Federal de 1988 (ADPF 130, Rel. Min.
Ayres Britto), às condutas ofensivas nela previstas é aplicável a
tipificação semelhante contida no Código Penal. Precedentes. 3. As
razões do agravo não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que
lastrearam a decisão agravada. 4. Agravo interno conhecido e não
provido.
(ARE 835363 AgR-segundo, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira
Turma, julgado em 28/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-223
DIVULG 18-10-2018 PUBLIC 19-10-2018)
Mesmo as considerações genéricas à segurança dos familiares não
se mostram razoáveis, à luz da interpretação do Supremo quanto à norma de
transparência:
SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃOS QUE IMPEDIAM A
DIVULGAÇÃO, EM SÍTIO ELETRÔNICO OFICIAL, DE
INFORMAÇÕES FUNCIONAIS DE SERVIDORES PÚBLICOS,
INCLUSIVE A RESPECTIVA REMUNERAÇÃO. DEFERIMENTO DA
MEDIDA DE SUSPENSÃO PELO PRESIDENTE DO STF. AGRAVO
REGIMENTAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS
CONSTITUCIONAIS. DIREITO À INFORMAÇÃO DE ATOS
ESTATAIS, NELES EMBUTIDA A FOLHA DE PAGAMENTO DE
ÓRGÃOS E ENTIDADES PÚBLICAS. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
ADMINISTRATIVA. NÃO RECONHECIMENTO DE VIOLAÇÃO À
PRIVACIDADE, INTIMIDADE E SEGURANÇA DE SERVIDOR
PÚBLICO. AGRAVOS DESPROVIDOS. [...] Sem que a intimidade
deles, vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas
exceções de que trata a parte derradeira do mesmo dispositivo
constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão em
jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade. [...] E
quanto à segurança física ou corporal dos servidores, seja pessoal,
seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas
é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de
se revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No
mais, é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no
seio de um Estado republicano. 3. A prevalência do princípio da
publicidade administrativa outra coisa não é senão um dos mais
altaneiros modos de concretizar a República enquanto forma de
governo. Se, por um lado, há um necessário modo republicano de
administrar o Estado brasileiro, de outra parte é a cidadania mesma
que tem o direito de ver o seu Estado republicanamente administrado.
[...] 4. A negativa de prevalência do princípio da publicidade
administrativa implicaria, no caso, inadmissível situação de grave lesão
à ordem pública. 5. Agravos Regimentais desprovidos.
(SS 3902 AgR-segundo, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal
Pleno, julgado em 09/06/2011, DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC
03-10-2011 EMENT VOL-02599-01 PP-00055 RTJ VOL-00220-01
PP-00149)
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR
PÚBLICO FEDERAL. ANALISTAS E TÉCNICOS DE FINANÇAS E
CONTROLE. ATO COATOR: PORTARIA INTERMINISTERIAL
233/2012. DIVULGAÇÃO DE REMUNERAÇÃO OU SUBSÍDIO
RECEBIDO POR OCUPANTE DE CARGO, POSTO, GRADUAÇÃO,
FUNÇÃO E EMPREGO PÚBLICO. LEGALIDADE. LEI DE ACESSO À
INFORMAÇÃO. LEI 12.527/2011. DIREITO LÍQUIDO E CERTO À
INTIMIDADE NÃO CONFIGURADO. SEGURANÇA DENEGADA.
[...] 5. Ademais, o caso não envolve informações cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, ressalva
prevista no inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal.
6. Segurança denegada.
(MS 18.847/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 17/11/2014)
É preciso reforçar a distinção entre duas questões tratadas pelo
acórdão como uma única. De um lado, cuida-se da atividade jornalística de
veiculação noticiosa. Nesse ponto, é já inconcebível dar aspecto de juridicidade
a qualquer forma de controle prévio da informação. O acórdão recorrido, mais
que isso, ainda antes da existência de qualquer informação jornalística, veda
sua produção, por conta de danos potenciais. A medida é, nessa extensão,
descabida.
Há mais, porém. Relaciona-se a ela, mas sem que se confundam, o
real objeto da impetração. Trata-se de acesso à informação pública, não de
atuação jornalística. A qualidade da última pode até depender da primeira, mas nada influencia no direito de aceder a dados públicos o uso que deles se fará.
Não há razão alguma em sujeitar a concessão da segurança ao risco
decorrente da divulgação da informação – que, reitere-se, é pública e já
disponível na internet. Não há nem mesmo obrigação ou suposição de que a
informação – pública – venha a ser publicada pela imprensa. A informação
pública é subsídio da informação jornalística, sem com ela se confundir em
qualquer nível. Os dados públicos podem ser usados pela imprensa de uma
infinidade de formas, como base de novas investigações, cruzamentos,
pesquisas, entrevistas, etc., nenhuma delas correspondendo, direta e
inequivocamente, à sua veiculação. Não se pode vedar o exercício de um direito
– acessar à informação pública – pelo mero receio do abuso no exercício de um
outro e distinto direito – o de livre comunicar. Configura-se verdadeiro bis in
idem censório, ambos de inviável acolhimento diante do ordenamento.
Quanto ao interesse de agir, consta do acórdão menção expressa
aos períodos dos dados solicitados pelo impetrante e o momento em que se deu
início à publicação ativa pelo impetrado. O pedido diz respeito, em parte, aos
dados de 2006 (e-STJ, fl. 1.948), e o portal traria informações somente a partir
de abril de 2014 (e-STJ, fl. 1.946). É o quanto basta para se verificar a
permanência de interesse pela parte impetrante.
Ademais, a existência do dado solicitado por via da Lei de Acesso à
Informação em base pública não enseja rejeição do pedido, mas remissão do
requerente a tais serviços. Nos termos da própria LAI:
Art. 11. O órgão ou entidade pública deverá autorizar ou conceder o
acesso imediato à informação disponível. [...]
§ 3º Sem prejuízo da segurança e da proteção das informações e do
cumprimento da legislação aplicável, o órgão ou entidade poderá
oferecer meios para que o próprio requerente possa pesquisar a
informação de que necessitar. [...]
§ 6º Caso a informação solicitada esteja disponível ao público em
formato impresso, eletrônico ou em qualquer outro meio de acesso
universal, serão informados ao requerente, por escrito, o lugar e a
forma pela qual se poderá consultar, obter ou reproduzir a referida
informação, procedimento esse que desonerará o órgão ou entidade
pública da obrigação de seu fornecimento direto, salvo se o requerente
declarar não dispor de meios para realizar por si mesmo tais procedimentos.
Assim, a concessão da segurança não obriga a administração ao
fornecimento direto dos documentos, podendo remeter a parte impetrante à
base onde constem, efetivamente, os dados solicitados. Apenas as informações
requeridas que não estejam disponíveis em dito portal deverão ser
disponibilizadas diretamente à parte recorrente.
Trata-se de meio de cumprimento da obrigação de fornecer acesso
aos dados públicos, que não afasta o interesse jurídico no reconhecimento do
direito líquido e certo da parte impetrante de acedê-los, qualquer que seja o uso
que deles pretenda fazer, independentemente de justificação prévia. Eventual
abuso ou ilicitude, verifica oportunamente, dará ensejo às devidas
responsabilizações.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para
restabelecer a sentença, concedendo a segurança.
É como voto.