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13 de novembro de 2021

É inconstitucional lei municipal que dispõe sobre a autorização e exploração de serviço de radiodifusão comunitária

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-1027-stf.pdf 


COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS - É inconstitucional lei municipal que dispõe sobre a autorização e exploração de serviço de radiodifusão comunitária 

É inconstitucional lei municipal que: a) institui direitos e obrigações das rádios comunitárias; b) autoriza seu funcionamento e exploração no âmbito de seu território; e c) estabelece infrações, sanções e o pagamento de taxa de funcionamento. Essa lei apresenta vício de inconstitucionalidade formal porque trata de matéria de competência reservada à União. 

STF. Plenário. ADPF 335/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 27/8/2021 (Info 1027). 


A situação concreta foi a seguinte: 

O Município de Uberaba/MG editou a Lei nº 9.418/2004, disciplinando o funcionamento de rádios comunitárias locais. A Procuradoria-Geral da República ajuizou ADPF contra a Lei alegando que ela viola: • o pacto federativo (arts. 1º, caput; 18; e 60, § 4º, I, da CF/88); • a competência privativa da União para legislar sobre o serviço público de radiodifusão (art. 22, IV, da CF/88); • a competência exclusiva da União para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão o serviço de radiodifusão (arts. 21, XII; 49, XII; e 223, da CF/88). 

Esse argumento foi acolhido pelo STF? A referida lei é inconstitucional? SIM. 

É inconstitucional lei municipal que: a) institui direitos e obrigações das rádios comunitárias; b) autoriza seu funcionamento e exploração no âmbito de seu território; e c) estabelece infrações, sanções e o pagamento de taxa de funcionamento. Essa lei apresenta vício de inconstitucionalidade formal porque trata de matéria de competência reservada à União. STF. Plenário. ADPF 335/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 27/8/2021 (Info 1027). 

Rádios comunitárias e o acesso à informação 

As rádios comunitárias desempenham papel informativo relevante e concretizam os direitos à liberdade de expressão e o acesso à informação, especialmente em comunidades pobres do país. Elas traduzem a prestação de serviço de radiodifusão por fundações e associações comunitárias sem fins lucrativos (art. 1º da Lei nº 9.612/98), que difere dos tradicionais meios privados de comunicação. Por estarem mais próximas do ouvinte, seu conteúdo costuma estar voltado para questões locais e, por isso, são veículos importantes de pluralização da comunicação social. A Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em informe sobre Liberdade de Expressão e a Pobreza, destaca que os “meios tradicionais de comunicação de massa não são sempre apresentados como um meio acessível de divulgação de necessidades e demandas dos setores mais empobrecidos ou vulneráveis”. Por isso, o apoio às emissoras comunitárias e públicas foi elencado por organismos internacionais como um dos principais desafios-chave para a promoção da liberdade de expressão na última década, destacando-se que a “liberdade dos indivíduos para debater e criticar abertamente as políticas e as instituições os protege contra violações de direitos humanos”. Não se ignoram, ainda, as críticas tecidas por organizações não governamentais que apontam a necessidade de desburocratização da prestação desse tipo de serviço no Brasil, como forma de promoção da liberdade de expressão e, por conseguinte, de promoção de direitos fundamentais de forma mais ampla. 

Competência da União 

Ainda que se possam reconhecer boas intenções do legislador municipal em regular a radiodifusão comunitária, não é possível chancelar a validade da lei impugnada. Esta lei apresenta um vício de inconstitucionalidade formal. Isso porque o art. 21, XII, “a”, da CF/88 estabelece que a competência para conceder autorização para tais serviços é da União: 

Art. 21. Compete à União: (...)  XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; 

Além disso, o art. 22, IV, da CF/88 confere à União a competência privativa para legislar sobre o tema: 

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão; 

Por fim, o art. 223 do texto constitucional normatiza a forma de outorga das concessões, permissões e autorizações para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, nos seguintes termos: 

Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. 

A centralização da regulação da radiodifusão no âmbito da União se justifica pela necessidade de administração racional do espectro de radiofrequência, cuja exploração econômica não é ilimitada. Dentro do esquema constitucional de competências, não há espaço para a atuação do legislador municipal, principalmente quando se observa que o ato normativo local não está de acordo com a disciplina nacional sobre o tema (Lei nº 9.612/98). Com esse entendimento, o Plenário julgou procedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental para declarar a inconstitucionalidade formal da Lei nº 9.418/2004, do Município de Uberaba/MG. 

Outro julgado no mesmo sentido: 

É inconstitucional lei municipal que preveja que o Poder Executivo poderá conceder autorização para que sejam explorados serviços de radiodifusão no Município. 

STF. Plenário. ADPF 235/TO, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14/8/2019 (Info 947). 


24 de junho de 2021

É obrigatório o fornecimento, a qualquer interessado, das informações relativas à participação individual de cada artista nas obras musicais coletivas

Processo

REsp 1.921.769-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021, DJe 11/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO AUTORAL

Tema

Obras musicais coletivas. Participação individual de cada artista. Informação de caráter público. Acesso gratuito. Disponibilização por meio eletrônico a qualquer interessado. Art. 98, § 7º, da Lei n. 9.610/1998.

 

Destaque

É obrigatório o fornecimento, a qualquer interessado, das informações relativas à participação individual de cada artista nas obras musicais coletivas.

Informações do Inteiro Teor

De início, sobreleva-se anotar que, em análise ao teor da vigente Lei de Direitos Autorais, pode-se dizer que a gestão coletiva consiste na atividade de representação, por um terceiro, para a atividade de gestão patrimonial das obras, a fim de fiscalizar, arrecadar e distribuir os direitos autorais percebidos. Pela lei, esse terceiro deve ser uma das associações habilitadas para tanto. Assim, através de filiação, tais associações tornam-se mandatárias dos associados para a prática de todos os atos, tanto judiciais quanto extrajudiciais, principalmente no que tange às atividades de arrecadação e cobrança, repassando os valores referentes à utilização da obra musical.

Ainda que originalmente previstas na Lei n. 9.610/1998, as associações de autores receberam inegável relevância após a aprovação da Lei n. 12.853/2013, que alterou significativamente a Lei de Direitos Autorais quanto à gestão coletiva de obras.

Nesse contexto, importante salientar que a Lei n. 12.853/2013 modificou e acrescentou diversos dispositivos com o intuito de melhorar a relação entre os usuários das obras intelectuais, o ECAD, as associações e os titulares de direitos autorais. A principal atualização - e uma das mais impactantes para os titulares de direitos autorais - é a transparência na gestão.

Importante destacar, ainda, que as associações de gestão coletiva de direitos autorais, a despeito de possuírem natureza jurídica de direito privado, exercem, tal qual dispõe o art. 97, § 1º, da Lei n. 9.610/1998, atividade de interesse público, devendo atender a sua função social.

Nos termos do art. 98, § 6º, da Lei n. 9.610/1998, introduzido pela Lei n. 12.853/2013, as associações deverão manter um cadastro centralizado de todos os contratos, declarações ou documentos de qualquer natureza que comprovem a autoria e a titularidade das obras e dos fonogramas, bem como as participações individuais em cada obra e em cada fonograma, prevenindo o falseamento de dados e fraudes e promovendo a desambiguação de títulos similares de obras. Ainda, nos moldes do que dispõe o § 7º do mencionado dispositivo legal, tais informações são de interesse público e o acesso a elas deverá ser disponibilizado por meio eletrônico a qualquer interessado, de forma gratuita.

No caso, quanto à Instrução Normativa n. 3/2015 do Ministério da Cultura, concluiu o Tribunal de origem que "Da análise do § 1º do artigo 6º é possível concluir que a disponibilização do percentual de cada artista nas 'participações individuais em cada obra e em cada fonograma', prevista no § 6º do artigo 98 da Lei n. 9.610/1998, é restrita à Diretoria de Direitos Intelectuais e aos associados. Não se trata, portanto, de informação que deve estar disponível ao público em geral".

Contudo, do confronto entre o disposto no art. 98, § 6º e § 7º, da Lei n. 9.610/1998 e o art. 6º, I, II, III e IV, e § 1º, da Instrução Normativa n. 3/2015 do Ministério da Cultura, pode-se constatar que a suposta incompatibilidade entre as suas redações é meramente aparente, não resistindo ante à necessidade de observância do próprio interesse público e função social das associações.

Assim, ainda que a instrução normativa não albergue expressamente a disponibilização irrestrita da informação, é bem verdade que ela também não a veda, convivendo harmonicamente com o disposto no § 7º do art. 98 da Lei de Direitos Autorais.





8 de maio de 2021

MANDADO DE SEGURANÇA. LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO. DADOS SOBRE ÓBITOS RELACIONADOS A OCORRÊNCIAS POLICIAIS. CARÁTER PÚBLICO INCONTROVERSO. IMPRENSA. VEDAÇÃO JUDICIAL DE USO DA INFORMAÇÃO EM REPORTAGEM NOTICIOSA. DESCABIMENTO. CENSURA PRÉVIA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1852629 - SP (2019/0227657-9) 

RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO. DADOS SOBRE ÓBITOS RELACIONADOS A OCORRÊNCIAS POLICIAIS. CARÁTER PÚBLICO INCONTROVERSO. IMPRENSA. VEDAÇÃO JUDICIAL DE USO DA INFORMAÇÃO EM REPORTAGEM NOTICIOSA. DESCABIMENTO. CENSURA PRÉVIA. RESTRIÇÃO À ATIVIDADE JORNALÍSTICA. DISTINÇÃO DA GENERALIDADE DA SOCIEDADE. IMPOSSIBILIDADE. SEGURANÇA DE FAMILIARES DAS VÍTIMAS. HIPÓTESE GENÉRICA DE SIGILO NÃO PREVISTA NO ORDENAMENTO. PUBLICAÇÃO DOS DADOS EM PORTAL. FORMA DE CUMPRIMENTO DA ORDEM. PERÍODO PARCIALMENTE COINCIDENTE COM O REQUERIDO. INTERESSE DE AGIR. PERMANÊNCIA. 

1. Hipótese em que o Tribunal denegou o pedido para assegurar à parte impetrante o acesso a dados alusivos a óbitos relacionados a boletins de ocorrência policial sob o fundamento de riscos à segurança e à privacidade dos familiares das vítimas pela exposição em reportagens noticiosas. Afirmou-se, ainda, ausência de interesse de agir, pela superveniente publicação das informações em portal de acesso público. 

2. Inexiste controvérsia quanto ao caráter público dos dados requeridos, bem como a sua existência em documentos de posse da administração. Assim o afirmaram tanto o Judiciário, inclusive o acórdão recorrido, e o órgão administrativo recursal responsável pelos pedidos alusivos à Lei de Acesso à Informação no Estado. Entretanto, embora reconhecido pela instância administrativa superior sua natureza pública, a autoridade impetrada não forneceu os dados requeridos. 

3. Fundamento essencial do acórdão recorrido para denegar a ordem: "Embora reconhecido [...] a publicidade dos elementos [...], mesmo não constituindo ofensa a direitos individuais, não pode ser divulgada na mídia de grande circulação [...] As informações requeridas são essencialmente públicas, mas sua divulgação exige cautela e não são indispensáveis [...]". 

4. Descabe à administração ou ao Judiciário apreciar as razões ou usos que se pretende dar à informação de natureza pública. A informação, por ser pública, deve estar disponível ao público, independentemente de justificações ou considerações quanto aos interesses a que se destina o uso. 

5. A imposição de restrições especiais ao exercício da atividade jornalística, em contraste com a generalidade da população, é vedada pela Constituição Federal. Razões de decidir (ratio decidendi) da ADPF 130/STF. 

6. Na hipótese, não se está sequer diante de um produto jornalístico acabado, cuja construção poderia ensejar, de forma absolutamente excepcional e ainda assim questionável, controle à sua circulação, ante a gravidade dos danos potenciais. Configura-se inequívoca censura prévia impedir-se à imprensa que até mesmo apure eventual interesse jornalístico de divulgação de dados, reiterese, inequivocamente públicos. 

7. A segurança individual não é hipótese legal de exceção de acesso a dados públicos. Eventuais danos, caso efetivados, se resolvem pela responsabilização civil, administrativa e penal. 

8. A denegação da ordem pela origem configura verdadeiro bis in idem censório. São dois direitos distintos, que o acórdão recorrido confunde para negar a ambos: o direito de acesso à informação pública é autônomo diante do direito de liberdade de imprensa. Não há razão nem mesmo em supor que os dados públicos virão a ser publicados pela imprensa, que pode aproveitá-los de uma infinidade de formas diversas da divulgação noticiosa, como subsídio à atividade jornalística. Não se pode inviabilizar o acesso da imprensa à informação pública pelo mero temor precognitivo de que a incerta e eventual veiculação midiática de dados públicos causará potencialmente danos. 

9. Persiste o interesse de agir pelo alcance, pela via da publicidade ativa, de apenas parte do período requerido. 

10. A existência de portal com os dados públicos solicitados apenas configura meio de cumprimento da obrigação de fornecer o acesso ao solicitante, mas não enseja a rejeição do pedido de informações nem afasta seu direito líquido e certo em obtê-las. Previsão expressa da Lei de Acesso (art. 11, §§ 3º e 6º, da Lei n. 12.527/2011). 

11. Recurso especial a que se dá provimento, para restabelecer a sentença, concedendo a segurança. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a). Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães, Francisco Falcão e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 06 de outubro de 2020. 

RELATÓRIO 

O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Trata-se de recurso especial interposto por Empresa Folha da Manhã S.A., com amparo na alínea "a" do inciso III do art. 105 da CF/1988, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado (e-STJ, fl. 1.942): 

PROCESSO Registro de entradas de corpos em unidades do IML – Falecidos Direito à informação – Acesso – Ordem concedida – Possibilidade: O acesso da imprensa aos dados constantes de delegacia de polícia não pode violar a privacidade e a segurança dos familiares dos falecidos. 

Os embargos de declaração foram acolhidos apenas para corrigir erro material acerca do dispositivo normativo citado no acórdão (e-STJ, fls. 1.963-1.968). 

A recorrente defende, em síntese: i) prequestionamento ficto das matérias (art. 1025 do CPC/2015); ii) caráter público das informações sobre nome da vítima, número do boletim de ocorrência, distrito policial solicitante, natureza da ocorrência, data de entrada do corpo e número de controle do exame necroscópico, sendo seu direito acessá-las na forma requerida (arts. 10, 11 e 31 da Lei n. 12.257/2011); e iii) impossibilidade de considerar antecipadamente o eventual mal uso das informações pela imprensa para negar seu acesso aos dados públicos, sendo passível apenas de responsabilização REsp 1852629 posterior (art. 31, § 2º, da LAI). 

Apresentadas contrarrazões (e-STJ, fls. 2.026-2..043), o recurso especial foi admitido por decisão desta Corte (e-STJ, fl. 2.139). 

Parecer pelo não conhecimento (e-STJ, fls. 2.135-2.137). 

Houve interposição de agravo em recurso extraordinário na origem (e-STJ, fls. 2.067-2.088). 

É o relatório. 

VOTO 

O SR. MINISTRO OG FERNANDES (Relator): Na origem, trata-se de pedido de acesso à informação mantida por órgãos públicos por veículo de imprensa, para produção de reportagem noticiosa. A parte recorrente pretende aceder a informações especificadas quanto a óbitos associados a boletins de ocorrência policial. 

Narra-se que o pedido foi acolhido em instâncias recursais administrativas (pela Ouvidoria Geral do Estado), mas a decisão não foi atendida pela autoridade policial. Disso resultou a impetração, que teve a segurança concedida na instância inicial. Entrementes, a própria administração publicou os dados, embora com escopo mais limitado que o pretendido. 

Ao fim, em remessa necessária, acórdão assim fundamentou suas conclusões para denegação da ordem (e-STJ, fls. 1.951-1.952, grifei): 

Somente é restrita a divulgação de informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem (art.31, par.1º, inc.I). Embora reconhecido pela Ouvidoria Geral do Estado, a publicidade dos elementos identificadores dos falecidos e dos crimes de homicídio, mesmo não constituindo ofensa a direitos individuais, não pode ser divulgada na mídia de grande circulação porque poderá prejudicar a segurança e a privacidade das respectivas famílias, tornando-as mais vulneráveis a vinganças e ressentimentos que sempre permanecem após os crimes contra a vida. A proteção individual se sobrepõe ao controle da população sobre o serviço de segurança prestado pelo Estado. As informações requeridas são essencialmente públicas, mas sua divulgação exige cautela e não são indispensáveis para servir como parâmetro para medir a eficiência do serviço e a eficácia das políticas adotadas pelo Governo na repressão e prevenção do crime. Se o próprio Estado de São Paulo decidiu criar portal na Internet, disponibilizado à população, para divulgação dos dados requeridos, incumbe-lhe também zelar pela privacidade e segurança dos dados que possam identificar os falecidos e suas famílias. E a imprensa não necessita mais da impetração pois poderá acessar esse mesmo portal para colher as informações que pretende para a verificação da eficácia do serviço público. 

Cabe, desde logo, afastar a apreciação da ocorrência de prequestionamento ficto, porquanto se trata de hipótese de prequestionamento, se tanto, implícito. O acórdão recorrido discutiu especificamente as disposições da Lei de Acesso à Informação, sendo dispensada a menção expressa aos artigos normativos. 

Além disso, não subsiste a indicação do Ministério Público de incidência da Súmula 280/STF (Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário). Embora a Corte local tenha transcrito normas regulamentares locais acerca da decretação de sigilo documental, seu efetivo fundamento decorre da lei federal. 

E esse fundamento essencial do acórdão recorrido é, textualmente, que os dados públicos não podem ser divulgados pela mídia. Transcrevo mais uma vez o ponto (e-STJ, fls. 1.951-1.952, grifei): 

Embora reconhecido pela Ouvidoria Geral do Estado, a publicidade dos elementos identificadores dos falecidos e dos crimes de homicídio, mesmo não constituindo ofensa a direitos individuais, não pode ser divulgada na mídia de grande circulação [...] As informações requeridas são essencialmente públicas, mas sua divulgação exige cautela e não são indispensáveis [...]. 

Note-se, portanto, que se dispensa o exame nesta sede até mesmo do caráter público dos dados. Assim o reconhece não só a administração, mas também o acórdão recorrido. Nada aqui se faz necessário considerar. 

Dado que a informação é de natureza reconhecidamente pública, resta a esta Corte apurar se o direito permite que o Judiciário, ou a administração, teça considerações acerca de seu uso pela sociedade em geral ou por meio da imprensa, em especial. 

Entendo que a restrição imposta pelo Tibunal local não encontra respaldo no ordenamento. Primeiro, porque descabe qualquer tratamento especial da imprensa em matéria de responsabilização civil ou penal, em particular para agravar sua situação diante da generalidade das pessoas físicas ou jurídicas. É o que se assentou no julgamento da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal: 

O corpo normativo da Constituição brasileira sinonimiza liberdade de informação jornalística e liberdade de imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um direito que é signo e penhor da mais encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais evoluído estado de civilização. [...] A liberdade de informação jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno gozo das primeiras. [...] Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica. [...] Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa. [...] A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. [...] Interdição à lei quanto às matérias nuclearmente de imprensa, retratadas no tempo de início e de duração do concreto exercício da liberdade, assim como de sua extensão ou tamanho do seu conteúdo. Tirante, unicamente, as restrições que a Lei Fundamental de 1988 prevê para o "estado de sítio" (art. 139), o Poder Público somente pode dispor sobre matérias lateral ou reflexamente de imprensa, respeitada sempre a ideia-força de que quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. As matérias reflexamente de imprensa, suscetíveis, portanto, de conformação legislativa, são as indicadas pela própria Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização, proporcionais ao agravo; proteção do sigilo da fonte ("quando necessário ao exercício profissional"); responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos; estabelecimento dos "meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente" (inciso II do § 3º do art. 220 da CF); independência e proteção remuneratória dos profissionais de imprensa como elementos de sua própria qualificação técnica (inciso XIII do art. 5º); participação do capital estrangeiro nas empresas de comunicação social (§ 4º do art. 222 da CF); composição e funcionamento do Conselho de Comunicação Social (art. 224 da Constituição). Regulações estatais que, sobretudo incidindo no plano das consequências ou responsabilizações, repercutem sobre as causas de ofensas pessoais para inibir o cometimento dos abusos de imprensa. [...] Do dever de irrestrito apego à completude e fidedignidade das informações comunicadas ao público decorre a permanente conciliação entre liberdade e responsabilidade da imprensa. Repita-se: não é jamais pelo temor do abuso que se vai proibir o uso de uma liberdade de informação a que o próprio Texto Magno do País apôs o rótulo de "plena" (§ 1 do art. 220). [...] 10.1. Óbice lógico à confecção de uma lei de imprensa que se orne de compleição estatutária ou orgânica.[...] São irregulamentáveis os bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo ou substrato da liberdade de informação jornalística, por se tratar de bens jurídicos que têm na própria interdição da prévia interferência do Estado o seu modo natural, cabal e ininterrupto de incidir. Vontade normativa que, em tema elementarmente de imprensa, surge e se exaure no próprio texto da Lei Suprema. 10.2. Incompatibilidade material insuperável entre a Lei n° 5.250/67 e a Constituição de 1988. Impossibilidade de conciliação que, sobre ser do tipo material ou de substância (vertical), contamina toda a Lei de Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço da prestidigitadora lógica de que para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque de exceções que praticamente tudo desfaz; b) quanto ao seu inescondível efeito prático de ir além de um simples projeto de governo para alcançar a realização de um projeto de poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo pensamento crítico no País. 10.3 São de todo imprestáveis as tentativas de conciliação hermenêutica da Lei 5.250/67 com a Constituição, seja mediante expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja mediante o emprego dessa refinada técnica de controle de constitucionalidade que atende pelo nome de "interpretação conforme a Constituição". A técnica da interpretação conforme não pode artificializar ou forçar a descontaminação da parte restante do diploma legal interpretado, pena de descabido incursionamento do intérprete em legiferação por conta própria. Inapartabilidade de conteúdo, de fins e de viés semântico (linhas e entrelinhas) do texto interpretado. Caso-limite de interpretação necessariamente conglobante ou por arrastamento teleológico, a pré-excluir do intérprete/aplicador do Direito qualquer possibilidade da declaração de inconstitucionalidade apenas de determinados dispositivos da lei sindicada, mas permanecendo incólume uma parte sobejante que já não tem significado autônomo. Não se muda, a golpes de interpretação, nem a inextrincabilidade de comandos nem as finalidades da norma interpretada. Impossibilidade de se preservar, após artificiosa hermenêutica de depuração, a coerência ou o equilíbrio interno de uma lei (a Lei federal nº 5.250/67) que foi ideologicamente concebida e normativamente apetrechada para operar em bloco ou como um todo pro indiviso. [...] (ADPF 130, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2009, DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-01 PP-00001 RTJ VOL-00213-01 PP-00020) 

Isto é: não se pode conceber lei, ou norma, que se volte especificamente à tutela da imprensa, para coibir sua atuação. Se há um direito irrestrito de acesso pela sociedade à informação mantida pela administração, porquanto inequivocamente pública, não se pode impedir a imprensa, apenas por ser imprensa, de a ela aceder. 

O posicionamento do acórdão recorrido vai além, e efetivamente faz controle prévio genérico da veiculação noticiosa. Não se está diante sequer de um texto pronto e acabado, hipótese em que, de modo já absolutamente excepcional, poder-se-ia cogitar de apreciação judicial dos danos decorrentes de sua circulação, a ponto de vedá-la. Na hipótese, a censura judicial prévia inviabilizar até mesmo a apuração jornalística, fazendo mesmo secreta a informação reconhecidamente pública. 

A jurisprudência do Supremo repila tal abordagem: 

AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. DIREITO CONSTITUCIONAL. DETERMINAÇÃO DE RETIRADA DE CONTEÚDO DA INTERNET. DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE TUTELA ANTECIPADA. CONFIGURAÇÃO DE CENSURA PRÉVIA. VIOLAÇÃO À ADPF 130. AGRAVO INTERNO PROVIDO. 1. A liberdade de informação e de imprensa são apanágios do Estado Democrático de Direito. 2. O interesse público premente no conteúdo de reportagens e peças jornalísticas reclama tolerância quanto a matérias de cunho supostamente lesivo à honra dos agentes públicos. 3. A medida própria para a reparação do eventual abuso da liberdade de expressão é o direito de resposta e não a supressão liminar de texto jornalístico, antes mesmo de qualquer apreciação mais detida quanto ao seu conteúdo e potencial lesivo. 4. A reclamação tendo como parâmetro a ADPF 130, em casos que versam sobre conflitos entre liberdade de expressão e informação e a tutela de garantias individuais como os direitos da personalidade, é instrumento cabível, na forma da jurisprudência (Precedentes: Rcl 22328, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 09/05/2018; Rcl 25.075, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 31/03/2017). 5. In casu, não se evidencia que o intento da publicação tenha sido o de ofender a honra de terceiros, mediante veiculação de notícias sabidamente falsas. 6. Agravo interno provido. (Rcl 28747 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 05/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-239 DIVULG 09-11-2018 PUBLIC 12-11-2018) 

CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO DA PUBLICAÇÃO, DIVULGAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE OBRA LITERÁRIA. CONFIGURAÇÃO DE CENSURA PRÉVIA. VIOLAÇÃO À ADPF 130. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. RECURSO DE AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente "o cidadão pode se manifestar como bem entender", e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia. 2. A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade civil e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público. 3. Desse modo, a decisão judicial, que determinou “a suspensão da publicação, divulgação e comercialização de obra literária”, impôs censura prévia, cujo traço marcante é o “caráter preventivo e abstrato” de restrição à livre manifestação de pensamento, que é repelida frontalmente pelo texto constitucional, em virtude de sua finalidade antidemocrática, e configura, de maneira inequívoca, ofensa à ADPF 130 (Rel. Min. AYRES BRITTO, Pleno, DJe de 6/11/2009). Precedentes. 4. Logo, ratifica-se, o entendimento aplicado, de modo a manter, em todos os seus termos, a decisão agravada. 5. Recurso de agravo a que se nega provimento. (Rcl 38201 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 21/02/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-047 DIVULG 05-03-2020 PUBLIC 06-03-2020) 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO E À LIBERDADE DE IMPRENSA. DECISÃO LIMINAR QUE RESTRINGE VEICULAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA. SÚMULA 735/STF. NÃO INCIDÊNCIA. MATÉRIA PASSÍVEL DE CONHECIMENTO POR RECLAMAÇÃO ANTE POSSÍVEL OFENSA À DECISÃO VINCULANTE NA ADPF 130/STF. PROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL. [...] A alegação de ofensa à decisão da ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, na qual se proibiu a realização de qualquer forma de censura prévia, dá ensejo ao cabimento, em tese, da reclamação constitucional, uma vez que o STF proibiu a censura de publicações jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões, sendo certo, ainda, que eventual abuso da liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por meio de retificação, direito de resposta ou indenização. 3. Agravo regimental provido. (RE 840718 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 10/09/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 17-09-2018 PUBLIC 18-09-2018) 

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/1973. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. RAZÕES DE DECIDIR EXPLICITADAS PELO ÓRGÃO JURISDICIONAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º, XL E LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LEI DE IMPRENSA. NÃO RECEPÇÃO. APLICAÇÃO DOS TIPOS PENAIS DESCRITOS NA LEGISLAÇÃO COMUM. PRECEDENTES. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/2015. [...] 2. O entendimento adotado na decisão agravada reproduz a jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal. Não obstante esta Corte Suprema ter declarado a não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição Federal de 1988 (ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto), às condutas ofensivas nela previstas é aplicável a tipificação semelhante contida no Código Penal. Precedentes. 3. As razões do agravo não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 4. Agravo interno conhecido e não provido. (ARE 835363 AgR-segundo, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 28/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 18-10-2018 PUBLIC 19-10-2018) 

Mesmo as considerações genéricas à segurança dos familiares não se mostram razoáveis, à luz da interpretação do Supremo quanto à norma de transparência: 

SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃOS QUE IMPEDIAM A DIVULGAÇÃO, EM SÍTIO ELETRÔNICO OFICIAL, DE INFORMAÇÕES FUNCIONAIS DE SERVIDORES PÚBLICOS, INCLUSIVE A RESPECTIVA REMUNERAÇÃO. DEFERIMENTO DA MEDIDA DE SUSPENSÃO PELO PRESIDENTE DO STF. AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS CONSTITUCIONAIS. DIREITO À INFORMAÇÃO DE ATOS ESTATAIS, NELES EMBUTIDA A FOLHA DE PAGAMENTO DE ÓRGÃOS E ENTIDADES PÚBLICAS. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO RECONHECIMENTO DE VIOLAÇÃO À PRIVACIDADE, INTIMIDADE E SEGURANÇA DE SERVIDOR PÚBLICO. AGRAVOS DESPROVIDOS. [...] Sem que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas exceções de que trata a parte derradeira do mesmo dispositivo constitucional (inciso XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto da sociedade. [...] E quanto à segurança física ou corporal dos servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto ou quanto fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas é um tipo de risco pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano. 3. A prevalência do princípio da publicidade administrativa outra coisa não é senão um dos mais altaneiros modos de concretizar a República enquanto forma de governo. Se, por um lado, há um necessário modo republicano de administrar o Estado brasileiro, de outra parte é a cidadania mesma que tem o direito de ver o seu Estado republicanamente administrado. [...] 4. A negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa implicaria, no caso, inadmissível situação de grave lesão à ordem pública. 5. Agravos Regimentais desprovidos. (SS 3902 AgR-segundo, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 09/06/2011, DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011 EMENT VOL-02599-01 PP-00055 RTJ VOL-00220-01 PP-00149) 

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ANALISTAS E TÉCNICOS DE FINANÇAS E CONTROLE. ATO COATOR: PORTARIA INTERMINISTERIAL 233/2012. DIVULGAÇÃO DE REMUNERAÇÃO OU SUBSÍDIO RECEBIDO POR OCUPANTE DE CARGO, POSTO, GRADUAÇÃO, FUNÇÃO E EMPREGO PÚBLICO. LEGALIDADE. LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO. LEI 12.527/2011. DIREITO LÍQUIDO E CERTO À INTIMIDADE NÃO CONFIGURADO. SEGURANÇA DENEGADA. [...] 5. Ademais, o caso não envolve informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, ressalva prevista no inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal. 6. Segurança denegada. (MS 18.847/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 17/11/2014) 

É preciso reforçar a distinção entre duas questões tratadas pelo acórdão como uma única. De um lado, cuida-se da atividade jornalística de veiculação noticiosa. Nesse ponto, é já inconcebível dar aspecto de juridicidade a qualquer forma de controle prévio da informação. O acórdão recorrido, mais que isso, ainda antes da existência de qualquer informação jornalística, veda sua produção, por conta de danos potenciais. A medida é, nessa extensão, descabida. 

Há mais, porém. Relaciona-se a ela, mas sem que se confundam, o real objeto da impetração. Trata-se de acesso à informação pública, não de atuação jornalística. A qualidade da última pode até depender da primeira, mas nada influencia no direito de aceder a dados públicos o uso que deles se fará. Não há razão alguma em sujeitar a concessão da segurança ao risco decorrente da divulgação da informação – que, reitere-se, é pública e já disponível na internet. Não há nem mesmo obrigação ou suposição de que a informação – pública – venha a ser publicada pela imprensa. A informação pública é subsídio da informação jornalística, sem com ela se confundir em qualquer nível. Os dados públicos podem ser usados pela imprensa de uma infinidade de formas, como base de novas investigações, cruzamentos, pesquisas, entrevistas, etc., nenhuma delas correspondendo, direta e inequivocamente, à sua veiculação. Não se pode vedar o exercício de um direito – acessar à informação pública – pelo mero receio do abuso no exercício de um outro e distinto direito – o de livre comunicar. Configura-se verdadeiro bis in idem censório, ambos de inviável acolhimento diante do ordenamento. 

Quanto ao interesse de agir, consta do acórdão menção expressa aos períodos dos dados solicitados pelo impetrante e o momento em que se deu início à publicação ativa pelo impetrado. O pedido diz respeito, em parte, aos dados de 2006 (e-STJ, fl. 1.948), e o portal traria informações somente a partir de abril de 2014 (e-STJ, fl. 1.946). É o quanto basta para se verificar a permanência de interesse pela parte impetrante. 

Ademais, a existência do dado solicitado por via da Lei de Acesso à Informação em base pública não enseja rejeição do pedido, mas remissão do requerente a tais serviços. Nos termos da própria LAI: 

Art. 11. O órgão ou entidade pública deverá autorizar ou conceder o acesso imediato à informação disponível. [...] § 3º Sem prejuízo da segurança e da proteção das informações e do cumprimento da legislação aplicável, o órgão ou entidade poderá oferecer meios para que o próprio requerente possa pesquisar a informação de que necessitar. [...] § 6º Caso a informação solicitada esteja disponível ao público em formato impresso, eletrônico ou em qualquer outro meio de acesso universal, serão informados ao requerente, por escrito, o lugar e a forma pela qual se poderá consultar, obter ou reproduzir a referida informação, procedimento esse que desonerará o órgão ou entidade pública da obrigação de seu fornecimento direto, salvo se o requerente declarar não dispor de meios para realizar por si mesmo tais procedimentos. 

Assim, a concessão da segurança não obriga a administração ao fornecimento direto dos documentos, podendo remeter a parte impetrante à base onde constem, efetivamente, os dados solicitados. Apenas as informações requeridas que não estejam disponíveis em dito portal deverão ser disponibilizadas diretamente à parte recorrente. 

Trata-se de meio de cumprimento da obrigação de fornecer acesso aos dados públicos, que não afasta o interesse jurídico no reconhecimento do direito líquido e certo da parte impetrante de acedê-los, qualquer que seja o uso que deles pretenda fazer, independentemente de justificação prévia. Eventual abuso ou ilicitude, verifica oportunamente, dará ensejo às devidas responsabilizações. 

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para restabelecer a sentença, concedendo a segurança. 

É como voto.