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18 de julho de 2021

RECURSO ESPECIAL Nº 1.929.230 - MT

RECURSO ESPECIAL Nº 1.929.230 - MT (2020/0165756-0) RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO RECORRIDO : ERALDO EDGAR DE LIMA ADVOGADO : JOSÉ CARLOS MARQUES - MT011737 EMENTA ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. REQUERIMENTO DE MEDIDAS COERCITIVAS. SUSPENSÃO DE CNH E APREENSÃO DE PASSAPORTE. POSSIBILIDADE. ART. 139, IV, DO CPC/2015. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. APLICAÇÃO EM PROCESSOS DE IMPROBIDADE. OBSERVÂNCIA DE PARÂMETROS. ANÁLISE DOS FATOS DA CAUSA. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Trata-se, na origem, de cumprimento de sentença que condenou o recorrido por improbidade administrativa consistente na contratação direta de serviços gráficos para a confecção de 60 mil cartilhas informativas do SUS, sem prévio procedimento licitatório. 2. De acordo com o acórdão recorrido, tentou-se executar a multa imposta na sentença condenatória transitada em julgado, mas, "após várias diligências ao longo de cinco anos, não foi possível recolher o montante referente a sanção pecuniária, o que resultou no pedido manejado pelo Ministério Público de apreensão de carteira de habilitação e passaporte, com o escopo de compelir o Agravado de arcar com o valor do débito." (fl. 80, e-STJ, destaque acrescentado). 3. Entendeu o Tribunal de origem que a medida requerida "atenta contra os princípios da proporcionalidade e razoabilidade [...] não encontra guarida no princípio da responsabilidade patrimonial, que tem por escopo garantir que o cumprimento da obrigação não ultrapasse bens outros que não o patrimônio do devedor." (fl. 79, e-STJ ). FUNDAMENTAÇÃO ESTRITAMENTE JURÍDICA E INFRACONSTITUCIONAL 4. O Tribunal de origem adota o entendimento de que a apreensão do passaporte e a suspensão da CNH do devedor são meios executivos que não encontram suporte no art. 139, IV, do CPC/2015. Esse preceito, segundo a doutrina especializada, consagra as chamadas medidas executivas atípicas, ao estabelecer que o juiz pode "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária." 5. No acórdão recorrido se afirma que o referido artigo 139, IV, do CPC/2015 contraria o princípio da menor onerosidade e "não encontra guarida no princípio da responsabilidade patrimonial" (fl. 82, e-STJ). Também se afirma que "não há demonstração efetiva nos autos de que a suspensão da CNH e retenção do passaporte do Agravado possa viabilizar a efetiva satisfação do crédito." (fl. 82, e-STJ). Ocorre que esse não é um juízo fático, pois o Tribunal de origem deixa claro que não adiantaria demonstrar que as medidas seriam eficazes, uma vez que, em sua ótica, "se executadas, seriam aplicadas apenas com a função de punir o executado e não como meio de prover a tutela jurisdicional" (fl. 82, e-STJ). Essa perspectiva fica ainda mais clara na conclusão do acórdão recorrido: "Nesse contexto, inexistindo previsão legal expressa para adoção das medidas requeridas, forçosa é a manutenção da decisão agravada, que indeferiu o pedido de suspensão da CNH e bloqueio do passaporte do agravado." (fl. 83, e-STJ, destaque acrescentado). 6. Trata-se, portanto, de saber se as instâncias ordinárias negaram ou não vigência ao artigo 139, IV, do CPC/2015. 7. Também se aduz no aresto que a imposição das medidas atípicas "implicaria em violação de direitos constitucionalmente garantidos, conforme preceitua o art. 5º, XV, CF, além de se afigurarem desarrazoados e desproporcionais ao direito perseguido." (fl. 82, e-STJ). 8. O que há nesse raciocínio é, ainda, interpretação do artigo 139, IV. O que o Tribunal de origem proclama é a compreensão de que o preceito não poderia ser entendido de determinada forma em decorrência da ordem constitucional, ou seja, há a ideia de ofensa reflexa à Constituição. 10. Por isso, no STF, embora a matéria esteja sob apreciação na ADI 5.941 (ainda não decidida), não se está conhecendo dos Recursos Extraordinários com o fundamento de que se trata de controvérsia infraconstitucional. Nesse sentido, as seguintes decisões monocráticas: RE 1.221.543, Relator Min. Alexandre de Moraes, DJe 7.8.2019; RE 1.282.533/PR, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 25.8.2020; RE 1.287.895, Relator Min. Marco Aurélio, DJe 21.9.2020; RE 1.291.832, Relator Min. Ricardo Lewandowski, DJe 1.3.2021. JURISPRUDÊNCIA DO STJ 11. Há no Superior Tribunal de Justiça julgados favoráveis à possibilidade da adoção das chamadas medidas atípicas no âmbito da execução, desde que preenchidos certos requisitos. Nesse sentido: "O propósito recursal é definir se a suspensão da carteira nacional de habilitação e a retenção do passaporte do devedor de obrigação de pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo [...] O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV)." (REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019). Na mesma esteira: AgInt no REsp 1.837.309/SP, Relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 13.2.2020; REsp 1.894.170/RS, Relatora Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 12.11.2020. 12. Há, também, decisão da Primeira Turma que indefere as medidas atípicas, mas mediante expressa referência aos fatos da causa. Afirmou-se no julgado: "O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão de Primeiro Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do nome do executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do direito de dirigir e de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora apontado como ato coator, deferiu as indicadas medidas no curso da Execução Fiscal. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda. - EPP também foram levados a bloqueio (fls. 163/164)." (HC 45.3870/PR, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 15.8.2019). RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE DAS MEDIDAS ATÍPICAS EM PROCESSOS DE IMPROBIDADE 13. Além de fazer referência aos fatos da causa – coisa que o Tribunal de origem não fez, pois considerou não razoáveis e desproporcionais as medidas em abstrato –, essa última decisão, da Primeira Turma, foi proferida em Execução Fiscal. Aqui, diversamente, trata-se de cumprimento de sentença proferida em Ação por Improbidade Administrativa, demanda que busca reprimir o enriquecimento ilícito, as lesões ao erário e a ofensa aos princípios da Administração Pública. 14. Inadmissíveis manobras para escapar da execução das sanções pecuniárias impostas pelo Estado, sob pena de as condutas contrárias à moralidade administrativa ficarem sem resposta. Ora, se o entendimento desta Corte – conforme a jurisprudência supradestacada – é o de que são cabíveis medidas executivas atípicas para a satisfação de obrigações de cunho estritamente patrimonial, com muito mais razão elas devem ser admitidas em casos em que o cumprimento da sentença se dá para tutelar a moralidade e o patrimônio público. Superada a questão da impossibilidade de adoção de medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial pela jurisprudência desta Corte (premissa equivocada do acórdão recorrido), não há como não considerar o interesse público, na satisfação da obrigação, importante componente para definir o cabimento (ou não) delas à luz do caso concreto. 15. Não ocorre, portanto – ao menos do modo abstrato como analisado o caso na origem –, ofensa à proporcionalidade ou à razoabilidade pela adoção de medidas não patrimoniais para o cumprimento da sentença. PARÂMETROS 16. Os parâmetros construídos pela Terceira Turma para a aplicação das medidas executivas atípicas encontram largo amparo na doutrina e se revelam adequados também ao cumprimento de sentença proferida em Ação por Improbidade. 17. Conforme tem preconizado a Terceira Turma, "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade." (REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019). 18. Consigne-se que a observância da proporcionalidade não deve ser feita em abstrato, a não ser que as instâncias ordinárias expressamente declarem inconstitucional o artigo 139, IV, do CPC/2015. Não sendo o caso, as balizas da proporcionalidade devem ser observadas com referência ao caso concreto, nas hipóteses em que as medidas atípicas se revelem excessivamente gravosas e causem, por exemplo, prejuízo ao exercício da profissão. CONCLUSÃO 19. Recurso Especial parcialmente provido para determinar a devolução dos autos à origem, a fim de que o requerimento de adoção de medidas atípicas, feito com fundamento no artigo 139, IV, do CPC, seja analisado de acordo com o caso concreto, mediante a observância dos parâmetros acima delineados. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: ""A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator." Brasília, 04 de maio de 2021(data do julgamento). MINISTRO HERMAN BENJAMIN Relator RECURSO ESPECIAL Nº 1.929.230 - MT (2020/0165756-0) RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO RECORRIDO : ERALDO EDGAR DE LIMA ADVOGADO : JOSÉ CARLOS MARQUES - MT011737 RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição da República, contra acórdão assim ementado: RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – PEDIDO DE SUSPENSÃO E RETENÇÃO DE PASSAPORTE – DESCABIMENTO – RESTRIÇÃO INDEVIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1 – A pretensão do Ministério Público de suspensão da CNH da ora recorrente, atenta contra os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e não se mostra efetiva para o alcance do pretendido. 2 – A medida pretendida pelo Recorrente não encontra guarida no princípio da responsabilidade patrimonial, que tem por escopo garantir que o cumprimento da obrigação não ultrapasse bens outros que não o patrimônio do devedor. Aponta-se no Recurso Especial ofensa ao art. 139, IV, do Código de Processo Civil. O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento da irresignação. É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.929.230 - MT (2020/0165756-0) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 24 de março de 2021. 1. Histórico da demanda Trata-se, na origem, de cumprimento de sentença que condenou o recorrido por improbidade administrativa consistente na contratação direta de serviços gráficos para a confecção de 60 mil cartilhas informativas do SUS, sem prévio procedimento licitatório. De acordo com o acórdão recorrido, tentou-se executar a multa imposta na sentença condenatória transitada em julgado, mas, "após várias diligências ao longo de cinco anos, não foi possível recolher o montante referente a sanção pecuniária, o que resultou no pedido manejado pelo Ministério Pública de apreensão de carteira de habilitação e passaporte, com o escopo de compelir o Agravado de arcar com o valor do débito." (fl. 80, e-STJ). Entendeu o Tribunal de origem que a medida requerida "atenta contra os princípios da proporcionalidade e razoabilidade [...] não encontra guarida no princípio da responsabilidade patrimonial, que tem por escopo garantir que o cumprimento da obrigação não ultrapasse bens outros que não o patrimônio do devedor." (fl. 79, e-STJ). 2. Conhecimento do Recurso Especial No acórdão recorrido se transcreve o artigo 139, IV, do CPC/2015 – o fundamento das chamadas medidas executivas atípicas – e se conclui: "a medida pretendida pelo Recorrente não encontra guarida no princípio da responsabilidade patrimonial, que tem por escopo garantir que o cumprimento da obrigação não ultrapasse bens outros que não o patrimônio do devedor." (fl. 82, e-STJ). Afirma-se, ainda, que "a execução se rege pelo princípio da menor onerosidade do devedor, não se mostrando adequado, no cumprimento de sentença, impor ao devedor restrições pessoais [...]" (fl. 82, e-STJ). Até aqui, o que faz o Tribunal de origem é uma interpretação sistemática do CPC/2015 para concluir que a apreensão do passaporte e a suspensão da CNH não encontrariam suporte no citado art. 139, IV, que autoriza o juiz a "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária." É verdade que no aresto se apresenta, também, o argumento de que a imposição das medidas "implicaria em violação de direitos constitucionalmente garantidos, conforme preceitua o art. 5º, XV, CF, além de se afigurarem desarrazoados e desproporcionais ao direito perseguido." (fl. 82, e-STJ). Mas o que há nesse raciocínio é, ainda, uma interpretação do artigo 139, IV, do CPC, consoante a qual o preceito não poderia ser entendido de determinada forma em decorrência da ordem constitucional, ou seja, há a ideia de ofensa reflexa à Constituição. Por isso, no STF, embora a matéria esteja sob apreciação na ADI 5.941 (ainda não decidida), não se está conhecendo dos Recursos Extraordinários com o fundamento de que se trata de controvérsia infraconstitucional. Nesse sentido, as decisões monocráticas nos seguintes feitos: RE 1.221.543, Relator Min. Alexandre de Moraes, DJe 7.8.2019; RE 1.282.533/PR, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 25.8.2020; RE 1.287.895, Relator Min. Marco Aurélio, DJe 21.9.2020; RE 1.291.832, Relator Min. Ricardo Lewandowski, DJe 1.3.2021. Por fim, é verdade que no acórdão recorrido se diz que "não há demonstração efetiva nos autos de que a suspensão da CNH e retenção do passaporte do Agravado possa viabilizar a efetiva satisfação do crédito." (fl. 82, e-STJ). Ocorre que esse não é um juízo fático, pois o Tribunal de origem deixa claro que não adiantaria demonstrar que as medidas seriam eficazes, pois, em sua ótica, "se executadas, seriam aplicadas apenas com a função de punir o executado e não como meio de prover a tutela jurisdicional." (fl. 82, e-STJ). Essa perspectiva fica ainda mais clara na conclusão do acórdão recorrido: "Nesse contexto, inexistindo previsão legal expressa para adoção das medidas requeridas, forçosa é a manutenção da decisão agravada, que indeferiu o pedido de suspensão da CNH e bloqueio do passaporte do agravado." (fl. 83, e-STJ, destaquei). Trata-se, portanto, de saber se as instâncias ordinárias negaram ou não vigência ao artigo 139, IV, do CPC/2015. 3. Jurisprudência do STJ Há no Superior Tribunal de Justiça julgados favoráveis à possibilidade da adoção das chamadas medidas atípicas no âmbito da execução, desde que preenchidos certos requisitos. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CHEQUES. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. CABIMENTO. DELINEAMENTO DE DIRETRIZES A SEREM OBSERVADAS PARA SUA APLICAÇÃO. [...] 2. O propósito recursal é definir se a suspensão da carteira nacional de habilitação e a retenção do passaporte do devedor de obrigação de pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo. [...] 4. O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV). 5. A interpretação sistemática do ordenamento jurídico revela, todavia, que tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada de qualquer medida executiva, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. 6. De acordo com o entendimento do STJ, as modernas regras de processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Precedente específico. 7. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. 8. Situação concreta em que o Tribunal a quo indeferiu o pedido do recorrente de adoção de medidas executivas atípicas sob o fundamento de que não há sinais de que o devedor esteja ocultando patrimônio, mas sim de que não possui, de fato, bens aptos a serem expropriados. 9. Como essa circunstância se coaduna com o entendimento propugnado neste julgamento, é de rigor - à vista da impossibilidade de esta Corte revolver o conteúdo fático-probatório dos autos - a manutenção do aresto combatido. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019) AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC/15. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC. SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO (CNH) E APREENSÃO DE PASSAPORTE. DIRETRIZES FIXADAS PELA 3ª TURMA NO JULGAMENTO DO REsp 1.788.950/MT. INEXISTÊNCIA DE BENS PASSÍVEIS DE EXPROPRIAÇÃO RECONHECIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. REVISÃO. VEDAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (AgInt no REsp 1.837.309/SP, Relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 13.2.2020). Recentemente, a Terceira Turma reiterou essa orientação: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. DÉBITOS LOCATÍCIOS. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. CABIMENTO. DELINEAMENTO DE DIRETRIZES A SEREM OBSERVADAS PARA A SUA APLICAÇÃO. [...] 7. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. 8. Situação concreta em que o Tribunal a quo demonstra que há sinais de que o devedor esteja ocultando patrimônio. 9. Dada as peculiaridades do caso concreto, e tendo em vista que i) há a existência de indícios de que o recorrente possua patrimônio apto a cumprir com a obrigação a ele imposta; ii) a decisão foi devidamente fundamentada com base nas especificidades constatadas; iii) a medida atípica está sendo utilizada de forma subsidiária, dada a menção de que foram promovidas diligências à exaustão para a satisfação do crédito; e iv) observou-se o contraditório e o postulado da proporcionalidade; o acórdão recorrido não merece reforma. 10. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp 1.894.170/RS, Relatora Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 12.11.2020) Há, também, decisão da Primeira Turma que indefere as medidas atípicas, mas mediante expressa referência aos fatos da causa. Confira-se a ementa do julgado: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. DIREITO DE LOCOMOÇÃO, CUJA PROTEÇÃO É DEMANDADA NO PRESENTE HABEAS CORPUS, COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ACÓRDÃO DO TC/PR CONDENATÓRIO AO ORA PACIENTE À PENALIDADE DE REPARAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, SUBMETIDO À EXECUÇÃO FISCAL PROMOVIDA PELA FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR, NO VALOR DE R$ 24 MIL. MEDIDAS CONSTRICTIVAS DETERMINADAS PELA CORTE ARAUCARIANA PARA GARANTIR O DÉBITO, EM ORDEM A INSCREVER O NOME DO DEVEDOR EM CADASTRO DE MAUS PAGADORES, APREENDER PASSAPORTE E SUSPENDER CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. CONTEXTO ECONÔMICO QUE PRESTIGIA USOS E COSTUMES DE MERCADO NAS EXECUÇÕES COMUNS, NORTEANDO A SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS COM ALTO RISCO DE INADIMPLEMENTO. RECONHECIMENTO DE QUE NÃO SE APLICA ÀS EXECUÇÕES FISCAIS A LÓGICA DE MERCADO, SOBRETUDO PORQUE O PODER PÚBLICO JÁ É DOTADO, PELA LEI 6.830/1980, DE ALTÍSSIMOS PRIVILÉGIOS PROCESSUAIS, QUE NÃO JUSTIFICAM O EMPREGO DE ADICIONAIS MEDIDAS AFLITIVAS FRENTE À PESSOA DO EXECUTADO. ADEMAIS, CONSTATA-SE A DESPROPORÇÃO DO ATO APONTADO COMO COATOR, POIS O EXECUTIVO FISCAL JÁ CONTA COM A PENHORA DE 30% DOS VENCIMENTOS DO RÉU. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE MODO A DETERMINAR, COMO FORMA DE PRESERVAR O DIREITO FUNDAMENTAL DE IR E VIR DO PACIENTE, A EXCLUSÃO DAS MEDIDAS ATÍPICAS CONSTANTES DO ARESTO DO TJ/PR, APONTADO COMO COATOR, QUAIS SEJAM, (I) A SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO, (II) A APREENSÃO DO PASSAPORTE, CONFIRMANDO-SE A LIMINAR DEFERIDA. 1. O presente Habeas Corpus tem, como moto primitivo, Execução Fiscal adveniente de acórdão do Tribunal de Contas do Estado do Paraná que responsabilizou o Município de Foz do Iguaçu/PR a arcar com débitos trabalhistas decorrentes de terceirização ilícita de mão de obra. Como forma de regresso, o Município emitiu Certidão de Dívida Ativa, com a consequente inicialização de Execução Fiscal. À época da distribuição da execução (dezembro/2013), o valor do débito era de R$ 24.645,53. 2. Para além das diligências deferidas tendentes à garantia do juízo, tais como as consultas Bacenjud, Renajud, pesquisa on-line de bens imóveis, disponibilização de Declaração de Imposto de Renda, o Magistrado determinou a penhora de 30% do salário auferido pelo Paciente na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, com retenção imediata em folha de pagamento. 3. O Magistrado de Primeiro Grau indeferiu, porém, o pedido de expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito e suspensão de passaporte e de Carteira Nacional de Habilitação. Mas a Corte Araucariana deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pela Fazenda de Foz do Iguaçu/PR, para deferir as medidas atípicas requeridas pela Municipalidade exequente, consistentes em suspensão de Carteira Nacional de Habilitação e apreensão de passaporte. 4. A discussão lançada na espécie cinge-se à aplicação, no Executivo Fiscal, de medidas atípicas que obriguem o réu a efetuar o pagamento de dívida, tendo-se, como referência analítica, direitos e garantias fundamentais do cidadão, especialmente o de direito de ir e vir. 5. Inicialmente, não se duvida que incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. É a dicção do art. 139, IV do Código Fux. 6. No afã de cumprir essa diretriz, são pródigas as notícias que dão conta da determinação praticada por Magistrados do País que optaram, no curso de processos de execução, por limitar o uso de passaporte, suspender a Carteira de Habilitação para dirigir e inscrever o nome do devedor no cadastro de inadimplentes. Tudo isso é feito para estimular o executado a efetuar o pagamento, por intermédio do constrangimento de certos direitos do devedor. 7. Não há dúvida de que, em muitos casos, as providências são assim tomadas não apenas para garantir a satisfação do direito creditício do exequente, mas também para salvaguardar o prestígio do Poder Judiciário enquanto autoridade estatal; afinal, decisão não cumprida é um ato atentatório à dignidade da Justiça. 8. De fato, essas medidas constrictivas atípicas se situam na eminente e importante esfera do mercado de crédito. O crédito disponibilizado ao consumidor, à exceção dos empréstimos consignados, é de parca proteção e elevado risco ao agente financeiro que concede o crédito, por não contar com garantia imediata, como sói acontecer com a alienação fiduciária. Diferentemente ocorre nos setores de financiamento imobiliário, de veículos e de patrulha agrícola mecanizada, por exemplo, cujo próprio bem adquirido é serviente a garantir o retorno do crédito concedido a altos juros. 9. Julgadores que promovem a determinação para que, na hipótese de execuções cíveis, se proceda à restrição de direitos do cidadão, como se tem visto na limitação do uso de passaporte e da licença para dirigir, querem sinalizar ao mercado e às agências internacionais de avaliação de risco que, no Brasil, prestigiam-se os usos e costumes de mercado, com suas normas regulatórias próprias, como força centrífuga à autoridade estatal, consoante estudou o Professor JOSÉ EDUARDO FARIA na obra O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 64/85. 10. Noutras palavras, em virtude da falta de garantias de adimplemento, por ocasião da obtenção do crédito, são contrapostas as formas aflitivas pessoais de satisfação do débito em âmbito endoprocessual. Essa modalidade de condução da lide, que ressalta a efetividade, é válida mundivisão acerca do que é o processo judicial e o seu objetivo, embora ela [a visão de mundo] não seja única, não se podendo dizer paradigmática. 11. Porém, essa almejada efetividade da pretensão executiva não está alheia ao controle de legalidade, especialmente por esta Corte Superior, consoante se verifica dos seguintes arestos: o habeas corpus é instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais. O acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise (RHC 97.876/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 9.8.2018; AgInt no AREsp. 1.233.016/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 17.4.2018). 12. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros rumos quando medidas aflitivas pessoais atípicas são colocadas em vigência nesse procedimento de satisfação de créditos fiscais. Inegavelmente, o Executivo Fiscal é destinado a saldar créditos que são titularizados pela coletividade, mas que contam com a representação da autoridade do Estado, a quem incumbe a promoção das ações conducentes à obtenção do crédito. 13. Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal, de modo que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis. Para se ter uma ideia do que o Poder Público já possui privilégios ex ante, a execução só é embargável mediante a plena garantia do juízo (art. 16, § 1o. da LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental. 14. Não se esqueça, ademais, que, muito embora cuide o presente caso de direito regressivo exercido pela Municipalidade em Execução Fiscal (caráter não tributário da dívida), sempre é útil registrar que o crédito tributário é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo, se o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados bem de família (art. 3o., IV da Lei 8.009/1990). Além disso, o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências e Recuperações Judiciais - 11.101/2005). Bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do Código Tributário Nacional). São providências que não encontram paralelo nas execuções comuns. 15. Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, não se firmam placidamente no Executivo Fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos. 16. Excessos por parte da investida fiscal já foram objeto de severo controle pelo Poder Judiciário, tendo a Corte Suprema registrado em Súmula que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos (Súmula 323/STF). 17. Na espécie, consoante relata o ato apontado como coator, trata-se de Execução Fiscal manejada pela Fazenda do Município de Foz do Iguaçu/PR em desfavor do ora Paciente, então Prefeito da urbe paranaense, a partir da qual visa à satisfação de crédito como direito de regresso, uma vez que a Municipalidade fora condenada à restituição de dano ao Erário como sanção aplicada pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (débitos trabalhistas com origem em contratação ilegal de funcionários terceirizados, contratações essas ordenadas pelo então Alcaide, ora Paciente). O caderno aponta que o valor histórico do crédito vindicado é de R$ 24.645,53 (fls. 114). 18. O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão de Primeiro Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do nome do executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do direito de dirigir e de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora apontado como ato coator, deferiu as indicadas medidas no curso da Execução Fiscal. 19. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda. - EPP também foram levados a bloqueio (fls. 163/164). 20. Submeteu-se o réu à notória restrição constitucional do direito de ir e vir num contexto de Execução Fiscal já razoavelmente assegurada, pelo que se dessume da espécie. 21. Assinale-se como de altíssima nomeada para o caso o art. 22 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao estabelecer, nos seus itens 1 e 2, que toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir conformidade com as disposições legais, bem como toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 22. Frequentemente, tem-se visto a rejeição à ordem de Habeas Corpus sob o argumento de que a limitação de CNH não obstaria o direito de locomoção, por existir outros meios de transporte de que o indivíduo pode se valer. É em virtude dessa linha de pensamento que a referência ao Pacto de São José da Costa Rica se mostra crucial, na medida em que a existência de diversos meios de deslocamento não retira o fato de que deve ser amplamente garantido ao cidadão exercer o direito de circulação pela forma que melhor lhe aprouver, pois assim se efetiva o núcleo essencial das liberdades individuais, tal como é o direito e ir e vir. 23. Cumpre registrar que a opinião do douto parecer do Ministério Público Federal é por conceder-se o remédio constitucional, sob a premissa de que, apresentada a questão com tais contornos, estritamente atrelada ao arcabouço probatório encartado nos autos, não há outra possibilidade senão reconhecer que, não sendo a medida restritiva adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação da legítima Execução Fiscal promovida originariamente, a sua efetivação tornou-se contrária à ordem jurídica, porquanto adentrou demasiadamente na esfera pessoal, e não patrimonial, do executado/impetrante, configurando, certamente, ato punitivo, não constritivo, atentando, portanto, contra a sua liberdade de ir e vir (fls. 262/264). O Paciente está a merecer, em confirmação da medida liminar, a tutela da liberdade de ir a vir pelo remédio de Habeas Corpus. 24. Parecer do MPF pela concessão da medida. Habeas Corpus concedido em favor do Paciente, confirmando-se a medida liminar anteriormente concedida, apta a determinar sejam excluídas as medidas atípicas constantes do aresto do TJ/PR apontado como coator (suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, apreensão do passaporte). (HC 45.3870/PR, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 15.8.2019) 4. Razoabilidade e proporcionalidade das medidas atípicas nos processos de improbidade Além de fazer referência aos fatos da causa – coisa que o Tribunal de origem não fez, pois considerou não razoáveis e desproporcionais as medidas em abstrato –, essa última decisão, da Primeira Turma, foi proferida em Execução Fiscal. Diversamente, no caso dos autos, trata-se de cumprimento de sentença proferida em Ação por Improbidade Administrativa, demanda que busca reprimir o enriquecimento ilícito, as lesões ao erário e a ofensa aos princípios da Administração Pública. Não se podem admitir neste processo manobras para escapar da execução das sanções pecuniárias impostas pelo Estado, sob pena de as condutas contrárias à moralidade administrativa ficarem sem resposta. Ora, se o entendimento desta Corte – conforme a jurisprudência supradestacada – é o de que são cabíveis medidas executivas atípicas para a satisfação de obrigações de cunho estritamente patrimonial, com muito mais razão elas devem ser admitidas em casos em que o cumprimento da sentença se dá para tutelar a moralidade e o patrimônio público. Superada a questão da impossibilidade de adoção de medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial pela jurisprudência desta Corte (premissa equivocada do acórdão recorrido), não há como não considerar o interesse público, na satisfação da obrigação, importante componente para definir o cabimento (ou não) delas à luz do caso concreto. Não há, portanto – ao menos do modo abstrato como analisado o caso na origem –, ofensa à proporcionalidade ou à razoabilidade pela adoção de medidas não patrimoniais para o cumprimento da sentença. 5. Parâmetros Os parâmetros construídos pela Terceira Turma encontram largo amparo na doutrina e se revelam adequados também ao cumprimento de sentença proferida em Ação por Improbidade. Conforme tem preconizado a Terceira Turma, "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade." (REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019). Consigne-se que a observância da proporcionalidade não deve ser feita em abstrato, a não ser que as instâncias ordinárias expressamente declarem inconstitucional o artigo 139, IV, do CPC/2015. Não sendo o caso, as balizas da proporcionalidade devem ser observadas com referência ao caso concreto, nas hipóteses em que as medidas atípicas se revelem excessivamente gravosas e causem, por exemplo, prejuízo ao exercício da profissão. 6. Conclusão Ante o exposto, dou parcial provimento ao Recurso Especial para determinar a devolução dos autos à origem, a fim de que o requerimento de adoção de medidas atípicas, feito com fundamento no artigo 139, IV, do CPC, seja analisado de acordo com o caso concreto, mediante a observância dos parâmetros jurisprudenciais acima estabelecidos. É como voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2020/0165756-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.929.230 / MT Números Origem: 1010211-37.2019.8.11.0000 10102113720198110000 158781020108110041 PAUTA: 27/04/2021 JULGADO: 27/04/2021 Relator Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. MARIO LUIZ BONSAGLIA Secretária Bela. VALÉRIA RODRIGUES SOARES AUTUAÇÃO RECORRENTE : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO RECORRIDO : ERALDO EDGAR DE LIMA ADVOGADO : JOSÉ CARLOS MARQUES - MT011737 ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Atos Administrativos - Improbidade Administrativa CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Adiado por indicação do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2020/0165756-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.929.230 / MT Números Origem: 1010211-37.2019.8.11.0000 10102113720198110000 158781020108110041 PAUTA: 27/04/2021 JULGADO: 04/05/2021 Relator Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. MARIO LUIZ BONSAGLIA Secretária Bela. VALÉRIA RODRIGUES SOARES AUTUAÇÃO RECORRENTE : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO RECORRIDO : ERALDO EDGAR DE LIMA ADVOGADO : JOSÉ CARLOS MARQUES - MT011737 ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Atos Administrativos - Improbidade Administrativa CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.

19 de junho de 2021

São cabíveis medidas executivas atípicas, de cunho não patrimonial, no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-695-stj.pdf


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - São cabíveis medidas executivas atípicas, de cunho não patrimonial, no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa 

É cabível a apreensão de passaporte e a suspensão da CNH no bojo do cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa. Em regra, a jurisprudência do STJ entende ser possível a aplicação de medidas executivas atípicas na execução e no cumprimento de sentença comum, desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. Na ação de improbidade administrativa, com ainda mais razão, há a possibilidade de aplicação das medidas executivas atípicas, pois se tutela a moralidade e o patrimônio público. No que diz respeito à proporcionalidade, o fato de se tratar de uma ação de improbidade administrativa deve ser levado em consideração na análise do cabimento da medida aflitiva não pessoal no caso concreto, já que envolve maior interesse público. STJ. 2ª Turma, REsp 1.929.230-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 04/05/2021 (Info 695). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

O Ministério Público ajuizou ação de improbidade administrativa em face de João, servidor público. Após o trâmite processual, o pedido foi julgado procedente, e a sentença condenou João às sanções previstas no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92). Vale ressaltar que foram aplicadas contra João duas sanções de natureza pecuniária: a) Ressarcimento integral do dano; b) Multa civil. 

Com o trânsito em julgado da sentença, o Ministério Público requereu o cumprimento da sentença para a execução das sanções aplicadas contra João. Ocorre que não foram encontrados bens penhoráveis de João, de maneira que restaram frustradas todas as tentativas de medidas executivas ordinárias. Diante disso, o Ministério Público requereu a aplicação de duas medidas executivas atípicas, quais sejam: a) a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação; e b) a retenção do passaporte. 

O Parquet argumentou que seria uma forma de coação indireta para que João cumprisse o que foi determinado na sentença condenatória. 

O STJ considerou cabível o pedido do Ministério Público? É possível a aplicação de medidas atípicas no cumprimento de sentença no âmbito da ação de improbidade administrativa? SIM. 

São cabíveis medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa. STJ. 2ª Turma, REsp 1.929.230-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 04/05/2021 (Info 695). 

Sanções aplicáveis na ação de improbidade administrativa 

A ação de improbidade administrativa encontra previsão legal no art. 17 da Lei nº 8.429/92. Trata-se de uma ação de natureza cível que visa a apuração do suposto ato de improbidade administrativa, e a consequente condenação às sanções previstas na Lei. O art. 37, §4º, da Constituição Federal prevê as consequências decorrentes da prática de atos de improbidade administrativa: 

Art. 37 (...) § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. 

O art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa, por sua vez, enumera as sanções que deverão ser aplicadas a cada espécie de ato de improbidade. As sanções previstas na Lei são as seguintes: 

1) perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente ímprobo; 

2) ressarcimento integral do dano; 

3) perda da função pública; 

4) suspensão dos direitos políticos; 

5) multa civil; 

6) proibição de contratar com o Poder Público direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; 

7) proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; 

8) proibição de receber benefícios ou incentivos creditícios direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário. 

Todas as sanções acima devem ser impostas ao réu na ação de improbidade administrativa, por meio de provimento judicial de natureza condenatória. 

Cumprimento da sentença de improbidade administrativa 

Como mencionado, a sentença proferida na ação de improbidade administrativa possui cunho condenatório. De acordo com a classificação tradicional ternária, as sentenças declaratórias e constitutivas são autossatisfativas, ou seja, não precisam de qualquer comportamento do réu para que o direito do credor seja satisfeito. Por outro lado, as sentenças condenatórias não são autossatisfativas, de modo que ensejam a execução. No âmbito Lei nº 8.429/92, não há qualquer dispositivo específico prevendo o procedimento de execução das sentenças proferidas nas ações de improbidade administrativa. Ressalta-se apenas o art. 18 da Lei, que prevê a destinação do pagamento dos danos ou a reversão dos bens perdidos em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito: 

Art. 18. A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito. 

Assim, não havendo previsão específica sobre o cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade administrativa, deve-se aplicar subsidiariamente as disposições sobre o cumprimento de sentença, previstas nos arts. 513 e seguintes, do Código de Processo Civil. 

Em tese, é possível que o juiz, no cumprimento de sentença ou em um processo autônomo de execução comum, determine a suspensão do passaporte e da CNH do executado? 

SIM. Tais providências são classificadas como medidas executivas atípicas (meios executivos atípicos). A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que cumpridos os seguintes requisitos: 

• existam indícios de que o devedor possui patrimônio expropriável (bens que podem ser penhorados); 

• essas medidas atípicas sejam adotadas de modo subsidiário; 

• a decisão judicial que a determinar contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta; 

• sejam observados o contraditório substancial e o postulado da proporcionalidade. 

STJ. 3ª Turma. REsp 1788950/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/04/2019. 

Efetividade do processo, princípio do resultado na execução e atipicidade das medidas executivas 

O principal fundamento para isso seria o art. 139, IV, do CPC/2015, que representou uma importante novidade do Código e que teve por objetivo dar mais efetividade ao processo: 

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; 

No caso do processo de execução, a adoção de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou subrogatórias apresenta-se como um importante instrumento para permitir a satisfação da obrigação que está sendo cobrada (obrigação exequenda). Com isso, podemos dizer que esse dispositivo homenageia (prestigia) o “princípio do resultado na execução”. Veja alguns enunciados doutrinários a respeito deste inciso: 

Enunciado 48 da ENFAM. O art. 139, IV, do CPC/2015 traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos extrajudiciais. 

Enunciado 12 do FPPC. A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II. 

Enunciado 396 do FPPC. As medidas do inciso IV do art. 139 podem ser determinadas de ofício, observado o art. 8º. 

Esse dispositivo representa a adoção, pelo CPC, de um modelo de atipicidade das medidas executivas. O que isso quer dizer? As medidas que o juiz pode determinar para a execução dos comandos judiciais não precisam estar expressamente previstas na lei, podendo o magistrado impor outras medidas que não estão listadas no Código. 

E nas ações de improbidade administrativa, também é possível a aplicação de medidas executivas atípicas? 

SIM. O STJ considerou que, sendo cabível a aplicação de medidas executivas atípicas em ações meramente patrimoniais, com mais razão o uso dos meios atípicos na ação de improbidade administrativa, pois se tutela a moralidade e o patrimônio público. O cumprimento de sentença na ação de improbidade administrativa, além de visar ao ressarcimento, busca reprimir o enriquecimento ilícito, as lesões ao erário e a ofensa aos princípios da Administração Pública. Portanto, para a aplicação das medidas executivas atípicas no cumprimento de sentença em ação de improbidade também devem ser observados os parâmetros utilizados pelo STJ: 

• existam indícios de que o devedor possui patrimônio expropriável (bens que podem ser penhorados); 

• essas medidas atípicas sejam adotadas de modo subsidiário; 

• a decisão judicial que a determinar contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta; 

• sejam observados o contraditório substancial e o postulado da proporcionalidade. 

Princípio da proporcionalidade 

A análise da proporcionalidade não deve ser realizada em abstrato, mas sim à luz do caso concreto, buscando-se evitar medidas que sejam extremamente gravosas. Deve-se ponderar se as medidas aplicáveis de cunho pessoal ao devedor são adequadas e necessárias para se garantir o interesse do credor. O fato de se tratar de uma ação de improbidade administrativa é uma importante questão do caso concreto para definir o cabimento ou não da medida atípica, já que existe um maior interesse público na satisfação do débito. Em outras palavras, na ação de improbidade administrativa, o inadimplemento do devedor, em tese, é ainda mais grave, pois atenta contra o interesse público, contra os princípios da Administração Pública e contra a sociedade. O interesse do credor envolve, na realidade, o interesse público, o que incrementa os postulados da necessidade e da adequação. No caso concreto, o STJ entendeu que seria proporcional a aplicação das medidas de suspensão do passaporte e da CNH para compelir o devedor ao cumprimento da obrigação fixada na sentença de improbidade administrativa. Assim, são cabíveis medidas executivas atípicas no cumprimento da sentença de improbidade administrativa, desde que proporcionais, levando em consideração o interesse público relacionado à tutela da moralidade administrativa e do patrimônio público. 

DOD PLUS – INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES 

Na execução fiscal não cabe a retenção de passaporte ou a suspensão da CNH como forma de compelir o executado a pagar o débito 

A lógica de mercado não se aplica às execuções fiscais, pois o Poder Público já é dotado, pela Lei nº 6.830/80, de privilégios processuais. Assim, são excessivas as medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, quando aplicadas no âmbito de execução fiscal. STJ. 1ª Turma. HC 453.870-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 25/06/2019 (Info 654). 

Em resumo: É possível, em tese, a aplicação das medidas executivas atípicas (ex: suspensão do passaporte e da CNH)? 

• Nas execuções e cumprimentos de sentença comuns: SIM 

• Nas ações de improbidade administrativa: SIM 

• Na execução fiscal: NÃO

11 de maio de 2021

EXECUÇÃO FISCAL. DIREITO DE LOCOMOÇÃO, CUJA PROTEÇÃO É DEMANDADA NO PRESENTE HABEAS CORPUS. MEDIDAS CONSTRICTIVAS DETERMINADAS PELA CORTE PARA GARANTIR O DÉBITO, EM ORDEM A INSCREVER O NOME DO DEVEDOR EM CADASTRO DE MAUS PAGADORES, APREENDER PASSAPORTE E SUSPENDER CARTEIRA DE HABILITAÇÃO.

HABEAS CORPUS Nº 453.870 - PR (2018/0138962-0) 

RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO 

CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. DIREITO DE LOCOMOÇÃO, CUJA PROTEÇÃO É DEMANDADA NO PRESENTE HABEAS CORPUS, COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ACÓRDÃO DO TC/PR CONDENATÓRIO AO ORA PACIENTE À PENALIDADE DE REPARAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, SUBMETIDO À EXECUÇÃO FISCAL PROMOVIDA PELA FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR, NO VALOR DE R$ 24 MIL. MEDIDAS CONSTRICTIVAS DETERMINADAS PELA CORTE ARAUCARIANA PARA GARANTIR O DÉBITO, EM ORDEM A INSCREVER O NOME DO DEVEDOR EM CADASTRO DE MAUS PAGADORES, APREENDER PASSAPORTE E SUSPENDER CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. CONTEXTO ECONÔMICO QUE PRESTIGIA USOS E COSTUMES DE MERCADO NAS EXECUÇÕES COMUNS, NORTEANDO A SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS COM ALTO RISCO DE INADIMPLEMENTO. RECONHECIMENTO DE QUE NÃO SE APLICA ÀS EXECUÇÕES FISCAIS A LÓGICA DE MERCADO, SOBRETUDO PORQUE O PODER PÚBLICO JÁ É DOTADO, PELA LEI 6.830/1980, DE ALTÍSSIMOS PRIVILÉGIOS PROCESSUAIS, QUE NÃO JUSTIFICAM O EMPREGO DE ADICIONAIS MEDIDAS AFLITIVAS FRENTE À PESSOA DO EXECUTADO. ADEMAIS, CONSTATA-SE A DESPROPORÇÃO DO ATO APONTADO COMO COATOR, POIS O EXECUTIVO FISCAL JÁ CONTA COM A PENHORA DE 30% DOS VENCIMENTOS DO RÉU. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE MODO A DETERMINAR, COMO FORMA DE PRESERVAR O DIREITO FUNDAMENTAL DE IR E VIR DO PACIENTE, A EXCLUSÃO DAS MEDIDAS ATÍPICAS CONSTANTES DO ARESTO DO TJ/PR, APONTADO COMO COATOR, QUAIS SEJAM, (I) A SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO, (II) A APREENSÃO DO PASSAPORTE, CONFIRMANDO-SE A LIMINAR DEFERIDA. 

1. O presente Habeas Corpus tem, como moto primitivo, Execução Fiscal adveniente de acórdão do Tribunal de Contas do Estado do Paraná que responsabilizou o Município de Foz do Iguaçu/PR a arcar com débitos trabalhistas decorrentes de terceirização ilícita de mão de obra. Como forma de regresso, o Município emitiu Certidão de Dívida Ativa, com a consequente inicialização de Execução Fiscal. À época da distribuição da Execução (dezembro/2013), o valor do débito era de R$ 24.645,53. 

2. Para além das diligências deferidas tendentes à garantia do juízo, tais como as consultas Bacenjud, Renajud, pesquisa on-line de bens imóveis, disponibilização de Declaração de Imposto de Renda, o Magistrado determinou a penhora de 30% do salário auferido pelo Paciente na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, com retenção imediata em folha de pagamento. 

3. O Magistrado de Primeiro Grau indeferiu, porém, o pedido de expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito e suspensão de passaporte e de Carteira Nacional de Habilitação. Mas a Corte Araucariana deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pela Fazenda de Foz do Iguaçu/PR, para deferir as medidas atípicas requeridas pela Municipalidade exequente, consistentes em suspensão de Carteira Nacional de Habilitação e apreensão de passaporte. 

4. A discussão lançada na espécie cinge-se à aplicação, no Executivo Fiscal, de medidas atípicas que obriguem o réu a efetuar o pagamento de dívida, tendo-se, como referência analítica, direitos e garantias fundamentais do cidadão, especialmente o de direito de ir e vir. 

5. Inicialmente, não se duvida que incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. É a dicção do art. 139, IV do Código Fux. 

6. No afã de cumprir essa diretriz, são pródigas as notícias que dão conta da determinação praticada por Magistrados do País que optaram, no curso de processos de execução, por limitar o uso de passaporte, suspender a Carteira de Habilitação para dirigir e inscrever o nome do devedor no cadastro de inadimplentes. Tudo isso é feito para estimular o executado a efetuar o pagamento, por intermédio do constrangimento de certos direitos do devedor. 

7. Não há dúvida de que, em muitos casos, as providências são assim tomadas não apenas para garantir a satisfação do direito creditício do exequente, mas também para salvaguardar o prestígio do Poder Judiciário enquanto autoridade estatal; afinal, decisão não cumprida é um ato atentatório à dignidade da Justiça. 

8. De fato, essas medidas constrictivas atípicas se situam na eminente e importante esfera do mercado de crédito. O crédito disponibilizado ao consumidor, à exceção dos empréstimos consignados, é de parca proteção e elevado risco ao agente financeiro que concede o crédito, por não contar com garantia imediata, como sói acontecer com a alienação fiduciária. Diferentemente ocorre nos setores de financiamento imobiliário, de veículos e de patrulha agrícola mecanizada, por exemplo, cujo próprio bem adquirido é serviente a garantir o retorno do crédito concedido a altos juros. 

9. Julgadores que promovem a determinação para que, na hipótese de execuções cíveis, se proceda à restrição de direitos do cidadão, como se tem visto na limitação do uso de passaporte e da licença para dirigir, querem sinalizar ao mercado e às agências internacionais de avaliação de risco que, no Brasil, prestigiam-se os usos e costumes de mercado, com suas normas regulatórias próprias, como força centrífuga à autoridade estatal, consoante estudou o Professor JOSÉ EDUARDO FARIA na obra O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 64/85. 

10. Noutras palavras, em virtude da falta de garantias de adimplemento, por ocasião da obtenção do crédito, são contrapostas as formas aflitivas pessoais de satisfação do débito em âmbito endoprocessual. Essa modalidade de condução da lide, que ressalta a efetividade, é válida mundivisão acerca do que é o processo judicial e o seu objetivo, embora ela [a visão de mundo] não seja única, não se podendo dizer paradigmática. 

11. Porém, essa almejada efetividade da pretensão executiva não está alheia ao controle de legalidade, especialmente por esta Corte Superior, consoante se verifica dos seguintes arestos: o habeas corpus é instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais. O acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise (RHC 97.876/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 9.8.2018; AgInt no AREsp. 1.233.016/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 17.4.2018). 

12. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros rumos quando medidas aflitivas pessoais atípicas são colocadas em vigência nesse procedimento de satisfação de créditos fiscais. Inegavelmente, o Executivo Fiscal é destinado a saldar créditos que são titularizados pela coletividade, mas que contam com a representação da autoridade do Estado, a quem incumbe a promoção das ações conducentes à obtenção do crédito. 

13. Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal, de modo que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis. Para se ter uma ideia do que o Poder Público já possui privilégios ex ante, a execução só é embargável mediante a plena garantia do juízo (art. 16, § 1o. da LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental. 

14. Não se esqueça, ademais, que, muito embora cuide o presente caso de direito regressivo exercido pela Municipalidade em Execução Fiscal (caráter não tributário da dívida), sempre é útil registrar que o crédito tributário é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo, se o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados bem de família (art. 3o., IV da Lei 8.009/1990). Além disso, o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências e Recuperações Judiciais - 11.101/2005). Bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do Código Tributário Nacional). São providências que não encontram paralelo nas execuções comuns. 

15. Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, não se firmam placidamente no Executivo Fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos. 

16. Excessos por parte da investida fiscal já foram objeto de severo controle pelo Poder Judiciário, tendo a Corte Suprema registrado em Súmula que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos (Súmula 323/STF). 

17. Na espécie, consoante relata o ato apontado como coator, trata-se de Execução Fiscal manejada pela Fazenda do Município de Foz do Iguaçu/PR em desfavor do ora Paciente, então Prefeito da urbe paranaense, a partir da qual visa à satisfação de crédito como direito de regresso, uma vez que a Municipalidade fora condenada à restituição de dano ao Erário como sanção aplicada pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (débitos trabalhistas com origem em contratação ilegal de funcionários terceirizados, contratações essas ordenadas pelo então Alcaide, ora Paciente). O caderno aponta que o valor histórico do crédito vindicado é de R$ 24.645,53 (fls. 114). 

18. O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão de Primeiro Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do nome do executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do direito de dirigir e de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora apontado como ato coator, deferiu as indicadas medidas no curso da Execução Fiscal. 

19. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP também foram levados a bloqueio (fls. 163/164). 

20. Submeteu-se o réu à notória restrição constitucional do direito de ir e vir num contexto de Execução Fiscal já razoavelmente assegurada, pelo que se dessume da espécie. 

21. Assinale-se como de altíssima nomeada para o caso o art. 22 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao estabelecer, nos seus itens 1 e 2, que toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir conformidade com as disposições legais, bem como toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 

22. Frequentemente, tem-se visto a rejeição à ordem de Habeas Corpus sob o argumento de que a limitação de CNH não obstaria o direito de locomoção, por existir outros meios de transporte de que o indivíduo pode se valer. É em virtude dessa linha de pensamento que a referência ao Pacto de São José da Costa Rica se mostra crucial, na medida em que a existência de diversos meios de deslocamento não retira o fato de que deve ser amplamente garantido ao cidadão exercer o direito de circulação pela forma que melhor lhe aprouver, pois assim se efetiva o núcleo essencial das liberdades individuais, tal como é o direito e ir e vir. 

23. Cumpre registrar que a opinião do douto parecer do Ministério Público Federal é por conceder-se o remédio constitucional, sob a premissa de que, apresentada a questão com tais contornos, estritamente atrelada ao arcabouço probatório encartado nos autos, não há outra possibilidade senão reconhecer que, não sendo a medida restritiva adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação da legítima Execução Fiscal promovida originariamente, a sua efetivação tornou-se contrária à ordem jurídica, porquanto adentrou demasiadamente na esfera pessoal, e não patrimonial, do executado/impetrante, configurando, certamente, ato punitivo, não constritivo, atentando, portanto, contra a sua liberdade de ir e vir (fls. 262/264). O Paciente está a merecer, em confirmação da medida liminar, a tutela da liberdade de ir a vir pelo remédio de Habeas Corpus. 

24. Parecer do MPF pela concessão da medida. Habeas Corpus concedido em favor do Paciente, confirmando-se a medida liminar anteriormente concedida, apta a determinar sejam excluídas as medidas atípicas constantes do aresto do TJ/PR apontado como coator (suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, apreensão do passaporte). 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo o julgamento, preliminarmente, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Benedito Gonçalves e Regina Helena Costa, conhecer do Habeas Corpus e, no mérito, por maioria, vencidos parcialmente os Srs. Ministros Sérgio Kukina e Gurgel de Faria (voto-vista), conceder a ordem determinando sejam excluídas as medidas atípicas constantes do aresto do TJ/PR apontado como coator (suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, apreensão do passaporte), nos termos do voto do Sr. Ministro Relator Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves e Regina Helena Costa votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília/DF, 25 de junho de 2019 (Data do Julgamento). 

RELATÓRIO 

1. Trata-se de Habeas Corpus impetrado pelos Advogados ALDAMIRA GERALDA DE ALMEIDA AFFORNALLI, MARCUS VINICIUS AFFORNALLI e BRUNA AFFORNALLI, em favor do Paciente CELSO SAMIS DA SILVA, que figura como parte executada em Execução Fiscal promovida pela FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR, a partir do qual objetivam a concessão de medida assecuratória do direito e ir e vir frente ao acórdão do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ora apontado como autoridade coatora, que determinou a efetuação de medidas constrictivas atípicas. O suposto ato ilegal que afetou a liberdade de locomoção do cidadão, praticado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, contou com a seguinte ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. DILIGÊNCIAS INFRUTÍFERAS. APLICAÇÃO DE TÉCNICAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. INSCRIÇÃO DO DEVEDOR EM CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. APREENSÃO DE PASSAPORTE E SUSPENSÃO DE CNH. INDEFERIMENTO PELO JUÍZO SINGULAR. IRRESIGNAÇÃO DO MUNICÍPIO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 139, IV DO CPC. ENTENDIMENTO DO ENUNCIADO 48 DA ENFAM. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA DECISÃO SINGULAR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (fls. 189/197). 

2. As razões que motivaram o impetrante a postular remédio constitucional residem no argumento de que houve arbítrio da autoridade ao deferir medidas restritivas de direito na Execução Fiscal de origem, qualificadas por restrição ao uso de passaporte e por suspensão de Carteira de Habilitação do executado, ora paciente. Salientam que o paciente não praticou atos de recalcitrância no feito executório e que as providências autorizadas pelo Tribunal Araucariano se dirigem à aflição pessoal do réu e não aos seus bens. Assevera a desproporciolidade da medida, porquanto já está respondendo pela dívida com a penhora de 30% de seus vencimentos. Afirmam que a restrição do uso de passaporte causa prejuízo ao paciente, uma vez que reside em área de fronteira, em que é corriqueira a passagem para países como Paraguai e Argentina, e que a suspensão da Carteira de Habilitação o impede de comparecer ao trabalho e de transportar seu filhos ao colégio. Pede a concessão de medida liminar, de modo a extirpar a coação ilegal praticada pela Corte de origem. 

3. Foi concedida a medida liminar às fls. 222/229. Solicitadas as informações à autoridade coatora, esta ficou inerte (fls. 250). Intimada (fls. 243/244), a Fazenda Pública exequente não se manifestou. 

4. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA, opinou pela concessão da ordem de Habeas Corpus (fls. 257/264). 

5. Em síntese, é o relatório. 

VOTO 

1. O presente Habeas Corpus tem, como moto primitivo, Execução Fiscal adveniente de acórdão do Tribunal de Contas do Estado do Paraná que responsabilizou o Município de Foz do Iguaçu/PR a arcar com débitos trabalhistas decorrentes de terceirização ilícita de mão de obra. Como forma de regresso, o Município emitiu Certidão de Dívida Ativa, com a consequente inicialização de Execução Fiscal. À época da distribuição da Execução (dezembro/2013), o valor do débito era de R$ 24.645,53. 

2. Para além das diligências deferidas tendentes à garantia do juízo, tais como as consultas Bacenjud, Renajud e pesquisa online de bens imóveis, disponibilização de Declaração de Imposto de Renda, o Magistrado determinou a penhora de 30% do salário auferido pelo Paciente na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, com retenção em folha de pagamento. 

3. O Magistrado de Primeiro Grau indeferiu, porém, o pedido de expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito e suspensão de passaporte e de Carteira Nacional de Habilitação. Mas a Corte Araucariana deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pela Fazenda de Foz do Iguaçu/PR, para deferir as medidas atípicas requeridas pela Municipalidade exequente. 

4. A discussão lançada na espécie cinge-se à aplicação, no Executivo Fiscal, de medidas atípicas que obriguem o réu a efetuar o pagamento de dívida. 

5. Inicialmente, não se duvida que incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. É a dicção do art. 139, IV do Código Fux. 

6. No afã de cumprir essa diretriz, são pródigas as notícias que dão conta da determinação praticada por Magistrados do País que optaram, no curso de processos de execução, por limitar o uso de passaporte, suspender a Carteira de Habilitação para dirigir e inscrever o nome do devedor no cadastro de inadimplentes. Tudo isso é feito para estimular o executado a efetuar o pagamento, por intermédio do constrangimento de certos direitos do devedor. 

7. Não há dúvida de que, em muitos casos, as providências são assim tomadas não apenas para garantir a satisfação do direito creditício do exequente, mas também para salvaguardar o prestígio do Poder Judiciário enquanto autoridade estatal; afinal, decisão não cumprida é um ato atentatório à dignidade da Justiça. 

8. De fato, essas medidas constrictivas situam-se na eminente e importante esfera do mercado de crédito. O crédito disponibilizado ao consumidor, à exceção dos empréstimos consignados, é de parca proteção e elevado risco ao agente financeiro que concede o crédito, por não contar com garantia imediata, como sói acontecer com a alienação fiduciária. Diferentemente ocorre nos setores de financiamento imobiliário, de veículos e de patrulha agrícola mecanizada, por exemplo, cujo próprio bem adquirido é serviente a garantir o retorno do crédito concedido a altos juros. 

9. Embora o crédito seja responsável por promover o crescimento econômico, não apenas por sua aplicação na área produtiva, mas, sobretudo e especialmente, no consumo das famílias, ele é também responsável por severo endividamento pessoal dos brasileiros. Estatísticas dos órgãos oficiais informam que mais de 60% dos brasileiros se encontram, por mais de 90 dias, com débitos em aberto em cartão de crédito, no crediário de estabelecimentos comerciais, no cheque especial e em outras modalidades de crédito direto, nas quais o consumidor é estimulado a contratar, conforme matéria jornalística veiculada pela Agência Brasil de Comunicação EBC (http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2018-01/percentual-de-familias-e ndividadas-sobe-de-59-para-622. Acesso em 12.6.2018). 

10. Existem, inclusive, programas oficiais, como o do Banco Central do Brasil, destinados a evitar o superendividamento, dado o caráter epidêmico do estímulo ao consumo sem as necessárias prudência e organização de finanças pessoais nas compras (http://www.bcb.gov.br/pre/pef/port/folder_serie_II_%C3%A9_possivel_sair_do_sup erendividamento.pdf. Acesso em 12.6.2018). 

11. Não há dúvida de que essas questões que permeiam o crédito aportam no Poder Judiciário, nesse contexto de credores sem garantia e endividados suplicando a misericórdia. Penso que aqueles Julgadores que promovem a determinação para que, na hipótese de execuções cíveis, se proceda à restrição de direitos do cidadão, como se tem visto na limitação do uso de Documento: 1822323 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/08/2019 Página 16 de 7 Superior Tribunal de Justiça passaporte e da licença para dirigir, querem sinalizar ao mercado e às agências internacionais de avaliação de risco que, no Brasil, prestigiam-se os usos e costumes de mercado, com suas normas regulatórias próprias. 

12. Noutras palavras, em virtude da falta de garantias de adimplemento, por ocasião da obtenção do crédito, são contrapostas as formas aflitivas pessoais de satisfação do débito em âmbito endoprocessual. Essa modalidade de condução da lide, que ressalta a efetividade, é válida mundivisão acerca do que é o processo judicial e o seu objetivo, embora ela [a visão de mundo] não seja única, não se podendo dizer paradigmática. 

13. Porém, essa almejada efetividade da pretensão executiva não está alheia do controle de legalidade, especialmente por esta Corte Superior, consoante se verifica dos seguintes arestos: 

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. CPC/2015. INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COM O ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL. SUBSIDIARIEDADE, NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE. RETENÇÃO DE PASSAPORTE. COAÇÃO ILEGAL. CONCESSÃO DA ORDEM. SUSPENSÃO DA CNH. NÃO CONHECIMENTO. 1. O habeas corpus é instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, o acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise. 3. O CPC de 2015, em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou o ordenamento jurídico com a previsão, em seu art. 139, IV, de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda, inclusive as de pagar quantia certa. 4. As modernas regras de processo, no entanto, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. 5. Assim, no caso concreto, após esgotados todos os meios típicos de satisfação da dívida, para assegurar o cumprimento de ordem judicial, deve o magistrado eleger medida que seja necessária, lógica e proporcional. Não sendo adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação das decisões judiciais, será contrária à ordem jurídica. 6. Nesse sentido, para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual. 7. A adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar-se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e à medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental. 8. A liberdade de locomoção é a primeira de todas as liberdades, sendo condição de quase todas as demais. Consiste em poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para outro, ou permanecer cá ou lá, segundo lhe convenha ou bem lhe pareça, compreendendo todas as possíveis manifestações da liberdade de ir e vir. 9. Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária. 10. O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência. 11. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular, sendo, assim, inadequada a utilização do habeas corpus, impedindo seu conhecimento. É fato que a retenção desse documento tem potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que tem na condução de veículos, a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza. 12. Recurso ordinário parcialmente conhecido (RHC 97.876/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 9.8.2018). 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PRETENSÃO DE QUE SEJA SUSPENSA A CNH DO DEVEDOR COM BASE NO ART. 139, IV, DO CPC/2015. CONCLUSÃO NO SENTIDO DA INADEQUAÇÃO DA MEDIDA PARA O FIM COLIMADO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. O Tribunal estadual entendeu que a medida pleiteada - suspensão da CNH dos recorridos - é inadequada para o fim colimado, pois é desproporcional no caso em tela, especialmente porque atinge a pessoa do devedor, não seu patrimônio. Essa conclusão foi fundada na apreciação fático-probatória da causa, atraindo a aplicação da Súmula 7/STJ. 2. Agravo interno desprovido (AgInt no AREsp. 1.233.016/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 17.4.2018). 

14. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros rumos quando se contrasta com as medidas aflitivas pessoais atípicas. Inegavelmente, o Executivo Fiscal é destinado a saldar créditos que são titularizados pela coletividade, mas que contam com a representação da autoridade do Estado, a quem incumbe a promoção das ações conducentes à obtenção do crédito. 

15. Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal, de modo que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis. Para se ter uma ideia do que o Poder Público já possui ex ante, a execução só é embargável mediante a garantia do juízo (art. 16, § 1o. da LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental. 

16. Não se esqueça, ademais, que o crédito tributário é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo, se o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados bem de família (art. 3o., IV da Lei 8.009/1990). Além disso, o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências e Recuperações Judiciais - 11.101/2005). Bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do Código Tributário Nacional). 

17. Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais não se firmam placidamente no executivo fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos. 

18. Excessos por parte da investida fiscal já foram objeto de severo controle pelo Poder Judiciário, tendo a Corte Suprema registrado em Súmula que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos (Súmula 323/STF). 

19. Na espécie, consoante relata o ato apontado como coator, trata-se de Execução Fiscal manejada pela Fazenda do Município de Foz do Iguaçu/PR, a partir do qual visa à satisfação de crédito adveniente de condenação do executado à restituição de dano ao Erário como sanção aplicada ao Município pelo Tribunal de Contas do Paraná (débitos trabalhistas com origem contratação ilegal de funcionários terceirizados). O caderno aponta que o valor do crédito vindicado é de R$ 24.645,53 (fls. 114). 

20. O TJ/PR deu provimento ao recurso de Agravo de Instrumento da Municipalidade, em ordem a deferir medidas aflitivas de inscrição do nome do réu em cadastro de inadimplentes, suspensão do direito de dirigir e apreensão do passaporte. 

21. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP também foram levados a bloqueio. 

22. Registre-se como de altíssima nomeada para o caso o art. 22 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao estabelecer, nos seus itens 1 e 2, que toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir conformidade com as disposições legais, bem como toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 

23. Frequentemente, tem-se visto a rejeição à ordem de Habeas Corpus sob o argumento de que a limitação de CNH não obstaria o direito de locomoção, por existir outros meios de transporte de que o indivíduo pode se valer. É em virtude dessa linha de pensamento que a referência ao Pacto de São José da Costa Rica se mostra crucial, na medida em que a existência de diversos meios de deslocamento não retira o fato de que deve ser amplamente garantido ao cidadão exercer o direito de circulação pela forma que melhor lhe aprouver, pois assim se efetiva o núcleo essencial das liberdades individuais, tal como é o direito e ir e vir. 

24. O paciente está a merecer, em confirmação da medida liminar, a tutela da liberdade de ir a vir a que se propõe o remédio de Habeas Corpus.

25. Outra não é, aliás, a opinião do douto parecer do Ministério Público Federal, cuja transcrição é de rigor: 

14. Feitas tais ponderações, impende considerar, de uma forma simplória, mas fundamentada no parâmetro 'proporcionalidade' da medida constritiva segundo o crivo da adequação e da necessidade, a plausibilidade da fundamentação desenvolvida e da conclusão tecida quando da apreciação da liminar do writ. 15. Soa deveras excessiva a medida de suspensão de dirigir e apreensão do passaporte imposta ao impetrante num contexto de Execução Fiscal já razoavelmente assegurada pela penhora de 30% dos vencimentos que aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, além do bloqueio dos rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP. 16. Frise-se que, evidentemente, torna-se mais aguda a restrição das liberdades constitucionais do réu a circunstância de que a cidade de Foz do Iguaçu/PR se situa em tríplice fronteira de Brasil, Paraguai e Argentina. Embora possa haver trânsito facilitado de pessoas entre esses Países do Mercosul, é notório que, por residir nessa localidade fronteiriça, o paciente está a sofrer mais limitações em seu direito de ir e vir pela supressão de passaporte do que outra pessoa que esteja a milhares de quilômetros de qualquer área limítrofe. 17. Ademais, do arcabouço documental "é possível perquirir que o paciente utiliza os documentos para as suas atividades rotineiras, uma vez que a empresa em que o requerente trabalha (SANEPAR) possui sede em todas as cidades do Estado. Ainda, a função exercida pelo paciente (diretor estratégico) é inerente à necessidade de comparecimento deste em diferentes cidades do Estado, a fim de acompanhar a execução das atividades da empresa." - fls. 1Oe. 18. Apresentada a questão com tais contornos, estritamente atrelada ao arcabouço probatório encartado nos autos, não há outra possibilidade senão reconhecer que, não sendo a medida restritiva adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação da legítima Execução Fiscal promovida originariamente, a sua efetivação tornou-se contrária à ordem jurídica, porquanto adentrou demasiadamente na esfera pessoal, e não patrimonial, do executado/impetrante, configurando, certamente, ato punitivo, não constritivo, atentando, portanto, contra a sua liberdade de ir e vir. Ante o exposto, o Ministério Público Federal manifesta-se pela concessão da ordem em habeas corpus, para excluir as medidas de restrição ao uso de passaporte e suspensão de Carteira de Habilitação, outrora impostas ao impetrante (fls. 262/264).

 26. Mercê do exposto, confirma-se a medida liminar anteriormente concedida, de modo expedir ordem de Habeas Corpus em favor do paciente, apta a determinar sejam excluídas as medidas atípicas constantes do aresto do TJ/PR apontado como coator (suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, apreensão do passaporte). 

É como voto. 

VOTO-VISTA 

O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA: Trata-se de habeas corpus impetrado por ALDAMIRA GERALDA DE ALMEIDA AFFORNALLI, em favor de CELSO SAMIS DA SILVA – parte executada em execução fiscal promovida pela FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR –, em que objetiva impugnar a imposição das medidas executivas atípicas por parte do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, consubstanciadas na apreensão do passaporte do paciente, bem assim na suspensão da sua Carteira Nacional de Habilitação, com arrimo no art. 139, IV, do CPC/2015. 

Após o bem-lançado voto do d. relator, Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, em que concedeu a ordem, dos votos dos Min. BENEDITO GONÇALVES e REGINA HELENA COSTA, em que não conheceram do habeas corpus, e do voto do Min. SÉRGIO KUKINA, que conheceu da impetração, pedi vista dos autos para um melhor exame e agora os trago a julgamento. 

Inicialmente, cumpre registrar que, no tocante à apreensão da Carteira Nacional de Habilitação, o presente writ não se apresenta viável, à míngua de risco potencial à liberdade de locomoção do paciente. 

Nesse sentido: 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APREENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO - CNH. INEXISTÊNCIA DE RISCO OU AMEAÇA AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO. DESCABIMENTO DO WRIT. 1. Sem que haja risco ou ameaça à liberdade de locomoção, revela-se descabida a impetração de habeas corpus. Precedentes: AgRg no HC 391.220/SP, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 24/5/2017; REsp 1.639.643/RS, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 18/4/2017; e AgInt no HC 361.699/MG, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 20/10/2016. 2. Agravo interno não provido. (AgInt no RHC 97082/SP, rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 25/6/2018). 

Diversa é a situação relativa à retenção do passaporte, visto que, de acordo com a jurisprudência do STJ, tal restrição constitui ameaça ao direito de ir e vir do paciente, hábil ao manejo do habeas corpus. 

Nesse sentido: 

AMBIENTAL. PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INDENIZAÇÃO POR DANO AMBIENTAL. MEDIDA COERCITIVA ATÍPICA EM EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. RESTRIÇÃO AO USO DE PASSAPORTE. INJUSTA VIOLAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL DE IR E VIR. NÃO OCORRÊNCIA. DECISÃO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO. PONDERAÇÃO DOS VALORES EM COLISÃO. PREPONDERÂNCIA, IN CONCRETO, DO DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA DO MEIO AMBIENTE. DENEGAÇÃO DO HABEAS CORPUS. I - Na origem, trata-se de cumprimento de sentença que persegue o pagamento de indenização por danos ambientais fixada por sentença. Indeferida a medida coercitiva atípica de restrição ao passaporte em primeira instância, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu provimento ao agravo interposto pelo Ministério Público, determinando a apreensão do passaporte dos pacientes. II - Cabível a impetração de habeas corpus tendo em vista a restrição ao direito fundamental de ir e vir causado pela retenção do passaporte dos pacientes. Precedentes: RHC n. 97.876/SP, HC n. 443.348/SP e RHC n. 99.606/SP. III - A despeito do cabimento do habeas corpus, é preciso aferir, in concreto, se a restrição ao uso do passaporte pelos pacientes foi ilegal ou abusiva. IV - Os elementos do caso descortinam que os pacientes, pessoas públicas, adotaram, ao longo da fase de conhecimento do processo e também na fase executiva, comportamento desleal e evasivo, embaraçando a tramitação processual e deixando de cumprir provimentos jurisdicionais, em conduta sintomática da ineficiência dos meios ordinários de penhora e expropriação de bens. V - A decisão que aplicou a restrição aos pacientes contou com fundamentação adequada e analítica. Ademais, observou o contraditório. Ao final do processo ponderativo, demonstrou a necessidade de restrição ao direito de ir e vir dos pacientes em favor da tutela do meio ambiente. VI - Ordem de habeas corpus denegada. (HC 478963/RS, rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe 21/5/2019). (Grifos acrescidos). 

Assim, analiso a apontada ilegalidade decorrente da imposição da medida executiva atípica ao paciente. 

Compulsando os autos, verifico que a Corte de origem louvou-se no art. 139, IV, do CPC/2015, que assim dispõe: "O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária." 

O novel dispositivo facultou ao magistrado a adoção de providências executivas atípicas, destinadas à concretização da determinação judicial, especialmente quando verificado comportamento do executado descompromissado com a boa-fé e a lealdade processuais. 

No caso concreto, verifico, de fato, a postura recalcitrante do paciente em adimplir a dívida decorrente do acórdão do Tribunal de Contas do Estado Paraná (e-STJ fl. 28), notadamente diante da inexistência de automóveis e bens imóveis em seu nome, da inexistência de numerário em agência bancária e da declaração ao Imposto de Renda de que possuía a importância de R$ 80.000,00 em espécie. 

Não obstante, constato que a apreensão do seu passaporte afigura-se medida exagerada. 

Isso porque, no bojo da Execução Fiscal n. 0029418-18.2013.8.16.0030 foi deferida (e levada a efeito) a penhora de 30% (trinta por cento) dos vencimentos que ele aufere na Companhia de Saneamento do Paraná – SANEPAR, bem como o bloqueio dos rendimentos de sócio-majoritário da Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP, conforme se observa às e-STJ fls. 162/164. 

A propósito, vale transcrever o seguinte excerto do parecer ministerial: 

14. Feitas tais ponderações, impende considerar, de uma forma simplória, mas fundamentada no parâmetro 'proporcionalidade' da medida constritiva segundo o crivo da adequação e da necessidade, a plausibilidade da fundamentação desenvolvida e da conclusão tecida quando da apreciação da liminar do writ. 15. Soa deveras excessiva a medida de suspensão de dirigir e apreensão do passaporte imposta ao impetrante "num contexto de Execução Fiscal já razoavelmente assegurada" pela penhora de 30% dos vencimentos que aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, além do bloqueio dos rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda.-EPP. (e-STJ fls. 262/263). 

Assim, é de se deferir a liberação do passaporte do paciente. 

Ante o exposto, CONHEÇO PARCIALMENTE do habeas corpus para, na parte conhecida, CONCEDER A ORDEM, determinando a devolução do passaporte ao paciente CELSO SAMIS DA SILVA. 

É como voto. 

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CHEQUES. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. CABIMENTO. DELINEAMENTO DE DIRETRIZES A SEREM OBSERVADAS PARA SUA APLICAÇÃO

RECURSO ESPECIAL Nº 1.788.950 - MT (2018/0343835-5) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CHEQUES. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. CABIMENTO. DELINEAMENTO DE DIRETRIZES A SEREM OBSERVADAS PARA SUA APLICAÇÃO. 

1. Ação distribuída em 1/4/2009. Recurso especial interposto em 21/9/2018. Autos conclusos à Relatora em 7/1/2019. 

2. O propósito recursal é definir se a suspensão da carteira nacional de habilitação e a retenção do passaporte do devedor de obrigação de pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo. 

3. A interposição de recurso especial não é cabível com base em suposta violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 

4. O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV). 

5. A interpretação sistemática do ordenamento jurídico revela, todavia, que tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada de qualquer medida executiva, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. 

6. De acordo com o entendimento do STJ, as modernas regras de processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Precedente específico. 

7. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. 

8. Situação concreta em que o Tribunal a quo indeferiu o pedido do recorrente de adoção de medidas executivas atípicas sob o fundamento de que não há sinais de que o devedor esteja ocultando patrimônio, mas sim de que não possui, de fato, bens aptos a serem expropriados. 

9. Como essa circunstância se coaduna com o entendimento propugnado neste julgamento, é de rigor – à vista da impossibilidade de esta Corte revolver o conteúdo fático-probatório dos autos – a manutenção do aresto combatido. 

RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 23 de abril de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por ELY ESTEVES CAPISTRANO MARTINS, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional. 

Ação: execução de título extrajudicial (cheques), ajuizada pelo recorrente em face de FERNANDO EMILIO DA SILVA BARDI. 

Decisão interlocutória: indeferiu o pedido de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação e apreensão do passaporte do recorrido. 

Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo recorrente. 

Recurso especial: aponta a existência de dissídio jurisprudencial e de violação dos arts. 5º, XXXV, da CF/88 e 139, IV, do CPC/2015. Sustenta, em síntese, que é "adequada e necessária a adoção de medida executiva atípica é imprescindível para a satisfação da obrigação nos autos da execução, tendo em vista que já foram realizadas inúmeras tentativas de localização de bens passíveis de constrição, todas infrutíferas" (e-STJ fl. 328). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): O propósito recursal é definir se a suspensão da carteira nacional de habilitação e a retenção do passaporte do devedor de obrigação de pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo. 

1. DA ALEGAÇÃO DE OFENSA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL 

A interposição de recurso especial não é cabível com base em suposta violação de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 

2. DAS MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS NO CPC/15 

O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. 

Trata-se das chamadas medidas executivas atípicas, previstas no art. 139, IV, do novo Código, cláusula geral que confere poder ao julgador para a adoção de meios necessários à satisfação da obrigação não delineados previamente no diploma legal. 

O legislador optou, desse modo, por abandonar o princípio até então vigente (ao menos para as hipóteses envolvendo obrigação de pagar quantia), da tipicidade das formas executivas, conferindo maior elasticidade ao desenvolvimento do processo satisfativo, de acordo com as circunstâncias de cada caso e com as exigências necessárias à tutela do direto material. 

A atipicidade dos meios executivos, portanto, “defere ao juiz o poder-dever para determinar medidas de apoio tendentes a assegurar o cumprimento de ordem judicial, independentemente do objeto da ação processual” (ALVIM, Angélica Arruda (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 214 - sem destaque no original). 

Isso não significa, todavia, que qualquer modalidade executiva possa ser adotada de forma indiscriminada, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. Quanto ao ponto, a lição de MARINONI é bastante elucidativa: 

Quando o uso das modalidades executivas está subordinado ao que está na lei, a liberdade do litigante está garantida pelo princípio da tipicidade. Mas se esse princípio foi abandonado ao se concluir que a necessidade de meio de execução - e, assim, a efetividade da tutela do direito material - varia conforme as circunstâncias dos casos concretos, é preciso não esquecer que o poder executivo não pode ficar destituído de controle. Como é evidente, jamais o vencedor ou o juiz poderão eleger modalidade executiva qualquer, uma vez que o controle do juiz, quando não é feito pela lei, deve tomar em conta as necessidades de tutela dos direitos, as circunstâncias do caso e a regra da proporcionalidade. Em outras palavras, a adoção dos meios executivos obviamente ainda pode ser controlada pelo executado. A diferença é que esse controle, atualmente, é muito mais sofisticado e complexo do que aquele que simplesmente indagava se o meio executivo era o previsto na lei para a específica situação. (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 5ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 426) 

Tive a oportunidade de esclarecer, quando do julgamento do RHC 99.606/SP (3ª Turma, DJe 20/11/2018) que, como obstáculo à adoção dos meios atípicos e coercitivos indiretos na exequibilidade de obrigações de pagar quantia, parcela respeitável da doutrina aponta como óbice uma possível violação ao princípio da patrimonialidade da execução. 

Todavia, não se pode confundir a natureza jurídica das medidas de coerção psicológica, que são apenas medidas executivas indiretas, com sanções civis de natureza material, essas sim capazes de ofender a garantia da patrimonialidade, por configurarem punições em face do não pagamento da dívida. 

A diferença mais notável entre os dois institutos acima enunciados é a de que, na execução de caráter pessoal e punitivo, as medidas executivas sobre o corpo ou a liberdade do executado tem como característica substituírem a dívida patrimonial inadimplida, nela sub-rogando-se, circunstância que não se verifica quando se trata da adoção de meios de execução indiretos. 

É o que se observa, por exemplo, na prisão civil decorrente de dívida alimentar – medida coercitiva indireta –, na qual a privação temporária da liberdade do devedor de alimentos não o exime do pagamento das prestações vencidas ou vincendas (art. 528, § 5º, do CPC/15), inexistindo, destarte, sub-rogação. 

A demonstrar a ausência de substituição da dívida por uma punição corporal, deve-se ter em vista, também, que o pagamento da dívida alimentar autoriza a suspensão da ordem de prisão (art. 528, § 6º, do CPC/15), da mesma forma que, cuidando-se de astreintes, o juiz pode excluir a multa ou modificar seu valor ou periodicidade na hipótese de o executado demonstrar o cumprimento, mesmo que parcial, ou a existência de justa causa para o descumprimento (art. 537, § 1º, I e II, do CPC/15). 

Na execução indireta, portanto, as medidas executivas não possuem força para satisfazer a obrigação inadimplida, atuando tão somente sobre a vontade do devedor. 

Conforme ressalta a doutrina, “a adoção de medidas executivas coercitivas que recaiam sobre a pessoa do executado não significa que seu corpo passa a responder por suas dívidas”, uma vez que, na verdade, “são apenas medidas executivas que pressionam psicologicamente o devedor para que esse se convença de que o melhor a fazer é cumprir voluntariamente a obrigação” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de pagar quantia certa: Art. 139, IV, do novo CPC. Revista de Processo: RePro, São Paulo, n. 264, p. 107-150). 

Do mesmo modo, não se pode falar em inaplicabilidade das medidas executivas atípicas meramente em razão de sua potencial intensidade quanto à restrição de direitos fundamentais. Isso porque o ordenamento jurídico pátrio prevê a incidência de diversas espécies de medidas até mesmo mais gravosas do que essas, como bem anotado em artigo publicado por AZEVEDO e GAJARDONI: 

[...] no plano pragmático, desconsidera-se que há diversas medidas no ordenamento jurídico que tipicamente se equiparam ou apresentam maior intensidade em termos de restrição de direitos fundamentais do que as medidas executivas atípicas. Basta pensar nas hipóteses de despejo forçado, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, ou mesmo nas medidas protetivas para proteção do patrimônio de grupos vulneráveis (mulheres, idosos, crianças e adolescentes etc.). Há, ainda, inúmeras medidas administrativas coercitivas, adotadas em razão do interesse público, decorrentes de relações fiscais, aduaneiras, urbanísticas ou de trânsito, as quais, embora representem restrições a direitos fundamentais, não carregam a pecha da inconstitucionalidade. (AZEVEDO, Júlio Camargo de; GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Um novo capítulo na história das medidas executivas atípicas. Disponível em https://goo.gl/VAY72D. Consulta realizada em 28/3/2019) 

Não se nega, no entanto, que, em certas ocasiões, a adoção de coerção indireta ao pagamento voluntário possa se mostrar desarrazoada ou desproporcional, sendo passível, nessas situações, de configurar medida comparável à punitiva. 

A ocorrência dessas situações deve ser, contudo, examinada caso a caso, e não aprioristicamente, por se tratar de hipótese excepcional que foge à regra de legalidade e boa-fé objetiva estabelecida pelo CPC/15. 

Não por outro motivo, o STJ vem entendendo que “as modernas regras de processo [...], ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável” (RHC 97.876/SP, 4ª Turma, DJe 9/8/2018). 

Para que seja adotada qualquer medida executiva atípica, portanto, deve o juiz intimar previamente o executado para pagar o débito ou apresentar bens destinados a saldá-lo, seguindo-se, como corolário, os atos de expropriação típicos. 

O contraditório prévio é, aliás, a regra no CPC/15, em especial diante da previsão do art. 9º, que veda a prolação de decisão contra qualquer das partes sem sua prévia oitiva fora das hipóteses contempladas em seu parágrafo único. 

A decisão que autorizar a utilização de medidas coercitivas indiretas deve, ademais, ser devidamente fundamentada, a partir das circunstâncias específicas do caso, não sendo suficiente para tanto a mera indicação ou reprodução do texto do art. 139, IV, do CPC/15 ou mesmo a invocação de conceitos jurídicos indeterminados sem ser explicitado o motivo concreto de sua incidência na espécie (art. 489, § 1º, I e II, do CPC/15). 

De se observar, igualmente, a necessidade de esgotamento prévio dos meios típicos de satisfação do crédito exequendo, tendentes ao desapossamento do devedor, sob pena de se burlar a sistemática processual longamente disciplinada na lei adjetiva. 

Vale destacar, por oportuno, que o CPC/15, em seu art. 8º, estabeleceu com norma fundamental do processo civil o atendimento aos fins sociais do ordenamento jurídico e às exigências do bem comum, observado o resguardo e a promoção da dignidade da pessoa humana, assim como da proporcionalidade, da razoabilidade, da legalidade, da publicidade e da eficiência. 

Respeitado esse contexto, portanto, o juiz está autorizado a adotar medidas que entenda adequadas, necessárias e razoáveis para efetivar a tutela do direito do credor em face de devedor que, demonstrando possuir patrimônio apto a saldar o débito em cobrança, intente frustrar sem razão o processo executivo. 

Frise-se, aqui, que a possibilidade do adimplemento – ou seja, a existência de indícios mínimos que sugiram que o executado possui bens aptos a satisfazer a dívida – é premissa que decorre como imperativo lógico, pois não haveria razão apta a justificar a imposição de medidas de pressão na hipótese de restar provada a inexistência de patrimônio hábil a cobrir o débito. 

Em suma, é possível ao juiz adotar meios executivos atípicos desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir a obrigação a ele imposta, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. 

3. DA HIPÓTESE CONCRETA 

No particular, todavia, verifica-se do quadro fático desenhado pelo acórdão impugnado que, a despeito de se terem esgotados os meios tradicionais de satisfação do crédito, não há sinais de que o devedor esteja ocultando patrimônio, mas sim de que ele não possui bens para saldar a dívida. Confira-se excerto do aresto: 

No caso em exame, apesar de demonstrado que houve o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação do crédito, não se verifica que o Agravado esteja ocultado eventual patrimônio e sim que, aparentemente, não possui bens para saldar a dívida executada. O pedido de apreensão do passaporte e suspensão da CNH do executado, se acolhido, serviria mais como um meio de punição pela sua insuficiência patrimonial do que propriamente coerção de alguém sem bens, desvirtuando a finalidade objetiva da norma, que apenas buscou criar mecanismos para evitar condutas furtivas, leia-se, daqueles que detém possibilidade de pagar mais ocultam seu patrimônio. (e-STJ fl. 300) 

Como essa circunstância se coaduna com o entendimento propugnado neste julgamento, impõe-se – à vista da impossibilidade de esta Corte revolver o conteúdo fático-probatório dos autos – a manutenção das conclusões alcançadas pelo Tribunal estadual. 

4. CONCLUSÃO 

Forte em tais razões, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso especial e, nessa parte, NEGO-LHE PROVIMENTO.