RECURSO ESPECIAL Nº 1.818.926 - DF (2019/0154861-7)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA. BEM IMÓVEL INDIVISÍVEL EM REGIME
DE COPROPRIEDADE. ALIENAÇÃO JUDICIAL DO BEM POR INTEIRO. POSSIBILIDADE.
ART. 843 DO CPC/2015. CONSTRIÇÃO. LIMITES. QUOTA-PARTE TITULARIZADA PELO
DEVEDOR.
1. Cumprimento de sentença em 10/04/2013. Recurso especial interposto em
01/04/2019 e concluso ao gabinete em 21/08/2019.
2. O propósito recursal consiste em dizer se, para que haja o leilão judicial da
integralidade de bem imóvel indivisível – pertencente ao executado em regime de
copropriedade –, é necessária a prévia penhora do bem por inteiro ou, de outro
modo, se basta a penhora da quota-parte titularizada pelo devedor.
3. O Código de Processo Civil de 2015, ao tratar da penhora e alienação judicial de
bem indivisível, ampliou o regime anteriormente previsto no CPC/1973.
4. Sob o novo quadro normativo, é autorizada a alienação judicial do bem
indivisível, em sua integralidade, em qualquer hipótese de copropriedade. Ademais,
resguarda-se ao coproprietário alheio à execução o direito de preferência na
arrematação do bem ou, caso não o queira, a compensação financeira pela sua
quota-parte, agora apurada segundo o valor da avaliação, não mais sobre o preço
obtido na alienação judicial (art. 843 do CPC/15).
5. Nesse novo regramento, a oposição de embargos de terceiro pelo cônjuge ou
coproprietário que não seja devedor nem responsável pelo adimplemento da
obrigação se tornou despicienda, na medida em que a lei os confere proteção
automática. Basta, de fato, que sejam oportunamente intimados da penhora e da
alienação judicial, na forma dos arts. 799, 842 e 889 do CPC/15, a fim de que lhes
seja oportunizada a manifestação no processo, em respeito aos postulados do
devido processo legal e do contraditório.
6. Ainda, a fim de que seja plenamente resguardado o interesse do coproprietário
do bem indivisível alheio à execução, a própria penhora não pode avançar sobre o
seu quinhão, devendo ficar adstrita à quota-parte titularizada pelo devedor.
7. Com efeito, a penhora é um ato de afetação, por meio do qual são
individualizados, apreendidos e depositados bens do devedor, que ficarão à
disposição do órgão judicial para realizar o objetivo da execução, que é a satisfação do credor.
8. Trata-se, pois, de um gravame imposto pela atuação jurisdicional do Estado, com
vistas à realização coercitiva do direito do credor, que, à toda evidência, não pode
ultrapassar o patrimônio do executado ou de eventuais responsáveis pelo
pagamento do débito, seja qual for a natureza dos bens alcançados.
9. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao
recurso especial nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros
Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura
Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 13 de abril de 2021(Data do Julgamento)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cuida-se de recurso especial interposto por NORIYUKI TAKAHASHI e
HARUMI KIMURA TAKAHASHI, com fundamento, exclusivamente, na alínea "a" do
permissivo constitucional.
Ação: de indenização, em fase de cumprimento de sentença, ajuizada
pelos recorrentes em desfavor de WRJ ENGENHARIA LTDA e LUCILENE
MALAQUIAS DA CUNHA PINHO.
Decisão interlocutória: indeferiu o pedido formulado pelos
recorrentes para que fosse levado a leilão judicial a integralidade do imóvel cuja
quota-parte de 50%, pertencente à executada WRJ ENGENHARIA LTDA, fora
penhorada nos autos.
Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto
pelos recorrentes, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 348):
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMÓVEL. COPROPRIEDADE. CONDOMÍNIO
INDIVISÍVEL. PENHORA. FRAÇÃO IDEAL DE TITULARIDADE DO DEVEDOR
EXPROPRIAÇÃO. ALIENAÇÃO JUDICIAL. INTEGRALIDADE DO BEM.
IMPOSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DA COTAPARTE DO CO-PROPRIETÁRIO.
OBSERVÂNCIA À PENHORA CONSUMADA. IMPRESCINDIBILIDADE.
1. A constrição judicial incidente sobre a parte do imóvel detido
em condomínio indiviso pertencente ao condômino executado é legalmente resguardada, não sobejando possível, contudo, diante do alcance da penhora
consumada, a expropriação, via alienação judicial, da integralidade da coisa
como se houvesse sido penhorada na sua completude, pois implica a
desconsideração do ato constritivo e os limites da medida constritiva, afetando o
direito do coproprietário sem que antes tivesse oportunidade de salvaguardar
seus interesses (CPC, art. 843).
2. Agravo conhecido e desprovido. Unânime".
Embargos de declaração: opostos pelos recorrentes, foram
rejeitados.
Recurso especial: alega violação do art. 843 do CPC/15, aos
argumentos de que: (i) referido dispositivo legal autoriza o leilão de bem imóvel
indivisível, devendo a quota-parte do coproprietário recair sobre o produto da
alienação do bem; (ii) a norma não exige que haja a penhora da integralidade do
bem para que este seja levado à leilão.
Juízo de admissibilidade: o recurso foi admitido pelo TJDFT.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
O propósito recursal consiste em dizer se, para que haja o leilão
judicial da integralidade de bem imóvel indivisível – pertencente ao executado em
regime de copropriedade –, é necessária a prévia penhora do bem por inteiro ou,
de outro modo, se basta a penhora da quota-parte titularizada pelo devedor.
I. DA EXPROPRIAÇÃO DE BEM INDIVISÍVEL. ARTS. 655-B DO
CPC/73 E 843 DO CPC/2015.
1. Desde a vigência do Código de Processo Civil de 1973, busca o
legislador tornar o procedimento de satisfação dos créditos mais efetivo,
prestigiando, por meio da remoção de óbices formais e da ampliação das medidas
executivas, a tutela do direito em favor do credor.
2. Dentre as diversas reformas empreendidas no Código revogado,
procurou o legislador, por meio de dispositivo da Lei 11.382/06, resolver, no
âmbito legal, antigo problema que já enfrentava a jurisprudência dos Tribunais,
referente à penhora e alienação de bem indivisível – isto é, aquele que, uma vez
fracionado, sofre alteração da substância, diminuição considerável do valor ou prejuízo no uso, ex vi do art. 87 do CC/02 –, pertencente ao executado em regime
de copropriedade.
3. À época, a solução legal se focou na questão do devedor casado,
incorporando-se ao CPC/73 o art. 655-B, que passou a autorizar a alienação, por
inteiro, do bem indivisível de propriedade comum do devedor e seu cônjuge,
protegendo-se a meação deste ao lhe ser destinado parte do valor auferido com a
venda.
4. Veja-se o que dispunha o artigo: “Art. 655-B. Tratando-se de penhora em bem indivisível, a
meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do
bem”.
5. Consoante elucida a doutrina, o objetivo da norma em comento foi,
à toda evidência, o de estimular a aquisição do bem indivisível no
procedimento de alienação judicial, haja vista que a alternativa – qual seja, a
criação de um condomínio entre o cônjuge alheio à execução e o adquirente – despertaria pouco ou quase nenhum interesse entre possíveis licitantes.
6. Realmente, como já anotava Humberto THEODORO JÚNIOR, a
alienação judicial de simples cota ideal do bem comum representa reduzida
liquidez, pois é “evidente o quase nenhum interesse despertado entre os possíveis
licitantes numa hasta pública em tais condições; e quando algum raro interessado
aparece só o faz para oferecer preço muito inferior àquele que se apuraria na
alienação total do bem” (Curso de direito processual civil, vol. II, 48ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2013, p. 318).
7. Na mesma linha de intelecção, lecionou Fernando da Fonseca
GAJARDONI:
“O motivo que levou a jurisprudência a admitir a alienação
integral do bem indivisível – o qual certamente acabou por também convencer o legislador reformador – é evidente: bastante reduzida seria a procura pelo
bem, caso o arrematante/adjudicante só pudesse adquirir o domínio
de parcela do bem, mantendo, assim, o estado de indivisão da coisa e
o condomínio com terceiro não executado (o cônjuge do devedor), no
mais das vezes pessoa desconhecida. Aliás, seria uma dupla perda de tempo, obrigando o credor/
arrematante/adjudicante a ajuizar ação de dissolução de condomínio,
justamente para se chegar naquela mesma fase processual anterior, que é a da
alienação do bem em sua totalidade. Óbvio que a solução anterior era
totalmente inadequada, para todos os envolvidos, inclusive com discussões
sobre o uso exclusivo do bem por um em detrimento do outro.
Aliás, se uma das finalidades da penhora é a alienação do bem
para que o seu equivalente monetário venha a satisfazer o crédito do exequente
(art. 708, I, do CPC), não havia sentido para que se impusessem óbices à efetiva
transformação dos bens do devedor em dinheiro, ainda que, com isso, o
cônjuge, em certas condições e preservado o direito ao recebimento de parcela
de produto, fosse atingido” (Penhora e expropriação de bem indivisível:
pela evolução da jurisprudência do STJ em prol da interpretação
potencializada do art. 655-b do CPC. In: O papel da jurisprudência no STJ.
São Paulo: RT, 2014, p. 919-934, grifou-se).
8. Sob o mesmo móvel de proporcionar mais efetividade à execução,
ao passo em que se concilia o interesse de quem dela não participa, o Código de
Processo Civil de 2015 conservou a norma ora em análise, e, indo além, a ampliou,
a fim de abranger outras situações condominiais que não aquela decorrente do
regime de casamento.
9. Com efeito, atualmente, por força do art. 843 do CPC/2015, é
admitida a alienação integral do bem indivisível em qualquer hipótese de
propriedade em comum, resguardando-se, ao coproprietário ou cônjuge alheio
à execução, o equivalente em dinheiro da sua quota-parte no bem.
10. A propósito, para maior elucidação, confira-se a redação do
dispositivo em vigor:
“Art. 843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o
equivalente à quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à
execução recairá sobre o produto da alienação do bem.
§ 1º É reservada ao coproprietário ou ao cônjuge não executado a
preferência na arrematação do bem em igualdade de condições.
§ 2º Não será levada a efeito expropriação por preço inferior ao da avaliação na qual o valor auferido seja incapaz de garantir, ao coproprietário ou
ao cônjuge alheio à execução, o correspondente à sua quota-parte calculado
sobre o valor da avaliação”. (grifou-se)
11. É de se notar, aliás, que o novo diploma processual, para além de
estender as hipóteses em que admitida a expropriação de bem indiviso quando há
coproprietário alheio à execução, também reforçou a proteção a esse terceiro
que não é devedor nem responsável pelo pagamento do débito.
12. Por um lado, a Lei agora expressamente garante ao coproprietário
direito de preferência na arrematação do bem, caso não queira perder sua
propriedade mediante a compensação financeira (§ 1º).
13. Não exercendo tal direito, preserva-se hígido, ainda, o seu
patrimônio, mediante a liquidação da sua quota-parte com base no valor da
avaliação do imóvel (§ 2º), não mais segundo o preço obtido na alienação
judicial, como ocorria no regime anterior.
14. Deveras, como já se pronunciou essa Corte, “essa nova disposição
legal (...) amplia a proteção de coproprietários inalcançáveis pelo procedimento
executivo, assegurando-lhes a manutenção integral de seu patrimônio, ainda
que monetizado” (REsp 1.728.086/MS, 3ª Turma, DJe 03/09/2019, grifou-se).
II. DA DISPENSABILIDADE DOS EMBARGOS DE TERCEIRO E
DOS LIMITES DA PENHORA.
15. Sob esse novo quadro normativo, introduzido pelo CPC/2015,
desponta ainda outro aspecto relevante acerca da alienação de bem indivisível: a
oposição de embargos de terceiro pelo cônjuge ou coproprietário alheio
à execução se tornou dispensável, na medida em que a lei lhes confere
proteção automática, tanto pela preferência na arrematação do bem, como pela preservação integral do seu patrimônio, se convertido em dinheiro.
16. É suficiente, de fato, que o coproprietário, seja ele cônjuge ou não,
seja oportunamente intimado da penhora e da alienação judicial, na forma dos arts.
799, 842 e 889 do Código, a fim de que lhes seja oportunizada a manifestação no
processo, em respeito aos postulados do devido processo legal e do contraditório.
17. Por oportuno, calhar anotar que o art. 674, § 2º, do CPC/2015, ao
tratar da legitimidade e do interesse para a oposição de embargos de terceiro, faz
referência à defesa do cônjuge ou companheiro quanto aos bens próprios ou de
sua meação. Todavia, o dispositivo expressamente ressalva o disposto no art. 843
do Código, indicando, de forma indubitável, a desnecessidade dos embargos do
cônjuge ou companheiro quando se tratar da hipótese de constrição de bem
indivisível comum.
18. Confira-se:
“Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer
constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais
tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu
desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.
§ 1º Os embargos podem ser de terceiro proprietário, inclusive
fiduciário, ou possuidor.
§ 2º Considera-se terceiro, para ajuizamento dos
embargos:
I - o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse
de bens próprios ou de sua meação, ressalvado o disposto no art.
843 (....)” (grifou-se)
19. A propósito, ressalte-se que, embora não mencionados no texto
do art. 674, § 2º, a ressalva feita ao cônjuge ou companheiro estende-se também
aos demais coproprietários de bem indivisível, cuja quota-parte restará
invariavelmente protegida, por força do art. 843 do Códex, independentemente de
embargos.
20. De fato, “independentemente do ajuizamento de embargos de terceiro, havendo penhora e alienação de bem indivisível, a meação do cônjuge ou
o quinhão de condômino serão preservados (...). Em situações tais, com o escopo
de evitar outras impugnações e conferir maior eficácia à execução, optou o
legislador por dispensar o ajuizamento de embargos de terceiro,
conferindo proteção automática ao cônjuge ou condômino” (BAIOCCO,
Elton. In Código de Processo Civil Comentado, Coordenador-Geral José
Sebastião Fagundes Cunhas, 1ª ed. em e-book. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2016, grifou-se).
21. Com o mesmo entendimento, veja-se também:
“Defesa da meação. Imóvel divisível. A intimação da
penhora de bem imóvel divisível propicia ao cônjuge ou companheiro alheio à
execução defender sua meação mediante embargos do executado ou embargos
de terceiro. Em se tratando de penhora sobre imóvel indivisível, o
cônjuge/companheiro alheio à execução não precisará opor embargos
de terceiro para livrar sua meação, pois o produto da alienação lhe
será destinado, conforme determina o CPC 843. [...]
Reserva da meação/da parte ideal. A providência da norma é
de evitar-se o ajuizamento de embargos de terceiro (CPC 674) pelo
cônjuge ou companheiro meeiro de imóvel indivisível (...). Com o esvaziamento
dos embargos de terceiro, garante-se a meação do cônjuge e evitam-se outras
impugnações, de modo a tornar a execução mais célere e eficaz (...). A garantia
da meação do cônjuge foi ainda mais reforçada pelo fato de que expressamente
se exige, agora, que o valor da expropriação alcance a quota parte daquele (...).
O atual CPC estendeu a possibilidade da reserva à parte ideal do
coproprietário, nas mesmas condições em que ocorre a reserva da
meação” (NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE, Rosa Maria Nery de. Código de
Processo Civil comentado, 3ª ed. em e-book. São Paulo: Thomson Reuters
Brasil, 2018, p. 1806 e 1.807, grifou-se)
“Além das pessoas referidas no art. 799 do CPC/2015, devem ser
intimados, também, o cônjuge, se presentes as circunstâncias referidas no art.
842 do CPC/2015, e o coproprietário de bem indivisível, quando penhorada
fração ideal (art. 889, II do CPC/2015). A intimação, nos casos do cônjuge e do
coproprietário, deve ser observada sob pena de violação ao devido processo
legal (art. 5.º, LIV da Constituição). Ora, no caso, autoriza a lei, a alienação de
quota-parte de terceiro não executado, e o direito do terceiro incidirá sobre o
produto da alienação, que tomará por base o valor da avaliação (cf. art. 843, §
2.º do CPC/2015). Impõe-se, portanto, a intimação prévia dessas pessoas (...). As intimações referidas devem ser realizadas com pelo menos cinco dias de
antecedência da alienação judicial (cf. art. 889, II e ss., do CPC/2015),
considerando-se ineficaz a alienação em relação àquele que deveria ter sido
cientificado, caso não realizada a intimação (cf. art. 804 do CPC/2015)” (MEDINA,
José Miguel Garcia. Código de processo civil comentado, 4. Ed. em e-book. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020).
22. Entrementes, impõe destacar que o pleno resguardo do interesse
do coproprietário do bem indivisível – inclusive para o fim de tornar desnecessária
a oposição de embargos de terceiro –, exige, também, que a própria penhora não
avance sobre seu quinhão, limitando-se à quota-parte titularizada pelo
devedor.
23. De fato, não se pode olvidar que “a penhora é um ato de
afetação porque sua imediata consequência, de ordem prática e jurídica, é
sujeitar os bens por ela alcançados aos fins da execução, colocando-os à
disposição do órgão judicial para, à custa e mediante sacrifício desses bens,
realizar o objetivo da execução, que é a função pública de dar satisfação ao
credor” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, vol.
II, 48ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 440, grifou-se).
24. O ato da penhora, efetivamente, importa individualização,
apreensão e depósito dos bens do devedor (arts. 838 e 839 do CPC/15), e, uma vez
aperfeiçoado, acarreta a indisponibilidade sobre os bens afetados à execução.
Trata-se, à toda evidência, de um gravame imposto pela atuação jurisdicional do
Estado, com vistas à realização coercitiva do direito do credor.
25. Nessa ordem de ideias, é indubitável que esse gravame judicial
não pode ultrapassar o patrimônio do executado ou de eventuais
responsáveis pelo pagamento do débito, seja qual for a natureza dos
bens alcançados.
26. Daí porque, mesmo em se tratando de bem indivisível, a penhora
deve cingir-se à quota-parte pertencente ao devedor, pois somente esta está
afetada à execução e, uma vez liquidada, é que se destinará ao pagamento do
credor.
27. Ao coproprietário do bem indivisível até pode ser imposta a
extinção do condomínio e a conversão de seu direito real de propriedade pelo
equivalente em dinheiro – como visto, por uma necessidade de conferir eficiência
ao processo executivo –, porém, até que isso ocorra, quando ultimada a alienação
judicial, sua parcela do bem deve permanecer livre e desembaraçada.
28. Em resumo, como afirma Humberto THEODORO JÚNIOR, “a
penhora (...) não vai além da quota ideal do executado. O imóvel é alienado
judicialmente por inteiro, como meio de liquidar a quota penhorada” (op. cit., p.
512).
III. DA HIPÓTESE DOS AUTOS.
29. A par dessas considerações, verifica-se que, na hipótese dos autos,
houve a penhora da fração de 50% de uma loja comercial pertencente à executada
WRJ ENGENHARIA LTDA, sendo a fração remanescente de titularidade de terceiro
alheio à presente execução (Habra Engenharia Indústria e Comércio Ltda).
30. Os direitos sobre a quota-parte da executada foram levados a
leilão judicial, o qual, todavia, restou frustrado, por ausência de licitantes
interessados.
31. Em razão disso, os credores, ora recorrentes, requereram que o
imóvel fosse integralmente submetido à hasta pública, com espeque no já
mencionado art. 843 do CPC/15; porém, o pedido foi indeferido pelo juiz do 1º
grau de jurisdição.
32. Em segundo grau, o indeferimento do pedido foi mantido pelo
TJDFT, nos seguintes termos:
“Deflui do preceptivo legal trasladado que afigura-se possível a
alienação judicial de imóvel indivisível, desde que a constrição judicial
incida sobre a integralidade do bem. Nesse caso, deve ser resguardado ao
co-proprietário estranho à execução o produto obtido com a alienação, na
proporção de seu domínio.
[...]
Do alinhado germina a compreensão de que, na hipótese, não se
afigura possível a alienação da integralidade do imóvel penhorado, tendo em
vista que a penhora recaíra apenas sobre a fração ideal de titularidade da
primeira agravada, devendo ser preservada, portanto, a parte do outro
co-proprietário, titular de 50% (cinquenta por cento) do domínio. Com efeito,
a penhora, no caso, incidira somente sobre esse quinhão, tornando
inviável que, no momento da expropriação, seja alienado como se a
penhora tivesse alcançado a integralidade da coisa” (e-STJ fls. 351-352,
grifou-se).
33. Como se observa, entendeu o Tribunal de origem que o fato de a
penhora ter recaído apenas sobre a quota-parte da executada constituiria óbice à
posterior alienação judicial do bem em sua integralidade.
34. Ocorre que, consoante discorrido neste voto, outra não poderia
ser a extensão da penhora que não a precisa parcela pertencente à devedora.
35. Com efeito, como apenas o quinhão desta responde pela presente
execução, não poderia a penhora recair sobre o bem por inteiro, porquanto isso
implicaria injusto e desnecessário gravame à quota da coproprietária, até que fosse
efetivada a alienação judicial e, com isso, se lhe entregasse o equivalente
monetário.
36. Dessa maneira, não subsiste, na espécie, o mencionado
impedimento à alienação do imóvel como um todo, sendo de rigor, portanto, o
acolhimento do presente recurso especial.
Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e DOU-LHE PROVIMENTO, para autorizar a alienação judicial da integralidade do imóvel cuja
fração de 50% foi penhorada nos autos.